domingo, 31 de outubro de 2010

Reforma Luterana - 31 de outubro

Reforma - 2010.
Rm 3.19-28

Introdução
     Com grande alegria, viemos hoje à casa de Deus para celebrar a festa da Reforma Luterana. Somos gratos a Deus pela restauração da verdade e preservação da mesma entre  nós.
     As bênçãos da Reforma são muitas: Tais como
- A Bíblia como fundamento único e autoridade na igreja.
- A distinção entre Lei e Evangelho.  
- A doutrina da justificação do pecador somente pela graça por fé.
- A liberdade cristã.
- A doutrina do sacerdócio universal de todos os crentes e do ministério.
- A separação entre Igreja e Estado. Entre outras verdades preciosas.
     A doutrina da justificação do pecador pela graça de Cristo, no entanto, é a principal.
     Ao agradecermos a Deus por esta bênção, queremos, ao mesmo tempo reafirmar nosso compromisso com esta verdade bíblica. E, por mais que desejamos e buscamos a unidade com outras igrejas cristãs, não podemos abrir mão dessas verdades. Cumpre  lembrar que verdadeiro amor está firmado na verdade e não atua contra a verdade bíblica.
     Vejamos em que consiste a bênção principal e central da Reforma Luterana, a doutrina da justificação do pecador pela graça de Cristo, que recebemos pela fé. 

I - Terror de Consciência
     Em primeiro lugar queremos lembrar qual foi a pergunta que levou à Reforma luterana? A pergunta que martirizou Lutero foi: Como poderei conseguir um Deus gracioso e misericordioso? Hoje, esta pergunta nos pareça estranha, pois ouvimos de todos os lados: Deus é amor.
     Vamos rever um pouco a história para compreender o que levou Lutero a esta pergunta sobre um Deus misericordioso. Lutero foi um jovem educado nas verdades cristãs. Ele conhecia o Deus triúno, os mandamentos de Deus,  Jesus, o Filho de Deus, Salvador e juiz. Todas essas verdade, no entanto, foram lhe ensinadas com um enfoque na lei de Deus. Mesmo como Salvador, Jesus foi-lhe apresentado como severo juiz que nos recebe no batismo, mas depois, todos os pecados cometidos após o batismo, nós teremos que pagar.
     Lutero foi um menino bem comportado. Quando esteve na Universidade estudando jurisprudência, aprofundou-se no conhecimento da lei. Isto o deixou muito atribulado em relação a Deus. Se Deus é juiz absoluto, quem poderá subsistir diante dele. A lei despertou nele um incrível “terror de consciência”. Daí a pergunta: Como conseguirei um Deus misericordioso. Ele perguntou a igreja; Que devo fazer? A igreja lhe respondeu: Esforça-te por vida santificada, jejua, ora, compra perdão pelas indulgências. Mas se queres ter plena certeza, você precisa entrar num mosteiro a fazer voto de castidade e pobreza.
     Ele havia aprendido que pelo batismo, Deus derrama o amor de Cristo nos corações, pelo qual recebemos o perdão do pecado original, renascemos e nos tornamos filhos de Deus. E como novas criaturas, devemos viver uma vida santa. Esta nossa vida santa complementa a salvação. Portanto, somos salvos por Cristo, mas precisamos completar a salvação por nossas boas obras, e quem não o conseguir aqui, terá que completá-la pelo sofrimento no purgatório.
      Aqui começaram os problemas. Aqui estava escondido o erro de uma má interpretação da Escritura. A igreja ensinava que somos salvos pela fé e pelas obras. A graça faz o início e as boas obras completamos a salvação. A pessoa que chegou à fé, deve trabalhar com este amor de Cristo derramado em seu coração. E por esta graça infusa viver uma vida santificada para merecer o céu. Portanto, não pelo “Cristo por nós”, mas pelo “Cristo em nós”. Lutero tomou isto muito a sério e lutou para viver uma vida santa, mas não conseguiu. Ele desesperou, e tomou a decisão de entrar no mosteiro. Fez tudo o que lhe foi prescrito, mas não conseguiu a perfeição, nem a paz. Pelo contrário, quanto mais lutava, tanto maior foi seu terror de consciência. O Prior, assim se chamava o presidente do mosteiro, lhe disse: - Lutero, você deve amar a Deus e crer no perdão! Lutero respondeu: - Como posso amar a Deus que me exige, ameaça e condena? Eu o odeio! Não posso amar nem crer num Deus que me condena! - O Prior lhe respondeu: Mas você deve amar a Deus! - Eu não posso, respondeu Lutero. Esta é a questão: Não podemos temer, amar e confiar em Deus que, pela lei, exige perfeição absoluta, ameaça e condena a menor transgressão. Lutero estava certo. A visão que ele tinha de Deus era correta. Ele se esforçava por cumprir a lei. Mas quem está debaixo da lei, está condenado. Lutero recebera uma falsa visão do Evangelho, que Deus só será misericordioso, para aquele que, após o batismo, cumprir a lei. Daí a sua angustiante pergunta: Como conseguirei um Deus misericordioso? – Eu me pergunto: Quantos ainda hoje, especialmente nas seitas que pregam: Você deve obedecer, dar, etc., se defrontam com a mesma pergunta de Lutero.
     O Prior do mosteiro, vendo a angústia de Lutero e como ele se martirizava, recomendou a Lutero que fosse estudar na Universidade, julgando que mantendo-o ocupado, esquecerá essas idéias.
     Na Universidade Lutero, já padre, encontrou a Bíblia e passou a ler. Bíblias existiam, mas eram muito caras. Só grandes cidades possuíam uma. Nos primeiros estudos, o seu terror de consciência aumentou. Palavras como estas: “Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz, para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém será justificado diante ele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (v.19).
     Hoje isso nos aprece um tema estranho. Terror de consciência!” Isto porque não conhecemos mais a fundo a santidade e a lei de Deus, o poder da ira de Deus. Fala-se levianamente do amor de Deus, como se ele não castigasse ninguém, antes tivesse a obrigação de perdoar tudo. Por isso não se compreende a verdadeira misericórdia de Deus. 
     Nossa razão, ao ouvir a lei de Deus que condena a todos, protesta e afirma: Deus não pode fazer isto! Ele não pode condenar as pessoas que se esforçam para levar uma vida digna, que procuram cumprir com seus deveres familiares, sociais e na igreja, e igualá-los aos pecadores marginais, com bandidos, meretrizes e vagabundos. Isto seria injusto. Tais pensamentos parecem muito corretos à nossa razão. Por isso pessoas, que sofrem, exclamam muitas vezes, que eu fiz para merecer isto? Deus, porém, afirma: “Não há justo, nem sequer um.” Diante de Deus, somos todos culpados, e pelas obras da lei não há salvação, para ninguém. Confessamos: “Eu, pobre e miserável pecador, tenho merecido o teu castigo temporal e terno”.
     Proteste o homem como quiser, ele está debaixo da lei que o condena. Só em Cristo há salvação.

II - “Mas, agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus... sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus... para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus. Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei.”
     “Justificado”. Lutero custou a compreender o significado desta palavra. Justificado significa ser declarado justo, perdoado, sem pecado. E isto não por justiça própria, mas por justiça alheia. Não por nosso merecimento,
- porque nós nos arrependemos, 
    - porque cremos,
      - porque renascemos,
         - porque temos o propósito de corrigir a nossa vida,
            - porque mudamos de vida. Não, nada disto.
     Simplesmente porque Cristo, o eterno Filho de Deus, o “Cordeiro de Deus,” veio ao mundo, humilhou-se, nascendo da virgem Maria, tornou-se nosso irmão na carne, cumpriu a lei de Deus perfeitamente em nosso lugar, pagou nossa culpa e nos conquistou completo e suficiente perdão, a salvação. Agora a lei não pode requerer mais nada daquele que está em Cristo pela fé. Cristo salvou a humanidade. A Bíblia afirma: “Deus amou o mundo e deu seu Filho unigênito para que to que nele crê não pereça” Jo 3.16. E: “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo” 2 Co 5.19. Reconciliar é conciliar as contas. Ele conciliou nossas contas e “nos confiou a palavra da reconciliação. Deixai-vos reconciliar com Deus.” E toda a pessoa que reconhece seus pecados e confia na graça de Cristo, nesta graça alheia, tem perdão, vida e eterna salvação.
     Quando Lutero descobriu esta verdade e o seu significa ele ficou radiante. O evangelho não anula a lei. Mas Lutero reconheceu o amor de Deus. O amor incondicional. O amor do qual ele ouvira falar, mas que lhe fora apresentado errada e condicionalmente. Agora Lutero reconheceu o amor incondicional. Somos salvos, inteiramente, do começo ao fim, somente pela graça. Deus fez tudo. Nada, nada mais precisa ser feito por nós. É um presente de Deus. Somos justificados unicamente pela fé na graça de Cristo. A Lei nos mostra que Deus odeia o pecador e o condena. O Evangelho nos mostra que em Cristo, Deus ama o pecador e quer salvá-lo.  
     A fé, em si não justifica. A fé em si não nos torna dignos diante de Deus, a fé não nos torna merecedores da graça, mas a fé se apega à graça de Cristo, isto é, à sua justificação. A fé nos justifica, nos dá o perdão, não pelo que ela é, mas ao que se apega, à graça. A fé confia, mesmo que tudo na volta parece destoar com o que a palavra de Deus afirma. A fé confia na palavra, como Abraão que creu e isto lhe foi imputado como justiça.

Fé e amor 
    E mais duas observações. A fé, não é simples conhecimento. Por vezes as pessoas pensam: Jesus salvou a todos. Que boa notícia. Que bom, e continuam em seus pecados. Não! Lutero depois que reconheceu a graça, afirmou que ele se tornou bem outra pessoa. A fé liberta da morte para a vida, da escravidão de Satanás, para a família de Deus. A fé nos fez renascer. Somos novas criaturas.
     A fé é vida que Deus dá a uma pessoa. E como vida, a fé precisa ser alimentada diariamente. Muitos que se tornaram cristãos, e jubilaram na graça, de repente se distanciam, novamente, dos meios da graça, da palavra e dos sacramentos, dos cultos, da comunhão com os irmãos, do trabalho da congregação, dizendo: Somos salvos por graça sem as obras da lei. A estes Lutero advertiu com as palavras de Tiago: A fé sem as obras é morta. É verdade que somos salvos pela fé, sem as obras da lei; mas a fé necessariamente produz boas obras, porque a fé sem obras é morta. É verdade que somos salvos unicamente pelo que Cristo fez por nós, não pelo que eu faço por Cristo. É verdade que somos salvos pelo Cristo que Cristo fez “por nós” na cruz e não pelo que Cristo faz “em nós” pelo seu Espírito Santo. Somos salvos unicamente pela graça de Cristo e não por graça e obras, ou fé e amor. Isto significa que na hora do consolo, só devo olhar no Cristo fora de mim, para a graça alheia, e não no Cristo em mim. Somos salvos unicamente por graça pela fé e não por fé e amor.
     Precisamos distinguir isto claramente, caso contrário, não teremos paz, nem certeza do perdão e da vida eterna. Esta diferença parece tão pequena e tão diminuta que muitos julgam: Não vale a pena discutir ou brigar por isso. Mas esta diferença é como um carril de desvio nos trilhos de trem. A diferença inicial é bem pequena, mas mudado o carril, os trilhos levam a direções e lugares bem diferentes. Por isso, na doutrina da justificação pela graça, não podemos permitir nenhum desvio. É a doutrina pela qual a igreja permanece de pé ou cai. Somos salvos unicamente por graça. Na justificação não entra o amor, mas a fé produz frutos do amor. Somos salvos somente por graça pela fé, sem as obras da lei; mas a fé necessariamente produz boas obras. Isto não é um simples trocadilho, mas uma verdade que precisa ser mantida. Quem errar nisto, perde a paz e o consolo.
     Esta é a consolação da Bíblia. Esta consolação permanece em todos os momentos de nossa vida, até ao último passo, na morte e diante do juízo de Deus. A graça de Cristo é o manto da “justiça de Cristo” pelo qual subsistiremos diante do tribunal de Deus.
      Assim Lutero, como todos os cristãos, se consolou e nós nos consolamos. E, ao mesmo tempo, zelam com todas as forças de sua alma por vida santificada, não para obterem a justificação, mas por terem sido justificados, consolados com a graça.
    Esta é a bênção da Reforma Luterana, o presente que Deus nos deu e preservou até os nossos dias. Por esta bênção agradecemos e louvamos a Deus. Para conservá-la, queremos permanecer apegados à palavra de Deus, a Bíblia, e nossas Confissões. É um dever de todos ler e reler as Confissões ( pelo menos o Catecismo Menor e Confissão de Augsburgo), não só dos pastores, mas de todos os membros, para que ninguém nos roube este tesouro. E ao mesmo tempo confessar esta verdade destemida e corajosamente diante de quem quer que seja, como o fizeram nossos pais. Amém.
                                                                                        São Leopoldo, 30/10/2010
                                                                                           Horst R. Kuchenbecker