500 Anos da Reforma
31 de outubro de 2017
Se fiel até a morte e dar-te-ei a coroa da vida. (Ap 2.10)
Introdução
As igrejas cristãs (luteranas,
reformadas, unidas e anglicanas e também católicas) estão se preparando para os
500 Anos da Reforma Luterana, que
será celebrada no dia 31 de outubro de 2017.
Pela iniciativa da Federação Luterana Mundial (FLM), as
igrejas luteranas do mundo declaram os 10 anos que antecedem os festejos dos
500 anos a Década de Lutero. A FLM
elaborou um tema com sub temas para cada ano desta década. A Selbständige Evangelisch-Lutherische Kirche
(SELK) da Alemanha, nossa igreja irmã, elaborou seu temário próprio. Durante esta caminhada da década de Lutero,
cada celebração da Reforma, no dia 31 de outubro, tem seus destaques especiais.[1]
Estes preparativos estão
desencadeando uma série de perguntas, que são encaminhadas para diversos grupos
de estudo e debates em busca de respostas e soluções. Há perguntas gerais, com as quais todos se
preocupam e perguntas específicas com as quais cada igreja individualmente se
ocupará. Há perguntas que nos afligem como Igreja Confessional, como Comunidade
e perguntas que nos afligem individualmente, como cristãos luteranos.
Como nós, luteranos
confessionais, que assinamos sob juramento a inalterada Confissão de Augsburgo
de 1530 e o Livro de Concórdia de 1580, estamos encarando esses festejos? Como
vamos celebrá-los? Que desafios confessionais nos aguardam? Para responder essas
perguntas e nos preparar para os festejos dos 500 Anos da Reforma, sim, para
cada festividade da Reforma, nos será proveitoso fazer uma retrospectiva, a fim
de ver como e em que situações nossos pais celebraram os primeiros centenários;
para então analisarmos nossa conjuntura e nossa responsabilidade nos dias
atuais como igreja confessional.
Em primeiro lugar queremos
olhar para as 95 Teses. O que levou Lutero a formulá-las. Seu conteúdo
principal. Que lutas desencadearam. Em segundo lugar queremos ver como surgiu a
idéia de festejar a Reforma e como ela foi festejada durante os primeiros
centenários. Em terceiro lugar, como nos preparar e como celebrar os 500 Anos
da Reforma em 2017, se Deus nos permitir festejá-lo, se o dia do Juízo Final
não irromper antes.
I – As 95 Teses
Antecedentes
Os primeiros frutos da fé
em Lutero foram a exposição dos 7 Salmos de penitência (6, 32, 38, 51, 102, 130,
143), impressos em abril de 1517, em língua alemã, para serem lidos pelo povo.
Neste trabalho Lutero mostra: 1) A morte da alma e o inferno; 2) a vitória da
alma sobre morte e inferno; 3) a vida da alma e sua vitória. Imediatamente foi
necessária uma segunda edição.
Numa segunda disputa em
04/09/1517, Lutero destronou Aristóteles e Platão do âmbito da religião, sim,
toda a teologia pagã. A espada de dois gumes (Palavra de Deus: Lei e Evangelho)
trituraram o humanismo daquele tempo. As teses desta discussão foram impressas
e distribuídas. Naquele tempo, Christoph Scheurl escreveu: “Está à vista na
teologia uma grande mudança. Em breve será possível ser um teólogo sem
Aristóteles e Platão.” Melanchton, naquela oportunidade ainda não amigo de
Lutero, em sua gramática grega de 1518, criticou Lutero, tachando-o de
superficial. A universidade de Erfurt, Leipzig e mesmo os colegas de Lutero se
incomodaram com os escritos de Lutero contra Aristóteles e Platão, mas
Karlstadt e Armsdorf o apoiaram. As lutas e disputas, naqueles dias foram
intensas.
Então surgiu o padre
dominicano Tetzel com a venda de Indulgências. Ele era padre, mesmo assim tinha
duas filhas. Ele era hábil orador. O Conde de Brandenburg o contratou para
vender indulgências. Tetzel se gabava de ter feito mais pelo reino de Deus do
que a virgem Maria. Ele proclamava: “Tão logo a moeda tinir no cofre, a alma de
vossos entes-querido sai do purgatório e vai para o céu.”
Lutero ficou revoltado. Ele disse a seus
amigos: “A casa de oração tornou-se, novamente, um covil de ladrões e
salteadores,” (Mt 21.13; Mc 11.17; Lc 9.46)
Lutero pregou fervorosamente
contra as indulgências, mas não entregou seus sermões logo para serem
publicados. Ele continuou estudando o assunto cuidadosamente durante seis meses
até lançar mão à pena para escrever. Ele sabia que o assunto vai despertar
acirradas discussões. Ao escrever tinha que medir cuidadosamente suas palavras
e precisava estar bem preparado para responder as indagações e acusações. Assim
formulou as 95 teses e as fixou no dia 31 de outubro de 1517, em latim, à porta
da igreja do castelo de Wittenberg, pois deveriam servir de base para discussão
com padres e professores sobre o assunto indulgências. As teses, no entanto,
foram logo copiadas e traduzidas para outras línguas. Elas correram qual fogo
em palha seca por toda a Europa. Chegaram também ao Papa em Roma que ficou
furioso, pois, com o dinheiro da venda das indulgências ele estava construindo a
Basílica de São Pedro em Roma. Banqueiros e duques tinham parte do lucro, por
isso as teses desencadearam árduas contestações e debates.
As 95 Teses de Frei Martinho Lutero
Contra o comércio das indulgências, 31 de outubro de 1517
Movido pelo amor e pelo empenho em prol do
esclarecimento da verdade, discutir-se-á em Wittenberg, sob a presidência do
Rev. Padre Martinho Lutero, o que segue. Aqueles que não puderem estar
presentes para tratarem o assunto verbalmente conosco, o poderão fazer por
escrito.
Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.
As teses ainda hoje são
importantes e merecem ser lidas e estudadas com cuidado. Aqui queremos destacar
somente algumas principais: 1, 6, 11, 27, 32, 36, 37, 43,
46, 62, 82, 86, 92.
1ª Tese –
Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos etc., certamente
quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo e ininterrupto
arrependimento. (Chamado ao arrependimento).
6ª Tese – O
papa não pode perdoar dívida senão declarar e confirmar aquilo que já foi
perdoado por Deus, ou então o faz nos casos que lhe foram reservados. Nestes
casos, se desprezados, a dívida em absoluto deixaria de ser anulada ou
perdoada.
11ª Tese – Este
joio, que é o de transformar a penitência e satisfação, previstas pelos cânones
ou estatutos, em penitência ou penas do purgatório, foi semeado enquanto os
bispos dormiam. – (As falhas da igreja)
27ª Tese –
Pregam futilidades humanas quantos alegam que no momento em que a moeda soa ao
cair na caixa a alma se vai do purgatório.
32ª Tese – Irão
para o diabo, juntamente com os seus mestres, aqueles que julgam obter certeza
de sua salvação mediante breves de indulgência.
36ª Tese – Todo
o cristão que se arrepende verdadeiramente dos seus pecados e sente pesar por
ter pecado, tem pleno perdão da pena e da dívida, perdão esse que lhe pertence
mesmo sem breve de indulgência.
37ª Tese – Todo
e qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, é participante de todos os bens
de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem breve indulgência.
43ª Tese -
Deve-se ensinar aos cristãos, proceder melhor quem dá aos pobres ou empresta ao
necessitado do que os que compram indulgências.
46ª Tese –
Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem fartura, fiquem com o
necessário para a casa e de maneira nenhuma o esbanjem com indulgências.
62ª Tese – O
verdadeiro tesouro da igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de
Deus.
82ª Tese – Haja
vista exemplo como este: Por que o papa não livra duma só vez todas as almas do
purgatório movido pela santíssima caridade e considerando a mais premente
necessidade das mesmas, havendo santa razão para tanto, quando, em troca de vil
dinheiro para a construção da basílica de São Pedro livra inúmeras delas, logo
por motivo bastante infundado?
86ª Tese – Por
que o papa, cuja fortuna é maior do que a de qualquer rico opulento, não
prefere construir a basílica de São Pedro de seu próprio bolso em vez de o
fazer com o dinheiro dos cristãos pobres?
92ª Tese – Fora,
pois, com todos estes pregadores que dizem à Igreja de Cristo: Paz! Paz! Sem
que haja paz.
As lutas
após a publicação das teses
Como já dissemos, as Teses
desencadearam muitas discussões, debates, lutas e condenações; revolucionaram
cidades, Ducados, e especialmente o Papa que por sua vez instigou príncipes e
reis para que fizessem calar esse monge Lutero. Vamos mencionar aqui alguns dos
principais debates.
1. O Dr.
Hieronymus Schurf repreendeu Lutero severamente e lhe disse: Tu queres escrever
contra o Papa! O que pretendes alcançar com isso? Eles não o suportarão. Lutero
lhe respondeu: Mas eles precisam suportá-lo.
2. O
arcebispo Albrecht acusou Lutero de herege e entregou o assunto ao Papa. O papa
Leão X encaminhou o assunto ao superior de Lutero, Staupitz, para que fizesse
Lutero se retratar.
3. O assunto foi encaminhado à
Assembléia dos Agostinhanos, aos quais Lutero pertencia. Estava prevista uma
Assembléia desta Ordem nos dias 18/04/1518, em Heidelberg, para a qual Lutero
foi convocado. Lutero foi a pé e chegou lá no dia 25 de abril. Na Ordem do Dia
constava: Examinar a atitude do frade
rebelde. Para este encontro Lutero preparou 40 Paradoxos, baseados em São
Paulo e Sto. Agostinho. Defendeu a Teologia
da Cruz contra a Teologia da Glória.
As últimas doze destronaram a filosofia de Aristóteles. Encontravam-se ali três
jovens que vieram a ser, mais tarde, amigos de Lutero e precursores da Reforma
em suas regiões: Martim Bucer, João Brenz e Ehrard Schepf. Bucer escreveu ao
Dr. Beato Rhenanus: “Lutero presidiu um convenção dos seus irmãos da ordem em
que houve debates. Ele sustentou teses que não só ultrapassam toda a
expectativa, mas também pareciam quase todas heréticas. Ele possui uma maneira
maravilhosamente agradável para responder e grande paciência para ouvir. Na
pulverização das objeções, reconhece-se nele a perspicácia de Paulo. Todos
ficaram admirados.” O papa Leão X havia
encarregado o Procurador Marius de Perussis para fazer o exame de suspeita de heresia
e Hieronimus de Glunuci, bispo de Adkoli, deveria conduzir o processo. Mas em
lugar de examinar as teses, ele passou a acusar grosseiramente a Lutero.
Lutero respondeu: “Eu
esperava que o Papa iria me proteger, pois minhas teses estão repletas de
citações bíblicas e decretos papais. Eu estava certo de que o papa condenaria a
Tetzel e me abençoaria. Mas em lugar de uma bênção dele, recebo raios e
trovoadas e fui tratado como ovelha que
sujou a água do lobo. Tetzel saiu livre eu preciso deixar que me estraçalhem.”
4. Outra
luta. No dia 7 de agosto de 1518, o Papa convidou Lutero para que se
apresentasse dentro de 60 dias em Roma, pois pesava contra ele a acusação de
ser herético. Mas o Eleitor da Saxônia, Frederico o Sábio, não estava
interessado em perder a maior luz de sua Universidade e pediu que Lutero fosse
julgado na Alemanha. Como a escolha de um rei estava às portas e o voto do
Eleitor Frederico era valioso ao Papa e ao rei, fizeram sua vontade.
O Cardeal Thomas Vio de
Gaeta ou Caieta, conhecido como Cajetano, foi o legado papal na dieta de
Augsburgo. Dele procedeu no Concílio de Latrão (1512 – 1517) a proposta de
considerar o Papa é infalível, acima dos Concílios e a igreja, sua serva.
Convocado a Augsburgo, Lutero foi a pé. Seus amigos temeram por sua vida e
insistiram para que não fosse. Pouco antes de Augsburgo Lutero adoeceu.
Levaram-no então de carroça até Augsburgo. Ali muitos queriam ver este monge
corajoso. O Dr. Peutinger o convidou à mesa. Cajetano se hospedou no palácio do
banqueiro Jacob Fugger.
No dia 11 de outubro de
1518, Lutero entrou no palácio para a audiência com Cajetano. Ao entrar, Lutero
se ajoelhou com o rosto em terra. Cajetano, muito cordial, ordenou que se
levantasse e pediu cordialmente que Lutero se retratasse. Ele não queria se
humilhar e discutir com um simples monge. Lutero insistiu que veio para
discutir temas bíblicos. Após algumas horas de discussões, Cajetano consentiu
que Lutero respondesse as questões por escrito. Lutero preparou as
respostas.
No dia 14/11 Lutero compareceu
com Staupitz, Feilitsch, Link e outros amigos novamente para a audiência com
Cajetano. Os italianos, curiosos de ver o monge, lotaram o recinto. Cajetano olhou
rapidamente as folhas que continham a resposta de Lutero e simplesmente pediu
que Lutero se retratasse.
Sobre esta reunião Lutero
escreveu: Dez vezes eu pedi a palavra, mas fui impedido de falar. Finalmente
levantei minha voz e disse: “Eu me retrataria se o Papa Clemente VII (1523 –
1534) de fato tivesse dito que a indulgência é o mérito de Cristo.” Cajetano
buscou o livro e leu triunfalmente: “Cristo conquistou por sua vida a
indulgência.” Ao que Lutero respondeu: Um momento, venerado Pai. Se Cristo
conquistou por seu sofrer e morrer este tesouro, então seu mérito não pode ser
a indulgência. O delegado ficou perplexo. Ele tentou esconder seu espanto, mas
Lutero não cedeu. Vocês acham que nós alemães não entendemos de gramática. Uma
coisa é “ser um tesouro” outra é “conquistar um tesouro.”
Cajetano era bom teólogo e
hábil dialético. Ele tinha escrito uma tese sobre indulgências. Mas aqui ele
foi refutado. Cajetano perdeu a paciência e expulsou Lutero da sala, dizendo:
Não me apareça aqui, a não ser para se retratar. Lutero escreveu ao Papa,
pedindo outro interlocutor, mais sábio que Cajetano. Cajetano pediu ao Papa que excomungasse Lutero
como herege.
O Dr. Campeggio que acompanhou
Cajetano em nome do Papa, disse mais tarde: Cajetano estragou tudo, usando de
violência.
No dia seguinte a este
último encontra com Cajetano, os amigos informaram a Lutero que as portas da
cidade estavam sendo vigiadas e que Lutero deveria fugir, no que eles o
auxiliaram. Ele fugiu à noite, a cavalo, sem espada, nem esporas, sem calças de
montaria e foi para Nuernberg. Isto no momento exato, pois no outro dia chegou
a ordem de Roma para que Cajetano trouxesse Lutero, esse herege, a Roma.
Após isso, o papa, devido
interesses políticos, mudou de tática. Tornou-se mais brando. Ele enviou a Karl
von Miltitz ao Eleitor Frederico da Saxônia, para conseguir o voto do mesmo na
eleição do rei e pedir que Lutero se calasse. Lutero concordou se os seus
opositores fizerem o mesmo.
Os adversários de Lutero,
no entanto, não guardaram silêncio. Lutero foi desafiado para novo debate com o
Dr. Eck. Lutero se preparou cuidadosamente para desse debate. Ele estudou as
leis canônicas da igreja do século XII e descobriu que parte dessas leis tinham
sido falsificadas. O debate foi realizado em Leipzig. O chanceler pomerano
Olswitzer de Roma informou que há a intenção de eliminar Lutero por
envenenamento ou uma facada.
No dia 24 de junho de 1519,
na companhia de 200 estudantes cingidos com suas espadas, dirigidas pelo Duque
Barnim, reitor da Universidade de Wittenberg e Lutero, entraram em Leipzig.
O bispo de Merseburg, por
meio de um panfletos quis impedir o debate, visto que Roma já havia condenado
Lutero pela Bula de 09/11/1518, mas o Duque Georg mandou que o bispo se
calasse. A Universidade de Leipzig não se envolveu nesta disputa histórica. Por
isso, no dia 27 de junho, o jurista Simon Pistoris chamou os visitantes
bem-vindos. Em procissão todos se dirigiram à igreja São Thomé. Dali eles
seguiram em procissão com banners e ao ritmo de tamborins ao castelo Pleissenburg
do Duque Georg. O professor Peter Mosellanus, prof. e poeta, saudou a todos com
um discurso de duas horas. Após o que todos se ajoelharam e um coral entoou o
hino: Komm, Heiliger Geist, Herre Gott (Santo Espírito, ó nosso Deus... (HL
142). Seguiu uma pausa de duas horas para almoço. O debate iniciou à tarde. Dr.
Eck defendeu, durante 4 dias, o livre arbítrio do ser humano. Dr. Karlstadt, a
livre graça. Cinco dias discutiram sobre o Poder do Papa. Dr. Eck defendeu que
o papado foi fundado por Jesus Cristo. Lutero o negou, dizendo ser uma instituição
humana.
No dia 5 de julho, o Dr. Eck
disse que a doutrina de Lutero de que a igreja aqui na terra não precisa de uma
cabeça e que o Papa não é necessário para a salvação, é a mesma heresia de Hus,
que o grande concílio de Constança condenou. A discussão foi árdua. Lutero,
realmente, se assustou com a grande brecha que estava se abriu entre ele e a
igreja.
No dia 6 de julho, Lutero
afirmou: Somente a Bíblia é infalível. Concílios podem e têm errado.
No dia 7 de julho, afirmou:
Concílios não têm o direito de decretar novas doutrinas. O Dr. Eck respondeu:
Se tu crês que Concílios não podem decretar novas doutrinas e têm errado, eu te
considero um “gentio e publicano”.
Lutero condenou a doutrina
do purgatório e das indulgências. No dia 14 de julho, no encerramento dos
debates, Lutero disse: “Vejo que o Dr. Eck entra tão fundo na Bíblia como uma
aranha na água, sim ele a teme, como o diabo, a cruz. Com todo o respeito aos
pais da igreja, eu me mantenho à Bíblia.”
Ao se encerrar os debates,
o Reitor da cidade de Leipzig, Johannes Lang, disse: “Lutero é um homem de
grande pureza, tanto no falar como no viver que segue o exemplo de Agostinho.”
O Dr. Eck foi festejado
durante nove dias, durante os quais pode desfrutar as regalias do palácio do
Duque George. Outros professores e nobres louvaram Lutero.
As coisas progrediram
rapidamente. Após o debate com Tetzel, Lutero apelou aos bispos, após o debate
com Cajetano, apelou ao Papa, no dia 25 de novembro de 1518, apelou ao Concílio;
no dia 6 de julho de 1519 apelou à Bíblia como única autoridade infalível.
Assim estava sozinho, tendo o mundo contra si. Este debate teve conseqüências ainda
cem anos depois, quando o rei da Suécia, Gustavo Adolfo, vindo em defesa da
causa luterana, perdeu a vida numa batalha na planície de Leipzig. (W.
Dallmann. Evg.-Lutherisches Kirchenbladt, nº 12, 15 de junho de 1917, p.
95).
Três livretos que abalaram o mundo
Os diversos debates despertaram em Lutero
muitas perguntas, vários assuntos precisavam ser examinados com maior
profundidade.
Especialmente o último debate com o Dr. Eck,
que comparou Lutero com Hus, levou Lutero a examinar os sermões de Hus, bem
como os documentos de condenação a Hus. Ao lê-los, Lutero exclamou: “Durante
cem anos o puro evangelho foi sufocado. O tempo de calar passou, é tempo de
falar.” (Ex 3.7) Ele examinou também os documentos sobre a autoridade secular
do papa e a doação de Constantino. Qual não foi sua surpresa ao descobrir que
os documentos da doação foram falsificados. Estes estudos o levaram a escrever.
O fruto desses seus estudos foram os três livretos que foram logo impressos e
alvoroçaram o mundo: À Nobreza Cristã da
Nação Alemão.[2]
Do Cativeiro Babilônico da Igreja Cristã.[3]
A Liberdade Cristã.[4]
Vejamos, resumidamente, o conteúdo destas três obras.
1.
À
Nobreza Cristã da Nação Alemã – O primeiro livreto, à Nobreza Cristã, foi
publicado
em abril de 1520. Neste documento Lutero mostra que a Igreja de Roma ergueu em
torno de si três muralhas, com as quais ela se defende, “de sorte que ninguém a
pôde reformar, razão por que toda a cristandade decaiu terrivelmente”. As
muralhas são:
1ª Muralha. “Quando a igreja foi ameaçada pelo poder
secular, a igreja determinou e disse que o poder secular não tem direito sobre
eles, e sim o contrário: o eclesiástico estaria acima do secular.” – Lutero
objetou: Todo o cristão batizado é sacerdote de Deus (1 Co 12.12ss.; 1 Pe 2.9)
2ª Muralha. “Quando se tentou mostrar os erros da igreja
pela Sagrada Escritura, eles objetaram dizendo que a ninguém cabe interpretar a
Escritura senão ao Papa.” – Lutero objetou: Querem ser mestres exclusivos da
Escritura, mas não a conhecem. Todo o cristão deve ler a Escritura e pode
compreendê-la. (1 Co 14.30; Jo 6.45; Lc 22.32; Jo 17.20; 1 Co 2.15; 2 Co 4.13)
3ª Muralha.
“Quando ameaçados com um concílio, inventaram que ninguém pode convocar um
concílio senão o Papa. Assim nos roubaram, às ocultas, as três varas, para
poderem ficar impunes e tomaram lugar na segura fortaleza destas três muralhas,
para praticar toda sorte de vilanias e maldades que agora vemos.”[5]
– Lutero objetou: Esta cai por si. Se o Papa age contra a Escritura, temos o
dever de admoestá-lo: Mt 18.15ss.; At 15.6. Não foi Pedro que convocou o
Concílio, mas todos os apóstolos.
Na segunda parte do livreto, Lutero expõe a terrível corrupção que
reina no pátio em Roma.
Na terceira parte, sugere 26 pontos para melhorar a situação.
2.
Do
Cativeiro Babilônico - Dois meses, após o lançamento do primeiro
livrinho,
já surge segundo, em 6 de outubro de 1520, como resposta à Bula de Excomunhão.
Esta obra coloca o machado na raiz da doutrina do papado. Lutero conhecia bem a
responsabilidade desse seu escrito. Ele encarou a tarefa com coragem e calma.
Ele ataca os sete sacramentos do Papa, dizendo que são sete argolas[6]
que escravizam os cristãos, do nascimento à sepultura.
a)
A Santa
Ceia deve ser administrada como instituída por Deus: em ambos os
elementos;
não é o sacerdote que transforma o pão em carne; a Santa Ceia não é um sacrifício incruento.
b)
O Santo
Batismo. Ele é em si uma bênção, mas o Papa o obscureceu com muitos votos,
peregrinações e obras.
c)
O ato
penitencial. Este ato não é um sacramento. Conseguimos consolo na
absolvição,
o perdão dos pecados, mas não como conseqüência de nossa contrição. O pecador
arrependido deve ser animado para que se console com o perdão de Cristo
oferecido, dado e selado pelo evangelho e sacramentos.
d)
A Confirmação.
Ela não é um sacramento, mesmo sendo algo bom e louvável
ensinar
crianças na palavra de Deus e abençoá-las, mas isso não é trabalho exclusivo de
um bispo.
e)
Os outros sacramentos romanos foram tratados e
contestados da mesma forma.
3.
Da
Liberdade Cristã – Neste sublime documento, tão proveitoso para
toda
a vida
cristã, Lutero afirma: Um cristão é senhor livre sobre todas as
coisas e não está sujeito a ninguém. Um
cristão é servidor de todas as coisas e sujeito a todos.
O documento trata da justificação do pecador
que recebemos pela fé na graça de Cristo e da vida em comunhão com Deus, da
santificação.
Na primeira tese, Lutero mostra que Cristo,
por seu sofrer e morrer pela humanidade na cruz, nos libertou. Este perdão,
esta justificação é oferecida pelo evangelho e recebida pela fé. Pela fé nos
tornamos filhos de Deus, a noiva de Cristo.
A segunda tese trata da vida desta “noiva
de Cisto”. Ainda estamos na carne e no mundo. Há tentações e lutas. O cristão
serve em amor a Deus e ao próximo, não em busca da liberdade, pois esta ele
recebeu de presente pela graça de Cristo, mas como “noiva de Cristo” torna-se
voluntariamente servidor do próximo.
Este livreto foi impresso em latim e
alemão. No mesmo ano de seu lançamento teve 9 reedições.
A Bula
de Excomunhão
De tudo isso não se poderia esperar outra
reação de Roma do que a Bula de
Excomunhão. No dia 15 de junho de 1520, o papa Leão X, que se encontrava na
vila esportiva em Magliano assinou a Bula de Excomunhão, solicitada pelo Dr.
Eck, que também foi encarregado de levá-la à Alemanha. Em sua viagem até
Wittenberg, o Dr. Eck mandou fixar a Bula nas cidades de Halle, Brandenburg e
outras. Cidades nas quais os católicos fizeram fogueiras e queimaram livros e
escritos de Lutero. Lutero recebeu a Bula no dia 11 de outubro de 1520. Na Bula
Exsurge, Domine... constava o
seguinte:
Levanta-te,
Senhor, e julga a tua causa, lembra-te dos impropérios ditos contra ti,
daqueles com que um povo néscio te injura todos os dias... Levanta-te, Pedro,
atenta na causa da tua igreja romana, mãe de todas as igrejas e mestra da fé...
Levanta-te, também tu, ó Paulo... Levanta-te toda a assembléia dos santos,
santa igreja de Deus...
Somente
após alguns dias, após a chegada da Bula em Wittenberg, Lutero reagiu contra
ela. No dia 1º de dezembro, Lutero se dirigiu com estudantes e muitos
professores da Universidade para fora da cidade e à frente da porta de Elster,
onde se costumava incinerar o lixo, ali a Bula papal foi lançada ao fogo com
livros canônicos papais, e outras obras medievais, com as palavras: “Porque afligiste o Santo de Deus (Lc 1.35),
o fogo eterno te devore.”
A Bula dava a Lutero 60 dias para se
retratar. Como Lutero não se retratou, no dia 3 de janeiro de 1521, segui-se a
Bula “Decet romanoraum pontificem”, que declarou Lutero anátema bem como a
todos seus apoiadores. Mesmo assim, Worms torna-se o novo centro de atenções, pois
em 1519 faleceu o rei Maximiliano e foi eleito como rei o jovem Carlos V, que
jurou manter a fé, defender a Igreja e prestar submissão ao Papa e à Sé de
Roma. Como jovem, ele foi cauteloso. Ele precisava do apoio dos príncipes
alemães, resolveu fazer mais uma tentativa para resolver pacificamente o
assunto Lutero. Ele convocou sua primeira Dieta (Assembléia) para Worms,
convocando Lutero para a mesma. Lutero recebeu a convocação no dia 24 de março.
Lutero partiu no dia 02 de abril, refutando os temores de seus amigos. O
Conselho de Wittenberg lhe ofereceu uma carruagem toldada. Com ele foram os
amigos Amsdorf, professor da universidade, Pezensteiner, seu companheiro de
mosteiro, o estudante dinamarquês, Pedro Swaven, e seu amigo Jerônimo Schurff,
professor de direito em Wittenberg. Como amante da música, Lutero não esqueceu
seu alaúde para esta longa viagem. Em Leipzig, apesar da animosidade durante a
disputa com o Dr. Eck, os magistrados e estudantes lhe dispensaram boa
acolhida.
Nesta viagem apoteótica houve diversos
problemas. Chegou a Frankfurt no dia 14. Ali residia, Cochloeus, um de seus
terríveis inimigos. Este ao ouvir da chegada de Lutero, preparou uma cilada
traiçoeira a Lutero. Convenceu um dos amigos de Lutero, o dominicano Bucer, que
seria muito perigoso para Lutero ir a Worms. Ele deveria ficar em Frankfurt, e ele,
Cochloeus, procuraria intermediar do Imperador um interlocutor para tratar o
assunto em Frankfurt. Seu plano, na verdade, era atrasar a viagem de Lutero,
pois seu salvo conduta, para a ida, expirava dia 16. Lutero não se deixou
enganar e respondeu: “Mesmo havendo tantos demônios como telhas em Worms, eu
vou para lá.” Alguns amigos ainda o aconselharam entrar sorrateiramente em
Worms, pois havia católicos que queriam assassiná-lo. No dia 16 de abril, às
16h, a trombeta da torre da catedral anunciou a entrada do carro do frei
Martinho. Lutero não entrou em Worms a vista de todos, triunfalmente, pelo
portão central. No dia seguinte, de manhã cedo, o chanceler do imperador lhe
entregou a convocação para comparecer à tarde, às 16h, diante do
imperador.
A
sala de audiência, o Chanceler lhe apresentou duas perguntas em nome do imperador:
Reconheces que estes livros por ti foram
escritos? Em segundo lugar, estás pronto a retratar-te do que neles escreveste,
ou persistes no teu modo de pensar? Lutero iria responder a primeira
pergunta afirmativamente, quando seu amigo Jerônimo Schurf, designado pelo
imperador para acompanhar Lutero, pediu que se lessem primeiro os títulos das
obras. O que foi feito. Quanto à segunda pergunta, Lutero respondeu em latim e
alemão: “Devido a complexidade peço um tempo para reflexão.” O imperador e os
membros da assembléia reuniram-se em particular para deliberar, após o que o
chanceler comunicou: “Martinho Lutero! Sua majestade imperial, segundo a
bondade que o caracteriza, quer te conceder um dia ainda, mas sob a condição de
lhe dares a resposta verbalmente e não por escrito.”
Este dia de espera foi difícil para Lutero.
Amigos temiam por ele. Lutero buscou conforte, calma e força na leitura da
Palavra de Deus e na oração.
No dia seguinte, 18 de abril, pelas seis
horas da tarde, Lutero compareceu novamente diante do imperador. Já haviam
acendido as luzes (tochas). Ele estava pálido. O chanceler do imperador pediu
uma resposta curta e clara às perguntas que ontem lhe foram formuladas. Lutero
respondeu em alemão com voz tranqüila e majestosa serenidade: Quanto à primeira
pergunta, reconheço esses livros como de minha autoria, a não ser que tenham
modificado certas passagens neles... e dispôs estes livros em três categorias.
Durante esta exposição sobre os livros, o chanceler se impacientou, pedindo
resposta clara e definida, se estava disposto a renunciar ou não.
Então Lutero respondeu com as memoráveis
palavras:
A menos que eu seja convencido
de erro pelas Escrituras ou por raciocínio claro, pois a minha consciência está
presa à Palavra de Deus, não posso nem quero retratar-me, porque agir contra a
própria consciência não é, nem verdadeiro, nem honesto. Aqui estou! De outra
maneira não posso! Que Deus me ajude! Amém!
Imediatamente
segui-se certo tumulto na assembléia. Amigos e inimigos ficaram impressionados.
Frederico o Sábio observou a Spalatim: “O padre Martinho falou bem perante sua
majestade imperial a todos os príncipes e classes do reino, em latim e em
alemão. Acho-o demasiadamente audaz.” Tendo Lutero chega a sua hospedaria,
ergueu os braços e exclamou: Passei!
No dia 25 de abril deixou Worms. Em 21 dias seu salvo-conduto iria expirar. No
dia 26 de maio, o imperador assinou um decreto que declarava frei Martinho
proscrito. Qualquer pessoa poderia prendê-lo e entregá-lo às autoridades.
Conclusão
A Assembléia do Santo Império não
conseguira calar o frei Martinho Lutero, nem dobrar sua consciência, para que
se retratasse. A Palavra de Deus estava sendo, novamente, proclamada de forma
clara e compreensível e continua assim até hoje. Não em todos os lugares. Queira Deus ser nos gracioso e preservá-la a
nós.
II - Como surgiu a idéia de celebrar a Reforma?
Para Lutero, o dia 31 de outubro, ao pregar as 95 teses na
porta do Castelo de Wittenberg[7],
foi um dia de júbilo, apesar da apreensão.
Dez anos depois, no dia 1 de novembro de 1527, ele reuniu seus amigos e
lhes disse: Hoje é um dia de gratidão a Deus por ter-nos guiado e dado forças
para escrever e afixar as teses e por tê-las abençoado tão ricamente. (Tischreden)
A partir desta data começou-se a celebrar a Reforma.
Vamos relembrar as celebrações nos
diversos centenários. Seu fundo político, seu quadro religioso e as
celebrações.
1. O primeiro centenário, 31 de outubro de 1617
O quadro político do primeiro centenário
era sombrio. A guerra dos 30 anos (1618 a 1648) estava por eclodir. As forças
políticas, com muitos rumores, já estavam se movimentando. Os fiéis estavam com
medo do que viria. Muitos haviam abandonado os princípios da Reforma. Por parte
dos católicos se ouvia: Os Luteranos não
têm nada a festejar; eles deveriam se arrepender e voltar à igreja mãe.
Mesmo assim, os cristãos fiéis aos
princípios da Reforma promoveram uma grande celebração. Celebração de gratidão
pelo Jubileu da Reforma, o que incluía também a lembrança da entrega da
Confissão de Augsburgo, em 25 de junho de 1530.
Por ordem do Eleitor Johann Georg da
Saxônia, foi celebrada uma festa de três dias. Depois ele ordenou que as pregações,
orações, liturgias e preleções fossem impressos, o que resultou num livro de
427 páginas. O Der Lutheraner[8]
de outubro de 1917 publicou um resumo, do qual extraímos esses dados: Na
quarta-feira, dia 25 de outubro, o Superintendente Dr. Balduin fez uma pregação
para introduzir as festividades. Ele usou o texto do evangelho do 19° domingo
da Trindade e destacou a verdadeira razão da festa. Na quinta feira, dia 26/10,
à noite, o Dr. Hunnius pregou sobre o Salmo 100, sob o título: Como devemos nos
preparar para esta festa de júbilo, de forma correta e cristã. No dia da
Reforma, terça-feira, dia 31/10, Wittenberg estava em festa. O Reitor da
Universidade com os doutores, professores e alunos foram, às 6h em procissão
para a Igreja do Castelo. Ali foi lido o 12° capítulo do profeta Daniel,
exposto pelo Dr. Franz em breve mensagem. Ele destacou as bênçãos da Reforma.
Depois, todos, com os magistrados da cidade, se dirigiram à Catedral para
culto. O Dr. Balduin, usando o mesmo texto de Daniel, respondeu a pergunta: O
que Deus Espírito Santo anunciou nos 400
anos que antecederam ao papismo? No culto da tarde, pregou o Dr. Meisner sobre
o Salmo 76. Este honrado prof. disse à comunidade em festa, numa pregação de 55
páginas, a que bem-aventurado estado espiritual a comunidade foi levado pela
reforma.
No dia 1° de novembro, houve um culto às
6h, na igreja do Castelo. O pregador usou o texto de Apocalipse 17.1-6, e falou
sobre as sangrentas perseguições por parte da Igreja Católica. No culto da
manhã na Catedral, pregou o Dr. Balduin, que usou o texto de Apocalipse
14.8-19, e mostrou que a reforma foi uma obra de Deus. No culto da tarde pregou
o Dr. Hunnius sobre Jo 24.1-28. Ele destacou que no júbilo, lembrando as lutas
do passado, não podemos esquecer-nos de suplicar que Deus em sua graça continue
a amparar sua igreja e manter a verdade.
Em resumo podemos dizer que os destaques
foram: 1) É uma festa para relembrar os grandes feitos de Deus; 2) uma festa de
louvor e agradecimento a Deus pela restauração do evangelho; 3) uma festa para lembrar
este grande milagre da luz nas trevas; 4) uma festa de oração, na qual pedimos que
Deus nos conserve sua Palavra; 5) uma festa de arrependimento na qual pedimos
perdão pelo desleixo para com sua Palavra,
para que Deus, em sua bondade, nos conceda vida nova, fervor, devoção e apego a
sua Palavra, para sermos operosos praticantes, então haverá também júbilo no céu. (Lc 15.10) Estes temas
tornaram-se padrão nas festas futuras.
Os festejos também foram acompanhados pelo
triste problema da divisão entre luteranos e reformados, devido a doutrina da
Santa Ceia. Isto se mostrou claramente
no sermão festivo daquele ano, proferido pelo prof. de religião e teólogo ecumênico,
Abraão Scultetus, que disse:
Admiro que nossos irmãos, os
chamados luteranos (eles devem ser nossos irmãos, se quiserem ou não), pois há
anos a doutrina da Santa Ceia foi explicada de forma clara e precisa em
escritos e sermões. Eles, no entanto, não querem entendê-lo, que a loucura da
“Presença Real” na Santa Ceia, no pão e no vinho, é a pedra angular sobre o
qual repousa todo o arcabouço católico.[9]”
Os
reformados oferecem aos luteranos a comunhão na Santa Ceia e ao mesmo tempo
afirmam que a doutrina da presença real não é bíblica. Sermões como estes
entristeceram os fiéis.
2. Segundo centenário, 31 de outubro de 1717
Há
relativa paz política. Cansados das disputas teológicas, surge o iluminismo, a
filosofia do Esclarecimento de Kant[10]
(1724 – 1804). Em contraposição, surge também o movimento do pietismo de
Phipilp Jacob Spener (1635 a 1705) que teve vários seguidores. Seu tema
principal: Em vez de disputas teológicas,
importa a teologia prática, a vivência cristã. Ao mesmo tempo, temos Johann
Sebastian Bach (1685 a 1750), que, com suas cantatas bíblicas, promove a
verdade bíblica.
Em
toda a parte houve grandes festividades por ocasião deste segundo jubileu. Na Alemanha temos o rei Frederico II, o
Grande, (1712-1786) que impulsionou a filosofia, a arte e expressou sua idéia
de unir luteranos e reformados. Idéia essa que foi acentuada por seus
seguidores. Na época Valentin Ernst Löscher, teólogo ortodoxo luterano, que foi
uma grande luz, advertiu os luteranos contra as idéias do Pietismo que vieram
da Inglaterra para a Holanda e agora invadiam a Alemanha. Ele escreve: Que cristianismo é esse que vem da
Inglaterra via Holanda para a Alemanha, que despreza a doutrina, não compreende
mais os sacramentos, nem a Igreja que querem renovar, a qual, no entanto, eles
estão destruindo. Ao pietismo seguiu-se,
como muitos já haviam previsto o crasso racionalismo. Ele teve seu início com
René Descartas e sua teoria de que a dedução é o melhor método, e floresceu na
Alemanha com Friedrich Hegel (1171 – 1831), desembocando no comunismo.
3. Terceiro centenário, 31 de outubro de 1817
Assim chegamos ao terceiro
jubileu. Na Alemanha governava o rei Frederico
Guilherme
III (1797 a 1840). Este rei decretou no dia 27 de outubro de 1817 a união entre
luteranos e reformados em seu reino, conhecida até hoje como a União Prussiana, à qual muitos luteranos
aderiram, por motivos os mais diversos. Um pequeno grupo, no entanto,
discordou, entre eles o conhecido pastor e poeta Paul Gerhard. Para
compreendermos o que levou o rei Friedrich Wilhelm III a decretar a união,
precisaríamos rever todo o cenário político e religioso daquele tempo, para o
que não temos espaço aqui. Mas vale a pena rever alguns escritos do seu
decreto, para compreendermos o espírito que reinava e reina até hoje. Vejamos a proclamação do dia 27 de outubro de
1817. Lemos ali:
Meus antepassados, que já descansam em
Deus, o leitor Johann Sigismundo, o eleitor George Wilhelm, o grande eleitor, o
rei Friedrich I, o rei Friedrich Wilhelm I, com santa sinceridade tentaram unir
estas duas igrejas protestantes, a reformada e a luterana, para uni-las para
uma igreja evangélica cristã. Honrando as santas intenções, uno-me a eles,
neste santo desejo e obra, que naquele tempo, devido ao infeliz espírito sectário,
esbarraram em dificuldades intransponíveis. Espero encontrar agora compreensão
melhor que afaste as coisas externas (sic!) e dê atenção às coisas principais
no cristianismo, a respeito das quais as duas confissões são unânimes e
retenham para a glória de Deus e o bem da igreja cristã, o que é essencial.
Nos meus Estados encontrei boa receptividade
para isso e espero concretizá-lo, dando início a isso nas festividades
seculares da Festa da Reforma. Tal união destas duas corporações cristãs
religiosas, só divididas por questões externas, é propícia aos propósitos do
cristianismo, e corresponde às primeiras intenções dos reformadores. Ela está
no espírito do protestantismo. Ela promove o espírito eclesiástico. Ela é
salutar à piedade. Ela será fonte de muitas outras coisas proveitosas que,
devido às diferenças confessionais, até aqui, emperram a melhoria das
congregações e escolas.
Esta união tão desejada e tantas vezes
tentada em vão, pois reformados não aceitam os luteranos e os luteranos não
aceitam os reformados, quando ambos deveriam se unir e formar uma só igreja
evangélica cristã, no espírito de seu fundador. Pois não vejo nenhum
impedimento ou motivo razoável para a separação, se ambas as partes num sincero
e verdadeiro espírito cristão quisessem agir. Disto resultaria um digno louvor
que nós devemos à providência divina que nos deu a bênção da Reforma. Na
lembrança desta obra deveríamos honrar efetivamente a união. Deveríamos honrar
a lembrança desta obra pelo concretizar a união.
No entanto, por mais que eu o devo desejar
que reformados e luteranos compartilhem comigo essa salutar convicção, tão
distante estou, com respeito a seus direitos e sua liberdade, de impor isto ou
com respeito a essas questões, dispor e ordenar algo. Esta união, por outro, só
terá verdadeiro valor, se nem o indiferentismo, nem a presunção dela participarem. Quando ela brotar da liberdade e convicção
própria, e não for simplesmente uma união exterior, mas uma união de coração,
ancorados nos princípios bíblicos e na força desses princípios.
Assim como eu quero celebrar a Reforma
nesse espírito, na união da comunidade luterana, como uma comunidade cristã, e
ir à Santa Ceia, assim espero que esse meu exemplo seja benéfico e encontre
seguidores no espírito e na verdade. Eu deixo isso á liberdade e à sábia
condução do Consistório, ao piedoso fervor dos guias espirituais e seus Sínodos
para encontrarem a formulação exterior para uma unânime aprovação, convicto de
que as congregações a seguirão no verdadeiro e sincero espírito cristão. E que
em toda a parte onde se olhar sinceramente, sem segundas intenções para o
essencial e a grande causa da Escritura, ali se encontrará com facilidade a
fórmula, ali brotará o exterior do interior de forma simples e digna por si
próprio. Desejo que este momento não esteja mais longe, onde sob um pastor
comum, todos na mesma fé, no mesmo amor e uma esperança se unam para um só
rebanho.
Uma
nova Agenda (Ordem de Culto)
Uma nova Agenda, em cuja elaboração o
piedoso rei participou com todo fervor, trouxe, por estar baseada no bom modelo
da liturgia antiga, nova vida ao culto. Mas ela encontrou também rejeição por
parte de luteranos sérios, que temiam tanto por parte da União como da Agenda
por sua Confissão. Por isso a Agenda foi
reeditada em 1829 com modificações e acréscimos e o rei, baixou a seguinte
ordem em 28 de fevereiro de 1834:
Fiquei profundamente e com justiça chocado
que por parte de alguns adversários da paz eclesiástica, foi feita a tentativa
de, por interpretações e opiniões erradas com relação ao objetivo da União e da
Agenda, induzindo também outros ao erro.
A União não tem por finalidade a abolição
da atual confissão de fé, nem a autoridade que a duas Confissões, a luterana e
a reformada, possuem. Pelo apoio à união só expressam o espírito de moderação e
brandura em relação às diferenças em alguns pontos doutrinários para não serem
mais motivo para a separação.
A participação da União é de livre decisão
de cada congregação ou igreja. É um erro pensar que a introdução da nova Agenda
esteja vinculada à entrada da União ou indiretamente concretizada pela
aceitação da mesma. A participação na União depende da livre adesão de cada um.
A Agenda está relacionada com a União somente no sentido de que a ordem para o
culto está prescrita ali, bem como os demais ofícios ministeriais detalhados
ali na Agenda, por serem escriturísticos, sem chocar ou provocar reclamações,
que pode ser usada por pessoas de ambas as confissões, para a promoção do temor
de Deus e da piedade. Mas os que rejeitaram a Agenda e a União, a rejeitaram
sem argumentos, nem sinceridade. Há liberdade também para cada província que
pode fazer suas adaptações. Os que
discordam podem constituir-se em nova organização.
Os luteranos mais rigorosos em Schlesien (
Silesia) rejeitaram a União. O governo agiu com rigor contra eles, impondo castigos
em dinheiro e até prisões. Mas eles não se deixaram amedrontar. Vários pastores
foram perseguidos e presos, entre eles o conhecido pastor e compositor Paul
Gerhard, que foi deposto de sua comunidade e teve que fugir. Deus o protegeu.
Em 1840, o rei Friedrich Wilhelm IV libertou os aprisionados. Eles se
organizaram e constituíram através do Sínodo em Breslau, no ano de 1841 a Lutherische Kirche in Preusen,
independente da Igreja Luterana da Prússia, com um colégio de Conselheiros em
Breslau, que pela graça do rei recebeu uma Confissão Geral.[11]
Esta ação violenta contra os luteranos
ortodoxos fez com que muitos Saxões emigrassem para outros países, Estados
Unidos da América, Austrália e os que ficaram na Europa estão hoje reunidos na
Selbständige Evangelisch-Lutherische Kirche (SELK).
4. Centenário, 31 de outubro de 1917
Esta data ocorreu em meio a 1ª Guerra
Mundial, chamada também de a Grande Guerra (1914 a 1918). No dia 28 de junho de
1919 foi assinado o Tratado de Versalhes. Dez milhões de mortos, seis mil
soldados voltaram dela mutilados, cidades destruídas, a economia arruinada,
fome e peste por todos os lados na Europa. Muitos cristãos estavam envolvidos
nestes horrores. Muitos luteranos da Alemanha, Bélgica, França, Rússia,
Austrália e dos Estados Unidos morreram nela. Também houve reflexos dela no
Brasil. Nossa revista Evangelisch-Lutherisches
Kirchenblatt, editado em língua alemã, foi proibido em 31/10/1917 de
circular. A revista voltou a circular após dois anos, em 01/10/1919. Os fiéis
buscaram consolo na palavra de Deus.
Não houve clima para os festejos na Europa.
O Jubileu, no entanto, foi celebrado
intensamente
nos Estados Unidos da América, nos países Escandinavos e na Austrália. Destes
lugares temos diversos sermões e programas de cultos.
No Der
Lutheraner de nossa igreja nos USA, de 24/04/1917 lemos sobre o ano Jubilar
da Reforma: Mesmo vivendo nestes dias difíceis de carestia, inflação e guerra
na Europa, na qual nosso país (Estados Unidos da América) também está
envolvido, o que custará grandes sacrifícios, mesmo assim queremos celebrar os
400 anos da Reforma Luterana.
Como vamos celebrá-la? Queremos agradecer
a Deus pelas bênçãos espirituais que a Reforma nos trouxe e alegrar-nos por
estas bênçãos. Ao mesmo temo cumprir nosso dever de propagar a palavra e
administrar os sacramentos como instituídos por Deus. Nossa festa é uma festa
da igreja, não celebramos Lutero como herói nacional da Alemanha, mas como
servo de Deus, que proclamou a palavra de Deus.
Guerras são castigos de Deus e um chamado
ao arrependimento, pois há um decréscimo dos fiéis em todas as nações cristãs.
Foi elaborado um extenso programa para
cada mês, acentuando as grandes verdades da Reforma. Dois temas receberam
destaques especiais: Os erros da igreja Reformada que nega o poder da palavra
de Deus e dos sacramentos e os tema: Cristãos em outras denominações cristãs. Não
duvidamos que nas outras igrejas cristãs, seitas e também na igreja católica,
há cristãos, pois onde a palavra de Deus é ensinada e está em uso, ali Deus
Espírito Santo opera, conforme Isaías 55.11. Mesmo que nos pareça difícil
comprová-lo pela experiência. E onde há fé na graça de Cristo, por mais fraca
que seja, ainda mesclada por muitos erros, estas pessoas são nossos irmãos e irmãs
em Cristo. Mesmo assim temos que condenar estas igrejas como falsas e devemos
evitá-las.
III - Como celebrar os 500 anos da Reforma Luterana?
O quadro, hoje, é bastante diferente do
quadro dos primeiros festejos. O que nos aguarda nestes festejos? Quais os
problemas que temos que enfrentar? O que significa permanecer fiel às nossas
Confissões?
3.1
– O
quadro político e social no mundo
Após as
duas grandes guerras mundiais e a guerra fria, parece que temos relativa paz.
Mas só parece. Rumores de guerras, revoluções, homens bomba suicidas, sim, ameaças de toda a ordem estão por toda a
parte.
Nós aqui no Brasil, além do alto número de
mortes por acidentes nas estradas, os constantes roubos com assassinatos
cruéis, a guerrilha do narcotráfico mostram que estamos numa guerra civil, por
mais que se deteste esta expressão. A isso se soma ainda a dissolução moral com
aprovação de nosso parlamento, o fomento do racismo, etc. Fomos um pais cristão, mas a base cristã está sendo abandonada. As leis que permitem o aborto, casamento de gays e lésbicas, a restrição à liberdade de imprensa (de prgação), ai que em disser uma palavra em público contra gays, demonstram isso. Em todo o mundo
crescem as catástrofes ambientais. Há grande temor pelo futuro do planeta
terra. Estes problemas, em si, não são novos, mas eles estão crescendo de modo
assustador em sua intensidade. É o quadro que Jesus pintou do juízo final. (Mt
24)
No campo religioso vemos igualmente o cumprimento das profecias de
Jesus:
- Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará,
porventura, fé na terra? (Lucas 18.8 RA)
- E, por se multiplicar a
iniqüidade, o amor se esfriará de quase todos. (Mateus 24.12 RA)
- Sereis odiados de todos
por causa do meu nome; aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será
salvo. (Mateus 10.22 RA)
- Levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a muitos.
(Mateus 24.10-11 RA)
3.2 - O quadro eclesiástico
Conforme o grupo Portas Abertas (www.portasabertas.org.br; www.opendoors.de), nunca,
na história da cristandade, foram perseguidos e mortos tantos cristãos como
nestes anos. Em mais de 50 países cristãos estão sendo perseguidos. A maior
crueldade contra cristãos está sendo praticada, atualmente, na Coréia do Norte,
onde mais de 70 mil cristãos estão incomunicáveis nos campos de trabalhos
forçados. Eles carecem de nossas orações, para que Deus os fortaleça e liberte
a Coréia do Norte da escuridão. O islamismo se expande cada vez mais nos países
cristãos, procurando impor sua “sharia”.
Por outro lado, a grande decadência do
cristianismo. Cresce a imoralidade, o número de divórcios e abortos. Algumas
igrejas apoiando o casamento de gays e lésbicas, afirmando que nosso
relacionamento não tem nada a ver com a fé cristã. O grande crescimento das
seitas que iludem o povo com falsas promessas, extorquindo o dinheiro dos
chamados “fiéis”. Este entusiasmo tem limites e termina, normalmente, em grande
incredulidade, na qual estas pessoas desiludidas tornam-se inimigas ferrenhas
do cristianismo.
Nós luteranos somos abençoados com a
Palavra de Deus claramente exposta e os sacramentos administrados como
instituídos por Deus. Temos estas verdades em nosso Catecismo Menor e Maior, na Confissão de Augsburgo, na Fórmula de
Concórdia e outros artigos confessionais reunidos no Livro de Concórdia. Além disso, uma parte das obras de Lutero
traduzidas ao português. E não podemos deixar de mencionar nosso precioso
Hinário com seus textos consoladores e didáticos. Tudo isso, no entanto, também
em nosso meio em certa decadência. Quem ainda os lê, estuda e conhece? Nossos
hinos, não me refiro nem à música, mas aos preciosos textos, antigamente sempre
citados, são hoje desconhecidos. Quantos hinos nossos confirmandos aprendem
hoje de cor? Quantas vezes parágrafos doutrinários de nossas confissões,
antigamente sempre citados em artigos, sermões e estudos, são mencionados hoje?
3.3 – Quadro eclesiástico específico
– Os
católicos querem festejar este acontecimento conosco. Eles querem festejar o
quê? Será que reconheceram seus erros? Examinando o Catecismo Católico
(11/10/1992) vemos que nada mudou.
Após dez anos de estudos, a Comissão conjunta,
Luterana da FLM e Católica, elaborou o
documento: Doutrina da Justificação pela
Graça e Fé. Declaração conjunta Católica Romana – Evangélica Luterana (16/06/1998).
Neste documento, aceito pelas duas igreja Católica e Luteranas da FLM, - a
Igreja Luterana Sínodo de Missouri e suas igrejas irmãs não assinaram o
documento – consta o seguinte:
- Não
vamos mais invocar as antigas e mútuas condenações.
-
Concordamos na doutrina da justificação.
O que significa: Não invocar mais as
antigas e mútuas condenações? Não valem mais? Neste caso, teríamos que modificar
nossas confissões, pois na Confissão de Augsburgo lemos em todas as teses: Cremos, ensinamos e confessamos...
rejeitamos; Na Fórmula de Concórdia lemos: Cremos, ensinamos e confessamos... rejeitamos e condenamos.
Infelizmente, também em nosso meio já se ouvem vozes como: Deixemos de lato esse
ranço do passado. Hoje, nossas perguntas são outras. Importa ensinar o evangelho
de forma positiva. Será?
E quanto à justificação pela graça e fé. A
igreja Católica não mudou sua doutrina da graça
infusa. Quem mudou, na verdade, foram os luteranos, que aceitaram agora uma
linguagem confusa.
- Quando
dois padres na Alemanha, em Dresden, no ano 1990, pelo júbilo dessa declaração,
celebraram uma missa em conjunto com pastores luteranos, eles foram
repreendidos e suspenso pelo Papa. Realmente a Igreja Católica não mudou.
- Igrejas Luteranas da Federação Luterana
Mundial
No
culto da Reforma deste ano 2012, em Worms, ao lançar o tema para 2013: Reforma e Tolerância a pastora Margot Kässmann
disse:
Por vezes temos que andar por
outros caminhos... Aqui em Worms, Lutero afirmou categoricamente diante do
Imperador: Aqui estou. Não posso de
doutra maneira. Que Deus me ajude. Amém. Esta frase atribuída a Lutero resume o que o
Reformador reivindicou para si: Uma posição contra toda a autoridade e
principado do seu tempo. Nem sempre ele concedeu esta liberdade a outros. A
Reforma libertou a fé de preconceitos e coações, e a tornou discutível – mas
lutou também contra a fé de outros que interpretavam esta liberdade de modo
diferente. O tema de 2013, tenta ordenar estas conquistas e seus lados sombrios
sob o título: Reforma e Tolerância.
A pastora mostrou numa de suas pregações
que muitas vezes se acusa a Igreja Evangélica de que sua posição,
especialmente, em questões éticas não é suficientemente unânime. “Mas nisto
consiste exatamente a força da fé reformada. Não há nenhum dogma, que o cristão
evangélico individualmente precisa crer. A consciência individual deve ser
aguçada. Eu mesmo devo pensar,” disse a pasora. Ela continuou: “A isto pertence
também o suportar diferentes posições na luta pela verdade. Esta é a posição da
doutrina evangélica... A igreja da Reforma precisa continuar se reformar. Hoje
as igrejas compreenderam que demasiada insistência em suas posições não conduz
à paz.”
Esta parece ser, hoje, - e espero não
errar muito - a posição geral dos luteranos liberais da FLM. A pastora Margot é
muito estudada e hábil oradora, mas será que ela entendeu a confissão de Lutero
diante do imperador Carlos V em Worms, no dia 18 de abril de 1521? Isso foi
simples intolerância? O que seria se Lutero fosse tolerante e cedesse, se
retratasse diante do imperador? Sem dúvida permaneceríamos ainda hoje nas
trevas. Diante da palavra de Deus não existe tolerância ou intolerância. Ou
estamos, como servos de Deus, amarrados à sua palavra ou não, seja isso em
questões de doutrina ou da ética.
–
Igrejas Evangélicas. Elas vêem e festejam a Reforma como o grande
dia da libertação de todos os preconceitos e descriminações e lutam por uma
unidade exterior, sem acordo na doutrina, uma unidade na diversidade. Eles
acreditam que a união na diversidade é a maior necessidade de nossos dias para a
missão e o progresso da igreja. No meio
deles soou a pergunta: “Como pode uma igreja cristã dividida sarar um mundo em
conflitos.” Festejam a Reforma mais com o trinômio da Revolução Francesa: Liberdade,
igualdade e fraternidade, do que com o trinômio da Reforma: Somente a Escritura,
somente pela graça, somente por fé.
Estas igrejas, como os católicos,
permanecem no sinergismo, o homem coopera com sua salvação. Não compreendem claramente a doutrina do
pecado, tanto do pecado original como do pecado atual, nem tampouco o que é a verdadeira
fé cristã. Além disso, se dividem nas mais diferentes correntes como
universalismo, prosperidade, milenaristas com suas ramificações, etc.
–
Movimentos Ecumênicos – O movimento ecumênico parecer ter descoberto a
solução para a divisão da igreja cristã, a saber: O Diálogo. O diálogo resolve
tudo. Na elaboração das Teses do Acordo
de Leuenberg (1973), que procurou unir luteranos, reformados e unitários.
Naquela reunião chegou-se, pelo diálogo, à seguinte fórmula para o problema da
Santa Ceia. Ali lemos: “Na Ceia do
Senhor, Jesus Cristo ressuscitado comunica-se a Si mesmo, no corpo e no sangue,
oferecidos por todos, através da promessa da palavra, com o pão e o vinho.
Assim, sem reservas, dá-se a todos que recebem o pão e o vinho, na fé,
recebe-se a Ceia do Senhor, para a salvação, na incredulidade para juízo.”
A pergunta que se coloca é: Afinal, o que
recebemos na Santa Ceia. Pois se não recebemos o verdadeiro corpo e sangue de
Cristo, nascido da virgem Maria, dado e derramado por nós na cruz, recebemos o
quê? A resposta a esta pergunta não ficou claro nesta formulação, mas parece
contentar todos. A Igreja confessional luterana, Missouri e suas igrejas irmãs,
não assinaram esta fórmula.
Por essa razão somos acusados de sermos
intolerantes, perturbadores da paz.
Nós estamos realmente nos tempos finais, a
espera da volta de Cristo. Interessante que desta volta todas as seitas falam,
mas como falsos profetas, falam do arrebatamento, da volta visível de Cristo
para levantar seu trono em Jerusalém e reinar por mil anos em paz, só depois virá
o verdadeiro juízo final. As muitas heresias e falsos profetas não deixam
dúvidas de que estamos nos tempos do fim. A corrupção, como nos tempo de Sodoma
e Gomorra, a promoção dos gays e da poligamia, a destruição da família, a
perversão da juventude e a decadência da cristandade em todo o mundo confirmam
os sinais dados por Jesus da proximidade do fim.
IV – Nossa
responsabilidade
Neste contexto, qual a nossa
responsabilidade no mundo, na Igreja cristã e em nosso meio, como igreja
confessional. Cumpre manter nosso compromisso confessional. Cumpre aprender dos
profetas como pregar lei e evangelho nestes tempos finais, nos quais os juízes
de Deus se manifestam anunciando o juízo final. Doutrinar nossos membros para
que conheçam bem o Catecismo Menor, a Confissão de Augsburgo, a Epitome, que é
a Fórmula de Concórdia resumida.
Festejar os 500 Anos da Reforma nos moldes do primeiro Centenário como: Dia de jubilo
e agradecimento pela restauração da verdade, pelas Confissões; dia de arrependimento,
conforme a primeira das 95 teses; dia de confessarmos, em amor, nosso repúdio
aos desvios doutrinários; dia de proclamar a salvação, mesmo que isto nos
separe ou mantenha separados de muitos irmãos. A nós cabe fidelidade a Palavra
de Deus, tão bem exposta em nossas Confissões, reunidas no Livro de Concórdia
de 1580.
São Leopoldo, 01/09/2012
Horst R. Kuchenbecker
Observação:
Este trabalho será
completado no correr da Década de Lutero.
Acrescentaremos observação numeradas. As próximas serão o Documento da LCMS sobre Ecumenismo, para alertar sobre cultos em
conjunto com outras denominações, e a Carta
Européia, que mostra até onde e em
que sentido devemos cooperar com outras denominações cristãs, sem termos
comunhão de púlpito e altar. – Sem mais abraço, HorstK
NOTAS
[1]
A Vereinigte Evangelisch-lutherische Kirke (VELK), tem os seguintes temas,
adotados pela FLM: 2008: Abertura; 2009: Confissão; 2010: Formação; 2011:
Liberdade; 2012: Música; 2013: Tolerância; 2014: Política; 2015: Bíblia; 2016:
O mundo. Confira e acompanhe estes temas na seguinte página da internet: www.luther2017.de – A Selbständige
Evangelisch-Lutherische Kirche (SELK) tem os seguintes temas: 2009: 95 Teses;
2010: A Confissão de Pecados; 2011: O Batismo; 2012: A Santa Ceia; 2013: A
Comunidade; 2014: A Igreja; 2015: Tradições; 2016: A vida cristã; 2017:
Reforma. Cada tema está dividido em 10 sub temas. Confira na seguinte página da
internet: www.blickpunkt-2017.de.
[2]
Obras Selecionadas de Lutero, vol. II, p. 277
[3]
Obras Selecionadas de Lutero, vol. II, p.341
[4]
Obras Selecionadas de Lutero, vol. II, p. 435
[5]
Op.cit. p.281
[6]
Como colocadas nos animais, para dominá-los.
[7]
Wittenberg era uma cidade pequena com 3 mil habitantes. Em suas ruas empoeirada
corriam gansos, porcos e galinhas por toda a parte.
[8]
De nossa igreja irmã a Lutheran Churche Missouri Synod.
[9]
Denk-Mahl, Wittenberg, 1717, pág. 92
[10]
Kant só conhecia o Catecismo Menor de Lutero
[11]
Zeugnisse der Kirchengeschichte, de Friedrich Zange, Verlag Von C. Bertelsmann,
Götersloh, 1912, pág, 440 – 443; Lutherische Beiträge, nº 3, 2012, Bewährung u.
Verlust auf dem Wege Evangelisch-Lutherische Kirche in Brandenburg-Preussen u.
Deutschland, por J-C Burmaeister, pág 139 a 165.
Observação : 1
Década de Lutero ou Década da Confissão?
Em vez de colocar Lutero em evidência, dever-se-ia redescobrir as Confissões.
Confesso, sem rodeios, que o meu relacionamento com Lutero é caracterizado por uma simpatia, mas não sem reservas e, no meu íntimo, às vezes contestada. Isto tem sua origem em experiências que tive como estudante (de teologia). Pois mal tinha conseguido comprovar, sob muito esforço, com citações de Lutero uma (minha) tese a ser apresentada numa das cadeiras, vinha alguém, mais inteligente ou mais esforçado do que eu, e afirmava o contrário, apresentando também citações pertinentes de Lutero. E regularmente me aborrecia: “Ora Lutero, como tiveste coragem de escreve algo assim?”
O aborrecimento me incomodava até que fizesse outra “descoberta” em seus escritos. Às vezes ficava aborrecido por causa da sua maneira bruta e polêmica. Outras vezes me fascinava a sua maneira incomparável de acertar com clareza cristalina em suas afirmações e suas análises objetivas.
O problema é o seguinte: com a imensidão dos escritos de Lutero – são ao todo 120 volumes com 80.000 páginas – este erudito de Wittenberg escreveu em muitos contextos bem diferentes e em épocas bem distintas. Nos seus primeiros escritos, que estão repletos do fogo de sua descoberta que levou à Reforma, ele escreve bem diferente do que nas obras posteriores, que tem como conteúdo a preocupação de conservar a unidade da igreja cristã contra as muitas forças divergentes e separatistas.
Muita dificuldade causou-me um pastor da vizinhança na minha ex-paróquia, que raramente dispensava uma citação de Lutero. Ele era pastor batista e, pelo que parece, ocasionalmente fez uma coleção de palavras de Lutero, que haviam de comprovar a teologia dos batistas. Em certa ocasião falei para ele – tendo que admitir de uma maneira exagerada e irritada: “Meu irmão... , se você acredita ou não, Lutero não me interessa! Para mim, como luterano, valem as confissões luteranas!” Com isto eu achei a minha fórmula “luterana-polêmica”, pois é evidente que Lutero me interessa muito. Mas – e isto eu julgo muito importante – seus escritos têm na igreja luterana em verdade um grande prestígio, mas não têm nenhuma autoridade comprometedora. Autoridade comprometedora tem somente as Escrituras Sagradas do Antigo e do Novo Testamento e as Confissões da Igreja Evangélica Luterana.
Naturalmente, neste meio tempo encontrei também, uma afirmação pertinente de Lutero para minha posição, quando ele, numa exegese sobre Gênesis 26, escreve na margem do texto: “Depois da minha morte, muitos irão editar os meus livros e citá-los, querendo assim comprovar toda sorte de erros e suas próprias fantasias.”
Por isso também não estou compreendendo por que as igrejas, nas preparações do Jubileu da Reforma em 2017, estão falando de uma “Década de Lutero”. Melhor seria “Década da Reforma”, ou melhor ainda “Década das Confissões da Igreja”. Pois teríamos grande proveito se redescobríssemos nos próximos anos as confissões da igreja e se conseguíssemos transmitir o seu conteúdo entre as pessoas.
Há um segundo ponto que me parece importante neste contexto. No filme monumental sobre Lutero, do canadense Eric Till, é uma cena aparentemente secundária, que focaliza coisas essenciais. Uma simples e jovem mulher procura, com duas questões, o cura de almas Lutero, mostrando a ele, cheia de confiança, um breve de indulgência. Com a sensibilidade própria de um verdadeiro cura de almas, Lutero lhe explica a nulidade deste papel e a fortalece na fé em Jesus Cristo. É possível que esta cena seja inventada, mesmo assim ela aponta de maneira acertada para o fato de que as 95 teses de Lutero de 1517 não emanaram de cogitações teóricas de gabinete, mas são o resultado da experiência vivida do confessor paternal Lutero.
A confissão e o seu abuso na doutrina da penitência são o propulsor, o centro e o eixo da Reforma e do artigo central da doutrina da justificação. Nesse meio tempo nos é possível ler livros inteiro sobre o significado central da doutrina da justificação, sem que se tratasse da confissão. Em verdade, deveríamos observar uma “Década da Confissão” em lugar da “Década de Lutero”.
Coisas idênticas acontecem também com outros grandes temas da Reforma. “Lei e Evangelho” não é um tema isolado, mas tem a ver com a proclamação (do evangelho) e o sermão dominical. A Reforma não é a disputa teórica de teólogos eruditos, mas é a luta pela purificação do Culto Divino de excrescências humanas e pela concentração no agir salvador de Cristo. Por isso, para mim, na comemoração da Reforma, é essencial a pergunta de como conseguiremos trazer as pessoas para o Culto Divino, como podemos conectá-las com o amor salvador de Cristo.
E finalmente ainda isto: Não agüento mais aquele “Lutero – prussiano – nacional” (em pose triunfal) que, fundido em bronze, e batendo na Bíblia, se encontra em quase todas as cidades provincianas na Alemanha. Qual a cidade onde haja um monumento a Lutero, que mostre Lutero ajoelhado diante da cruz de nosso Salvador Jesus Cristo? Erguer tal monumento seria apropriado àquele, cujo único lema, em última análise, é a humanação do amor de Deus em Cristo Jesus.
Nota do tradutor: No século 19, partindo da Prússia, se tornou moda erguer um momento de Lutero, a exemplo do monumento que se encontra em frente à Prefeitura de Wittenberg – ou em cidades e lugarejos menores de planar uma árvore (tília) ou um Carvalho “de Lutero”, como na minha terra natal onde se encontra uma tília de Lutero que foi plantada em 1883.
Pastor Hans-Jörg Voigt
Tradução: K. Hermann G. Auel, pastor emérito, 31 ou. 2009