sábado, 1 de dezembro de 2012

500 Anos de Lutero - 2017


500 Anos da Reforma
31 de outubro de 2017

Se fiel até a morte e dar-te-ei a coroa da vida. (Ap 2.10)
Introdução
     As igrejas cristãs (luteranas, reformadas, unidas e anglicanas e também católicas) estão se preparando para os 500 Anos da Reforma Luterana, que será celebrada no dia 31 de outubro de 2017.
     Pela iniciativa da Federação Luterana Mundial (FLM), as igrejas luteranas do mundo declaram os 10 anos que antecedem os festejos dos 500 anos a Década de Lutero. A FLM elaborou um tema com sub temas para cada ano desta década. A Selbständige Evangelisch-Lutherische Kirche (SELK) da Alemanha, nossa igreja irmã, elaborou seu temário próprio.  Durante esta caminhada da década de Lutero, cada celebração da Reforma, no dia 31 de outubro, tem seus destaques especiais.[1]
     Estes preparativos estão desencadeando uma série de perguntas, que são encaminhadas para diversos grupos de estudo e debates em busca de respostas e soluções.  Há perguntas gerais, com as quais todos se preocupam e perguntas específicas com as quais cada igreja individualmente se ocupará. Há perguntas que nos afligem como Igreja Confessional, como Comunidade e perguntas que nos afligem individualmente, como cristãos luteranos.
     Como nós, luteranos confessionais, que assinamos sob juramento a inalterada Confissão de Augsburgo de 1530 e o Livro de Concórdia de 1580, estamos encarando esses festejos? Como vamos celebrá-los? Que desafios confessionais nos aguardam? Para responder essas perguntas e nos preparar para os festejos dos 500 Anos da Reforma, sim, para cada festividade da Reforma, nos será proveitoso fazer uma retrospectiva, a fim de ver como e em que situações nossos pais celebraram os primeiros centenários; para então analisarmos nossa conjuntura e nossa responsabilidade nos dias atuais como igreja confessional.
     Em primeiro lugar queremos olhar para as 95 Teses. O que levou Lutero a formulá-las. Seu conteúdo principal. Que lutas desencadearam. Em segundo lugar queremos ver como surgiu a idéia de festejar a Reforma e como ela foi festejada durante os primeiros centenários. Em terceiro lugar, como nos preparar e como celebrar os 500 Anos da Reforma em 2017, se Deus nos permitir festejá-lo, se o dia do Juízo Final não irromper antes.
I – As 95 Teses
Antecedentes
     Os primeiros frutos da fé em Lutero foram a exposição dos 7 Salmos de penitência (6, 32, 38, 51, 102, 130, 143), impressos em abril de 1517, em língua alemã, para serem lidos pelo povo. Neste trabalho Lutero mostra: 1) A morte da alma e o inferno; 2) a vitória da alma sobre morte e inferno; 3) a vida da alma e sua vitória. Imediatamente foi necessária uma segunda edição.
     Numa segunda disputa em 04/09/1517, Lutero destronou Aristóteles e Platão do âmbito da religião, sim, toda a teologia pagã. A espada de dois gumes (Palavra de Deus: Lei e Evangelho) trituraram o humanismo daquele tempo. As teses desta discussão foram impressas e distribuídas. Naquele tempo, Christoph Scheurl escreveu: “Está à vista na teologia uma grande mudança. Em breve será possível ser um teólogo sem Aristóteles e Platão.” Melanchton, naquela oportunidade ainda não amigo de Lutero, em sua gramática grega de 1518, criticou Lutero, tachando-o de superficial. A universidade de Erfurt, Leipzig e mesmo os colegas de Lutero se incomodaram com os escritos de Lutero contra Aristóteles e Platão, mas Karlstadt e Armsdorf o apoiaram. As lutas e disputas, naqueles dias foram intensas.
     Então surgiu o padre dominicano Tetzel com a venda de Indulgências. Ele era padre, mesmo assim tinha duas filhas. Ele era hábil orador. O Conde de Brandenburg o contratou para vender indulgências. Tetzel se gabava de ter feito mais pelo reino de Deus do que a virgem Maria. Ele proclamava: “Tão logo a moeda tinir no cofre, a alma de vossos entes-querido sai do purgatório e vai para o céu.”
     Lutero ficou revoltado. Ele disse a seus amigos: “A casa de oração tornou-se, novamente, um covil de ladrões e salteadores,” (Mt 21.13; Mc 11.17; Lc 9.46)
     Lutero pregou fervorosamente contra as indulgências, mas não entregou seus sermões logo para serem publicados. Ele continuou estudando o assunto cuidadosamente durante seis meses até lançar mão à pena para escrever. Ele sabia que o assunto vai despertar acirradas discussões. Ao escrever tinha que medir cuidadosamente suas palavras e precisava estar bem preparado para responder as indagações e acusações. Assim formulou as 95 teses e as fixou no dia 31 de outubro de 1517, em latim, à porta da igreja do castelo de Wittenberg, pois deveriam servir de base para discussão com padres e professores sobre o assunto indulgências. As teses, no entanto, foram logo copiadas e traduzidas para outras línguas. Elas correram qual fogo em palha seca por toda a Europa. Chegaram também ao Papa em Roma que ficou furioso, pois, com o dinheiro da venda das indulgências ele estava construindo a Basílica de São Pedro em Roma. Banqueiros e duques tinham parte do lucro, por isso as teses desencadearam árduas contestações e debates.

As  95 Teses de Frei Martinho Lutero
Contra o comércio das indulgências, 31 de outubro de 1517

     Movido pelo amor e pelo empenho em prol do esclarecimento da verdade, discutir-se-á em Wittenberg, sob a presidência do Rev. Padre Martinho Lutero, o que segue. Aqueles que não puderem estar presentes para tratarem o assunto verbalmente conosco, o poderão fazer por escrito.
    Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.

     As teses ainda hoje são importantes e merecem ser lidas e estudadas com cuidado. Aqui queremos destacar somente algumas principais: 1, 6, 11, 27, 32, 36, 37, 43, 46, 62, 82, 86, 92.
1ª Tese – Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos etc., certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo e ininterrupto arrependimento. (Chamado ao arrependimento).
6ª Tese – O papa não pode perdoar dívida senão declarar e confirmar aquilo que já foi perdoado por Deus, ou então o faz nos casos que lhe foram reservados. Nestes casos, se desprezados, a dívida em absoluto deixaria de ser anulada ou perdoada.
11ª Tese – Este joio, que é o de transformar a penitência e satisfação, previstas pelos cânones ou estatutos, em penitência ou penas do purgatório, foi semeado enquanto os bispos dormiam. – (As falhas da igreja)
27ª Tese – Pregam futilidades humanas quantos alegam que no momento em que a moeda soa ao cair na caixa a alma se vai do purgatório.
32ª Tese – Irão para o diabo, juntamente com os seus mestres, aqueles que julgam obter certeza de sua salvação mediante breves de indulgência.
36ª Tese – Todo o cristão que se arrepende verdadeiramente dos seus pecados e sente pesar por ter pecado, tem pleno perdão da pena e da dívida, perdão esse que lhe pertence mesmo sem breve de indulgência.
37ª Tese – Todo e qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, é participante de todos os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem breve indulgência.
43ª Tese - Deve-se ensinar aos cristãos, proceder melhor quem dá aos pobres ou empresta ao necessitado do que os que compram indulgências.
46ª Tese – Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem fartura, fiquem com o necessário para a casa e de maneira nenhuma o esbanjem com indulgências.
62ª Tese – O verdadeiro tesouro da igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus.
82ª Tese – Haja vista exemplo como este: Por que o papa não livra duma só vez todas as almas do purgatório movido pela santíssima caridade e considerando a mais premente necessidade das mesmas, havendo santa razão para tanto, quando, em troca de vil dinheiro para a construção da basílica de São Pedro livra inúmeras delas, logo por motivo bastante infundado?
86ª Tese – Por que o papa, cuja fortuna é maior do que a de qualquer rico opulento, não prefere construir a basílica de São Pedro de seu próprio bolso em vez de o fazer com o dinheiro dos cristãos pobres?
92ª Tese – Fora, pois, com todos estes pregadores que dizem à Igreja de Cristo: Paz! Paz! Sem que haja paz.
As lutas após a publicação das teses
     Como já dissemos, as Teses desencadearam muitas discussões, debates, lutas e condenações; revolucionaram cidades, Ducados, e especialmente o Papa que por sua vez instigou príncipes e reis para que fizessem calar esse monge Lutero. Vamos mencionar aqui alguns dos principais debates.
1. O Dr. Hieronymus Schurf repreendeu Lutero severamente e lhe disse: Tu queres escrever contra o Papa! O que pretendes alcançar com isso? Eles não o suportarão. Lutero lhe respondeu: Mas eles precisam suportá-lo.
2. O arcebispo Albrecht acusou Lutero de herege e entregou o assunto ao Papa. O papa Leão X encaminhou o assunto ao superior de Lutero, Staupitz, para que fizesse Lutero se retratar.
3. O assunto foi encaminhado à Assembléia dos Agostinhanos, aos quais Lutero pertencia. Estava prevista uma Assembléia desta Ordem nos dias 18/04/1518, em Heidelberg, para a qual Lutero foi convocado. Lutero foi a pé e chegou lá no dia 25 de abril. Na Ordem do Dia constava: Examinar a atitude do frade rebelde. Para este encontro Lutero preparou 40 Paradoxos, baseados em São Paulo e Sto. Agostinho. Defendeu a Teologia da Cruz contra a Teologia da Glória. As últimas doze destronaram a filosofia de Aristóteles. Encontravam-se ali três jovens que vieram a ser, mais tarde, amigos de Lutero e precursores da Reforma em suas regiões: Martim Bucer, João Brenz e Ehrard Schepf. Bucer escreveu ao Dr. Beato Rhenanus: “Lutero presidiu um convenção dos seus irmãos da ordem em que houve debates. Ele sustentou teses que não só ultrapassam toda a expectativa, mas também pareciam quase todas heréticas. Ele possui uma maneira maravilhosamente agradável para responder e grande paciência para ouvir. Na pulverização das objeções, reconhece-se nele a perspicácia de Paulo. Todos ficaram admirados.”  O papa Leão X havia encarregado o Procurador Marius de Perussis para fazer o exame de suspeita de heresia e Hieronimus de Glunuci, bispo de Adkoli, deveria conduzir o processo. Mas em lugar de examinar as teses, ele passou a acusar grosseiramente a Lutero.
    Lutero respondeu: “Eu esperava que o Papa iria me proteger, pois minhas teses estão repletas de citações bíblicas e decretos papais. Eu estava certo de que o papa condenaria a Tetzel e me abençoaria. Mas em lugar de uma bênção dele, recebo raios e trovoadas e fui  tratado como ovelha que sujou a água do lobo. Tetzel saiu livre eu preciso deixar que me estraçalhem.”
4. Outra luta. No dia 7 de agosto de 1518, o Papa convidou Lutero para que se apresentasse dentro de 60 dias em Roma, pois pesava contra ele a acusação de ser herético. Mas o Eleitor da Saxônia, Frederico o Sábio, não estava interessado em perder a maior luz de sua Universidade e pediu que Lutero fosse julgado na Alemanha. Como a escolha de um rei estava às portas e o voto do Eleitor Frederico era valioso ao Papa e ao rei, fizeram sua vontade.
     O Cardeal Thomas Vio de Gaeta ou Caieta, conhecido como Cajetano, foi o legado papal na dieta de Augsburgo. Dele procedeu no Concílio de Latrão (1512 – 1517) a proposta de considerar o Papa é infalível, acima dos Concílios e a igreja, sua serva. Convocado a Augsburgo, Lutero foi a pé. Seus amigos temeram por sua vida e insistiram para que não fosse. Pouco antes de Augsburgo Lutero adoeceu. Levaram-no então de carroça até Augsburgo. Ali muitos queriam ver este monge corajoso. O Dr. Peutinger o convidou à mesa. Cajetano se hospedou no palácio do banqueiro Jacob Fugger.  
     No dia 11 de outubro de 1518, Lutero entrou no palácio para a audiência com Cajetano. Ao entrar, Lutero se ajoelhou com o rosto em terra. Cajetano, muito cordial, ordenou que se levantasse e pediu cordialmente que Lutero se retratasse. Ele não queria se humilhar e discutir com um simples monge. Lutero insistiu que veio para discutir temas bíblicos. Após algumas horas de discussões, Cajetano consentiu que Lutero respondesse as questões por escrito. Lutero preparou as respostas. 
     No dia 14/11 Lutero compareceu com Staupitz, Feilitsch, Link e outros amigos novamente para a audiência com Cajetano. Os italianos, curiosos de ver o monge, lotaram o recinto. Cajetano olhou rapidamente as folhas que continham a resposta de Lutero e simplesmente pediu que Lutero se retratasse.
    Sobre esta reunião Lutero escreveu: Dez vezes eu pedi a palavra, mas fui impedido de falar. Finalmente levantei minha voz e disse: “Eu me retrataria se o Papa Clemente VII (1523 – 1534) de fato tivesse dito que a indulgência é o mérito de Cristo.” Cajetano buscou o livro e leu triunfalmente: “Cristo conquistou por sua vida a indulgência.” Ao que Lutero respondeu: Um momento, venerado Pai. Se Cristo conquistou por seu sofrer e morrer este tesouro, então seu mérito não pode ser a indulgência. O delegado ficou perplexo. Ele tentou esconder seu espanto, mas Lutero não cedeu. Vocês acham que nós alemães não entendemos de gramática. Uma coisa é “ser um tesouro” outra é “conquistar um tesouro.”
     Cajetano era bom teólogo e hábil dialético. Ele tinha escrito uma tese sobre indulgências. Mas aqui ele foi refutado. Cajetano perdeu a paciência e expulsou Lutero da sala, dizendo: Não me apareça aqui, a não ser para se retratar. Lutero escreveu ao Papa, pedindo outro interlocutor, mais sábio que Cajetano.  Cajetano pediu ao Papa que excomungasse Lutero como herege.
     O Dr. Campeggio que acompanhou Cajetano em nome do Papa, disse mais tarde: Cajetano estragou tudo, usando de violência.
     No dia seguinte a este último encontra com Cajetano, os amigos informaram a Lutero que as portas da cidade estavam sendo vigiadas e que Lutero deveria fugir, no que eles o auxiliaram. Ele fugiu à noite, a cavalo, sem espada, nem esporas, sem calças de montaria e foi para Nuernberg. Isto no momento exato, pois no outro dia chegou a ordem de Roma para que Cajetano trouxesse Lutero, esse herege, a Roma.
     Após isso, o papa, devido interesses políticos, mudou de tática. Tornou-se mais brando. Ele enviou a Karl von Miltitz ao Eleitor Frederico da Saxônia, para conseguir o voto do mesmo na eleição do rei e pedir que Lutero se calasse. Lutero concordou se os seus opositores fizerem o mesmo.
     Os adversários de Lutero, no entanto, não guardaram silêncio. Lutero foi desafiado para novo debate com o Dr. Eck. Lutero se preparou cuidadosamente para desse debate. Ele estudou as leis canônicas da igreja do século XII e descobriu que parte dessas leis tinham sido falsificadas. O debate foi realizado em Leipzig. O chanceler pomerano Olswitzer de Roma informou que há a intenção de eliminar Lutero por envenenamento ou uma facada.
     No dia 24 de junho de 1519, na companhia de 200 estudantes cingidos com suas espadas, dirigidas pelo Duque Barnim, reitor da Universidade de Wittenberg e Lutero, entraram em Leipzig.
     O bispo de Merseburg, por meio de um panfletos quis impedir o debate, visto que Roma já havia condenado Lutero pela Bula de 09/11/1518, mas o Duque Georg mandou que o bispo se calasse. A Universidade de Leipzig não se envolveu nesta disputa histórica. Por isso, no dia 27 de junho, o jurista Simon Pistoris chamou os visitantes bem-vindos. Em procissão todos se dirigiram à igreja São Thomé. Dali eles seguiram em procissão com banners e ao ritmo de tamborins ao castelo Pleissenburg do Duque Georg. O professor Peter Mosellanus, prof. e poeta, saudou a todos com um discurso de duas horas. Após o que todos se ajoelharam e um coral entoou o hino: Komm, Heiliger Geist, Herre Gott (Santo Espírito, ó nosso Deus... (HL 142). Seguiu uma pausa de duas horas para almoço. O debate iniciou à tarde. Dr. Eck defendeu, durante 4 dias, o livre arbítrio do ser humano. Dr. Karlstadt, a livre graça. Cinco dias discutiram sobre o Poder do Papa. Dr. Eck defendeu que o papado foi fundado por Jesus Cristo. Lutero o negou, dizendo ser uma instituição humana.
    No dia 5 de julho, o Dr. Eck disse que a doutrina de Lutero de que a igreja aqui na terra não precisa de uma cabeça e que o Papa não é necessário para a salvação, é a mesma heresia de Hus, que o grande concílio de Constança condenou. A discussão foi árdua. Lutero, realmente, se assustou com a grande brecha que estava se abriu entre ele e a igreja.
     No dia 6 de julho, Lutero afirmou: Somente a Bíblia é infalível. Concílios podem e têm errado.
     No dia 7 de julho, afirmou: Concílios não têm o direito de decretar novas doutrinas. O Dr. Eck respondeu: Se tu crês que Concílios não podem decretar novas doutrinas e têm errado, eu te considero um “gentio e publicano”.
     Lutero condenou a doutrina do purgatório e das indulgências. No dia 14 de julho, no encerramento dos debates, Lutero disse: “Vejo que o Dr. Eck entra tão fundo na Bíblia como uma aranha na água, sim ele a teme, como o diabo, a cruz. Com todo o respeito aos pais da igreja, eu me mantenho à Bíblia.”
     Ao se encerrar os debates, o Reitor da cidade de Leipzig, Johannes Lang, disse: “Lutero é um homem de grande pureza, tanto no falar como no viver que segue o exemplo de Agostinho.”
     O Dr. Eck foi festejado durante nove dias, durante os quais pode desfrutar as regalias do palácio do Duque George. Outros professores e nobres louvaram Lutero.
     As coisas progrediram rapidamente. Após o debate com Tetzel, Lutero apelou aos bispos, após o debate com Cajetano, apelou ao Papa, no dia 25 de novembro de 1518, apelou ao Concílio; no dia 6 de julho de 1519 apelou à Bíblia como única autoridade infalível. Assim estava sozinho, tendo o mundo contra si. Este debate teve conseqüências ainda cem anos depois, quando o rei da Suécia, Gustavo Adolfo, vindo em defesa da causa luterana, perdeu a vida numa batalha na planície de Leipzig. (W. Dallmann. Evg.-Lutherisches Kirchenbladt, nº 12, 15 de junho de 1917, p. 95). 

Três livretos que abalaram o mundo
      Os diversos debates despertaram em Lutero muitas perguntas, vários assuntos precisavam ser examinados com maior profundidade.
      Especialmente o último debate com o Dr. Eck, que comparou Lutero com Hus, levou Lutero a examinar os sermões de Hus, bem como os documentos de condenação a Hus. Ao lê-los, Lutero exclamou: “Durante cem anos o puro evangelho foi sufocado. O tempo de calar passou, é tempo de falar.” (Ex 3.7) Ele examinou também os documentos sobre a autoridade secular do papa e a doação de Constantino. Qual não foi sua surpresa ao descobrir que os documentos da doação foram falsificados. Estes estudos o levaram a escrever. O fruto desses seus estudos foram os três livretos que foram logo impressos e alvoroçaram o mundo: À Nobreza Cristã da Nação Alemão.[2] Do Cativeiro Babilônico da Igreja Cristã.[3] A Liberdade Cristã.[4] Vejamos, resumidamente, o conteúdo destas três obras.

1.      À Nobreza Cristã da Nação Alemã – O primeiro livreto, à Nobreza Cristã, foi
publicado em abril de 1520. Neste documento Lutero mostra que a Igreja de Roma ergueu em torno de si três muralhas, com as quais ela se defende, “de sorte que ninguém a pôde reformar, razão por que toda a cristandade decaiu terrivelmente”. As muralhas são:
1ª Muralha. “Quando a igreja foi ameaçada pelo poder secular, a igreja determinou e disse que o poder secular não tem direito sobre eles, e sim o contrário: o eclesiástico estaria acima do secular.” – Lutero objetou: Todo o cristão batizado é sacerdote de Deus (1 Co 12.12ss.; 1 Pe 2.9)
2ª Muralha. “Quando se tentou mostrar os erros da igreja pela Sagrada Escritura, eles objetaram dizendo que a ninguém cabe interpretar a Escritura senão ao Papa.” – Lutero objetou: Querem ser mestres exclusivos da Escritura, mas não a conhecem. Todo o cristão deve ler a Escritura e pode compreendê-la. (1 Co 14.30; Jo 6.45; Lc 22.32; Jo 17.20; 1 Co 2.15; 2 Co 4.13)
3ª Muralha. “Quando ameaçados com um concílio, inventaram que ninguém pode convocar um concílio senão o Papa. Assim nos roubaram, às ocultas, as três varas, para poderem ficar impunes e tomaram lugar na segura fortaleza destas três muralhas, para praticar toda sorte de vilanias e maldades que agora vemos.”[5] – Lutero objetou: Esta cai por si. Se o Papa age contra a Escritura, temos o dever de admoestá-lo: Mt 18.15ss.; At 15.6. Não foi Pedro que convocou o Concílio, mas todos os apóstolos.
Na segunda parte do livreto, Lutero expõe a terrível corrupção que reina no pátio em Roma.
Na terceira parte, sugere 26 pontos para melhorar a situação.

2.      Do Cativeiro Babilônico - Dois meses, após o lançamento do primeiro
livrinho, já surge segundo, em 6 de outubro de 1520, como resposta à Bula de Excomunhão. Esta obra coloca o machado na raiz da doutrina do papado. Lutero conhecia bem a responsabilidade desse seu escrito. Ele encarou a tarefa com coragem e calma. Ele ataca os sete sacramentos do Papa, dizendo que são sete argolas[6] que escravizam os cristãos, do nascimento à sepultura.
a)      A Santa Ceia deve ser administrada como instituída por Deus: em ambos os
elementos; não é o sacerdote que transforma o pão em carne; a Santa Ceia não é um sacrifício incruento.
b)      O Santo Batismo. Ele é em si uma bênção, mas o Papa o obscureceu com muitos votos, peregrinações e obras.
c)      O ato penitencial. Este ato não é um sacramento. Conseguimos consolo na
absolvição, o perdão dos pecados, mas não como conseqüência de nossa contrição. O pecador arrependido deve ser animado para que se console com o perdão de Cristo oferecido, dado e selado pelo evangelho e sacramentos.
d)      A Confirmação. Ela não é um sacramento, mesmo sendo algo bom e louvável
ensinar crianças na palavra de Deus e abençoá-las, mas isso não é trabalho exclusivo de um bispo.
e)      Os outros sacramentos romanos foram tratados e contestados da mesma forma.

3.      Da Liberdade Cristã – Neste sublime documento, tão proveitoso para toda
a vida cristã, Lutero afirma:  Um cristão é senhor livre sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém.  Um cristão é servidor de todas as coisas e sujeito a todos.
     O documento trata da justificação do pecador que recebemos pela fé na graça de Cristo e da vida em comunhão com Deus, da santificação.
     Na primeira tese, Lutero mostra que Cristo, por seu sofrer e morrer pela humanidade na cruz, nos libertou. Este perdão, esta justificação é oferecida pelo evangelho e recebida pela fé. Pela fé nos tornamos filhos de Deus, a noiva de Cristo.
     A segunda tese trata da vida desta “noiva de Cisto”. Ainda estamos na carne e no mundo. Há tentações e lutas. O cristão serve em amor a Deus e ao próximo, não em busca da liberdade, pois esta ele recebeu de presente pela graça de Cristo, mas como “noiva de Cristo” torna-se voluntariamente servidor do próximo.
     Este livreto foi impresso em latim e alemão. No mesmo ano de seu lançamento teve 9 reedições.

A Bula de Excomunhão
     De tudo isso não se poderia esperar outra reação de Roma do que a Bula de Excomunhão. No dia 15 de junho de 1520, o papa Leão X, que se encontrava na vila esportiva em Magliano assinou a Bula de Excomunhão, solicitada pelo Dr. Eck, que também foi encarregado de levá-la à Alemanha. Em sua viagem até Wittenberg, o Dr. Eck mandou fixar a Bula nas cidades de Halle, Brandenburg e outras. Cidades nas quais os católicos fizeram fogueiras e queimaram livros e escritos de Lutero. Lutero recebeu a Bula no dia 11 de outubro de 1520. Na Bula Exsurge, Domine... constava o seguinte:

Levanta-te, Senhor, e julga a tua causa, lembra-te dos impropérios ditos contra ti, daqueles com que um povo néscio te injura todos os dias... Levanta-te, Pedro, atenta na causa da tua igreja romana, mãe de todas as igrejas e mestra da fé... Levanta-te, também tu, ó Paulo... Levanta-te toda a assembléia dos santos, santa igreja de Deus...

Somente após alguns dias, após a chegada da Bula em Wittenberg, Lutero reagiu contra ela. No dia 1º de dezembro, Lutero se dirigiu com estudantes e muitos professores da Universidade para fora da cidade e à frente da porta de Elster, onde se costumava incinerar o lixo, ali a Bula papal foi lançada ao fogo com livros canônicos papais, e outras obras medievais, com as palavras: “Porque afligiste o Santo de Deus (Lc 1.35), o fogo eterno te devore.”   
     A Bula dava a Lutero 60 dias para se retratar. Como Lutero não se retratou, no dia 3 de janeiro de 1521, segui-se a Bula “Decet romanoraum pontificem”, que declarou Lutero anátema bem como a todos seus apoiadores. Mesmo assim, Worms torna-se o novo centro de atenções, pois em 1519 faleceu o rei Maximiliano e foi eleito como rei o jovem Carlos V, que jurou manter a fé, defender a Igreja e prestar submissão ao Papa e à Sé de Roma. Como jovem, ele foi cauteloso. Ele precisava do apoio dos príncipes alemães, resolveu fazer mais uma tentativa para resolver pacificamente o assunto Lutero. Ele convocou sua primeira Dieta (Assembléia) para Worms, convocando Lutero para a mesma. Lutero recebeu a convocação no dia 24 de março. Lutero partiu no dia 02 de abril, refutando os temores de seus amigos. O Conselho de Wittenberg lhe ofereceu uma carruagem toldada. Com ele foram os amigos Amsdorf, professor da universidade, Pezensteiner, seu companheiro de mosteiro, o estudante dinamarquês, Pedro Swaven, e seu amigo Jerônimo Schurff, professor de direito em Wittenberg. Como amante da música, Lutero não esqueceu seu alaúde para esta longa viagem. Em Leipzig, apesar da animosidade durante a disputa com o Dr. Eck, os magistrados e estudantes lhe dispensaram boa acolhida.
    Nesta viagem apoteótica houve diversos problemas. Chegou a Frankfurt no dia 14. Ali residia, Cochloeus, um de seus terríveis inimigos. Este ao ouvir da chegada de Lutero, preparou uma cilada traiçoeira a Lutero. Convenceu um dos amigos de Lutero, o dominicano Bucer, que seria muito perigoso para Lutero ir a Worms. Ele deveria ficar em Frankfurt, e ele, Cochloeus, procuraria intermediar do Imperador um interlocutor para tratar o assunto em Frankfurt. Seu plano, na verdade, era atrasar a viagem de Lutero, pois seu salvo conduta, para a ida, expirava dia 16. Lutero não se deixou enganar e respondeu: “Mesmo havendo tantos demônios como telhas em Worms, eu vou para lá.” Alguns amigos ainda o aconselharam entrar sorrateiramente em Worms, pois havia católicos que queriam assassiná-lo. No dia 16 de abril, às 16h, a trombeta da torre da catedral anunciou a entrada do carro do frei Martinho. Lutero não entrou em Worms a vista de todos, triunfalmente, pelo portão central. No dia seguinte, de manhã cedo, o chanceler do imperador lhe entregou a convocação para comparecer à tarde, às 16h, diante do imperador. 
      A sala de audiência, o Chanceler lhe apresentou duas perguntas em nome do imperador: Reconheces que estes livros por ti foram escritos? Em segundo lugar, estás pronto a retratar-te do que neles escreveste, ou persistes no teu modo de pensar? Lutero iria responder a primeira pergunta afirmativamente, quando seu amigo Jerônimo Schurf, designado pelo imperador para acompanhar Lutero, pediu que se lessem primeiro os títulos das obras. O que foi feito. Quanto à segunda pergunta, Lutero respondeu em latim e alemão: “Devido a complexidade peço um tempo para reflexão.” O imperador e os membros da assembléia reuniram-se em particular para deliberar, após o que o chanceler comunicou: “Martinho Lutero! Sua majestade imperial, segundo a bondade que o caracteriza, quer te conceder um dia ainda, mas sob a condição de lhe dares a resposta verbalmente e não por escrito.”
     Este dia de espera foi difícil para Lutero. Amigos temiam por ele. Lutero buscou conforte, calma e força na leitura da Palavra de Deus e na oração.
     No dia seguinte, 18 de abril, pelas seis horas da tarde, Lutero compareceu novamente diante do imperador. Já haviam acendido as luzes (tochas). Ele estava pálido. O chanceler do imperador pediu uma resposta curta e clara às perguntas que ontem lhe foram formuladas. Lutero respondeu em alemão com voz tranqüila e majestosa serenidade: Quanto à primeira pergunta, reconheço esses livros como de minha autoria, a não ser que tenham modificado certas passagens neles... e dispôs estes livros em três categorias. Durante esta exposição sobre os livros, o chanceler se impacientou, pedindo resposta clara e definida, se estava disposto a renunciar ou não.
    Então Lutero respondeu com as memoráveis palavras:

A menos que eu seja convencido de erro pelas Escrituras ou por raciocínio claro, pois a minha consciência está presa à Palavra de Deus, não posso nem quero retratar-me, porque agir contra a própria consciência não é, nem verdadeiro, nem honesto. Aqui estou! De outra maneira não posso! Que Deus me ajude! Amém!

Imediatamente segui-se certo tumulto na assembléia. Amigos e inimigos ficaram impressionados. Frederico o Sábio observou a Spalatim: “O padre Martinho falou bem perante sua majestade imperial a todos os príncipes e classes do reino, em latim e em alemão. Acho-o demasiadamente audaz.” Tendo Lutero chega a sua hospedaria, ergueu os braços e exclamou: Passei! No dia 25 de abril deixou Worms. Em 21 dias seu salvo-conduto iria expirar. No dia 26 de maio, o imperador assinou um decreto que declarava frei Martinho proscrito. Qualquer pessoa poderia prendê-lo e entregá-lo às autoridades.

Conclusão
     A Assembléia do Santo Império não conseguira calar o frei Martinho Lutero, nem dobrar sua consciência, para que se retratasse. A Palavra de Deus estava sendo, novamente, proclamada de forma clara e compreensível e continua assim até hoje. Não em todos os lugares.  Queira Deus ser nos gracioso e preservá-la a nós.  
        
II - Como surgiu a idéia de celebrar a Reforma?
      Para Lutero, o dia 31 de outubro, ao pregar as 95 teses na porta do Castelo de Wittenberg[7], foi um dia de júbilo, apesar da apreensão. Dez anos depois, no dia 1 de novembro de 1527, ele reuniu seus amigos e lhes disse: Hoje é um dia de gratidão a Deus por ter-nos guiado e dado forças para escrever e afixar as teses e por tê-las abençoado tão ricamente. (Tischreden) A partir desta data começou-se a celebrar a Reforma.  
     Vamos relembrar as celebrações nos diversos centenários. Seu fundo político, seu quadro religioso e as celebrações.

1.      O primeiro centenário, 31 de outubro de 1617
     O quadro político do primeiro centenário era sombrio. A guerra dos 30 anos (1618 a 1648) estava por eclodir. As forças políticas, com muitos rumores, já estavam se movimentando. Os fiéis estavam com medo do que viria. Muitos haviam abandonado os princípios da Reforma. Por parte dos católicos se ouvia: Os Luteranos não têm nada a festejar; eles deveriam se arrepender e voltar à igreja mãe.
     Mesmo assim, os cristãos fiéis aos princípios da Reforma promoveram uma grande celebração. Celebração de gratidão pelo Jubileu da Reforma, o que incluía também a lembrança da entrega da Confissão de Augsburgo, em 25 de junho de 1530.
     Por ordem do Eleitor Johann Georg da Saxônia, foi celebrada uma festa de três dias. Depois ele ordenou que as pregações, orações, liturgias e preleções fossem impressos, o que resultou num livro de 427 páginas. O Der Lutheraner[8] de outubro de 1917 publicou um resumo, do qual extraímos esses dados: Na quarta-feira, dia 25 de outubro, o Superintendente Dr. Balduin fez uma pregação para introduzir as festividades. Ele usou o texto do evangelho do 19° domingo da Trindade e destacou a verdadeira razão da festa. Na quinta feira, dia 26/10, à noite, o Dr. Hunnius pregou sobre o Salmo 100, sob o título: Como devemos nos preparar para esta festa de júbilo, de forma correta e cristã. No dia da Reforma, terça-feira, dia 31/10, Wittenberg estava em festa. O Reitor da Universidade com os doutores, professores e alunos foram, às 6h em procissão para a Igreja do Castelo. Ali foi lido o 12° capítulo do profeta Daniel, exposto pelo Dr. Franz em breve mensagem. Ele destacou as bênçãos da Reforma. Depois, todos, com os magistrados da cidade, se dirigiram à Catedral para culto. O Dr. Balduin, usando o mesmo texto de Daniel, respondeu a pergunta: O que Deus Espírito Santo  anunciou nos 400 anos que antecederam ao papismo? No culto da tarde, pregou o Dr. Meisner sobre o Salmo 76. Este honrado prof. disse à comunidade em festa, numa pregação de 55 páginas, a que bem-aventurado estado espiritual a comunidade foi levado pela reforma.
     No dia 1° de novembro, houve um culto às 6h, na igreja do Castelo. O pregador usou o texto de Apocalipse 17.1-6, e falou sobre as sangrentas perseguições por parte da Igreja Católica. No culto da manhã na Catedral, pregou o Dr. Balduin, que usou o texto de Apocalipse 14.8-19, e mostrou que a reforma foi uma obra de Deus. No culto da tarde pregou o Dr. Hunnius sobre Jo 24.1-28. Ele destacou que no júbilo, lembrando as lutas do passado, não podemos esquecer-nos de suplicar que Deus em sua graça continue a amparar sua igreja e manter a verdade.
     Em resumo podemos dizer que os destaques foram: 1) É uma festa para relembrar os grandes feitos de Deus; 2) uma festa de louvor e agradecimento a Deus pela restauração do evangelho; 3) uma festa para lembrar este grande milagre da luz nas trevas;  4) uma festa de oração, na qual pedimos que Deus nos conserve sua Palavra; 5) uma festa de arrependimento na qual pedimos perdão pelo desleixo para  com sua Palavra, para que Deus, em sua bondade, nos conceda vida nova, fervor, devoção e apego a sua Palavra, para sermos operosos praticantes, então haverá  também júbilo no céu. (Lc 15.10) Estes temas tornaram-se padrão nas festas futuras.    
     Os festejos também foram acompanhados pelo triste problema da divisão entre luteranos e reformados, devido a doutrina da Santa Ceia.  Isto se mostrou claramente no sermão festivo daquele ano, proferido pelo prof. de religião e teólogo ecumênico, Abraão Scultetus,  que disse:

Admiro que nossos irmãos, os chamados luteranos (eles devem ser nossos irmãos, se quiserem ou não), pois há anos a doutrina da Santa Ceia foi explicada de forma clara e precisa em escritos e sermões. Eles, no entanto, não querem entendê-lo, que a loucura da “Presença Real” na Santa Ceia, no pão e no vinho, é a pedra angular sobre o qual repousa todo o arcabouço católico.[9]

Os reformados oferecem aos luteranos a comunhão na Santa Ceia e ao mesmo tempo afirmam que a doutrina da presença real não é bíblica. Sermões como estes entristeceram os fiéis.  

2.      Segundo centenário, 31 de outubro de 1717
     Há relativa paz política. Cansados das disputas teológicas, surge o iluminismo, a filosofia do Esclarecimento de Kant[10] (1724 – 1804). Em contraposição, surge também o movimento do pietismo de Phipilp Jacob Spener (1635 a 1705) que teve vários seguidores. Seu tema principal: Em vez de disputas teológicas, importa a teologia prática, a vivência cristã. Ao mesmo tempo, temos Johann Sebastian Bach (1685 a 1750), que, com suas cantatas bíblicas, promove a verdade bíblica.
     Em toda a parte houve grandes festividades por ocasião deste segundo jubileu.  Na Alemanha temos o rei Frederico II, o Grande, (1712-1786) que impulsionou a filosofia, a arte e expressou sua idéia de unir luteranos e reformados. Idéia essa que foi acentuada por seus seguidores. Na época Valentin Ernst Löscher, teólogo ortodoxo luterano, que foi uma grande luz, advertiu os luteranos contra as idéias do Pietismo que vieram da Inglaterra para a Holanda e agora invadiam a Alemanha. Ele escreve: Que cristianismo é esse que vem da Inglaterra via Holanda para a Alemanha, que despreza a doutrina, não compreende mais os sacramentos, nem a Igreja que querem renovar, a qual, no entanto, eles estão destruindo.  Ao pietismo seguiu-se, como muitos já haviam previsto o crasso racionalismo. Ele teve seu início com René Descartas e sua teoria de que a dedução é o melhor método, e floresceu na Alemanha com Friedrich Hegel (1171 – 1831), desembocando no comunismo.    

3.      Terceiro centenário, 31 de outubro de 1817
Assim chegamos ao terceiro jubileu. Na Alemanha governava o rei Frederico
Guilherme III (1797 a 1840). Este rei decretou no dia 27 de outubro de 1817 a união entre luteranos e reformados em seu reino, conhecida até hoje como a União Prussiana, à qual muitos luteranos aderiram, por motivos os mais diversos. Um pequeno grupo, no entanto, discordou, entre eles o conhecido pastor e poeta Paul Gerhard. Para compreendermos o que levou o rei Friedrich Wilhelm III a decretar a união, precisaríamos rever todo o cenário político e religioso daquele tempo, para o que não temos espaço aqui. Mas vale a pena rever alguns escritos do seu decreto, para compreendermos o espírito que reinava e reina até hoje.  Vejamos a proclamação do dia 27 de outubro de 1817. Lemos ali:

     Meus antepassados, que já descansam em Deus, o leitor Johann Sigismundo, o eleitor George Wilhelm, o grande eleitor, o rei Friedrich I, o rei Friedrich Wilhelm I, com santa sinceridade tentaram unir estas duas igrejas protestantes, a reformada e a luterana, para uni-las para uma igreja evangélica cristã. Honrando as santas intenções, uno-me a eles, neste santo desejo e obra, que naquele tempo, devido ao infeliz espírito sectário, esbarraram em dificuldades intransponíveis. Espero encontrar agora compreensão melhor que afaste as coisas externas (sic!) e dê atenção às coisas principais no cristianismo, a respeito das quais as duas confissões são unânimes e retenham para a glória de Deus e o bem da igreja cristã, o que é essencial.
     Nos meus Estados encontrei boa receptividade para isso e espero concretizá-lo, dando início a isso nas festividades seculares da Festa da Reforma. Tal união destas duas corporações cristãs religiosas, só divididas por questões externas, é propícia aos propósitos do cristianismo, e corresponde às primeiras intenções dos reformadores. Ela está no espírito do protestantismo. Ela promove o espírito eclesiástico. Ela é salutar à piedade. Ela será fonte de muitas outras coisas proveitosas que, devido às diferenças confessionais, até aqui, emperram a melhoria das congregações e escolas.  
      Esta união tão desejada e tantas vezes tentada em vão, pois reformados não aceitam os luteranos e os luteranos não aceitam os reformados, quando ambos deveriam se unir e formar uma só igreja evangélica cristã, no espírito de seu fundador. Pois não vejo nenhum impedimento ou motivo razoável para a separação, se ambas as partes num sincero e verdadeiro espírito cristão quisessem agir. Disto resultaria um digno louvor que nós devemos à providência divina que nos deu a bênção da Reforma. Na lembrança desta obra deveríamos honrar efetivamente a união. Deveríamos honrar a lembrança desta obra pelo concretizar a união.
     No entanto, por mais que eu o devo desejar que reformados e luteranos compartilhem comigo essa salutar convicção, tão distante estou, com respeito a seus direitos e sua liberdade, de impor isto ou com respeito a essas questões, dispor e ordenar algo. Esta união, por outro, só terá verdadeiro valor, se nem o indiferentismo, nem a presunção dela participarem.  Quando ela brotar da liberdade e convicção própria, e não for simplesmente uma união exterior, mas uma união de coração, ancorados nos princípios bíblicos e na força desses princípios.
     Assim como eu quero celebrar a Reforma nesse espírito, na união da comunidade luterana, como uma comunidade cristã, e ir à Santa Ceia, assim espero que esse meu exemplo seja benéfico e encontre seguidores no espírito e na verdade. Eu deixo isso á liberdade e à sábia condução do Consistório, ao piedoso fervor dos guias espirituais e seus Sínodos para encontrarem a formulação exterior para uma unânime aprovação, convicto de que as congregações a seguirão no verdadeiro e sincero espírito cristão. E que em toda a parte onde se olhar sinceramente, sem segundas intenções para o essencial e a grande causa da Escritura, ali se encontrará com facilidade a fórmula, ali brotará o exterior do interior de forma simples e digna por si próprio. Desejo que este momento não esteja mais longe, onde sob um pastor comum, todos na mesma fé, no mesmo amor e uma esperança se unam para um só rebanho.

 Uma nova Agenda (Ordem de Culto)
     Uma nova Agenda, em cuja elaboração o piedoso rei participou com todo fervor, trouxe, por estar baseada no bom modelo da liturgia antiga, nova vida ao culto. Mas ela encontrou também rejeição por parte de luteranos sérios, que temiam tanto por parte da União como da Agenda por sua Confissão.  Por isso a Agenda foi reeditada em 1829 com modificações e acréscimos e o rei, baixou a seguinte ordem em 28 de fevereiro de 1834:

     Fiquei profundamente e com justiça chocado que por parte de alguns adversários da paz eclesiástica, foi feita a tentativa de, por interpretações e opiniões erradas com relação ao objetivo da União e da Agenda, induzindo também outros ao erro.
     A União não tem por finalidade a abolição da atual confissão de fé, nem a autoridade que a duas Confissões, a luterana e a reformada, possuem. Pelo apoio à união só expressam o espírito de moderação e brandura em relação às diferenças em alguns pontos doutrinários para não serem mais motivo para a separação.
     A participação da União é de livre decisão de cada congregação ou igreja. É um erro pensar que a introdução da nova Agenda esteja vinculada à entrada da União ou indiretamente concretizada pela aceitação da mesma. A participação na União depende da livre adesão de cada um. A Agenda está relacionada com a União somente no sentido de que a ordem para o culto está prescrita ali, bem como os demais ofícios ministeriais detalhados ali na Agenda, por serem escriturísticos, sem chocar ou provocar reclamações, que pode ser usada por pessoas de ambas as confissões, para a promoção do temor de Deus e da piedade. Mas os que rejeitaram a Agenda e a União, a rejeitaram sem argumentos, nem sinceridade. Há liberdade também para cada província que pode fazer suas adaptações.  Os que discordam podem constituir-se em nova organização.

     Os luteranos mais rigorosos em Schlesien ( Silesia) rejeitaram a União. O governo agiu com rigor contra eles, impondo castigos em dinheiro e até prisões. Mas eles não se deixaram amedrontar. Vários pastores foram perseguidos e presos, entre eles o conhecido pastor e compositor Paul Gerhard, que foi deposto de sua comunidade e teve que fugir. Deus o protegeu. Em 1840, o rei Friedrich Wilhelm IV libertou os aprisionados. Eles se organizaram e constituíram através do Sínodo em Breslau, no ano de 1841 a Lutherische Kirche in Preusen, independente da Igreja Luterana da Prússia, com um colégio de Conselheiros em Breslau, que pela graça do rei recebeu uma Confissão Geral.[11] 
    Esta ação violenta contra os luteranos ortodoxos fez com que muitos Saxões emigrassem para outros países, Estados Unidos da América, Austrália e os que ficaram na Europa estão hoje reunidos na Selbständige Evangelisch-Lutherische Kirche (SELK).

4.     Centenário, 31 de outubro de 1917
     Esta data ocorreu em meio a 1ª Guerra Mundial, chamada também de a Grande Guerra (1914 a 1918). No dia 28 de junho de 1919 foi assinado o Tratado de Versalhes. Dez milhões de mortos, seis mil soldados voltaram dela mutilados, cidades destruídas, a economia arruinada, fome e peste por todos os lados na Europa. Muitos cristãos estavam envolvidos nestes horrores. Muitos luteranos da Alemanha, Bélgica, França, Rússia, Austrália e dos Estados Unidos morreram nela. Também houve reflexos dela no Brasil. Nossa revista Evangelisch-Lutherisches Kirchenblatt, editado em língua alemã, foi proibido em 31/10/1917 de circular. A revista voltou a circular após dois anos, em 01/10/1919. Os fiéis buscaram consolo na palavra de Deus.
     Não houve clima para os festejos na Europa. O Jubileu, no entanto, foi celebrado
intensamente nos Estados Unidos da América, nos países Escandinavos e na Austrália. Destes lugares temos diversos sermões e programas de cultos.
    No Der Lutheraner de nossa igreja nos USA, de 24/04/1917 lemos sobre o ano Jubilar da Reforma: Mesmo vivendo nestes dias difíceis de carestia, inflação e guerra na Europa, na qual nosso país (Estados Unidos da América) também está envolvido, o que custará grandes sacrifícios, mesmo assim queremos celebrar os 400 anos da Reforma Luterana.
     Como vamos celebrá-la? Queremos agradecer a Deus pelas bênçãos espirituais que a Reforma nos trouxe e alegrar-nos por estas bênçãos. Ao mesmo temo cumprir nosso dever de propagar a palavra e administrar os sacramentos como instituídos por Deus. Nossa festa é uma festa da igreja, não celebramos Lutero como herói nacional da Alemanha, mas como servo de Deus, que proclamou a palavra de Deus.
     Guerras são castigos de Deus e um chamado ao arrependimento, pois há um decréscimo dos fiéis em todas as nações cristãs.
     Foi elaborado um extenso programa para cada mês, acentuando as grandes verdades da Reforma. Dois temas receberam destaques especiais: Os erros da igreja Reformada que nega o poder da palavra de Deus e dos sacramentos e os tema: Cristãos em outras denominações cristãs. Não duvidamos que nas outras igrejas cristãs, seitas e também na igreja católica, há cristãos, pois onde a palavra de Deus é ensinada e está em uso, ali Deus Espírito Santo opera, conforme Isaías 55.11. Mesmo que nos pareça difícil comprová-lo pela experiência. E onde há fé na graça de Cristo, por mais fraca que seja, ainda mesclada por muitos erros, estas pessoas são nossos irmãos e irmãs em Cristo. Mesmo assim temos que condenar estas igrejas como falsas e devemos evitá-las.   
        

III -  Como celebrar os 500 anos da Reforma Luterana?
     O quadro, hoje, é bastante diferente do quadro dos primeiros festejos. O que nos aguarda nestes festejos? Quais os problemas que temos que enfrentar? O que significa permanecer fiel às nossas Confissões?  

3.1  – O quadro político e social no mundo
     Após as duas grandes guerras mundiais e a guerra fria, parece que temos relativa paz. Mas só parece. Rumores de guerras, revoluções, homens bomba suicidas, sim,  ameaças de toda a ordem estão por toda a parte.
     Nós aqui no Brasil, além do alto número de mortes por acidentes nas estradas, os constantes roubos com assassinatos cruéis, a guerrilha do narcotráfico mostram que estamos numa guerra civil, por mais que se deteste esta expressão. A isso se soma ainda a dissolução moral com aprovação de nosso parlamento, o fomento do racismo, etc. Fomos um pais cristão, mas a base cristã está sendo abandonada. As leis que permitem o aborto, casamento de gays e lésbicas, a restrição à liberdade de imprensa (de prgação), ai que em disser uma palavra em público contra gays, demonstram isso.  Em todo o mundo crescem as catástrofes ambientais. Há grande temor pelo futuro do planeta terra. Estes problemas, em si, não são novos, mas eles estão crescendo de modo assustador em sua intensidade. É o quadro que Jesus pintou do juízo final. (Mt 24)
     No campo religioso vemos igualmente o cumprimento das profecias de Jesus:
-  Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra? (Lucas 18.8 RA)
-   E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor se esfriará de quase todos. (Mateus 24.12 RA)
-  Sereis odiados de todos por causa do meu nome; aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo. (Mateus 10.22 RA)
- Levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a muitos. (Mateus 24.10-11 RA)

3.2  - O quadro eclesiástico

     Conforme o grupo Portas Abertas (www.portasabertas.org.br; www.opendoors.de), nunca, na história da cristandade, foram perseguidos e mortos tantos cristãos como nestes anos. Em mais de 50 países cristãos estão sendo perseguidos. A maior crueldade contra cristãos está sendo praticada, atualmente, na Coréia do Norte, onde mais de 70 mil cristãos estão incomunicáveis nos campos de trabalhos forçados. Eles carecem de nossas orações, para que Deus os fortaleça e liberte a Coréia do Norte da escuridão. O islamismo se expande cada vez mais nos países cristãos, procurando impor sua “sharia”.
     Por outro lado, a grande decadência do cristianismo. Cresce a imoralidade, o número de divórcios e abortos. Algumas igrejas apoiando o casamento de gays e lésbicas, afirmando que nosso relacionamento não tem nada a ver com a fé cristã. O grande crescimento das seitas que iludem o povo com falsas promessas, extorquindo o dinheiro dos chamados “fiéis”. Este entusiasmo tem limites e termina, normalmente, em grande incredulidade, na qual estas pessoas desiludidas tornam-se inimigas ferrenhas do cristianismo.
     Nós luteranos somos abençoados com a Palavra de Deus claramente exposta e os sacramentos administrados como instituídos por Deus. Temos estas verdades em nosso Catecismo Menor e Maior, na Confissão de Augsburgo, na Fórmula de Concórdia e outros artigos confessionais reunidos no Livro de Concórdia. Além disso, uma parte das obras de Lutero traduzidas ao português. E não podemos deixar de mencionar nosso precioso Hinário com seus textos consoladores e didáticos. Tudo isso, no entanto, também em nosso meio em certa decadência. Quem ainda os lê, estuda e conhece? Nossos hinos, não me refiro nem à música, mas aos preciosos textos, antigamente sempre citados, são hoje desconhecidos. Quantos hinos nossos confirmandos aprendem hoje de cor? Quantas vezes parágrafos doutrinários de nossas confissões, antigamente sempre citados em artigos, sermões e estudos, são mencionados hoje?

3.3 – Quadro eclesiástico específico
   
 – Os católicos querem festejar este acontecimento conosco. Eles querem festejar o quê? Será que reconheceram seus erros? Examinando o Catecismo Católico (11/10/1992) vemos que nada mudou.
      Após dez anos de estudos, a Comissão conjunta, Luterana da FLM e Católica,  elaborou o documento: Doutrina da Justificação pela Graça e Fé. Declaração conjunta Católica Romana – Evangélica Luterana (16/06/1998). Neste documento, aceito pelas duas igreja Católica e Luteranas da FLM, - a Igreja Luterana Sínodo de Missouri e suas igrejas irmãs não assinaram o documento – consta o seguinte:
- Não vamos mais invocar as antigas e mútuas condenações.
- Concordamos na doutrina da justificação.
     O que significa: Não invocar mais as antigas e mútuas condenações? Não valem mais? Neste caso, teríamos que modificar nossas confissões, pois na Confissão de Augsburgo lemos em todas as teses: Cremos, ensinamos e confessamos... rejeitamos; Na Fórmula de Concórdia lemos: Cremos, ensinamos e confessamos... rejeitamos e condenamos. Infelizmente, também em nosso meio já se ouvem vozes como: Deixemos de lato esse ranço do passado. Hoje, nossas perguntas são outras. Importa ensinar o evangelho de forma positiva. Será?                                        
    E quanto à justificação pela graça e fé. A igreja Católica não mudou sua doutrina da graça infusa. Quem mudou, na verdade, foram os luteranos, que aceitaram agora uma linguagem confusa.                         
- Quando dois padres na Alemanha, em Dresden, no ano 1990, pelo júbilo dessa declaração, celebraram uma missa em conjunto com pastores luteranos, eles foram repreendidos e suspenso pelo Papa. Realmente a Igreja Católica não mudou.

- Igrejas Luteranas da Federação Luterana Mundial
     No culto da Reforma deste ano 2012, em Worms, ao lançar o tema para 2013: Reforma e Tolerância a pastora Margot Kässmann disse:

Por vezes temos que andar por outros caminhos... Aqui em Worms, Lutero afirmou categoricamente diante do Imperador: Aqui estou. Não posso de doutra maneira. Que Deus me ajude. Amém.  Esta frase atribuída a Lutero resume o que o Reformador reivindicou para si: Uma posição contra toda a autoridade e principado do seu tempo. Nem sempre ele concedeu esta liberdade a outros. A Reforma libertou a fé de preconceitos e coações, e a tornou discutível – mas lutou também contra a fé de outros que interpretavam esta liberdade de modo diferente. O tema de 2013, tenta ordenar estas conquistas e seus lados sombrios sob o título: Reforma e Tolerância.

     A pastora mostrou numa de suas pregações que muitas vezes se acusa a Igreja Evangélica de que sua posição, especialmente, em questões éticas não é suficientemente unânime. “Mas nisto consiste exatamente a força da fé reformada. Não há nenhum dogma, que o cristão evangélico individualmente precisa crer. A consciência individual deve ser aguçada. Eu mesmo devo pensar,” disse a pasora. Ela continuou: “A isto pertence também o suportar diferentes posições na luta pela verdade. Esta é a posição da doutrina evangélica... A igreja da Reforma precisa continuar se reformar. Hoje as igrejas compreenderam que demasiada insistência em suas posições não conduz à paz.” 
     Esta parece ser, hoje, - e espero não errar muito - a posição geral dos luteranos liberais da FLM. A pastora Margot é muito estudada e hábil oradora, mas será que ela entendeu a confissão de Lutero diante do imperador Carlos V em Worms, no dia 18 de abril de 1521? Isso foi simples intolerância? O que seria se Lutero fosse tolerante e cedesse, se retratasse diante do imperador? Sem dúvida permaneceríamos ainda hoje nas trevas. Diante da palavra de Deus não existe tolerância ou intolerância. Ou estamos, como servos de Deus, amarrados à sua palavra ou não, seja isso em questões de doutrina ou da ética.    

 – Igrejas Evangélicas. Elas vêem e festejam a Reforma como o grande dia da libertação de todos os preconceitos e descriminações e lutam por uma unidade exterior, sem acordo na doutrina, uma unidade na diversidade. Eles acreditam que a união na diversidade é a maior necessidade de nossos dias para a missão e o progresso da igreja.  No meio deles soou a pergunta: “Como pode uma igreja cristã dividida sarar um mundo em conflitos.” Festejam a Reforma mais com o trinômio da Revolução Francesa: Liberdade, igualdade e fraternidade, do que com o trinômio da Reforma: Somente a Escritura, somente pela graça, somente por fé.  
     Estas igrejas, como os católicos, permanecem no sinergismo, o homem coopera com sua salvação.  Não compreendem claramente a doutrina do pecado, tanto do pecado original como do pecado atual, nem tampouco o que é a verdadeira fé cristã. Além disso, se dividem nas mais diferentes correntes como universalismo, prosperidade, milenaristas com suas ramificações, etc.

 – Movimentos Ecumênicos – O movimento ecumênico parecer ter descoberto a solução para a divisão da igreja cristã, a saber: O Diálogo. O diálogo resolve tudo. Na elaboração das Teses do Acordo de Leuenberg (1973), que procurou unir luteranos, reformados e unitários. Naquela reunião chegou-se, pelo diálogo, à seguinte fórmula para o problema da Santa Ceia. Ali lemos:  “Na Ceia do Senhor, Jesus Cristo ressuscitado comunica-se a Si mesmo, no corpo e no sangue, oferecidos por todos, através da promessa da palavra, com o pão e o vinho. Assim, sem reservas, dá-se a todos que recebem o pão e o vinho, na fé, recebe-se a Ceia do Senhor, para a salvação, na incredulidade para juízo.” 
     A pergunta que se coloca é: Afinal, o que recebemos na Santa Ceia. Pois se não recebemos o verdadeiro corpo e sangue de Cristo, nascido da virgem Maria, dado e derramado por nós na cruz, recebemos o quê? A resposta a esta pergunta não ficou claro nesta formulação, mas parece contentar todos. A Igreja confessional luterana, Missouri e suas igrejas irmãs, não assinaram esta fórmula.
     Por essa razão somos acusados de sermos intolerantes, perturbadores da paz.
     Nós estamos realmente nos tempos finais, a espera da volta de Cristo. Interessante que desta volta todas as seitas falam, mas como falsos profetas, falam do arrebatamento, da volta visível de Cristo para levantar seu trono em Jerusalém e reinar por mil anos em paz, só depois virá o verdadeiro juízo final. As muitas heresias e falsos profetas não deixam dúvidas de que estamos nos tempos do fim. A corrupção, como nos tempo de Sodoma e Gomorra, a promoção dos gays e da poligamia, a destruição da família, a perversão da juventude e a decadência da cristandade em todo o mundo confirmam os sinais dados por Jesus da proximidade do fim.     

IV – Nossa responsabilidade

     Neste contexto, qual a nossa responsabilidade no mundo, na Igreja cristã e em nosso meio, como igreja confessional. Cumpre manter nosso compromisso confessional. Cumpre aprender dos profetas como pregar lei e evangelho nestes tempos finais, nos quais os juízes de Deus se manifestam anunciando o juízo final. Doutrinar nossos membros para que conheçam bem o Catecismo Menor, a Confissão de Augsburgo, a Epitome, que é a Fórmula de Concórdia resumida.
     Festejar os 500 Anos da Reforma nos moldes do primeiro Centenário como: Dia de jubilo e agradecimento pela restauração da verdade, pelas Confissões; dia de arrependimento, conforme a primeira das 95 teses; dia de confessarmos, em amor, nosso repúdio aos desvios doutrinários; dia de proclamar a salvação, mesmo que isto nos separe ou mantenha separados de muitos irmãos. A nós cabe fidelidade a Palavra de Deus, tão bem exposta em nossas Confissões, reunidas no Livro de Concórdia de 1580.               
                                                                                                      São Leopoldo, 01/09/2012
                                                                                                       Horst R. Kuchenbecker
Observação:
     Este trabalho será completado no correr da Década de Lutero. Acrescentaremos observação numeradas. As próximas serão o Documento da LCMS sobre Ecumenismo, para alertar sobre cultos em conjunto com outras denominações, e a Carta Européia,  que mostra até onde e em que sentido devemos cooperar com outras denominações cristãs, sem termos comunhão de púlpito e altar. – Sem mais abraço, HorstK





NOTAS
[1] A Vereinigte Evangelisch-lutherische Kirke (VELK), tem os seguintes temas, adotados pela FLM: 2008: Abertura; 2009: Confissão; 2010: Formação; 2011: Liberdade; 2012: Música; 2013: Tolerância; 2014: Política; 2015: Bíblia; 2016: O mundo. Confira e acompanhe estes temas na seguinte página da internet: www.luther2017.de – A Selbständige Evangelisch-Lutherische Kirche (SELK) tem os seguintes temas: 2009: 95 Teses; 2010: A Confissão de Pecados; 2011: O Batismo; 2012: A Santa Ceia; 2013: A Comunidade; 2014: A Igreja; 2015: Tradições; 2016: A vida cristã; 2017: Reforma. Cada tema está dividido em 10 sub temas. Confira na seguinte página da internet: www.blickpunkt-2017.de.  
[2] Obras Selecionadas de Lutero, vol. II, p. 277
[3] Obras Selecionadas de Lutero, vol. II, p.341
[4] Obras Selecionadas de Lutero, vol. II, p. 435
[5] Op.cit. p.281
[6] Como colocadas nos animais, para dominá-los.
[7] Wittenberg era uma cidade pequena com 3 mil habitantes. Em suas ruas empoeirada corriam gansos, porcos e galinhas por toda a parte.
[8] De nossa igreja irmã a Lutheran Churche Missouri Synod.
[9] Denk-Mahl, Wittenberg, 1717, pág. 92
[10] Kant só conhecia o Catecismo Menor de Lutero
[11] Zeugnisse der Kirchengeschichte, de Friedrich Zange, Verlag Von C. Bertelsmann, Götersloh, 1912, pág, 440 – 443; Lutherische Beiträge, nº 3, 2012, Bewährung u. Verlust auf dem Wege Evangelisch-Lutherische Kirche in Brandenburg-Preussen u. Deutschland, por J-C Burmaeister, pág 139 a 165.


Observação : 1

Década de Lutero ou Década da Confissão?
     Em vez de colocar Lutero em evidência, dever-se-ia redescobrir as Confissões.
     Confesso, sem rodeios, que o meu relacionamento com Lutero é caracterizado por uma simpatia, mas não sem reservas e, no meu íntimo, às vezes contestada. Isto tem sua origem em experiências que tive como estudante (de teologia). Pois mal tinha conseguido comprovar, sob muito esforço, com citações de Lutero uma (minha) tese a ser apresentada numa das cadeiras, vinha alguém, mais inteligente ou mais esforçado do que eu, e afirmava o contrário, apresentando também citações pertinentes de Lutero. E regularmente me aborrecia: “Ora Lutero, como tiveste coragem de escreve algo assim?”
     O aborrecimento me incomodava até que fizesse outra “descoberta” em seus escritos. Às vezes ficava aborrecido por causa da sua maneira bruta e polêmica. Outras vezes me fascinava a sua maneira incomparável de acertar com clareza cristalina em suas afirmações e suas análises objetivas. 
     O problema é o seguinte: com a imensidão dos escritos de Lutero – são ao todo 120 volumes com 80.000 páginas – este erudito de Wittenberg escreveu em muitos contextos bem diferentes e em épocas bem distintas. Nos seus primeiros escritos, que estão repletos do fogo de sua descoberta que levou à Reforma, ele escreve bem diferente do que nas obras posteriores, que tem como conteúdo a preocupação de conservar a unidade da igreja cristã contra as muitas forças divergentes e separatistas.
     Muita dificuldade causou-me um pastor da vizinhança na minha ex-paróquia, que raramente dispensava uma citação de Lutero. Ele era pastor batista e, pelo que parece, ocasionalmente fez uma coleção de palavras de Lutero, que haviam de comprovar a teologia dos batistas. Em certa ocasião falei para ele – tendo que admitir de uma maneira exagerada e irritada: “Meu irmão... , se você acredita ou não, Lutero não me interessa! Para mim, como luterano, valem as confissões luteranas!” Com isto eu achei a minha fórmula “luterana-polêmica”, pois é evidente que Lutero me interessa muito. Mas – e isto eu julgo muito importante – seus escritos têm na igreja luterana em verdade um grande prestígio, mas não têm nenhuma autoridade comprometedora. Autoridade comprometedora tem somente as Escrituras Sagradas do Antigo e do Novo Testamento e as Confissões da Igreja Evangélica Luterana.
     Naturalmente, neste meio tempo encontrei também, uma afirmação pertinente de Lutero para minha posição, quando ele, numa exegese sobre Gênesis 26, escreve na margem do texto: “Depois da minha morte, muitos irão editar os meus livros e citá-los, querendo assim comprovar toda sorte de erros e suas próprias fantasias.”
     Por isso também não estou compreendendo por que as igrejas, nas preparações do Jubileu da Reforma em 2017, estão falando de uma “Década de Lutero”. Melhor seria “Década da Reforma”, ou melhor ainda “Década das Confissões da Igreja”. Pois teríamos grande proveito se redescobríssemos nos próximos anos as confissões da igreja e se conseguíssemos transmitir o seu conteúdo entre as pessoas.
     Há um segundo ponto que me parece importante neste contexto. No filme monumental sobre Lutero, do canadense Eric Till, é uma cena aparentemente secundária, que focaliza coisas essenciais. Uma simples e jovem mulher procura, com duas questões, o cura de almas Lutero, mostrando a ele, cheia de confiança, um breve de indulgência. Com a sensibilidade própria de um verdadeiro cura de almas, Lutero lhe explica a nulidade deste papel e a fortalece na fé em Jesus Cristo. É possível que esta cena seja inventada, mesmo assim ela aponta de maneira acertada para o fato de que as 95 teses de Lutero de 1517 não emanaram de cogitações teóricas de gabinete, mas são o resultado da experiência vivida do confessor paternal Lutero.
     A confissão e o seu abuso na doutrina da penitência são o propulsor, o centro e o eixo da Reforma e do artigo central da doutrina da justificação. Nesse meio tempo nos é possível ler livros inteiro sobre o significado central da doutrina da justificação, sem que se tratasse da confissão. Em verdade, deveríamos observar uma “Década da Confissão” em lugar da “Década de Lutero”. 
     Coisas idênticas acontecem também com outros grandes temas da Reforma. “Lei e Evangelho” não é um tema isolado, mas tem a ver com a proclamação (do evangelho) e o sermão dominical. A Reforma não é a disputa teórica de teólogos eruditos, mas é a luta pela purificação do Culto Divino de excrescências humanas e pela concentração no agir salvador de Cristo. Por isso, para mim, na comemoração da Reforma, é essencial a pergunta de como conseguiremos trazer as pessoas para o Culto Divino, como podemos conectá-las com o amor salvador de Cristo.
    E finalmente ainda isto: Não agüento mais aquele “Lutero – prussiano – nacional” (em pose triunfal) que, fundido em bronze, e batendo na Bíblia, se encontra em quase todas as cidades provincianas na Alemanha. Qual a cidade onde haja um monumento a Lutero, que mostre Lutero ajoelhado diante da cruz de nosso Salvador Jesus Cristo? Erguer tal monumento seria apropriado àquele, cujo único lema, em última análise, é a humanação do amor de Deus em Cristo Jesus.
      
Nota do tradutor: No século 19, partindo da Prússia, se tornou moda erguer um momento de Lutero, a exemplo do monumento que se encontra em frente à Prefeitura de Wittenberg – ou em cidades e lugarejos menores de planar uma árvore (tília) ou um Carvalho “de Lutero”, como na minha terra natal onde se encontra uma tília de Lutero que foi plantada em 1883.
                                                                                       Pastor  Hans-Jörg Voigt
                                                     Lutherische Kirche, Outubro, 2009  (www.lutherischekirche.de)
                                                        Tradução: K. Hermann G. Auel, pastor emérito, 31 ou. 2009