sexta-feira, 22 de julho de 2011

C.F.W.Walther, o Teólogo - Doutrina da Justificação do pecador

Dr. C.F.Walther, o Teólogo
                                                                                     Dr. Francis Pieper. Trad. W.E. Wadewitz
                                                                                    (Igreja Luterana, Ano XVII, Porto Alegre, 1956. Nº 34, p.145)

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Introdução
    Quando procuramos descrever Dr. Walther como teólogo, é necessário, acima de tudo, considerar sua doutrina da justificação, porque sua atitude em relação a esta doutrina nos fornece a chave para a sua completa linha de ação em sua vida tão cheia de luta.
     Walther reconhece a doutrina da justificação, ou, a doutrina que o pecador é justificado perante Deus e salvo pela graça mediante a fé em Cristo como o centro de todas as doutrinas cristãs.
     Sem compromissos, Walther atacou todo erro doutrinário, porque sabia que constituía séria ameaça à doutrina central da Bíblia. É nesta doutrina que ele se apóia também na sua luta em torno da verdadeira doutrina da igreja. Walther demonstra que a doutrina da justificação é anulada se, por exemplo, homens ensinam que existe igreja visível fora da qual não há salvação, ou, que a eficácia da absolvição depende da ordenação do que a administra. Fez ele a mesma objeção também em relação a outros falsos ensinamentos, os quais refutou, como por exemplo, a operação física dos Sacramentos, o sinergismo, e outros semelhantes. “Somente então”, escreve ele, “a batalha contra a doutrina falsa tomará significação prática para o cristão, quando ele percebe que esta doutrina não pode ser preservada pura enquanto outros ensinamentos são falsificados”. Walther viveu na doutrina que ensinava, como cristão e como teólogo. Até mesmo os seus oposicionistas reconheceram que ele era capaz de apresentar a doutrina da justificação de modo completamente persuasivo. Foi também neta doutrina que Walther baseou a maioria de suas conferências realizadas na assim chamada “Luther-Stunde”. Em nosso seminário teológico, ele mostrou aos seus estudantes, acima de tudo, como pregar esta doutrina corretamente, apontando-lhes tanto o caminho reto como os desvios mais comuns que ocorrem. Acreditamos não ser exagero quando declaramos que, após Lutero e Chemnitz, nenhum outro professor de nossa igreja tem ensinado a doutrina da justificação com tanto vigor como Walther o fez. Foi especialmente nesta doutrina que ele seguiu Lutero e reuniu num só feixe de luz todos os raios que emanavam dos outros teólogos da igreja luterana a respeito desta doutrina.
     Quando apresentamos a posição de Walther em relação à justificação, teremos que dar valor em primeiro lugar a sua caracterização geral da justificação, com respeito a sua importância e, ainda a outros pontos; então poderemos acentuar os pontos especiais aos quais deu valor particular a fim de preservar a doutrina da justificação em sua pureza contra os erros que a assaltavam de tempos em tempos. 

A Doutrina da Justificação
     De acordo com Walther, a doutrina da justificação é o distintivo característico da religião cristã, pelo qual ela se distingue de todas as outras assim chamadas religiões. Escreve ele: “Quando falamos de justificação, falamos da religião cristã, porque a doutrina da religião cristã não é outra do que a revelação de Deus com respeito ao caminho pelo qual os pecadores são justificados perante Deus e salvos pela redenção de Jesus Cristo. Todas as outras religiões ensinam outros caminhos que pretendem levar ao céu; mas somente a religião cristã aponta um caminho diferente por sua doutrina da justificação. Este, porém, é um caminho do qual o mundo nunca ouviu e o qual não conhece, a saber, o plano da salvação oculto na mente de Deus antes de ser formado o mundo.“
     Novamente escreve ele: “Esta doutrina é o sol celeste da religião cristã, pelo qual ela se distingue de todas as religiões como a luz se distingue da escuridão.” Quer dizer que, quem ataca a doutrina da justificação, ataca toda a doutrina cristã, toda a Bíblia, e, toda a religião cristã. Onde esta doutrina for pervertida, outro caminho de salvação é ensinado, e isto quer dizer, outra religião. Lutar pela doutrina da justificação, pelas Sagradas Escrituras e pela religião cristã; tudo chega a ser uma só batalha, uma só coisa. Sem a doutrina da justificação, a religião cristã é como um relógio sem mola. Todas as outras doutrinas perdem o seu valor, se a doutrina da justificação estiver corrompida. Quando o fundamento ceder, todo edifício cairá. Se a doutrina da justificação cair, então toda a doutrina cairá por terra. Neste caso a igreja se transformará numa escola reformatória. E, em relação à compreensão das Sagradas Escrituras, quero dizer: “Teólogos que erram na doutrina da justificação, não habitam na Bíblia, mas estão diante duma porta fechada, de nada valendo toda a diligência com que a estudam. Para aqueles que não compreendem a doutrina da justificação, a Bíblia é um mero livro de instruções morais e de muitas idéias e comentários estranhos e sem grande importância. A doutrina da justificação é por isso, o “tópico principal da doutrina cristã.” (Ap. IV, 11,2).
     Enquanto alguém não for além da opinião de ser a doutrina da justificação apenas um dos artigos importantes da fé, esta pessoa ainda está cega. Se alguém não conhece a verdadeira doutrina da justificação, então nada adianta ele enaltecer a Cristo ou a graça divina ou ainda os meios da graça, porque tudo que é ensinado na igreja deve servir a esta doutrina. Isto não significa que esta doutrina deve ou pode ser tratada com exclusividade, visto que todas as doutrinas reveladas devem ser ensinadas com a maior ênfase; no entanto, quer dizer que, mesmo falando do inferno, nosso objetivo deve ser mostrar aos ouvintes como poderão ser salvos do inferno.
     É absolutamente necessário que cada um conheça a verdadeira doutrina da justificação, a fim de que seja salvo. Cristãos são pessoas que conhecem o artigo da justificação, é isto que eles crêem que Deus lhes perdoa os pecados por graça, por amor de Cristo. É esse conhecimento, ou melhor, essa confiança que torna a pessoa um cristão. Walther escreve: “Sobre este artigo repousa a nossa salvação, e por isso é absolutamente necessário a cada cristão. Se alguém não conhece nem crê esta verdadeira doutrina, não lhe traria proveito se conhecesse corretamente todas as outras doutrinas, como por exemplo, a doutrina da Santíssima Trindade, a da pessoa de Cristo e outras semelhantes.”

O que é a igreja?
     O que é a igreja? É uma congregação de cristãos crentes. A igreja está onde Cristo governa por graça. Onde ele ocupar o coração, lá está o seu reino. Por isso, onde há cristãos regenerados e reavivados, aí está sua igreja. Mas ninguém se torna cristão verdadeiro e regenerado sem a doutrina da justificação. Toda outra espécie de doutrina pode mesmo produzir os melhores fariseus, mas não cristãos. “Uma pessoa torna-se cristão somente quando, pela operação do Espírito Santo em seu coração, reconhece que foi realmente redimida por Cristo e que possui o perdão de seus pecados, e que tem um Pai celestial reconciliado, uma justiça perante Deus, e que, por tudo isso, poderá morrer em paz.”
     Em outro lugar Walther escreve: “Quando Lutero diz que, sem o artigo da justificação, a igreja não pode existir nem por uma hora, ele não exagera; porque a igreja não é uma organização externa, mas a comunhão de crentes. Onde não houver crentes, lá não há igreja.” Se, por isso, a igreja deve ser estabelecida e preservada, é necessário acima de tudo que seja proclamada a doutrina da justificação. Pela pregação desta doutrina, a Reforma da igreja foi realizada, enquanto que faliram outros meios que tinham sido tentados antes para reformar a igreja. Foi esta doutrina que também em outros tempos e países reformou a igreja. Se nós queremos edificar a igreja hoje, isto poderá ser feito exclusivamente pela proclamação da doutrina da justificação. Congregações são estabelecidas não por pastores “eloqüentes”, “populares” ou “dignificados”, mas apenas por pastores que pregam a justificação. Saber e estar apto para pregar esta doutrina, supre o talento ou o estudo que porventura lhes faltar. Se a igreja tivesse a escolha entre pastores com preparo deficiente, mas que pregam e vivem a doutrina da justificação e entre pregadores eloqüentes que não compreendem a doutrina da justificação e por isso não a proclamam, teria que escolher, sem hesitar, os primeiros. Walther diz: “Apesar de esta doutrina ser importante, pode ela, no entanto, ser pregada em todo o seu poder, clareza e rico conforto mesmo por pregadores menos talentosos, se tão somente aprenderam que a graça de Deus apareceu em Jesus Cristo a todos os homens e é recebida pela fé, de modo que poderão pregá-la de tal maneira que seus ouvintes se sintam seguros de sua salvação. Este conhecimento tem mais valor do que toda sabedoria, talentos e tesouros do mundo. Tais pregadores sempre terão matéria para suas pregações, eles sempre saberão falar dos dons graciosos de Deus e de tudo que ele tem feito por nós. Isto sempre lhes dará nova alegria para pregar.
     Que é todo o conhecimento humano, por mais importante que seja, comparado com a sabedoria de Deus? Isto logo se torna patente pela passagem: “Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho Unigênito”, etc. Esta mensagem traz alegria a todos os pecadores penitentes; isto é algo em que os santos anjos se regozijam, e isto é algo diante de que todo o mundo devia prostrar-se e clamar: “Gloria, Aleluia!” Se nossos jovens pastores pregam esta doutrina, então poderão iniciar uma Reforma também neste país, para a qual um pequeno começo tem sido feito mediante esta mesma mensagem. Isto certamente forma congregações vivas, não tais que proclamam sua vida e obras, mas estas que, vivendo nesta doutrina, estão prontas a render sacrifícios a Deus na beleza da santidade. Em suma, aprendamos de Lutero que não poderemos iniciar uma Reforma neste país a não se que creiamos firmemente nesta doutrina da justificação, a preguemos com segurança divina e a guardemos fielmente.
     Um vivo conhecimento da doutrina da justificação é essencial para o correto preparo para o ministério. Walther escreve: “A equipagem especial e principal que estudantes de teologia deviam levar consigo do seu seminário teológico, e sem a qual todo o resto seria desnecessário, é uma clara visão desta doutrina da justificação de um pecador penitente perante Deus, baseada acima de tudo na experiência pessoal.” Do mesmo modo uma proclamação pública e particular da doutrina da justificação é necessária, acima de tudo, para o honesto desempenho do ofício do ministério. O fato que ele tem o privilégio de proclamar esta mensagem deveria alegrar imensamente um ministro de Deus. E como a verdadeira alegria do pastor no santo ministério provém desta doutrina, assim também a sua esperança de realizar algo de valor, o guardará do espírito legalista.
     A doutrina da justificação, porém, é o meio pelo qual somos guardados em pureza de doutrina. Walther escreve: “Enquanto esta doutrina permanecer completamente pura, nenhum erro nos atingirá em outras doutrinas.” E justamente como Lutero disse: “Esta doutrina não tolera erro algum. É o sol iluminando o céu da igreja: quando desponta, então toda a escuridão deve retirar-se.”
     “A doutrina da justificação é o estandarte que torna impossível aceitarmos qualquer erro enquanto por ele formos guiados. Quem aprender a doutrina da justificação, pouco caso faz dos catedráticos incrédulos ou semi-crédulos, por mais cultos e eloqüentes que sejam, mas que não crêem e ensinam o que uma criancinha ora de acordo com o versículo bíblico: “O sangue de Jesus Cristo, seu Filho nos purifica de todo pecado.” O mais humilde cristão rejeitará tais mestres, sem se deixar ofuscar por sua erudição ou piedade aparente.”
     Todo aquele, portanto, que erra no tocante à doutrina da justificação não pode conceber nem demonstrar a outrem quão perigoso é todo erro doutrinário. Ele não conhece a doutrina central da religião cristã e é como a criança que não sabe para que fim serve um relógio e que por isso considera simplesmente desnecessárias uma determinada roda ou peça. Para aquele que não compreende verdadeiramente a doutrina da justificação, as diversas doutrinas da Palavra de Deus são como um monte de pedras soltas, das quais se tira uma e mais uma; sem causar o desmoronamento das outras pedras. Sem o verdadeiro conhecimento desta doutrina, para sempre haverá dúvidas quanto ao saber onde está a verdadeira igreja, especialmente em vista de sua humilde aparência, sem grande aparato, e ainda suportando as ofensas que dentro dela ocorrem. Mas, quando aderimos à doutrina da justificação, não nos impressionaremos com as massas, os altares, a pompa, a severa disciplina e grandes realizações da igreja falsa. Também não nos impressionarão as eruditas obras apologéticas dos modernos, porque tudo isto não terá valor nem será de proveito para a igreja, sem a doutrina da justificação.

Preservando pura a doutrina da justificação
     Queremos considerar agora alguns ensinamentos que, de acordo com Walther, são essenciais hoje, se queremos preservar pura a doutrina da justificação. Walther escreve: “Quando consideramos a pura doutrina da justificação, como nossa igreja luterana novamente o está fazendo, baseada na Palavra de Deus em seu radiante fulgor, teremos que guardar em mente três doutrinas, a saber, (1) a da geral e perfeita redenção do mundo por Cristo; (2) a do poder e da eficácia dos meios da graça, e, (3) a da fé.” Onde há perfeito acordo nestas doutrinas, há também pleno acordo com respeito à doutrina da justificação, e mesmo em toda a doutrina cristã. Do outro lado, onde são ensinados erros quanto a uma ou mais destas doutrinas, como é o caso entre algumas denominações protestantes, racionalistas modernos e sinergistas luteranos, então a doutrina da justificação tende a ser pervertida, mesmo quando a terminologia estiver de acordo com a verdadeira igreja, como por exemplo, quando sinergistas afirmam que o homem é justificado perante Deus somente por graça, pela fé em Cristo e não pelas obras da Lei.
     Queremos, em primeiro lugar, oferecer um sumário das afirmações de Walther sobre estes três pontos.
     Se, por exemplo, alguém negar que Cristo redimiu todo o mundo, negando com Calvino a verdade bíblica que Cristo redimiu toda a humanidade e que no Evangelho Deus oferece esta redenção a todos os homens, por graça, sem exceção, tal pessoa subverte a doutrina da justificação. Se este erro é mantido, então o pecador não pode ter certeza de sua salvação, a não ser que ele receba uma revelação imediata e extraordinária para este fim. Novamente, se alguém ensinar que Cristo redimiu todos os homens, porém, não completamente, isto é, em outras palavras, que Cristo tornou possível o perdão dos pecados a todos os homens, mas, que este perdão dos pecados ou a justificação ainda não existe para cada pecador, tal pessoa torna a fé e a conversão uma mera causa do perdão dos pecados e torna inválida a doutrina da justificação pela graça por amor de Cristo. Ou, se alguém perverter a doutrina dos meios da graça, negando que Deus oferece ao pecador a sua graça por meio da Palavra e dos Sacramentos, assim que o pecador primeiro deva procurar a graça na Palavra e nos Sacramentos, tal pessoa obriga o pecador a procurar a graça em sua própria condição subjetiva, na conversão e regeneração, e assim, nas suas próprias boas obras. Por fim, se alguém perverter a doutrina da fé, negando que a fé é, em essência, a confiança na graça oferecida no Evangelho e a identifica como um sentimento de graça, tal pessoa coloca no lugar da graça divina a condição do coração humano como base da justificação e salvação. Se uma pessoa ensina erroneamente que a fé é gerada por meio de cooperação humana, ou, graças à boa conduta do homem, então novamente abandona a doutrina da justificação, apesar do fato de usar as expressões “pela graça somente” ou “pela graça, por amor de Cristo”.
    Esta matéria nos parece de grande importância e queremos considerar de maneira mais completa possível os três pontos, à base das afirmações de Walther.
     Para conservar pura a doutrina da justificação é necessário guardar:  A verdadeira doutrina bíblica da perfeita redenção de todos os homens por Cristo.     

A graça universal
     A fim de apresentar a perfeita redenção de todos os homens por Cristo com toda clareza, Walther insiste que existe, para cada pessoa, graça, justiça e salvação, mesmo antes que a fé é operada; que cada pecador é justo perante Deus, mesmo antes de crer, e que Deus tem o propósito de dar esta graça, de acordo com a declaração que Deus pronunciou sobre todos os homens ao ressuscitar Cristo. Foi de grande importância para Walther repudiar o ponto de vista que uma pessoa por sua fé ou por sua conversão precisa primeiro agradar a Deus, ou que precisa completar a sua redenção e justiça. É verdade que uma pessoa, para ser salva, deve ser convertida, mas esta conversão não é a causa pela qual Deus, a salva, porém, apenas o caminho pelo qual ela chega a fé, e ela não fez coisa alguma, mas aceita a perfeita redenção que já lhe foi adquirida. Os entusiastas sustentam o ponto de vista que Cristo efetuou o que as Escrituras denominam: redenção, a fim de que Deus possa agora receber os pecadores no céu por causa de sua conversão. Eles não crêem que Cristo fez absolutamente tudo que devia ser feito, a fim de que Deus nos salve e nos conceda a vida eterna. Imaginam eles que, para ser salvo, algo ainda permanece para o próprio homem realizar, e que isto seja a conversão. A Escritura, porém, ensina que Cristo efetuou absolutamente tudo. Ele já tornou certa para todos os homens a reconciliação com Deus, junto com a justiça e todos os outros dons da salvação. Estas bênçãos estão preparadas e são oferecidas na santa igreja cristã por meio do Evangelho. Assim que não resta nada para o homem efetuar; deve simplesmente aceitar a salvação. É esta verdade à qual damos o maior valor quando falamos de uma perfeita redenção. Não é verdade que o homem já contribuiu com algo e que Deus lhe acrescenta o que falta. Como também não é verdade que Deus fez uma parte e que o homem completa a outra. Mas a verdade é que somente Deus consumou tudo.
    Esta doutrina, como declara Walther sempre de novo, é a única que caracteriza a religião cristã e a distingue do paganismo, assim que, quem negar esta doutrina, nega toda a religião cristã. Escreve Walther: “Também os pagãos criam que precisavam tornar segura a graça e o perdão dos seus pecados, mas eles nunca souberam que o perdão já havia sido alcançado por outro e que já existia.” Em outra parte ele declara: “Enquanto todas as religiões, exceto a cristã, ensinam que o próprio homem deve efetuar aquilo que o salva, a religião cristã ensina que não somente todos os homens devem ser eternamente salvos, mas também que já foram salvos. Se, de acordo com a fé cristã, o homem já está redimido, ele já está livre e salvo de seus pecados e suas funestas conseqüências. Ele já está reconciliado com Deus. A religião proclama: Tu não precisas redimir-te a ti mesmo nem procurar uma reconciliação entre ti e Deus, porque tudo isto Cristo já cumpriu e efetuou por ti. Nem deixou ele algo que deverás completar, mas somente deves crer e aceitá-lo! Aqui, sem dúvida, está o ponto de distinção entre o cristianismo e todas as outras religiões. Os judeus dizem: Se queres ser salvo, deves guardar a Lei de Moisés. Os maometanos dizem: Se queres ser salvo deves praticar boas obras, arrepender-te de teus pecados e fazer penitência, e, se queres agradar realmente a Deus, então deves ingressar num mosteiro. Igualmente todas as seitas que pervertem a religião cristã impõem algo ao homem, o que deve fazer par tornar-se salvo e justo. A igreja luterana, do outro lado, diz ao homem: Tudo já está feito, já estás redimido. Tens sido justificado perante Deus. Estás salvo! Não precisas fazer outra coisa para te remires, reconciliares com Deus e obter a salvação do que crer que Cristo, o Filho de Deus, já fez tudo por ti. Crê nisso e estás de posso da salvação. Certamente estás salvo!
     Como Walther demonstra, o conceito da fé ordena que olhemos a graça, redenção, justiça e salvação como já existentes.  A pessoa que negar esse fato deve também negar que o homem é justificado e salvo pela fé. Walther diz que, se nós devemos ser salvos por crermos que somos redimidos, reconciliados com Deus e de possuirmos salvação e o perdão, então todos estes dons devem já existir antes de crermos. Quer dizer, tão certo como a Palavra de Deus nos diz que somos justificados pela fé, reconciliados com Deus e salvos, assim certas e seguras devem existir todas estas bênçãos antes de crermos; elas estão apenas esperando que creiamos e as aceitemos. O fato de que a pessoa é salva só pela fé, é possível apenas pela razão que tudo que é necessário para a salvação já foi efetuado e existe, sendo que só nos é preciso tomá-lo. Este tomar, a Escritura chama de crer. Se Deus recebe no céu todos os que crêem, justiça e reconciliação já devem ter sido efetuadas e conseguidas. Todos estes que não ensinam que reconciliação e justiça já existem antes da fé, não compreendem ser a fé como uma mão que recebe o que Cristo já alcançou. Eles preferem olhar a fé como uma obra pela qual o homem coopera para a redenção e justificação, como uma condição que deve preencher e pela qual Deus o recebe no céu.

Conceito do Evangelho
     Somente quando mantemos esta perfeita redenção, é que poderemos manter também o conceito do Evangelho. Por que é a doutrina de Cristo chamada o Evangelho ou, a mensagem de júbilo? Pela simples razão que, quando pregamos o Evangelho, nós proclamamos aquilo que já foi cumprido e concedido aos homens, o que devemos aceitar com o coração repleto de alegria. O evangelho é a mensagem de regozijo que Cristo já completou o que nós devíamos ter feito, mas não o podíamos fazer, e nosso Pai celestial atestou estas coisas quando, como sinal do céu, ressuscitou o Redentor par nós mostrar que estava plenamente satisfeito. No Evangelho é proclamada aquela paz que Deus estabeleceu com os homens. Devemos dar a máxima importância e ênfase ao fato de que a ira de Deus sobre homens foi retirada e aplacada pela obediência de Cristo, e que, no Evangelho, todos são convidados a virem e receberem a sua graça.
     Se um pregador tivesse que dirigir-se a seus ouvintes com o pensamento de que a ira de Deus ainda está sobre eles, e que deveriam ser persuadidos a se reconciliarem com Deus, esta seria sem dúvida uma situação terrível. Mas, sabendo que foi obtida uma satisfação para os homens e que a ira de Deus foi removida, ele pode exortar com toda a certeza: “Sede reconciliados com Deus, aceitando a mão da sua graça.” Aquele que não se interessa por pregar o Evangelho desta maneira, fale do Alcorão, do Talmude, dos decretos do Papa ou mesmo de qualquer outro assunto de sua preferência. Mas, se deseja pregar o Evangelho e converter homens em cristãos jubilosos, então, deve proclamar o Evangelho a mensagem da alegria. Continuando, lemos: “Se a mensagem desta reconciliação é que todos os homens estão reconciliados com Deus, então, ouvir a proclamação do Evangelho, esta boa nova,  é graça inefável .” Para os entusiastas a obra de Cristo consiste apenas nisso que por sua obediência teria ele tornado possível aos homens obterem graça por seus próprios esforços. É também a doutrina do Papa que a pessoa deve tornar certa para si mesma a salvação que Cristo tornou possível, por meio de penitência, expiações e outras boas obras. Porém, ensinar estas coisas significa negar o Evangelho, este mesmo Evangelho que Cristo ordenou que sua igreja pregasse.
     Todavia, existe ainda outra doutrina que, de acordo com Walther, pertence à apresentação, nas Escrituras, da perfeita redenção de Cristo como pressuposição da verdadeira doutrina da justificação, a saber, a doutrina de que com a morte e ressurreição de Cristo é efetuada a justificação de todo o mundo pecador. Walther escreve: “Como pela morte de Cristo em nosso lugar a culpa de todo o mundo foi desfeita e sua punição removida, assim também, pela ressurreição de Cristo, justiça, vida e salvação foram restauradas ao mundo inteiro e têm descido sobre todas s pessoas em Cristo, como Substituto de toda a humanidade.” E ainda mais: “A gloriosa ressurreição de Cristo é uma absolvição de todo o mundo.” Os sermões nos dias de Páscoa de Walther têm temas como este: “A gloriosa ressurreição de Cristo é a válida justificação de todas as pessoas.” Muitas pessoas, até muitos ministros mal sabem o que fazer da ressurreição dos mortos, e novamente, que o Pai o ressuscitou. Não sabem como harmonizar estas afirmações. Assim é que dizem, de um lado, que Cristo ressuscitou dos mortos para provar a sua divindade, e do outro, ele foi ressuscitado, a fim de que pudesse ser demonstrada a possibilidade e a certeza de nossa própria ressurreição.  Ambas estas afirmações são verdadeiras, porém ambas não expressam o mais importante. Cristo certamente não teria morrido e ressuscitado apenas para provar a sua divindade e a possibilidade de nossa própria ressurreição, pois esta já foi provada pela ressurreição de pessoas antes da de Cristo. A coisa principal em relação à ressurreição de Cristo é que Deus, ao ressuscitá-lo, declarou que nosso Senhor Jesus pagou a dívida do pecado pelo mundo inteiro e que todo o mundo está agora livre de sua culpa. Por isso o mundo inteiro deveria jubilar-se por motivo desta vitória, porque o perdão do pecado e a justiça foram alcançados. E quando Deus ressuscitou o seu Filho, não lhe perdoou os seus próprios pecados. Cristo não foi absolvido de sua culpa pessoal, mas ele foi declarado absolvido dos nossos pecados, os quais lhe haviam sido imputados. Assim é que o mundo inteiro foi justificado pela ressurreição de Cristo.
     Esta verdade não é uma contradição com a doutrina que o ser humano é justificado pela fé, porque a expressão “pela fé dá maior valor à apropriação pessoal da justiça de Cristo por parte da pesso e à imputação pessoal da justiça de Cristo por parte de Deus. Porém esta apropriação e imputação não seria possível, se o mundo não tivesse sido declarado justo pela ressurreição de Cristo , ou se a sua condenação na morte de Cristo não tivesse sido seguida pela absolvição por meio de sua ressurreição. Esta justificação pertence a todos os indivíduos, ou a todo o mundo. “Surgindo a pergunta se é ou não correto dizer que todo o mundo foi absolvido, mas não cada pessoa individualmente, devemos responder:  Por Cristo, Deus foi  reconciliado com todas as pessoas e com cada pessoa individualmente”. Esta doutrina da justificação geral de todas as pessoas antes que venha a crer não é uma construção teológica, - o que seria o suficiente – mas também em sua terminologia. Escreve Walther: “Esta doutrina está expressamente afirmada em Rm 5.18: “Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para a justificação que dá vida.” A Bíblia, portanto, não somente ensina a verdade,mas também usa a expressão que a justificação da vida veio sobre todas as pessoas. É apenas por uma interpretação calvinista que estas palavras podem ser tomadas como declaração de que só os eleitos sejam justificados. Apesar de as Escrituras Sagradas na maioria das passagens falarem da justificação que ocorre no mento em que a pessoa vem à fé, e apesar de a terminologia eclesiástica, de acordo com a “justificação pela fé”, geralmente falarem na justificação do pecador penitente, assim mesmo a justificação geral de todas as pessoas anterior à fé, o que as Escrituras atestam claramente em várias passagens é de maior importância. Ninguém pense, porém, que estamos incorrendo em disputa, porque defendemos a mais importante verdade contra os erros e inimigos. Nós devemos sinceramente dar o maior valor à doutrina da justificação universal da humanidade, especialmente nesta terra de seitas e entusiastas que, mesmo ensinando que o homem é justificado pela fé, falam da fé de tal modo que é obvio que eles a consideram uma causa eficiente da justificação e assim roubam a Cristo a sua glória. Sem a justificação universal anterior à fé, não haveria justificação pela fé. Walther mostra também que neste caso não poderíamos falar da justificação do pecador pela fé, porque crer quer dizer aceitar o que já existe. Se o mundo já não fosse justificado, então “crer” significaria fazer algo para alcançar justificação. Todo o Evangelho não é outra coisa senão a mensagem de Deus da justificação que já foi alcançada e que já existe para todos os homens. Estes que ensinam que Deus realmente torna o mundo justo, mas que ele não declarou o mundo justo, estes negam a justificação em sua integridade. Se Deus já não tivesse escrito e selado sua carta de perdão, nós ministros seríamos mentirosos e enganadores do povo, ao lhe dizer: “Somente crê e serás justificado.” Mas como Deus pela ressurreição de seu Filho assinou e divinamente selou se documento da graça para todos os pecadores, nós podemos pregar sem temor: “O mundo está justificado. O mundo está reconciliado com Deus.” Não estivesse certa a primeira afirmação, não poderíamos proclamar a segunda.    
     Nossas Confissões Luteranas dizem repetidamente que a justiça é recebida pela fé. Mas estas afirmações também expressam o fato de que existe uma justiça que a fé pode receber, assim que a fé não precisa primeiro efetuá-la, mas apenas tomar aquilo que já existe. Se alguém diz que o perdão dos pecados realmente existe, mas não a justificação (do mundo), então poderemos perceber que ele não compreende nossas Confissões, as quais ensinam expressamente que o perdão dos pecados e justificação são uma só mesma coisa; porque assim declaram: “Nós cremos, ensinamos e confessamos que de acordo com ouso das Sagradas Escrituras a palavra justificar neste artigo significa absolver, isto é, declarar livre dos pecados.” (FC Ep. III, 7; LC, pág. 510).
     Especialmente em sua exposição de “absolvição” como usada em “pregando o Evangelho a um ou mais indivíduos que desejam conforto do Evangelho”, Walther mostra que a perfeita redenção de todas as pessoas por Cristo estava muito viva em seu coração. Escreve ele que a absolvição está baseada na perfeita redenção ou na justificação universal. “Quando o ministro te absolve, ele te dá um tesouro que já existe, a saber, o perdão dos pecados que já foi obtido.” Walther considera verdadeiros ministros luteranos apenas aqueles que crêem que absolvem todos os que confessam seus pecados, quando pronunciam sobre eles a absolvição. Semelhantemente ele considera verdadeiros cristãos luteranos apenas esses que crêem que são absolvidos por Deus, por intermédio da absolvição pronunciada por seu pastor. Acrescenta ele: “Mas isto podemos apenas crer, se cremos que o mundo foi resgatado. Se cremos isto, então a absolvição é apenas a comunicação do fato àqueles que confessam que foram redimidos anos atrás, pela morte e ressurreição de Cristo. como a admoestação: Somente crê isto e serás salvo!” O fato de muitos se escandalizarem na absolvição como é usada na Igreja Luterana tem sua explicação nisso que não acreditam na perfeita redenção de todas as pessoas por meio de Cristo. Por isso pensam eles que os luteranos olham seus pastores como “lords ordenados” (senhores ordenados),  revestidos de autoridade especial e de poder misterioso. “Mas nós dizemos: Não é uma arte especial absolver alguém. É algo que cada cristão pode fazer, ou seja, cada mulher e cada criança, mesmo se a criança possa apenas pronunciar que o Senhor Jesus Cristo morreu por todas as pessoas e todos os que nele crêem têm o perdão dos pecados. A absolvição não repousa sobre alguma qualidade especial de quem a administra, mas na palavra do Evangelho que proclama a redenção que foi alcançada.”

A essência do Evangelho não depende da fé
     Nesta conexão Walther dá maior importância ao fato que não devemos fazer a essência do Evangelho depender da fé, mas que deve ser considerada por isso como uma oferenda da graça da parte de Deus. “As gloriosas bênçãos de Deus já nos foram dadas. Vamos tomar nota do fato de que estas bênçãos já nos foram concedidas no Evangelho e que sempre estão existentes e subsistem para nós, mesmo se não cremos. Se fazemos depender a essência do Evangelho do fato de que uma pessoa crê, ou, em outras palavras, se falamos de modo tal como se a fé precisasse estar presente antes que o Evangelho fosse válido e eficaz por si, ou que o dom do perdão existe para o pecador apenas quando ele crê, então o perfeito mérito de Cristo, sua redenção e a salvação do mundo não negados. Então em verdade a fé é considerada algo bem diferente do que realmente é. Então não é mais o receber e aceitar do perdão dos pecados, o qual já existe, mas é uma obra a qual devemos adicionar, a fim de que haja perdão no Evangelho. Finalmente, neste caso a fé não tem onde se basear. “Se o Evangelho não é válido até a pessoa nele crer, o que então devemos crer?” Neste caso a fé está baseada em si própria e não no Evangelho. Tal afirmação é o mesmo que colocar, os homens que estão em dúvida e aflição a respeito de sua salvação, numa cela de tortura.” Sempre de novo Walther assinala o ponto que qualquer doutrina ou prática que reclama em primeiro lugar a fé, a fim de haver perdão dos pecados, não é apropriada para confortar os que estão aflitos por sua salvação. “A razão por que pessoas estão aflitas é que imaginam que não podem crer. O que poderão fazer, senão desesperar, quando são ensinados que precisam crer para merecer o perdão? Estas pessoas devem antes ser persuadidas a crerem que o Salvador já está presente com o seu perdão dos pecados e está pronto para recebê-los.”
     Em conformidade com este assunto, Walther replica também à objeção: “Como pode a doutrina da perfeita redenção, a justificação universal, o Evangelho como absolvição de todo o mundo pecador, como pode ser ela harmonizada com as passagens que falam da ira de Deus sobre o mundo em pecado, especialmente sobre os descrentes?” A resposta de Walther a esta objeção é a verdadeira aplicação de Lei e Evangelho. Quando Deus olha o mundo através de Jesus Cristo, ele é “puro amor, puro favor e graça pura”, sentimentos os quais ele sente em relação ao mundo pecador. Mas quando Deus olha o mundo sem e fora de Cristo, o mundo perdido em iniqüidade e maldade, especialmente como está rejeitando o Evangelho, o mundo então está debaixo da sua ira. Apesar de que não existe contradição neste ponto, porque graça divina e ira de Deus em relação ao mundo são depoimentos acerca dele de diferentes pontos de vista, mesmo assim nós aqui devemos reconhecer um mistério que não podemos descrever nem sondar. Mas se as Escrituras ensinam ambas as verdades, nós as admitimos lado a lado. “É uma maneira toda especial de luteranos, que, se a Palavra de Deus afirma duas coisas que não podem ser harmonizadas entre si, ambas devem ser permitidas a permanecerem de pé e serem aceitas e cridas como são encontradas e lidas.”
     Porém, existe ainda outra doutrina que pertence à doutrina da justificação, a saber:

A doutrina bíblica dos meios da graça
     A fim de preservar a doutrina da justificação em sua pureza, é preciso adicionar a ela o ensinamento das Escrituras que Deus oferece e comunica aos homens o perdão dos pecados obtido por Cristo para o mundo inteiro, de nenhuma outra maneira senão pelo Evangelho e os Sacramentos. Quer dizer que a doutrina bíblica da justificação permanece de pé ou cai com a doutrina bíblica dos meios da graça.

Os dois poderes dos meios da graça
    Walther em primeiro lugar dá importância ao fato de que a Palavra divina, que chega ao homem pela proclamação do Evangelho e pelos Sacramentos, tem dois poderes. Um deles é o efetivo, ou operativo (vis effectiva, operativa), pelo qual realmente dá e confere o que as palavras dizem e declaram. Escreve ele: “A Palavra e os Sacramentos são a mão de Deus com a qual ele nos dá de presente o que Cristo adquiriu para nós e trouxe para fora do túmulo. Quando falamos do poder e eficácia dos meios da graça, queremos dizer que a Palavra e os Sacramentos não são mera anunciação ou proclamação, ou mero poder para criar a fé, mas que por si mesmos oferecem, a comunicam e o selam as próprias bênçãos que anunciam e proclama.”
     Por isso, é verdade que o perdão dos pecados ou a justificação para todos os homens estão contidos nos meios da graça e que por eles estas oferendas e presentes devem ser tomados pela fé. Conseqüentemente a pessoa penitente, humilhada pela lei divina, não deve ser ensinada que pela oração e por lutas ela precisa primeiro buscar do céu o perdão de seus pecados; mas deve ser ensinada a crer na graça que Deus já trouxe do céu para todos os pecadores e a qual ele lhes oferece na Palavra e nos Sacramentos. Aqui novamente os luteranos se separam dos entusiastas. Walther costumava explicar isso em conexão com o procedimento de Paulo em relação ao carcereiro de Filipos (At 16.30,31). Escreve ele: “Os entusiastas dizem ao homem atormento pela Lei divina: “Tu certamente estás aterrado em vista de teus pecados e a graça de Deus deve vir em teu auxílio. Mas não tomes este auxílio muito cedo. Primeiro vai ao teu quarto, ajoelha-te e insiste com Deus até que tenhas conseguido o caminho ao sentimento da graça divina. Somente então podes crer que estás de posso de graça. Este modo de agir é ímpio, porque desta maneira apenas guiaremos os homens ao desespero e não à verdadeira certeza de sua salvação. Antes devemos dizer ao pecador. Se verdadeiramente reconheces que és pecador e se estás atemorizado por causa da ira de Deus, então crê no Senhor Jesus Cristo, e serás salvo. “É isto que o apóstolo disse ao carcereiro em Filipos; e ele lhe disse isto – notem bem – quando ele estava prestes a suicidar-se e, aterrorizado por causa de seus pecados, perguntou a Paulo: “Que devo fazer para me salvar?” Imaginam o que os entusiastas lhe teriam dito! Sem dúvida seriam estas as palavras: “Não creias muito cedo. Experimenta, ora e insiste com Deus. Talvez vá demorar algum tempo até que a graça se assente em ti e então sentirás que Cristo te aceitou.”  Mas Paulo não era entusiasta, o seu método de agir com carcereiros criminosos supera aquele dos entusiastas. Mas como podia o apóstolo assim agir com o carcereiro? Por que ele sabia que a Palavra (o Evangelho) é o meio da graça pelo qual lhe daria vida e salvação.”

Sentimento
    Walther, é verdade, sempre de novo lembrava seus ouvintes que não deviam rejeitar sumariamente o sentimento da graça e a oração. Em relação ao último ponto escreve ele: “Seria pavoroso falar contra a oração, porque sabemos que Deus ordenou e deu sua promessa que nos escuta. Mas é exatamente assim pavoroso crer que a oração é um meio da graça. Pela oração nos pedimos a Deus que nos seja gracioso, e isto é algo que realmente devemos fazer. Mas, a oração não pode comunicar nem conferir graça.” O perdão dos pecados nos é dado por meio da Palavra, do Evangelho. Diz Walther: “Nós oramos pelo perdão dos pecados, mas não para recebê-lo sem os meios da graça, e sim, para nos fortificarmos na fé.” A respeito do sentimento da graça, Walther comenta o seguinte: “Nós não negamos que o Espírito da graça se faça sentir no coração dos pecadores a não ser que se endureçam contra suas operações. Porém é um erro colossal se o sentimento, que os entusiastas despertam por suas orações e insistências, é considerado graça. Porém – porque muitas vezes este sentimento é efeito de outras causas, e não pelo Espírito de Deus – aquele que os entusiastas chamam de graça é um efeito gracioso produzido pelo Espírito Santo. Mas aquela graça pela qual somos justificados e salvos é algo fora de nós e não algo dentro de nós... Por isso quando um pecador penitente vem a um pastor luterano com a pergunta: Onde poderei eu, um pecador perdido e condenado, encontrar graça? – o pastor  responderá: - Conforta-te com a graça de Deus, como te é dada no Evangelho e nos santos Sacramentos. Crê no que Deus te diz, e alegra-te por causa da graça que te é dada na Palavra divina. Recebe a absolvição e vai à mesa do Senhor, porque é lá que Deus te oferece, confere e sela a sua graça e o perdão de todos os teus pecados.”

Entusiastas
     Por que será que os entusiastas, negando os meios da graça, anulam a doutrina da justificação? Os entusiastas, diz Walther, julgam levar uma grande vantagem sobre os luteranos ao dirigirem eles os homens, não aos meios da graça, e sim aos seus próprios corações. “Porém, de todos os erros que separam os entusiastas dos luteranos como uma enorme muralha, o maior de todos eles é a falsa doutrina com respeito ao poder da Palavra”, isso quer dizer, negando eles os meios da graça como um poder que é conferido. Estes que negam que a Palavra, como também os Sacramentos, tem o poder de conferir, e por isso apontam ao pecador penitente a oração ou o sentimento de graça, um coração regenerado e semelhantes, e não lhe indicam os meios da graça, estes pervertem a doutrina da justificação em todas as suas partes. Sem dúvida negam que o pecador é justificado e salvo pela graça, por amor de Cristo, pela fé. Neste caso, em primeiro lugar, o conceito de justificar e da graça salvador é corrompido.  Porque, quem não baseia o perdão dos pecados na Palavra divina, porém, no se sentimento ou em suas assim chamadas experiências, considerando estas experiências – que são emoções diferentes ou sensações no coração – como sendo a graça de Deus, enquanto que as Sagradas Escrituras, quando mencionam a causa da justificação e da salvação, entendem ser a graça algo que existe no coração de Deus, por amor a Cristo, a saber, seu favor imerecido, misericórdia e amor que são revelados em sua Palavra e devem ser aceitos por todos nós. As Sagradas Escrituras chamam o sentimento de graça e outras experiências desta natureza os dons da graça.  

Falsa compreensão do “por amor”
     E novamente os entusiastas, por suas práticas falsas, pervertem também o conceito da Escrituras expresso na frase “por amor a Cristo”. Ao indicarem aos pecadores penitentes que pedem graça não os meios da graça, porém a oração, a fim de nela receberem graça, eles negam o fato de que Deus, em virtude da expiação de Cristo, já está reconciliado com todos os pecadores e prometeu sua graça a todos os homens. Aqueles que dizem ao pecador que procure Cristo em seu próprio coração e não no Evangelho, recusando-se a consolar ao que pede graça, prometendo fazê-lo quando este sentir a graça e quando estiver regenerado, “tornando-se a si mesmo um falso Cristo e rejeitam o Cristo que foi pregado na cruz e agora se nos oferece por meios de sua própria Palavra.” Deste modo querem eles adquirir por meio de insistências aquilo que o Cristo crucificado já alcançou para nós. Diz Walther: “Para dirigir um pecador penitente ao seu próprio sentimento de graça e não à Palavra divina, não é apenas errado em si mesmo, mas também significa adotar uma religião inteiramente diferente daquela que é revelada na Bíblia.”

Falso conceito da fé
     Em terceiro lugar os entusiastas por sua prática sem as Escrituras também falsificam o conceito de fé. Crer significa confiar nas promessas de Deus como elas são reveladas no Evangelho. Mas, o que entende um entusiasta por fé? Diz Walther: “Eles perguntam ao pecador penitente se este sente a Cristo em seu coração e sente como Cristo nele opera. Se alguém responde afirmativamente, então lhe dizem que deve alegrar-se porque isso significa que a fé está nele. Um entusiasta conforte as pessoas somente quando declaram que estão sentindo a Cristo em sua alma. Porém, o que eles consideram fé não é de modo algum a verdadeira fé, mas um engano característico, ou melhor, são os frutos da fé.” Sem dúvida, Walther quer dizer que, se alguém rejeita a Palavra de Deus, como o próprio Deus lhe fala, mas insiste que possui fé apenas quando sente graça em seu coração e acha que poderá ganhar certeza de sua salvação por suas próprias insistências, tal pessoa fez sua fé naufragar, apesar de que esta ilusão é comumente considerada como a maior humilhação e devoção.  Quando a doutrina da justificação é assim completamente corrompida pela negação dos meios da graça, o pernicioso resultado desta perversão não deixará de aparecer, a saber, a incerteza em relação à graça ou à justificação. Walther escreve: “É a maior graça que Deus uniu o seu perdão à sua Palavra, sendo que de outro modo ninguém poderia ter certeza se Deus lhe está falando ou não, justamente assim com os entusiastas nunca podem saber de quem vêm as experiências que sentem ao se assim humilharem.” Diz Walther ainda: “Os entusiastas declaram que se distinguem dos papistas e que estão certos de seu estado de graça. Porém, apesar de assim afirmarem, eles voltam ao princípio papista da justificação porque a sua certeza da salvação não se baseia na Palavra eterna e sim nos seu próprios sentimentos vacilantes; por isso, tendem sempre a se tornam hipócritas ou estão quase sempre a se lamentar que perderam a Cristo. É por esta razão também que empregam tantos esforços para despertar estes sentimentos por toda a sorte de meios, ora este ora aquele ou ainda fulano se gaba de sua conversão, quanto que em pouco tempo são obrigados a tornarem novamente à humilhação anterior, por causa da falta de conforto depois que os tais sentimentos desapareceram.” Porém ambos, os seus ensinamentos e suas práticas estão erradas, porque Deus em sua misericórdia toma conta dos pecadores de um modo bastante diferente. Ele não diz: A graça foi realmente adquirida para ti, porém agora deves fazer tudo para obtê-la. Não! Deus toma muito cuidado dos pecadores, de forma que “mesmo o maior pecador ao pé da forca pode estar certo de sua justificação perante Deus.” Ele colocou a sua graça na Palavra e nos Sacramentos, onde a fé poderá tomá-la e realmente deve tomá-la a qualquer momento.
     Walther esclarece o seguinte ponto: “Se a doutrina da justificação deve ser preservada em sua pureza e se os pecadores devem receber todo o conforto, nós devemos ser firmes em manter que Deus não vai oferecer e dar a sua graça ou o perdão dos pecados alcançado por
Cristo de outra maneira senão pelos meios da graça os quais ele instituiu.”

Guardando-nos a nós mesmos do espírito dos entusiastas
     Walther também nos lembra que devemos salvaguardar esta verdade contra nós mesmos e não só contra os entusiastas. Escreve ele: “Os entusiastas consideram ainda não convertidos a todos aqueles que baseiam o perdão dos pecados na Palavra e não nas assim chamadas experiências.” Porém devido à nossa natureza corrompida também tendemos ao mesmo erro, visto que “o homem não quer basear sua salvação em algo fora de si mesmo e sim naquilo que está dentro do seu coração.” Muitas dificuldades que os cristãos encontram, têm sua fonte neste erro, porque querem julgar o seu estado de graça de acordo com os seus próprios sentimentos e não de acordo com as graciosas promessas de Deus, da Palavra e dos Sacramentos. Este erro ocorre mesmo entre aqueles que ouvem a doutrina bíblica da justificação. Escreve Walther: “Nossa igreja sem dúvida ensina em suas confissões e nos escritos de seus leais professores que Deus nos guarda tão fielmente que sua graça, alcançada para nós por Cristo, nos é dada na Palavra e nos Sacramentos. Apesar disso, o erro dos reformados tem também afetado a muitos de nossa igreja. É por essa razão que alguns em nossas congregações se opõem à confissão e absolvição todos os domingos. Se as pessoas realmente cressem que a absolvição é o oferecer e dar do perdão a todos os pecadores, então, sem dúvida, com alegria caminhariam milhas e milhas para recebê-lo. Muitos dizem: Se o Senhor em pessoa me dissesse que meus pecados estão perdoados, como ele o fez ao paralítico, então, sim, eu poderia crer. Mas que proveito me traz esta mensagem se é o ministro que a diz? Ele não pode ler a minha mente e poderá pensar que estou mais penitente do que realmente acontece. – “Poderá haver outra razão para esta objeção senão que as pessoas não crêem que Cristo alcançou todas estas bênçãos... e que o perdão dos pecados tem sido colocado no Evangelho o qual os pastores agora pregam?“  
      “Existem muitos que por longo tempo se abstêm de confissão e da mesa do Senhor porque não se consideram dignos da Santa Ceia. Quando eles finalmente vêm, eles o fazem porque não querem ofender ou não parecerem desprezadores de sua graça. Porém duvidam da absolvição que ouvem, porque baseiam esta absolvição nas suas próprias qualidades e não se amparam na verdadeira fé, no valor objetivo da absolvição.” Porém, como querem merecer o perdão pelo arrependimento, em vez de recebê-lo pela fé como um dom gratuito, ele tornam-se papistas sem possuírem um papa.

A fé se baseia nos meios da graça
     Se um cristão deseja permanecer fiel à doutrina bíblica da justificação, ele deve habituar-se, contrário à doutrina e prática dos entusiastas e das de seu próprio coração, a basear sua fé nos meios da graça. Se não fizer isso, estará baseando seu estado de graça na sua própria conduta, nos seus próprios méritos ou boas obras. Por esta razão Walther admoesta todos os ministros luteranos a nunca deixarem de lado este importante ponto. De um lado, o pastor deve sempre repreender a ilusão própria pela qual pecadores não regenerados olham o seu mero conhecimento intelectual como fé verdadeira. De outro, deve guiar aqueles que estão verdadeiramente atemorizados pela ira de Deus às promessas do Evangelho e não a qualquer sentimento em seus corações. Escreve Walther: “Cristianismo é fé na promessa do Evangelho, o qual Cristo ordenou que sua igreja proclamasse. Um ministro deve, portanto, treinar seus membros a dizerem: Está escrito: todo aquele que crê e for batizado será salvo. - ...É mau sinal quando cristãos querem primeiro sentir e então crer; porém, como é horrível se isto lhes é pregado!” E continua: “O traço característico de nossa Igreja Evangélica Luterana é sua objetividade. Em todos seus ensinamentos, ela procura afastar as pessoas de seus próprios esforços para procurar salvação em si próprios, em seus próprios merecimentos, seu próprio desejo, sua habilidade e boas obras, guiando todos a procurarem a salvação fora de si. Do outro lado, a marca característica de todas as outras denominações é a subjetividade; eles procuram ensinar as pessoas a basearem a salvação em si mesmas.” Estes ensinamentos são conseqüência de sua negação da doutrina bíblia dos meios da graça.   
    Com que ênfase Walther insiste que o perdão dos pecados ou justificação ocorre pelo Evangelho, tornou-se claro durante a discussão da doutrina da eleição da graça, na Conferência Pastoral em Chicago em 1880... Dá ele maior importância especialmente a um ponto. Um representante que defendia o ponto de vista que a eleição da graça ocorre em vista da fé prevista de crente, disse – tentando achar uma analogia para seu ensinamento na justificação – que a justificação subjetiva é um ato judiciário especial que ocorre ao tomar Deus lugar no coração após a pessoa ter recebido pela fé o perdão dos pecados, o qual é pronunciado na Palavra de Deus. A isto Walther replicou, entre outras coisas: “Quando nós cremos em Cristo temos justiça e salvação; porque então estas dádivas já nos foram conferidas pela expressa promessa de Deus. Não é verdade que quando nos apropriamos da justiça objetiva pela fé, que um novo ato divino deve ser adicionado. O ato já ocorreu. Pela fé nós já temos justiça e não é necessário que Deus o realize mais tarde por qualquer promessa especial.” O primeiro orador retrucou, então, que neste caso ele não conhecia o que significa realmente justificação subjetiva, porque ele sempre havia sido da opinião que a justificação subjetiva é um ato judicial especial de Deus. Walther disse, então, que a apreensão da justiça de Cristo pela fé e sua imputação coincidem. Acrescentou, explicando: “No momento em que cremos nós temos o que a fé oferece. Por quê? Porque Deus no-lo dá pela sua palavra... Ao crermos, Deus judicialmente tem perdoado nossos pecados. As Sagradas Escrituras são a mão de Deus que oferece a dádiva. Minha fé é a mão que recebe e toma o que a mão de Deus me presenteia.”    
     O que Walther queria realçar com suas palavras é o fato de que também a assim chamada justificação subjetiva ou o julgamento que Deus pronuncia na justificação subjetiva sobre aqueles que crêem em Cristo, não deve ser procurada fora da Palavra de Deus. Recentemente esta explicação levou alguém a nos acusar de negarmos completamente a justificação subjetiva. Esta acusação é falsa. Walther sinceramente ensinava, de um lado, que pela morte e ressurreição de Cristo foi efetuada a justificação objetiva de todos os homens, e o que Deus faz na justificação subjetiva é apenas a aplicação da justificação ao indivíduo, a qual já pronunciou. De outro lado, Walther distingue claramente entre justificação objetiva e subjetiva, descrevendo a última como um ato que ocorre somente quando a pessoa vem à fé. Na sua exposição da décima segunda tese da justificação, no relatório da primeira reunião da Conferência Sinodal, Walther escreve na página 68:

Aquisição da justiça é pela fé
     “A finalidade desta tese é mostrar que mesmo que ensinamos que o perdão dos pecados foi alcançado para todas as pessoas. A justiça e salvação existem para todas as pessoas quanto concerne à sua aquisição, e, apesar de que ensinamos também que este tesouro é oferecido e dado na Palavra e nos Sacramentos, nós não negamos que Deus por amor de Cristo considera o crente individual, que aceita este tesouro como se fosse possuidor do mesmo, e que Deus no mesmo momento, por assim dizer, inscreve seu nome no Livro da Vida. Esta é a justificação que na terminologia eclesiástica é chamada a justificação do pecador penitente, porque agora a pessoa individualmente está perante o julgamento de Deus e á pessoalmente absolvida. Este ato judicial continua por toda a vida do crente, porque Deus sempre de novo declara-o livre do pecado, da morte e da condenação.” Mas esta declaração judicial de Deus, pela qual ele estabeleceu justiça ao crente, não deve ser procurada fora das promessas da Palavra ou imediatamente em Deus e ao qual mais tarde o Evangelho deveria ser acrescentado, mas é o próprio Evangelho. Justificação, como Walther sempre insiste, é um ato que ocorre no coração de Deus e não no coração do individuo; mas ocorre no coração de Deu assim como igualmente está presente e é revelado no Evangelho. Por isso a fé que está ligada ao Evangelho recebe por este mesmo ato o pronunciamento de Deus, ou seja a sua imputação judicial. Neste sentido Walther diz: “Ao crermos, Deus nos perdoou judicialmente.” Mas, ao mesmo tempo Walther rejeita o ponto de vista de que a justificação é um ato judicial que segue à apreensão crente da promessa divina no Evangelho. O único e mesmo Evangelho oferece perdão dos pecados, opera a fé e declara justo o crente.
     É para nós de maior importância manter esta verdade, como é também de maior importância prática para a vida cristã. Em Chicago Walther comentou de passagem que esperar um novo ato judicial de Deus fora do Evangelho, como por exemplo, fora da promessa de que quem crê em Cristo tem remissão dos pecados, torna sua própria justificação incerta. O que sem dúvida alguma, é verdade. Se um novo pronunciamento fora do Evangelho deve ser esperado, o pecador penitente que pede justiça perante Deus, por fim terá de adotar o ponto de vista dos entusiastas. Se fosse verdade que para a absolvição que é dada no Evangelho deve ser acrescentado ainda um novo pronunciamento judicial, assim que aquele pronunciamento divino estaria fora das Sagradas Escrituras, ninguém poderia estar certo do julgamento de Deus que o absolve e o qual tem no Evangelho. O pecador penitente, procurando a certeza de sua justificação, estaria forçado a traçar uma conclusão baseada na própria condição subjetiva de sua fé. Perguntando-se a si mesmo se Deus realmente o justificou, ele seria obrigado a examinar seu próprio coração e não poderia considerar o coração de Deus como é revelado no Evangelho. Neste caso, justificação não seria mais pela fé, porque fé tem apenas um correlativo – o pronunciamento de Deus revelado no Evangelho. – Um novo pronunciamento de Deus, fora do Evangelho, não poderia ser a finalidade da fé, porque a fé sempre exige como correlativo o próprio Evangelho. Por isso, a fim de preservar a doutrina da justificação em sua pureza, não devemos procurar o julgamento judicial da justificação num novo ato que está fora do Evangelho.  

 A doutrina da fé
     Desde que nos referimos freqüentemente a esta doutrina em nossas explanações anteriores, podemos, agora, dedicar-nos a alguns pontos mais salientes.
     Walther costumava dar grande importância ao fato de que há grande ignorância entre a cristandade em relação à fé justificadora e da maneira como a mesma justifica. Escreve ele: “Todas as denominações cristãos, sem dúvida, falam muito de fé, porém, poucas são as que têm a fé no seu verdadeiro sentido e sabem como ela justifica. Com respeito a este ponto prevalece uma verdadeira confusão babélica das línguas. “Eles pregam com insistência que a fé justifica, santifica e salva, mesmo assim, quando o assunto vai mais a fundo, eles não possuem nada de definitivo para afirmarem.” Uma análise cuidadosa mostra que também neste ponto as obras são acrescentadas ao artigo da justificação. Mesmo que digam que sua terminologia exclui as obras da justificação e que o “sola fide” é expressamente afirmado, apesar de tudo isso eles renunciam a essência da justificação e falsificam completamente este importante artigo da religião cristã porque consideram a fé em si como uma boa obra. A sua intenção, evidentemente, é deixar lugar para a cooperação da pessoa que vem à fé, pelo que se distingue de outras que não são crentes. Eles aceitam que esta cooperação se efetua quando o homem se arrepende, na sua conversão ou ainda ao se santificar e chegar à fé.

A fé não é uma boa obra
     Walther preocupava-se em afastar o erro de transformar a fé em obra ou de mesclar-se às boas obras do homem com a fé que justifica, identificando-a com o mérito e valor do próprio ser humano. Walther ressalta o seguinte: “Quando Deus pede fé de nós, ele não quer com isso dizer que apensar de que seu Filho sofreu por nossos pecados e redimiu todo o mundo, nós também devemos contribuir com algo para merecer a salvação. Do contrário, a fé é necessária pela simples razão de que nada nos resta fazer com que merecêssemos a salvação.” E novamente escreve Walther: “A razão por que a fé justifica é que nada resta par ser feito pelo homem; porque justiça e salvação já foram alcançados e são oferecidas a todos os homens na Palavra e nos Sacramentos como uma dádiva.” Ou escreve ele: “Fé justifica e salva, porque o ser humano é justificado e salvo gratuitamente pela fé de nenhuma maneira por suas próprias obras.” Na justificação a fé deve ser considerada em contraste com qualquer obra ou mérito. “Se a justiça não fosse uma dádiva da graça, então certamente alguma obra seria exigida do homem para obtê-la. Mas como é conferida pela graça, a fé é suficiente para a salvação porque consiste em aceitar a justiça de Cristo.” Sem dúvida, a fé justifica a tal ponto que é uma essência a aceitação da justiça e salvação que realmente existem pela meritória obediência de Cristo e são oferecidas ao pecador na promessa do Evangelho. A fé certamente requer conhecimento, assentimento e confiança. Porém, “não justifica por ser conhecimento, assentimento e confiança, no sentido de que esses termos expressem uma qualidade meritória no homem, mas unicamente por ser o meio pelo qual a justiça já existente é recebida.” O homem não pode de modo algum tornar-se merecedor da justiça e salvação pela fé. Na justificação a fé não entra em consideração como um ato meritório ou como obediência, ou ainda, como se efetuasse uma mudança no homem ou produzisse sensações piedosas e boas obras. Dando valor especial ao pensamento que a fé não deve de maneira alguma ser considerada suplemento da graça divina e do mérito de Cristo.” Walther afirmou: “Mesmo se a palavra “fé” nunca ocorresse nas Escrituras, a Bíblia apesar disso ensinaria salvação pela fé, porque diz que somos salvos pela graça, por amor de Cristo.” Em outro lugar Walther afirma que, se não tivéssemos outra coisa do que a fé, e não a Cristo (o que sem dúvida é impossível), seriamos condenados, apesar de toda a nossa crença, porque não nos tornamos aceitáveis a Deus pelo ato da fé, mas sim por Cristo e sua justiça, a qual tomamos pela mão, chamada fé. Em conexão a estas afirmações, Walther costumava citar as palavras de Calov, que a fé por si mesma, considerada no sentido de ser uma mão, se opõe, não só a todas obras de obediência e piedade, mas também como sendo nossa própria obra ou ato.
     Também em suas “Lutherstunden” , Walther sempre de novo mostrava que na justificação a fé não deve ser considerada como uma boa obra. Disse ele que a fé não justifica ao considerar alguma afirmação como verdadeira e sim quando é confiança e se baseia no Evangelho, segundo o qual Deus, por amor a Cristo, é gracioso para com os homens. Numa conferência realizada a 14 de setembro de 1877, ele afirma: “Quando descrentes ouvem que na religião cristã graça divina, boa vontade e salvação eterna são ligadas à fé, eles imaginam que esta é a peculiaridade de todas as religiões que se consideram reveladas de maneira divina e sobrenatural, que exigem de seus adeptos a fé nos mistérios que contradizem a razão e que prometem vida eterna a todos que crêem. Assim Maomé exigia fé de seus seguidores como Moisés e Cristo. Mas eles argumentam: De que interesse poderia ser para Deus – caso realmente existir – se cremos ou não em algo que contradiz a nossa razão? Por que seriam merecedores do céu – se é que existe um céu – aqueles que violentam a sua razão, em vez dela fazerem uso? Destes argumentos é óbvio que os descrentes não possuem o verdadeiro conceito desta fé, à qual na religião cristã são imputadas graça divina e vida eterna. A mera afirmação e confirmação de que as Escrituras são a verdade está de acordo com nossa confissão cristã, porém, está longe de ser aquela fé que justifica e salva a qual as Escrituras ensinam: “Crês, tu, que Deus é um só? Fazes bem. Até os demônios crêem e tremem.” (Tg 2.19). Considerar simplesmente verdade aquilo que as Escrituras ensinam é algo, conforme a Bíblia diz, que o demônios podem fazer, sem que por isso se salvem. A fé à qual o cristianismo liga salvação é, por isso, algo completamente diferente. Ela é, como as próprias Escrituras afirmam, “a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem.” (Hb 11.1). É o receber e aceitar a Cristo (Jo 1.12). Deus efetuou o inédito milagre de seu amor eterno ao enviar ao mundo o seu Filho Unigênito, encarnando-o, sendo por meio dele resgatada toda a dívida da culpa humana e obtidos para todos os homens o céu e a salvação, que estes haviam perdido pelo pecado; finalmente Deus oferece e dá aos homens todas estas bênçãos na Palavra e nos Sacramentos. O que resta então para acrescentarmos? Devemos somente dar toda a glória a Deus aceitando sua dádiva, nada mais nos resta fazer. Isto, e nada mais, é a verdadeira fé. Quando apenas consideramos verdadeira a mensagem das Escrituras, ainda não a temos aceito pessoalmente e assim continuamos sem a verdadeira fé. Mas quando aceitamos a graça, a qual é oferecida a todas as pessoas na Palavra e nos Sacramentos e sinceramente confiamos nela, então temos a verdadeira e salvadora fé. Estes que se sentem ofendidos por esta doutrina  da fé estão realmente ofendidos com a grandeza da graça divina, o bendito conselho da salvação, Cristo, o Salvador de todo o mundo. Se somente os ateísta rejeitassem esta verdadeira doutrina da fé, vá lá! Infelizmente, isto ocorre entre todas as denominações maiores.”
    Numa outra “Lutherstunde” Walther disse:

A fé é essencialmente aceitação da graça
     “A religião cristã exige o assentimento à suas verdades divinas. Mas este assentimento não é a fé, à qual é imputada a salvação. Cristo diz: “Aquele que crê... será salvo”, ele não quer dizer:” Aquele que considera verdade tudo que eu ensino, será salvo.” É isso, no entanto, o que as palavras de Cristo querem dizer: Vós pobres homens vos afastastes de mim por causa do pecado, e por isso contraístes uma eterna dívida de culpa, a qual ao podereis pagar. Porém, não precisam desesperar, porque eu, o Filho de Deus, paguei a dívida de vossa culpa e assim tenho alcançado a graça divina e eterna salvação. Todas estas dádivas preciosas, eu as ofereço gratuitamente. Aceitai minhas dádivas e sereis salvos. Este aceitar e receber é a fé, a qual a religião cristã ensina.”
     Esta cuidadosa separação entre as boas obras e qualidades do ser humano e a fé é absolutamente necessária, a fim de que toda glória possa ser conferida a Cristo e as consciências não se tornem confusas pelo falso conceito da fé. Walther escreve: “Existem muitos que não se atrevem a crer, porque a fé lhes é apresentada erroneamente como sendo suas próprias boas obras, qualidades, seu amor, que dá à fé o devido valor, ou, seus próprios sentimentos de graça e outros ensinos semelhantes.”
     Walther analisou os velhos e novos erros a respeito destes ensinamentos. Sua crítica a estas corrupções pode ser sumarizada no seguinte trecho:
    “Os papistas erram completamente neste artigo de fé, porque ensinam que a fé que justifica é uma qualidade ou uma virtude no coração humano e inclui amor e todas as boas obras que deste procedem. 
     Neste ponto erram novamente todos aqueles que, como os entusiastas, consideram a fé que justifica como a regeneração do coração. Mas esta renovação, o poder que santifica que a fé possui, não é a razão pela qual ela justifica. Estes que acrescentam à fé a justificação neste sentido; não a baseiam em Cristo, mas na própria pessoa, a saber, na renovação que nela se operou.
     Outro erro que precisa ser repudiado é esse: que a fé que justifica é, como os entusiastas ensinam, um insistir e lutar pela graça. Walther escreve: Estes erram quando pensam que nós luteranos nos opomos a toda piedade sincera e que rejeitamos toda a oração e insistência, choro, lamentações. Não, muitos de nós, sem dúvida, ajoelham-se mais do que aqueles que desejam merecer graça pela oração. Mas, nós nos opomos ao erro de que é preciso obter a graça pela oração, lamentação e luta.” Em sua relação com a justificação, a fé não é algo a ser considerado por meio de existenciais, mas algo que se apóia nas promessas do Evangelho, ou algo que é uma sincera confiança que alcança as graciosas promessas que são oferecidas em ambos, o Evangelho que é pregado e o Evangelho que aparece no Sacramento como Palavra visível. Se alguém afirmar que a fé justifica e ao mesmo tempo insistir para obter graças, “Então Deus é roubado da glória que lhe cabe e é estabelecida uma forma pagã de justificação, adornada com alguns enfeites cristãos.”

Fé não é condição
     Os entusiastas e teólogos modernos descrevem a fé como a condição da pessoa ser justificada. Esta descrição é falsa se a palavra “condição” é tomada no seu sentido próprio e comum.  Walther dá grande ênfase a este ponto. Ele admite que o termo “condição” poderá ser usado neste sentido se demonstra a necessidade da fé, ou se deve ser afirmada a verdade de que sem a fé não pode haver justificação. Mas ao ser este termo empregado, todas as dúvidas devem ser esclarecidas, desde que a palavra “condição”, como é geralmente usada, pressupõe uma grande aquisição na fase da qual se recebe alguma coisa. Mas no artigo da justificação a fé não deve ser considerada como algo que a pessoa faz, mas como algo contrário a qualquer atuação humana. A fé não é a condição, à base da qual nós somos justificados, mas é o modo ou meio pelo qual recebemos a justiça que Deus nos conferiu quando ressuscitou o seu Filho, nosso Senhor e a qual ele oferece gratuitamente a todos os homens no Evangelho.  As Escrituras sem dúvida dizem: “Se... em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos serás salvo.” (Rm 10.9). Mas a partícula “se” tem dois empregos. Ela denota a causa ou a maneira ou meio pelo qual certa coisa é efetuada. É usada etiologicamente para a causa e silogisticamente para o modo ou maneira. Quando a Lei diz: “Se fizeres isto, viverás”, então o “se” etiológico deve certamente exigir obediência como a causa do viver. Mas quando o Evangelho diz: “Se creres será salvo”, então o “se” silogístico aponta a maneira pela qual recebemos salvação.
     Teólogos luteranos modernos demonstram especial agrado pela expressão que a pessoa é justificada sob a condição da fé. Esse agrado explica-se pelo fato de que a teologia que possuem está saturada de sinergismo. Eles chamam a fé “um ato de nosso ego” ou “uma obra moral nobre do poder próprio pela qual a pessoa se torna possuidora da salvação”. Na realidade esta descrição indica a rejeição da doutrina bíblica da justificação, mesmo se é retida a cláusula que o pecador é justificado e salvo pela fé. Neste caso as expressões “fé” e “pela fé”, como também, “somente pela fé” têm tomado sentido diferente. Sinergistas, porém, estão compelidos a perverterem a doutrina da justificação porque consideram a fé um ato meritório do homem. Referindo-se à controvérsia da predestinação, Walther escreve: “Mesmo agora (na controvérsia concernente à doutrina da conversão e eleição) o ponto em referência não é outro do que a própria justificação. A pergunta levantada é essa: É a pessoa realmente justificada e salva somente pela fé? É Cristo quem realiza tudo ou existe alguma coisa da pessoa pela qual a pessoa é salva? É verdade que a fé salva porque Cristo já efetuou a nossa redenção assim que nada resta a fazer do que aceitá-la? Ou é a fé algo que a pessoa de sua parte deve ainda fazer? É a fé necessária porque da parte da  pessoa alguma coisa resta a ser efetuada?”
    Walther freqüentemente designava a preservação da doutrina da justificação em sua pureza como o principal proveito proporcionado à nossa Igreja, resultante da controvérsia.   
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200 Anos de C.F.W. Walther - 25/10/1811

Walther Aniv.200




Biografia de Carl Ferdinand Wilhelm Walther

     O pastor Carl. F. W. Walhter nasceu no dia 25 de outubro de 1811, em Langenchursdorf, Saxônia, Alemanha. É filho de Gottlob Heinrich Wilhelm Walther e Johanna Wilhelmine, nascida Schenderlein de Zwickau. Dos 12 filhos ele é o oitavo. Seu pai, de uma longa linha de pastores, cresceu no racionalismo. Ele ensinou a seus filhos que a Bíblia é a palavra de Deus. Walther escreve em sua biografia: “Até aos 18 anos nunca tive uma Bíblia na mão, muito menos um Catecismo, só uma folha com algumas linhas sobre moral pagã. Eu queria ser músico, mas meu pai me disse: Se tu queres ser músico, trabalhe. Se estudares teologia, eu te darei a mesada de um “Taler” por semana”. Com isso seria possível subsistir como estudante. Walther se decidiu pela teologia, não tanto por causa da promessa de subsistência, mas porque ele leu a biografia de John. Fr. Oberlino[1], escrita por G. H. Schubert, e começou a interessar-se pela teologia.   
     Em outubro de 1829, ele se matriculou na Universidade de Leipzig, onde seu irmão Hermann já estudava. Com poucas exceções, os professores eram todos racionalistas. Um dia, Walther tomou a decisão de comprar uma Bíblia. Mas com que dinheiro? Se eu gastar meu “Taler”, como subsistirei durante a semana? A vontade de ter uma Bíblia venceu. Ele pensou consigo: Estou dando o dinheiro para uma causa de Deus, ele há de me sustentar. E vejam, após uns dias, um colono de sua cidade natal o procurou e lhe disse: “Eu viria para cá, por isso passei na casa de seu pai e lhe perguntei se ele não tinha nada a mandar para ti. – Ele respondeu: Não! Mas, depois disse, espera. Buscou um envelope e disse: Entrega isso para meu filho”. Após o colono ter-se despedido, Walther abriu o envelope. Lá estava um “Taler”. Foi a única vez em que seu pai, lhe deu uma mesada extra.
    Certo dia, alguns estudantes o convidaram para participar de suas reuniões durante a semana. Eram reuniões para o estudo da Bíblia e oração. Liam também os sermões de August Hermann Franke (Teólogo luterano pietista, que se empenhou pelo estudo da teologia, pela missão e um reavivamento, 1663-1727). O grupo era desprezado pelos demais universitários e chamados de pessimistas, visionários, pietistas, etc. Entre eles estavam muitos que, mais tarde, seriam os fundadores de Missouri como Bunger, Fürbringer, Brohm e outros.
     Walther começou ter muitas dúvidas e conflitos de consciência. Nos sermões do pastor Martin Stephan, ele encontrou orientação e consolo. Páscoa de 1833, Walther deixou a Universidade. Ele estava debilitado e precisou se recuperar. Foi para a casa do pai. Na biblioteca do seu pai, ele encontrou as obras de Lutero, e se aprofundou nas mesmas. Nelas encontrou orientação e consolo. Em setembro de 1933 prestou seu primeiro exame (pro licentia condicionandi) em Leipzig, e no ano de 1836 prestou seu segundo exame, em Dresden (pro condidatura). Em 15/01/1837 foi ordenado pastor em Braunsdorf, Saxônia. Uma comunidade destroçada pelo racionalismo. Walther se esforçou ao máximo para ensinar o povo e enfrentou oposição por parte do seu Superintendente racionalista, que lhe proibiu batizar em nome do Deus triúno e lhe ordenou que batizasse em nome da liberdade, fraternidade e igualdade. Walther encontrou amparo em Martin Stephan de Dresden. Em fins de 1838 renunciou ao seu chamado, uniu-se ao grupo de Martin Stephan e deixou, com seu irmão Otto Hermann a Saxônia com 800 emigrantes, buscando uma nova pátria na qual poderiam exercer e confessar sua fé livremente.
     Em 05/01/1839 chegaram a New Orleans. Dali seguiram para St. Louis, onde chegaram no dia 19 de fevereiro de 1829. Os que ficaram ali chamaram como seu pastor o irmão de Walther, Otto Hermann Walther. Os outros seguiram para Perry Country, onde se dividiram em várias comunidades. C. F. W. Walther ficou com as comunidades: “Dresden” e “Johannesberg”.
     A luta inicial foi muito dura. Pobreza e doenças dizimaram o grupo. Além disso, as lutas no campo espiritual. Martin Stephan caiu em grandes pecados e não deu ouvidos às repreensões, para arrependimento. No dia 30/05/1839, Martin Stephan foi deposto do cargo de bispo e expulso da colônia, sob as acusações de: malversação do dinheiro, volúpia, adultério, e obstinada impenitência[2]. O escândalo foi grande. Após o que surgiram outras lutas espirituais, nas quais Walther prestou grande auxílio, por seus conhecimentos de Lutero. Dúvidas foram esclarecidas e em maio de 1841, Walther aceitou o chamado da congregação Trindade de St. Louis, na qual permaneceu até sua morte. Neste mesmo ano, em St. Louis, casou com Emilia Buenger, com quem teve seis filhos. 
     Em 26/04/1847 foi fundado a Lutheran Church – Missouri Synod. Walther foi seu primeiro presidente. Posição que reteve de 1847 a 1850, e novamente de 1864 a 1878.
     Nos 40 anos envolvido nos trabalho da igreja, Walther ocupou vários cargos, inclusive de presidente do Seminário Concórdia de St. Louis (fundado em Perry Couty, Missouri em 1839, fundador da St. Louis Lutheran Bible Society (1853), e fundador e editor de vários periódicos: Ser Lutheraner, Lehre u. Wehre. Ele escreveu vários e importantes livros sobre teologia, como Lei e Evangelho, Pastorale, Die rechte Gestalt, Kirche und Amt.
     Walther foi um vigoroso opositor à influência do maior movimento secular de seus dias, o humanismo, que ele definiu da seguinte forma:
É um fato irrefutável que o humanismo não só suplantou a cristianismo numa grande parte da população, mas ele também infeccionou a teologia cristã no seu núcleo central, o envenenou e enfraqueceu. Definimos o humanismo como crença em um ideal humano, que o homem tem, dentro de si, a capacidade de desenvolver e evoluir para um estado de perfeição e realizar a felicidade (Slavary, humanissm and the Bible).
     Walther faleceu em 07 de maio de 1887 e foi sepultado no Cemitério Concórdia, de St. Louis, onde mais tarde foi lhe construído um mausoléu.
     O objetivo de Walther foi lutar para ser fiel à Escritura e às Confissões luteranas. Ele estava constantemente atento para estar sempre nos ombros dos pais que vieram antes dele. Aqueles que se opuseram à Igreja Luterana e rejeitavam seu ensino, ou eram meramente curiosos e interessados em fazer perguntas zombeteiras, como por exemplo: Onde estava a Igreja Luterana antes de Martinho Lutero?  Por que na época, já havia nos U.S.A. muitos imigrantes luteranos da Suécia e da Dinamarca, as mais diferentes correntes, organizando igrejas e tentando formar Sínodos. Walter respondeu a eles num artigo publicado no Der Lutheraner, intitulado: Com respeito ao uso do nome Luterano. Lemos ali num parágrafo:
Onde quer que haja uma igreja ortodoxa no mundo, ali está a Igreja Luterana. Ela (por estranho que soe o seu nome) é tão velha quanto o mundo. Pois ela não tem outra doutrina do que a doutrina dos patriarcas, profetas e apóstolos. O nome luterano, na verdade, só surgiu há quase 300 anos atrás, mas o nome não é significativo. Por isso, toda a vez que a pergunta é feita a nós: Onde estava a igreja luterana antes de Lutero? É fácil de responder: Ela estava em todo o lugar onde havia cristãos que creram de todo o coração em Jesus e em sua santa Palavra, a única que salva, que traz conforto e é refúgio certo para os aflitos.
O ponto é simples. Usamos o nome luterano para distinguir a fé e a confissão da única católica, apostólica igreja de todas as doutras igreja errôneas. De certa forma, não há uma coisa como “Igreja Luterana”, mas por sermos pressionados a dizer com clareza qual é a palavra de Deus ensinada e proclamada em nosso meio, então nós nos distinguimos dos outros e nos referimos a ela. Em si, ela não é outra coisa do que a boa, velha fé confessada pelos santos em todos os tempos. (Der Lutheraner. Com respeito ao nome luterano. 23/09/1844. Vol I, n° 2, p. 6).
     Walther foi um homem com uma memória fantástica, extraordinário dinamismo e fervorosa devoção. Sua influência não se estendeu somente sobre a América, mas também sobre a Europa.
     Na dedicação e ampliação do Seminário Concórdia em St. Louis em 1883 (fundado em 1839, removido para St. Louis em 1847) compareceram 22 mil pessoas, 160 pastores. Quando Walther faleceu em 1887 e o Dr. Schwan assumiu a presidenta a LC-MS contavam com 1.424 congregações, 459.353 membros, 71.504 escolas paroquiais, 60 missionários itinerantes e 70 pastores em congregações missionárias. Impressionante. Que bênção. Queira Deus em sua graça nos conservar estas bênção. 
  
                                                                             São Leopoldo, 22/06/2010
                                                                                Horst R. Kuchenbecker   



[1] Pastor em Steintal (1740-1826). Dedicou-se à missão entre vagabundos e viciados e conseguiu recuperar muitas pessoas.
[2] Walter escreveu mais tarde: Não acredito que ele tenha sido um hipócrita desde o início. Penso que ele foi sincero e dedicado servo de Deus. Mas os elogios, sua triste vida matrimonial (a família não o acompanhou), inflamara seu orgulho carnal e o fizeram cair.