J U S T I F I C A Ç Ã O P E L
A FÉ
Georg Stöckhardt
- Pastor da LCMS (1842 – 1913). Ele escreveu este estudo para
leigos. Escreveu como fala, por isso é bastante repetitivo, e aborda
detalhes.
O que é a fé
cristã? Tenho muita fé! A fé é tudo. Tenho certeza de que Deus me dará o que
peço, porque tenho fé! – O que é fé cristã? Qual a base desta fé. Vejamos.
Vamos falar da Justificação
pela fé.
Indice
1.
O artigo da justificação do pecador pela graça
de Cristo é o centro da Bíblia e das Confissões Luteranas.
2.
Em que consiste este tão alto valor deste
artigo?
3.
Como e através de que somos justificados diante
de Deus?
4.
Como esta doutrina é apresentada hoje muitas
vezes?
5.
Será que a fé é uma boa obra?
6.
Qual é então a correta compreensão da
justificação pela fé?
7.
Em que sentido a fé justifica?
8.
Justificação significa perdão dos pecados?
9.
A fé se apega à graça de Deus!
10.
Por graça pela fé?
11.
A fé se apega à Palavra de Deus.
12.
A graça da justificação nos é oferecida e
aplicada pela Palavra de Deus.
13.
Assim também é ensinado nas Confissões luteranas.
14.
O grande consolo desta doutrina.
15.
A correta compreensão da fé.
Abreviações:
1. Livro
e Concórdia, edição 1980 = LC
2. Fórmula
de Concórdia = FC
3. Fórmula
de Concórdia Declaratio Sólida = FC DS
4. Fórmula
de Concórdia Epítome = FC Ep.
5. Confissão
de Augsburgo = CA
6. Apologia
= Ap.
.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.
I – O artigo da
justificação do pecador pela graça de Cristo é o centro da Bíblia, por conseguinte,
também das Confissões Luteranas.
1.
A doutrina da justificação do pecador pela graça
de Cristo é o centro e a estrela das
Confissões
luteranas. Lemos na Fórmula de Concórdia (FC), no Livro de Concórdia
(LC), página (p.) 579.6:
Esse
artigo da justificação pela fé é ( como diz a Apologia (Ap.) “o principal
de toda a doutrina cristã”, sem o qual nenhuma pobre consciência pode ter
qualquer consolo firme ou reconhecer devidamente a riqueza da graça de Cristo,
como também escreveu o Dr. Lutero (WA XXX1,255): “Se este arrigo permanece puro
na arena, também a cristandade continua pura, belamente concorde e sem qualquer
seitas. Todavia, onde não permanece puro, é impossível resistir a qualquer erro
ou espírito fanático” (Ap. IV,2,3; LC Ap, p. 110).
2.
O artigo da justificação é o mais importante e
principal da doutrina cristã.
Sua luz
recai sobre todos os outros artigos. Onde este artigo não permanecer puro, a
porta está aberta para todo o tipo de heresias. Por isso, este artigo é tão
importante porque todo o consolo do cristão depende dele. O cristão, que
entender bem este artigo, tem um coração e consciência alegre e mantém bom
ânimo na vida e na morte.
3.
Daí a importância de voltarmos sempre a este
artigo ao fazermos estudos bíblicos
sobre alguma
doutrina cristã da Escritura, na pregação e na instrução. Tudo dependerá da clareza
e pureza deste artigo. Por isso é importante voltar sempre a considerar este
artigo. O consolo que nos brota desse ensino é inesgotável. Quem deseja este
consolo, nunca se cansará
de considerar este artigo. Por isso os leitores vão gostar deste, porque
lhes servirá para edificação e consolo, mesmo quando esta antiga verdade lhe é
colocadas novamente diante dos olhos.
II – Em que consiste o alto valor deste artigo?
Do que trata a justificação? O que
significa “justificação”? Justificação, para falar com nossas Confissões
luteranas, da Fórmula de Concórdia é:
Que o pobre pecador é justificado
diante de Deus, isto é, absolvido e declarado livre e isento de todos os seus
pecados e da sentença da bem merecida condenação, e é recebido para a adoção de
filho e a herdeiro da vida eterna, sem qualquer “mérito ou dignidade” de nossa
parte, também sem quaisquer obras antecedentes, presentes ou subsequente, tão-só
por graça, exclusivamente por causa do só mérito, da obediência integral, do
amargo sofrimento, da morte e da ressurreição de Cristo nosso Senhor, cuja
obediência nos é atribuída como justiça” (Livro de Concórdia, Fórmula de
Concórdia Declaração Sólida, III.9; LC p. 580 (LC FC DS).
O importante
aqui é como ganhamos um Deus gracioso, como subsistiremos na vida e na morte
diante de Deus? Como Deus nos torna justos? Como Deus nos justifica? Deus está
inclinado a, por amor a Cristo, aceitar, os que confiam na graça de Cristo,
como justos Deus, como seus queridos filhos e não tem mais nada contra. Pela fé
em Cristo, somos justos diante de Deus, isto significa: Nós somos limpos diante
dos olhos de Deus, piedosos e justos, íntegros e completos. Nós temos Deus e
seu julgamento a nosso favor. Estamos na graça de Deus. A bem-aventurança de
Deus repousa sobre nós. Neste sentido, o apóstolo Paulo fala da justificação em
todas suas cartas.
III – Como e através de que somos justificados diante
de Deus?
Somos justificados diante de Deus somente
pela fé. Chamamos isto simplesmente de “justificação pela fé”. Lemos na Confissão
de Augsburgo (CA), Artigo IV: Da Justificação:
Ensina-se também que não podemos
alcançar remissão do pecado e justiça diante de Deus por mérito, obra e satisfação
nossa, porém que recebemos remissão do pecado e nos tornamos justos diante de Deus
pela graça, por causa de Cristo, mediante a fé, quando cremos que Cristo
padeceu por nós e que por sua causa os pecados nos são perdoados e nos são
dadas justiça e vida eterna. Pois Deus quer considerar e atribuir a essa fé
como justiça diante de si, conforme diz São Paulo em Romanos 3.21-26 e 4.5. (FC
p. 30).
E a Apologia
da Confissão de Augsburgo (Ap. IV,2,3; LC p. 110), na defesa deste
artigo acrescenta mais detalhes e comprova com versículos bíblicos “de que o
ser humano é justificado diante de Deus pela fé”. Pois, assim ensina a
Escritura: “Concluímos, pois, que o ser humano é justificado pela fé,
independentemente das obras a lei”(Rm 3.28). A Escritura diz: “Abraão creu, e
isso lhe foi atribuído para justiça” (Rm 4.3). “Justificados, pois, mediante a
fé, temos paz com Deus por meio do nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5.1). “Ora,
tendo a Escritura previsto que Deus justifica os gentios pela fé, preanunciou o
evangelho a Abraão” (Gl 3.8). O apóstolo Paulo fala claramente da justificação
pela fé, por exemplo: “A justiça que procede da fé” (Rm 10.6). O que, no
entanto, significa isto que somos justificados pela fé?
IV - Como esta doutrina é apresentada hoje muitas
vezes?
I -
Reconhecidos professores do cristianismo luterano, teólogos alemães,
especialmente aquele que querem ser
reconhecidos como teólogos luteranos, também muitos pregadores, quando falam da
justificação da fé, usam uma linguagem, mais ou menos da seguinte forma: Pela
fé, os seres humanos, pobres pecadores, são justificados diante de Deus, sim,
somente pela fé, não por obras. Então acrescentam: Não por obras externas. Pois
obras e comportamento são, mesmo na melhor vida, fracos e imperfeitos e não
bastam ao santo e perfeito Deus. Por isso, Deus olha o coração, para a atitude
do coração, do qual procede ação do ser humano, e dá a isto o seu verdadeiro
valor. Assim, Deus olha para a fé, a correta atitude que agrada a Deus. Esta
atitude é a que justifica a pessoa diante de Deus. Deus toma esta atitude, a
vontade pela ação. Deus já vê nesta semente, que germina no coração, o fruto, como
se já todos os bons frutos estão presentes ali, que devem brotar da fé. Deus
olha para a fé como um germinar em si. A fé é a correta atitude que Deus requer,
antes de tudo, de uma pessoa. Quem crê, este coração está bem diante de Deus e
honra a Deus. A fé é o começo, a primeira e mais nobre parte do cumprimento da
lei. Deus toma este começo, esta premissa, pela lei toda. Visto que a pessoa ao
crer em Deus, confia em Deus e o confiar em Deus é o cumprimento do primeiro
mandamento que perpassa todos os outros mandamentos, sim toda a lei, e cumpre
toda a justiça. Dessa forma, Deus atribui a justiça, à fé.
Resumindo, Deus julga a pessoa por aquilo
que lhe dá valor, conforme a vontade ou a atitude que é dirigida a Deus,
conforme a fé. Ao falar assim, toma-se a fé não somente de forma geral, mas
como um confiar em Cristo, o Salvador. Exatamente a fé em Cristo vale como a
verdadeira atitude requerida pelo evangelho, o bom comportamento da pessoa. Em
outras palavras, a salvação é pela atitude da pessoa, a saber, por obras. Isso
é um erro crasso.
II – Esta é
a doutrina da justificação pela fé, como ela é ensinada hoje e propagada por
escritos e pregações no protestantismo cristão. Também outros que não foram
contaminados por esta nova sabedoria, têm conceitos semelhantes a essa doutrina
errada. Tais pensamentos surgem,
constantemente também de nosso próprio coração. Muitos luteranos, se pedíssemos
sua opinião e perguntássemos: Como você
espera ser justificado por Deus e alcançar a bem-aventurança? Responderiam:
Pela fé. Se continuássemos a perguntar: O que você entende por fé? Ouviríamos
talvez a seguinte resposta: Creio em Jesus Cristo, meu Salvador. E sou sincero
nisto. Sei que algumas pessoas não me tem como tal, mas Deus sabe qual a
posição do meu coração com respeito a ele. Pessoas que conhecem minha vida,
talvez tenham alguma críticas, mas Deus conhece minhas intensões e atitudes.
Procura comprovar minha fé por minhas ações. Ainda tenho fraquezas, quem não as
tem. Por tomar meu cristianismo a sério, Deus me será gracioso. Amo a Deus, meu
Salvador, assim Deus também me amará e não desviará de mim o seu rosto. E
muitos de nossos pregadores, após exporem a graça, terminam o sermão com as
seguintes palavras; Você ouviram a respeito o amor a Deus. Agora importa crer,
mas não só crer, é preciso praticar a fé, a fé precisa ser viva. Bem, a gente
pode interpretar isso da melhor maneira. Mas, sem dúvida isso será entendido
pelos ouvires da seguinte maneira, eu preciso crer, mas se não viver a fé,
praticar obras, a fé por si não tem valor.
III – É
claro que desta forma fazemos da fé uma obra, uma virtude, uma realização
nossa, portanto um mérito nosso. Mesmo se nós nos esforçamos em manter longe de
nós, da justificação pela fé, qualquer pensamento de mérito, de justificação
própria, de realização própria ou justiça própria no manter a fé, quando se dá
toda a honra e glória a Deus e a Cristo, mas a gente encara a fé como se só ela
concretiza a justificação, como se a fé da pessoa determina e motiva a Deus a
justificar o pecador. O pecador crê que Jesus cumpriu toda a lei e pagou toda a
nossa culpa, mas isto só vale para o pecador se ele chegou ao ponto de crer, só
então Deus pode realmente perdoar e declarar o pecador justificado. Assim
muitos pensam a respeito da doutrina da “justificação pela fé. Assim falam
desta doutrina. Assim falam da ação de Deus e da ação e do comportamento do ser
humano, e constroem a justificação sobre a fé da pessoa, como se a fé fosse
causativa da salvação.
IV – Esta
exposição sobre a fé e justificação está errada e é nociva. Onde essas
opiniões ganham espaço, ali o
importante artigo da justificação não permanece mais puro. Ali se perde também
o consolo desta doutrina. Este erro, que é um erro de nossos dias, que rouba o
consolo dos cristãos, queremos expor cuidadosa e profundamente agora.. Por que sete
erro se infiltra fácil e sorrateiramente de mais para dentro do coração dos
verdadeiros cristãos. Não é nosso propósito
expor, neste artigo da justificação e abordar todos os ângulos da mesma,
tão somente esse um ponto: O que realmente significa “justificação pela fé”, de
que somos salvos pela fé.
V – O paradoxo entre fé e boas obras.
1.
Pela fé, nós nos tornamos piedosos e justos
diante de Deus. Se quisermos ter a correta
compreensão
desta fé e manter longe de nós todas a falsa concepções a respeito da fé,
precisamos dar atenção ao contrário. Onde a Escritura trata da justificação,
ali o paradoxo entre fé e obras é destacado.
2.
O apóstolo Paulo afirma: Concluímos,
pois, que o ser humano é justificado pela f[é,
independentemente
das obras da lei (Rm 3.28). Ele mostra, antão, que já no Antigo Testamento
a fé era o único caminho para ser justificado por Deus. Ele mostra isto pelo exemplo
de Abraão. Abraão creu em Deus e conclui disto que ele não confiou em
obras. Porque, se Abraão foi justificado por obras, ele teria de que se
orgulhar, porém, não diante de Deus. Pois o que diz a Escritura? Ela diz: Abraão
creu em Deus, e isso lhe foi atribuído para justiça. Ora, para quem trabalha, o
salário não é considerado como favor, mas como dívida. Mas para quem não trabalha,
porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça
(Rm 4.2-5). Quem crê, não lida com obras. Se a fé é atribuída à pessoa para
justificação, então as obras, dívidas, conquistas, salários, honra são
excluídas. Esta é a opinião do apóstolo Paulo em sua carta ao Gálatas: Sabendo,
contudo que o homem não é justificado por obra da lei, e sim mediante a fé em
Jesus Cristo, também temos crido em Jesus Cristo, para que fossemos
justificados pela fé em Cristo e não por obas da lei, pois por obas da lei
ninguém será justificado (Gl 2.16). Fé e obras da lei são incompatíveis
entre si. Quem quer ser justificado pela fé, deixa as obras de lado. Lemos
ainda em Gálatas: E é evidente que, pela lei, ninguém é justificado diante
de Deus, porque o justo viverá pela fé (Gl 3.11). Se o justo alcança a
avida pela fé, é manifesto e segue, que ninguém é justificado pela lei. Fé e
lei, obras da lei e fé na graça de Cristo são fortemente opostos entre si. Se
quisermos compreender bem o que é a “justificação pela fé” e em que sentido e
porque a fé justifica a pessoa e a torna piedosa e justa, então precisamos,
antes de tudo, renunciar a todos os pensamentos da lei e das obras da lei e excluir
as mesmas de nossa mente.
3.
O que o apóstolo quer dizer sob a expressão
“obras da lei”? Os papisas dizem: “Aqui o
Apóstolo Paulo
está pensando apenas nas leis cerimoniais
judaicas. Ele quer dizer que esta obras dos judeus, como a circuncisão, a
santificação do sábado, os sacrifícios não ajudam na justificação e bem-aventurança.
Com tal interpretação, eles falsificam a Escritura. Eles querem como os judeus,
estabelecer sua própria justiça diante de Deus. Eles não querem renunciar ao mérito
e glória de suas obras. Eles ensinam que a pessoa é salva e justificada pela fé
e as obras, Por isso torcem a Escritura. Quando o apóstolo diz em poucas
palavras que a pessoa não é justificada pela obras da lei, mas é justificada
sem as obras da lei, somente pela fé, é evidente que todas as obras que a lei
requer, são excluídas da justificação e não somente as obras cerimoniais dos
judeus. Lutero afirma: “O apóstolo Paulo não rejeita somente as obras
cerimoniais, mas as obras da lei”, a saber, também as mais excelentes, nobres e
elevadas obras da lei. Temos que abrir mão de toda e qualquer obra se quisermos
captar o correto conceito de fé do apóstolo.
4.
Dizem que a opinião do apóstolo, por exemplo, é que
a obra exterior sozinha, o
simples
cumprimento exterior da lei não
justifica é preciso que algo mais precisa ser acrescentado, a saber, a
obediência de coração, para que a pessoa
possa agradar a Deus. Muitos professores e pastores luteranos ensinam isso
hoje. Eles dizem, a obra em si, sozinha, por exemplo não matar, não adulterar,
não roubar, mas fazer um bem ao próximo, viver honradamente não justifica a
pessoa diante de Deus, nem a torna piedosa; quando, no entanto, estas obras
brotam da verdadeira atitude do coração, da fé, a saber, do amor a Deus e ao
próximo, isto é agradável a Deus e torna a pessoa aceitável a Deus. Ou em
palavras que hoje se diz: A fé precisa ser verdadeira, isto é, precisa ser
praticada, e aqui se pensa em obras.
5.
Na verdade, a correta intenção do coração dá
valor às obras. Quando elas procedem
de um bom
propósito do coração, elas agradam a Deus. Mas – e isso é importante - elas não
tornam a pessoa, o ser humano, agradável a Deus. O apóstolo Paulo testifica e
afirma diversas vezes: “Não pela obras da lei”. “Sem a obas da lei. Sob “Lei”,
o apóstolo resume a obas de toda a lei, tudo o que a lei requer da pessoa. Sob
“obras da lei” está também a mais nobre exigência da lei de Deus, o 1º Mandamento,
“de que devemos temer e amar a Deus e confiar nele acima de toda a coisas.”
Sim, a exigência da lei de Deus atinge o coração, os pensamentos e os desejos e
requer do coração o cumprimento da lei, a obediência à lei, obras da lei de que
o ser humano ame a Deus de todo coração, de toda a alma, com todas suas forças
e o próximo como a si mesmo. Isto é o resumo de toda a lei. E o apóstolo Paulo
afirma, categoricamente, pela lei, ninguém é justificado. Lei e cumprimento da
lei é obra da lei, e são uma e a mesma coisa para ele. Portanto, também as boas
correta do amor a Deus, não somente a obras hipócritas dos fariseus, mas todas
as obras, também as mais excelentes obras da lei, todas são excluídas aqui pelo
apóstolo Paulo. Portanto todas as obras são excluídas, também as melhores obras
dos fiéis, pois todas estão manchadas de pecado. O amor dos fiéis ainda é
imperfeito, por isso, ninguém é salvo pelas obras do amor a Deus e ao próximo.
“Pelas obras da lei ninguém é justificado”.
6.
Portanto, ao falamos da justificação, quando
compreendemos o correto significado da
fé, então é
preciso esquecer completamente as obras. É preciso afastar de nossos
pensamentos de que, se cumprirmos a lei de Deus e temermos a Deus sinceramente
de todo o coração e nos esforçarmos em servir a Deus e ao próximo, de que com
isso mereceremos algo de Deus. Não. Por que Deus só aceita o cumprimento
completo e perfeito da lei.
7.
Nossas Confissões compreenderam isso
corretamente. A Apologia afirma: “Razão
porque
exclui também o mérito de obras da lei moral. Pois, se a justificação diante de
Deus fosse dívida paga por essas obras, a fé não seria atribuída para justiça
independentemente de obras” (Apologia, IV, 98-90; LC p.124). Mas, também
não há fé verdadeira, salvadora, naqueles que estão sem contrição e pesar e têm
o mau propósito de ficar e perseverar em pecado. Verdadeira contrição precede a
verdadeira fé, e existe em verdadeiro arrependimento ou com a fé. Também o amor
é fruto que certa e necessariamente segue à fé verdadeira. Pois, se alguém não
ama, isso é indicação segura de que ele não é justificado, mas ainda está na
morte ou perdeu a justiça da fé, como diz o apóstolo João: Nós sabemos que
já passamos da morte para
a vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama permanece na morte (1 Jo 3.14).
O apóstolo Paulo afirma: Concluímos, pois, que o ser humano é justificado
pela fé, independentemente das obra da lei (Rm 3.28). Com isto o apóstolo
indica que nem as obras precedentes, nem as subsequentes pertencem ao artigo ou
assunto da justificação pela fé. (Fórmula de Concórdia, Declaração Sólida
(FC DS) III, 26-27; LC p. 583).
V – Será que a fé é uma boa obra?
1.
A contrição que antecede à fé, o amor que segue
a fé e todas as outra boas obras, nos
precisamos excluir
da justificação pela fé. Como? Será que a própria fé, independente da contrição
e do amor, não é uma boa obra? Será que a fé não é uma boa atitude do coração,
agradável a Deu? Não é a fé a fonte do amor e toda as outra boas obra? Exatamente
a isto os novos teólogos dão valor no trato da justificação. Com ênfase,
ensinando que a fé, não a contrição ou o amor, mas a fé, por já compreender em
si o amor e todas as boas obras, é considerada por Deus para a justificação. Enquanto
o apóstolo Paulo opõe a fé às obras da lei, eles explicam que a fé em Cristo
não pertence à lei de Moisés, que ordena a obras. A fé em Cristo, dizem eles, é
muito superior à lei, pois é muito melhor, uma obra mais nobre do que a obras
dos Dez Mandamentos, um obra que Deus ordenou pelo evangelho. Esta obra, a
obediência da fé, é uma obediência, como Deus a quer, e toda a justiça da lei,
já é cumprida nesta única obra. Ora, esta doutrina é uma fuga da verdade e um
engano. Quando o apóstolo afirma: “Não pelas obras da lei, mas pela fé”, com
isto exclui qualquer e todas a obras a
lei. Tudo o que a pessoa pensa, quer, faz e por aquilo que ele quer cumprir uma
lei de Deus, chamem isso como quiserem, de fé ou de amor, o apóstolo compreende
sob o título de “obras da lei”. O apóstolo Paulo afirma a respeito de Abraão,
de que ele creu, e não lidou com obras. Ele não fez algo e silencia
completamente em relação à lei. Lidar com obras, fazer ou operar algo, é para
ele uma e a mesma coisa, a saber, obras da lei. Se quisermos compreender bem o
que a fé significa na justificação, não devemos considerar a fé uma obra, nem
como fonte, como suma de todas as obras. Precisamos afastar de nós todos os
pensamentos que refletem o nosso fazer, como: pensa, inventa, quer, se propõe,
fazer e agir.
2.
A Apologia da Confissão de Augsburgo
lembra aos que contradizem que, quando eles,
os luteranos
falam da fé, eles não pensam numa fé que seja “simples pensamento inativa”, mas
em na fé que uma nova luz, vida nova e força no coração que renova o coração, os
pensamentos e o ânimo e faz de nós uma nova criatura. Mas ela continua:
“Contudo, nem por isso devemos pensar que recebemos a remissão dos pecados e a
reconciliação pela confiança nesse amor, ou em vista dele, da mesma forma como
não recebemos remissão de pecados em virtude de outras obras, sequentes, senão
que unicamente pela fé, e, sem dúvida, por intermédio da fé propriamente dita é
que se recebe remissão de pecados, porque a promessa não pode ser recebida a
não ser pela fé”. (Ap., IV, 112; FC p. 128). Portanto, não é a nossa
opinião de que, quando falamos da justificação pela fé, considerar a fé como
uma nova luz e vida, como o início de todas as boas obras, como se a fé, por
esta causa e constituição justificasse.
3.
Quando Lutero expõe o versículo de Gênesis 15.6,
ele faz a observação de que, quando
Deus
considerou a fé de Abraão como justificação, ele observa: “Quando Deus faz uma
promessa, ali Deus age sozinho e oferece algo, quando ele ordena algo pela lei,
ele exige e requer algo de nós, e quer que façamos algo”. Como precisamos distinguir entre promessa e
lei, assim precisamos distinguir entre fé e amor e fazer distinção entre a
finalidade da fé e a finalidade do amor” (St. Louis I, p. 947). Com isso
Lutero afirmou que a fé que nos justifica não tem nada a ver com a lei, com
obras e realizações da pessoa. A fé precisa ser separada e ser diferenciada das
obras. Pois a fé é algo bem diferente do que obras através das quais a lei de
Deus é cumprida.
4.
As obras das pessoas incluem em si o merecimento
e dão direito à recompensa ao
salário.
Quem realiza e faz alguma coisa conquista para si um salário, e há o dever e a dívida que o salário lhe seja
pago. “Quem lida com obras, a este o pagamento do salário é obrigatório”, diz o
apóstolo. Se a pessoa é justificada por obras, então aquilo que a pessoa faz e
opera, obrigaria e determinaria a Deus de justificá-la. Mas isto não é assim.
Somente pela fé. A fé exclui todas as obras e não entra na justificação como
contribuição. E é por isso que a fé é algo bem diferente do que uma obra. Assim
também não é a fé que determina algo que determina ou move a Deus para ser
favorável à pessoa e justificá-la é unicamente o amor de Deus, o amor por
Cristo.
5.
Disto
vemos por que o artigo da justificação pela fé é um artigo tão
consolador. Até
aqui esclarecemos
o que a fé não é, e como não devemos interpretar a fé ao dizer que o ser humano
é justificado pela fé, a saber, que não deve-se pensa que a pessoa ao crer
acrescenta algo. Só isto já é altamente consolador. Em que situação
desesperadora estaríamos se tivéssemos que examinar nossa situação, nossos
sentimentos do coação para descobrir se nós estamos, no todo, corretos para com
Deus, antes que pudéssemos ter a certeza de que fomos justificados por Deus?
Neste caso nossa justificação estaria num fundamento vacilante e não teríamos
consolo. Mas, se quisermos estar certos de como estamos para com Deus, se temos
um Deus gracioso ou não, não devemos, de forma alguma, olhar para nossas obras,
nem olhar para nossos sentimentos, nosso interior, se nossa confiança está
correta diante de Deus ou não. Deus, ao nos justificar, não se orienta, de
nenhuma forma, pelo nosso pensar, querer ou agir. Ele ignora isto
completamente. Assim nós também devemos fazer quando pensamos em nossa justificação. Não olhar
para dentro de nós, de como é o nosso pensar em relação a Deus, nosso querer e
fazer. Tudo o que possa nos impedir, estorvar e enganar quando nos ocupamos com
a pergunta sobre a graça de Deus, devemos afastar e sufocar em nós. Nossa
justificação está completamente fora de nós, e repousa sobre o eterna
fundamento de Deus. Nós nos tornamos piedosos e justos diante de Deus pela fé,
e nisto precisamos eliminar em nós todo o nosso fazer e agir. Portanto, o que
significa que somos salvos pela fé? Que confiemos exclusivamente na graça de
Cristo, no que Deus nos oferece e fez e faz por nós, sem olhar para dentro de
nós. O nosso pensar, fazer ou agir. Vimos isto pela palavra de Deus e nossas
Confissões, nos capítulos anteriores.
VI – Qual é então a correta compreensão da
justificação pela fé?
1.
Por que e em que sentido a pessoa é justificada
pela fé? Esta pergunta queremos
responder agora
à luz da Escritura Sagrada.
2.
Em primeiro lugar lembramos a palavra da Confissão
de Augsburgo, artigo 4:
Ensina-se também que não podemos
alcançar remissão de pecados e justiça diante de Deus por mérito, obra e
satisfação nossa, porém, que recebemos remissão do pecado e nos tornamos justos
diante de Deus pela graça por causa de Cristo, mediante a fé, quando cremo que
Cristo padeceu por nós e que, por sua
causa, os pecados nos são perdoados e nos são dadas justiça e vida eterna. Pois
Deus quer considerar e atribuir essa fé como justiça diante de si, conforme dia
São Paulo em Romanos 3.21-26 e 4.5.
3.
O que é dito aqui da justificação, é resumido em
uma frase no final do Artigo 4 da
Confissão
de Augsburgo: “Pois Deus quer considerar e atribui essa fé como justiça
diante de si, conforme diz São Paulo em Romanos
3.21-26 e 4.5. Todas as outra afirmações sobre a justificação estão
incluídas nesta frase de que Deus nos atribui a fé para justificação. A fé é
que nos justifica, por isso todo nosso merecimento, obras e realizações estão
excluídas. Nós somos justificados diante de Deus “por Cristo”, somos “justificados
por graça”. Nós somos, por Cristo, justos diante de Deus. Assim a fé em Cristo é
que nos justifica. O assunto do qual
tratamos, se torna claro para nós, quando colocamos este único fato diante de
nós, e olhamos um assunto após outro. Que a fé exclui todas nossas obras e nossos
méritos, já vimos. Como a fé engloba em si o “por graça”, e quão intimamente
isto está unido ao “por graça” e “pela fé”, queremos ver agora. Pois, se
compreendemos bem o que significa que nós somos justificados diante de Deus por
graça, então reconheceremos por que e em que sentido a fé nos justifica, qual o
significado da fé na justificação.
VII – Em que sentido a fé justifica?
O apóstolo Paulo escreve aos Romanos: Porque não há
distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sento justificados
gratuitamente, por sua graça mediante a redenção que há em Jesus (Rm 3.22-24).
E na carta a Tito lemos: A fim de que, justificados por graça, nos tornemos
herdeiros (Tt 3.7). Por graça, por sua graça nós nos tornamos justos. A
graça de Deus é a base de nossa justificação. O que significa graça? O oposto
torna isso claro. “Por graça, isto é, sem o nosso mérito, como presente”. Um
presente é uma doação de amor, que não devemos a alguém por obrigação. Ora,
para quem trabalha, o salário não é considerado como favor, mas como dívida.
Mas ao que não trabalha, porém, crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe
é atribuída como justiça (Rm 4.4,5). “E, se é elar graça, já não é pelas
obras, do contrário, a graça já não é graça (Rm 11.6). A graça de Deus é
favor e benevolência, é favor livre, que tem sua origem unicamente em Deus, que
nos carrega em si” (Introdução de Lutero a Atos dos Apóstolos. Erlanger
Ausgabe, 6. p. 123). “A misericórdia e graça são dados de graça, sem
merecimento” (Lutero na explicação de Rm 3.24, em Grund und Urusache aller
Artikel, usw. 1520, Erl. Ausgabe, 24, p. 98). Somos justificados por graça,
isto é: Sem nosso merecimento ou dignidade, como presente de Deus, por sua
livre e pura misericórdia. Deus justifica a nos pobres pecadores, não por achar
ou ver em nós ainda algo de bom, que o motivasse a isso, mas conforme seu
incompreensível amor a nós, imerecidos e indignos pecadores, ele é movido e
inclinado a nos ser gracioso. Não é nada diferente do que sua inimaginável
graça que move o coração de Deus quando ele nos justifica.
2. E por
sermos justificados por raça é por isso que somos salvos pela fé. Agora podemos
compreender em que sentido a fé nos torna piedosos e justos. Graça e fé estão
intimamente unidos. “Por isso as palavras misericórdia, bondade, fé são
repetidas tantas vezes nos Salmos e Profetas” (Ap. IV, 107, 108; LC 127). O
apóstolo Paulo escreve: Essa é a razão por que provém da fé, para que seja
segundo a graça (Rm 4.16). Para que isso seja “por graça”, precisamos
manter também que a justificação vem somente pela fé. Fé é confiança. Isto é a
fé correta, que confiemos inteiramente na livre bondade e misericórdia de Deus,
na graça e bondade de Deus. A fé vai além de si e se apega a Deus, no coração
de Deus e disposição de Deus e se consola com isso, de que Deus é tão gracioso
e misericordioso. A fé não olha para suas obras próprias, mas, ela volta-se de
si, de sua própria pessoa, e se inclina para a bondade e graça de Deus, que
vale para os imerecidos e transgressores pecadores. Quem crê, diz a si mesmo:
Eu sou, diante de Deus, totalmente indigno, não tenho nenhuma honra diante de
Deus, não sou digno de sua compaixão, nem de sua graça, mesmo assim me refúgio na
graça, sim, por isso, por nada valer diante de Deus. Tão somente devido sua
bondade e graça tenho certeza de que eu indigno e miserável pecador serei aceito
por ele. Esta é a maneira de Deus ser gracioso ao indigno e miserável pecador.
A fé é, portanto, o meio pelo qual nós nos apegamos a sua graça e misericórdia
e a voltamos para nós. A fé se apega e tem e segura a graça de Deus, pela qual
somos justificados. Quem crê, este se apega e possui a justificação pela fé
como sua própria e é diante de Deus, por ela, piedoso e justo.
VIII – Justificação significa perdão dos pecados
1.
O apóstolo Paulo afirma que o rei Davi considera
bem-aventurado a pessoa a quem
Deus confere justiça, sem obras, com
a seguintes palavras: Bem-aventurados, aqueles cujas transgressões são perdoadas,
e cujos pecados são cobertos; bem-aventurado aquele a quem o Senhor jamais
atribuir pecado (Rm 4.6,7). Por isso lemos na Confissão de Augsburgo:
“Que recebemos remissão do pecado e nos tornamos justos diante de Deus pela
graça, por causa de Cristo, mediante a fé” (CA, artigo 4). Na Apologia da
Confissão de Augsburgo, no Artigo IV, 76; LC p. 121, lemos: “Obter a
remissão dos pecados e ser justificado, segundo o texto: “Bem-aventurado aquele
cuja iniquidade é perdoada” (Sl 32.1). O perdão dos pecados é chamado também de
“graça” ou perdão dos pecados por graça, dizemos que isto é a ação e obra de
Deus, que ele perdoa pecados, e isto de si mesmo, por livre vontade, por livre
bondade. Portanto, por nada que estivesse sobre ele, fora dele e do nada que
estivesse no ser humano ou colaborasse da parte dele.
2.
Neste sentido o perdão dos pecados é louvado
muitas vezes na Escritura. O profeta
Miqueias exclama: Quem é
semelhante a ti, ó Deus, que perdoas a iniquidade e te esqueces da transgressão
do remanescente da herança (Mq 7.18). Isto é a incomparável grandeza de
Deus, que ele perdoa pecados e apaga iniquidade, e isto somente por ele ser
misericordioso ou porque ele tem prazer na misericórdia (Mq 7.18). Isto é a
honra e glória de Deus. Quando Moisés pediu a Deus : Peço que me mostres a
tua glória. O Senhor respondeu: Farei passar toda a minha bondade diante de
você e lhe proclamarei o nome do Senhor, terei misericórdia de quem eu tiver
misericórdia e me compadecerei de que eu me compadecer (Êx 33.18,19). E
quando depois Deus, ao lhe entregar as Tábua da Lei, falou com Moisés, Deus lhe
e disse: O Senhor! O Senhor Deus compassivo e bondoso, tardio em irar-se e
grande em misericórdia e fidelidade que guarda a misericórdia em mil gerações,
que perdoa a maldade, a transgressão e o pecado, ainda que não inocenta o
culpado, e visita a iniquidade dos pais nos filhos e nos filhos dos filhos, até
a terceira quarta geração! (Êx 34.5-7). Com isso Deus comprova que sua
graça e misericórdia estão unicamente firmados e fundamentados em sua
compaixão. Deus é gracioso e tem compaixão dos pecadores e perdoa a iniquidade,
e as transgressões e pecados só por ser graciosa e misericordioso. Pelo profeta
Isaías Deus diz: Eu, eu mesmo, sou o que apago as tuas transgressões por
amor de mim (Is 43.25). Deus apaga as transgressões e perdoa os pecados por
sua própria vontade, porque tem prazer nisso. Isto é seu direito, por isso tem
prazer nisso. Conforme o profeta Isaías, Deus ao entrar em juízo com seu povo,
disse: Venham, pois, e vamos discutir a questão. Ainda que os pecados de
vocês sejam como o escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que
sejam vermelhos como o carmesim, eles se tornarão como a lá (Is 1.18). Em
nome de Deus o profeta mostrou ao povo seus grande pecados. Agora este povo
pecador está diante do juízo de Deus e espera a condenação. O povo não pode
esperar outra coisa do que a condenação. Mas que milagre. Deus lhes anuncia a
justificação em lugar da condenação. O pecado, a culpa vermelha deve ser
perdoada e ser branca, como a neve. Este é o maravilhoso poder da graça de
Deus, que torna o vermelho branco e a culpa em pureza.
3.
Exatamente este último ponto nos mostra até que
ponto a fé é relevante neste
assunto. O profeta continua: Se
estiverem dispostos a me ouvirem, vocês comerão o melhor desta terra. Mas, se
recuarem e forem rebeldes, vocês serão devorados pela espada; porque a boca do
Senhor o disse (Is 1.19,20). Isto é: Se vocês estarão dispostos para me
ouvir, etc. Disto depende agora, que os pecadores ouçam este milagre de
Deus que os absolve, que aceitem o mesmo. Com uma palavra, que creiam o que o
Senhor diz. Se eles o ouvirem e crerem, estarão limpos de seus pecados e
herdarão a bênção. Aqueles, no entanto, que se opõem a esta sentença, e
resistem à palavra de Deus, não crendo, mas rejeitam o que o Senhor diz, estes
ficarão com seus pecados e com isto sob ir de Deus e perecerão por fim. Esta é
a incompatível obra de Deus, ele perdoa pecados e limpa os pecadores e suas
transgressões por ser misericordioso: Quem é semelhante a ti, ó Deus, que
perdoas a iniquidade e te esqueces da transgressão do remanescente da tua
herança? O Senhor não retém a sua ira para sempre, porque tem prazer na
misericórdia (Mq 7.18).
IX
– A fé se apega à graça de Deus
1.
Portanto, a fé vê e reconhece esta obra de Deus,
toma e se apega a este dom de Deus,
o perdão dos pecados. A fé se abstém
de suas próprias obras e se alegre e consola naquilo que Deus faz, do que Deus
dá, de livre vontade, por seu amor, e consola-se com isto, de que Deus lhe ser
sobremaneira gracioso e misericordioso, perdoando transgressões e pecados. É
por isso que a fé justifica diante de Deus e torna a pessoa piedosa e justa por
aceitar e se apropriar do perdão dos pecados. A questão é simples e fácil. Cada
filho de Deus o pode tomar. O Credo Apostólico expressa todo o processo
da justificação com a seguintes palavras: “Creio na remissão dos pecados”.
Há perdão dos pecados. Em Deus há muito perdão. Quem crê e aceita este perdão
para si, quem diz no seu coração: “Eu creio no perdão dos pecados”, este tem
perdão, a este Deus considera limpo de todos seus pecados e justo.
2.
O que dissemos aqui da justificação é
clarificado ainda mais pela afirmação do
apóstolo Paulo: Mas, para quem não
trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída
como justiça (Rm 4.5). O apóstolo destaca aqui que é Deus que justifica e
torna o ímpio justo. A pessoa está diante de Deus como pecador, como ímpio, em
seus pecados e vergonhas e não tem nada para se desculpar ou justificar. E o
que Deus faz? Em lugar de condenar o ímpio, o que é justo, Deus deixa sua graça operar e justificar o ímpio. Esta é a
verdadeira fé que creiamos como Abraão, que confiemos em Deus que justifica os
ímpios. Quem crê, este diz a si mesmo: Eu pertenço aos pecadores aos ímpios. Com respeito a isso não
há dúvidas. Mas Deus é gracioso e justifica os ímpios. Assim ele me justificará
também. Não há dúvidas quanto a isso. Este é o modo de Deus justificar. Ele
declara os ímpios justos. Nisto cremos de coração e nos consolamos com isso.
Assim a justificação é realizada e concluída. Aquele que crê no Deus que
justifica os ímpios, a esta fé Deus atribui a justificação, a este Deus
considera justo e puro, por apegar-se à esta justificação de Deus. Deus confere
aos que creem e consideram este Deus como seu Deus, que os torna justos.
3.
Da mesma forma nossas confissões descrevem a
justificação pela fé. Lemos na
Apologia: Esta fé especial,
pela qual o homem crê que os pecados lhe são remetidos por Cristo, e que Deus é
aplicado, e é propício, por amor de Cristo, obtém, portanto, a remissão dos
pecados a nos justifica (Ap. IV,45; LC p. 116). Desta arte, a fé que recebe
gratuitamente a remissão dos pecados, por isso que a ira de Deus opõe a Cristo
como mediador e propiciador, não opõe méritos nossos ou nosso amor (Ap. IV,46;
LC p. 116). Toda fez, pois, que falamos em fé justificante, deve saber-se que
concorrem estas três coisas: a promessa, e essa gratuita, e os méritos de
Cristo, como preço, e a propiciação. A promessa é recebida pela fé; gratuito
exclui méritos nossos, significando que o benefício é oferecido apenas por
misericórdia (Ap. IV, 53; LC p. 117). Pois a fé justifica ou salva não por
isso, que seja obra de si mesma digna, mas tão somente porque aceita a
misericórdia prometida. (Ap. IV, 56; LC p.117 e 118). Todavia, não se pode
tratar com Deus, não se pode apreendê-lo, a não ser pela palavra. Por isso a
justificação se realiza pela palavra, como diz Paulo: O evangelho é o
poder de Deus para salvação e todo aquele que crê (Rm 1.16). Da mesma forma: A
fé vem pela pregação (Rm 10.17). E até daí pode argumentar-se que a fé
justifica, porque, se a justificação só se dá pela palavra, e a palavra é
apreendida somente pela fé, segue-se que a fé justifica. (Ap. IV, 66,67/ LC p.
119). E, visto que ser justificado significa de injustos serem feitos justos,
ou serem regenerados, significa também serem pronunciado ou reputados justos
(Ap. IV, 72; Lc p. 120). Assim provamos, pois, a premissa menor: não
pode se aplacada a ira de Deus, se lhe
opomos nossa obras, porque Cristo foi proposto como propiciador, de modo que
por amor dele o Pai fique reconciliado conosco (Ap. IV, 80; LC p. 121). O
profeta Habacuque afirma: “O Justo viverá pela sua fé” (2.4): Diz ele aqui,
em primeiro lugar, que os homens são justos pela fé, pela qual creem ser-lhes
Deus propício, acrescentando que a mesma fé vivifica, porque gera, no coração,
paz, alegria e vida eterna (Ap. IV, 100; LC p. 125). A Fórmula de
Concórdia nos dá uma clara e precisa explicação da fé, ao afirmar: Que o
único ofício e propriedade da fé continue a ser isso de que somente ela e
nenhuma outra coisa é o meio e instrumento com o qual e pelo qual a graça de
Deus e o mérito de Cristo na promessa do evangelho são recebidos, aprendidos,
aceitos, aplicados a nós e tornados nosso (FC III,38; LC p.585,586).
4.
Tudo o que é dito aqui da fé que justifica é claro
consolo para o pobre pecador.
Também nós cristãos nunca podemos
dispensar este consolo. Quando estamos diante do juízo de Deus, especialmente,
no momento da última necessidade e medo, quando desaparece todo o consolo das
próprias obras. Neste último momento, não acharemos nada de bom em nós, tão
somente pecado, transgressões e impiedade. Ali veremos somente a Deus, o Deus
que perdoa nossas transgressões e pecados, que perdoa todos os nossos pecados
por amor a ele, de livre vontade, de graça ele justifica a ímpio. A este Deus
nós nos entregamos, confiando, unicamente, em sua graça e misericórdia. Isto é
fé. Assim subsistiremos diante de Deus.
X
– Por graça pela fé
1.
Nós nos tornamos justos diante de Deus “pela
graça, por causa de Cristo, mediante a
fé”. Assim lemos no 4º Artigo da Confissão
de Augsburgo. Quão intimamente estas duas partes “por graça” e “pela fé” estão
unidas, disto tratamos na parte anterior. Da mesma forma estão unidas as outras duas partes “por amor
a Cristo” e “nos são dados justiça e vida eterna”. Por isso a Confissão de
Augsburgo acrescenta, que somos justificados: “Quando cremos que Cristo padeceu
por nós e que, por sua causa os pecados nos são perdoados e nos são dados
justiça e vida eterna” (Livro de Concórdia, p. 64 e 65). A Escritura descreve
de forma breve a justiça da fé como fé em Cristo. Após o apóstolo Paulo usar o
exemplo da fé de Abraão, ele aplica isto com as palavras: E as palavras “lhe
foi atribuído” foram escritas não somente por causa dele, mas também por nossa
causa, visto que a nós igualmente nos será atribuído, a saber a nós que cremos
naquele que ressuscitou dentre os mortos a Jesus nosso Senhor, o qual foi entregue
por causa das nossas transgressões e ressuscitou para a nossa justificação” (Rm
4.23-25). Em sua carta aos Filipenses, o apóstolo fala da justificação e
diz: Aquele que é mediante a fé em Cristo (Fp 3.9). Aos Gálatas o
apóstolo escreve: Nós, judeus por natureza e não pecadores dentre os
gentios, sabendo, contudo, que homem não
é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Jesus Cristo, também
temos crido em Cristo Jesus, para que fossemos justificados pela fé em Cristo e
não por obras da lei, pois por obras a lei ninguém será justificado (Gl 2.15). Três
vezes o apóstolo mostra aqui como somos justificados diante de Deus, a saber,
pela fé em Cristo. Se compreendemos isto bem, reconheceremos de que forma e
porque a fé nos torna piedosos e justos.
2.
Após o apóstolo ter mostrado em Gálatas 2.16 que
somos justificados somente pela fé
em Cristo, ele continua: Mas, se
nós, procurando ser justificados em Cristo, fomos também achados pecadores,
será que isto significa que Cristo é ministro do pecado? De modo nenhum! (Gl
2.17). Aqueles que querem ser justificados mediante a fé em Cristo (Gl
2.16), são aqueles que buscam ser justificados por Cristo. Ser justificado pela
fé e em Cristo é a mesma coisas que ser justificado por Cristo. Não que somos
nós que cremos, não realizamos pelo menos esta única coisa, crendo em Cristo,
mas que é Cristo, no qual cremos, que nos torna justos. Ou em outras palavras:
Cristo nos torna justos. O apóstolo Paulo escreve em Romanos: Sendo
justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo
Jesus, a quem Deus apresentou como propiciação, no seu sangue, mediante a fé
(Rm 3.24,25). O apóstolo dá detalhes, porque e em que sentido nós nos
tornamos justo por Cristo. Cristo nos salvou. Ele pagou por nossos pecados. Ele
pagou a dívida de nossos pecados. O preço é seu próprio sangue. Por seu sangue
derramado na cruz ele pagou a dívida da humanidade. Cristo é o trono da graça
do Novo Testamento, que por seu próprio sangue cobre nossos pecados e nos
redimiu por seu sofrer, morrer, sangrar, ele nos reconciliou com Deus. Pela
salvação que aconteceu por Cristo, somos justificados diante de Deus. Que Cristo
nos livrou de nossos pecados, pagou por nossos pecados, nos reconciliou com
Deus, isto nos torna justos diante de Deus. “Pela fé”, estas palavras estão
neste conjunto. Pela fé somos justificados. Isto porque, pela fé nós nos
apropriamos do sangue de Cristo, da salvação de Cristo, da reconciliação que
Cristo operou por seu sangue. A fé se apega a Cristo e ao seu sangue, sua obra.
Vá a Cristo, ao trono da graça, console-se com a salvação e reconciliação que
aconteceu por Cristo. Assim a fé entre aqui em consideração como o meio, pelo
qual a salvação e a obra salvífica de Cristo se torna nossa. Se nós, como
pessoas, nos apegamos a salvação de Cristo, então estamos livres de nossos
pecados e diante de Deus puros e justos.
3.
Neste sentido nossas Confissões falam da fé. A
Apologia afirma: “Toda vez, pois, que
se fizer menção de misericórdia,
saiba-se que aí se requer fé, que recebe a promessa de misericórdia. E
novamente, toda a vez que falamos em fé, queremos se entenda o objeto, a saber,
a misericórdia prometida. Pois a fé justifica ou salva não por isso que seja
obra de si mesma digna, mas tão somente porque aceita a misericórdia prometida”
(Ap. IV 55,56; LC p.117,118).
4.
O que Cristo conquistou é o tesouro. Por isso a
fé justifica por aceitar e apegar-se a
este tesouro de Cristo, por este
tesouro se tornar nosso e ser nosso pela fé. Nada do que é ou está em nós. E
tesouro de Cristo que se torna nosso. E mais, lemos na Apologia: “Mostraremos
agora que a fé justifica. Importa, aqui, em primeiro lugar, avisar os leitores
do seguinte: Assim como é necessário manter a sentença que Cristo é mediador,
assim é necessário sustentar que a fé justifica. Pois, como será Cristo
mediador, se na justificação não nos valemos dele como mediador, se não
julgamos que somos reputados justos por causa dele? Mas crer é isto: confiar nos méritos de Cristo, que por
causa dele Deus certamente quer reconciliar-se conosco. Da mesma forma, assim como
importa sustentar que, para além da lei, é necessária a promessa de Cristo,
assim é necessário sustentar que a fé justifica. Pois a lei não ensina a
gratuita remissão dos pecados. Igualmente: não se pode cumprir a lei a não ser
que primeiro se haja recebido o Espírito Santo. Por conseguinte, é mister
sustentar que a promessa de Cristo é necessária. Entretanto, não se pode
aceitar isto sem que seja pela fé. Por isso, os que negam que a fé justifica,
nada ensinam exceto a lei, abolidos o evangelho e Cristo” (Ap. IV, 69.70; LC p.
119,120).
5.
Portanto a fé se apega a Cristo, nosso Mediador
e confia nisto de que somos, por meio
dele, justos diante de deus. A
Fórmula de Concórdia também acentua que a fé é “o meio e instrumento”: “A fé é
dom de Deus pelo qual acertadamente chegamos a conhecer a Cristo, nosso
Salvador, na palavra do evangelho e nele confiamos, que somente por causa de
sua obediência, por graça, temos perdão dos pecados, somos considerados
piedosos e justo por Deus Pai e nos salvamos eternamente” ( FC DS III,11; LC p.
580). E: “a fé não justifica por ser obra tão boa e tão bela, e sim porque
apreende e aceita o mérito de Cristo na promessa do santo evangelho. Pois o
mesmo tem de ser aplicado a nós e tornado nosso mediante a fé, se por ele
devemos ser justificados” (FC DS III,13; LC p. 581). A fé toma e se apega à
obediência de Cristo. Assim a fé se torna para nós a justiça de Cristo,
atribuída a nós.
6.
Nós tratamos, em primeiro lugar, a fé como um
meio, pelo qual a graça e misericórdia
nos é atribuída. Agora chamamos a fé
o meio pelo qual nós nos apropriamos da graça de Cristo. Isto não deve ser
entendido como duas coisas separados. Como se a fé recebe os bens de Cristo.
Como se a fé, em primeiro lugar é um meio, que se apega e abraça a graça de
Cristo e depois recebe os bens de Cristo. Não! Como se a fé como meio e o bens
de Cristo fossem duas coisa separadas. Não! A duas coisas estão unidas. A
Fórmula de Concordia, frequentemente, se expressa assim: “A justiça de Cristo
ou a fé, que Jesus imputa por graça, pela fé, a pobre pecadores para justiça.”
(FC DS III,1; LC p. 578). “Sobre a justiça da fé ante Deus cremos, ensinamos e
confessamos, unanimemente, de acordo com o epítome de nossa fé e confissão
cristãs acima apresentado: que o pobre pecador é justificado diante de Deus,
isto é, absolvido e declarado livre e isento de todos os seus pecado e da
sentença da bem merecida condenação, e é recebida para a adoção de filho e a
herança da vida eterna, sem qualquer “mérito ou dignidade”, de nossa parte,
também sem qualquer obras antecedentes, presentes ou subsequentes, tão-só por
graça, exclusivamente por causa do só mérito, da obediência integral, do amargo
sofrimento, da morte e da ressurreição de Cristo nosso Senhor, cuja obediência
nos é atribuída como justiça” (FC DS III, 9; LC p. 580). Isto é conforme a
Escritura. Conforme a Escritura somos salvos somente pela graça de Deus, que
foi realizada por Cristo (Rm 3.24,25). É pura graça, pela qual Deus nos
justifica, perdoa os pecados, e é pura graça que Deus nos justifica dessa
maneira, por amor a Cristo, que Cristo realizou. É preciso que esta seja a
nossa confissão, como o Livro de Concórdia afirma: “Pois o mesmo tem de ser
aplicado a nós e tornado nosso mediante a fé, se por ele devemos ser
justificados” (FC DS III,13; LC p. 581). Deus quis revelar sua justiça e
direito de castigar. Ele queria ser também aquele que é e permanece o único
justo (Rm 3.25,26). Por isso, Cristo precisou sofrer, morrer e suportar a ira
divina. Cristo morreu suportou tudo em lugar dos pecadores e assim os salvou.
Isto é pura graça e misericórdia de Deus. Deus, de livre vontade, por pura
graça e bondade, de si, enviou a Cristo, e o entregou à morte e reconciliou o
mundo consigo mesmo. Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo (2
Co 5.19). Deus por meio de Jesus Cristo, segundo o propósito de sua
vontade, para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente
no amado. Nele temos redenção, pelo seu
sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça (Ef
1.5-7). Assim a fé se apega
agarra e recebe ambas as coisas,
um no outro, a graça de Deus em Cristo que por isso nos torna justos diante de Deus
(FC DS III.9; LC p.580).
7.
Precisamos destacar mais um ponto de forma
especial, que já está nos capítulos
anteriores. Nós ensinamos e
confessamos que pela vontade de Cristo, pelo mérito de Cristo, ao qual nós nos
apegamos pela fé, nos tornamos justos diante de Deus. Isto, no entanto, não
deve ser entendido como se o mérito de Cristo, sua obediência, e nossa justiça,
separados, fossem coisas diferentes. Como se nossa fé, se apegasse só em parte
ao mérito e à obediência de Cristo, como se pela fé ao apegar-se à justiça de
Cristo, nossa justiça seria operada em nós. Não, o mérito de Cristo e sua
obediência, exatamente esta é nossa justiça, exatamente esta é a justiça que
nos vale diante de Deus, pela qual subsistimos diante de Deus. E, vistoque a fé
se apropriar do mérito de Cristo, este mérito passa a lhe valer, que vale
diante de Deus. Assim acontece que nós, pela fé, somos justos diante de Deus.
Este e o claro ensino da Escritura e de nossas Confissões.
8.
Nossa fé se apega, como o apóstolo escreve
aos romanos a Cristo, que foi entregue
por causa das nossas transgressões
e ressuscitou para nossa justificação (Rm 4.25). Isto é, Deus entregou
Jesus à morte e o ressuscitou novamente, para que nossos pecados fossem pagos e
extintos, e nossa justificação realizada. Nos cremos que isto é assim.
Confiamos nisso de coração. Esta é a questão. Para o apóstolo Paulo é o mesmo que
dizer: Nós somos reconciliados pela morte do Filho de Deus, ou dizer: pelos
seu sangue, nós nos tornamos justos (Rm 5.9,10). Por um só ato de
justiça, veio a graça sobre todos para a justificação que dá vida (Rm 5.18). E
pela fé recebemos a abundância da graça e o dom da justiça reinarão em vida
por meio de um só, a saber, Jesus Cristo (Rm 5.17). Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo, não levando em conta o pecados dos seres humanos
(2 Co 5.19). Deus reconciliou, por Cisto, o mundo consigo, e por isso
perdoou ao mundo todos os pecados. Agora é necessário que creiamos e nos “deixemos
reconciliar com Deus” (2 Co 5.20). O apóstolo Pedro confirma: Dele todos
os profetas dão testemunho de que, por meio do seu nome, todo o que nele crê
recebe remissão dos pecados (At 10.43). Todos os que creem em Cristo, em
seu nome, tomam e recebem com isto perdão dos pecados. Todos os fiéis dizem com
o apóstolo “nele temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados
segundo a riqueza de sua graça” (Ef 1.7). Nós que cremos em Cristo temos
Cristo e com isto, em Cristo, temos a salvação por seu sangue, que é a mesma
coisa que dizer: o perdão dos pecados. Isto é certo, pois nós que estamos em
Cristo, estamos unidos com Cristo e temos o que é dado com e em Cristo, perdão
dos pecados. Este Jesus Cristo se tornou para nós, da parte de Deus,...
justiça, santificação e redenção ( Co 1.30). Portanto, para justiça de
todo aquele que crê (Rm 10.4).
9.
Nossas Confissões concordam com a Escritura. A
Apologia observa: “Remissão de
pecados é coisa prometida por causa
de Cristo. Logo, não se pode recebê-la a não ser pela fé somente. Pois promessa
não pode ser recebida senão unicamente pela fé” (Ap. IV,84; LC p. 123). Na
Fórmula de Concórdia lemos: “Cremos, ensinamos e confessamos que somente a fé é
o meio, o instrumento com que aprendemos a Cristo, e, assim, em Cristo, aquela
justiça que vale diante de Deus. E, a essa fé, por causa de Cristo, é atribuída
com justiça (Rm 4.9), (FC Epítome III.3; LC p. 509). E mais: “A Escritura
ensina que a justiça da fé perante Deus consiste unicamente na graciosa
reconciliação ou perdão dos pecados, com que somos presenteados meramente de
graça, por causa do mérito de Cristo, o mediador, e que é recebida somente pela
fé na promessa do evangelho” (FC DS III,30; LC p. 584). “Visto, porém (conforme
acima se mencionou), a obediência ser da pessoa toda, constitui perfeita
satisfação e reconciliação do gênero humano,... Nela a fé confia diante de
Deus” (FC DS III,57; LC p. 589). Portanto o sofrer e morrer de Cristo, sua
obediência é a reconciliação do ser humano, e é nossa justificação que vale
diante de Deus. Nisto a fé confia diante de Deus. E exatamente por isso, por a
fé em Cristo se apegar a esta justiça, que é nossa justificação, a fé nos torna
justos diante de Deus.
10.
Isto mostra, por outro, que a doutrina da
justificação pela fé concede forte consolo à
consciência do pobre pecador.
Exatamente isto, no que a razão natural se escandaliza de que somos salvos
diante de Deus por uma justiça alheia, a saber, a justiça de Cristo. Esta, no
entanto, é, para o pobre pecador, o único consolo na vida e na morte. Com nossa
justiça própria não podemos subsistir diante do juízo de Deus. Mas a fé pega
algo de fora e se agarra na perfeita obediência de Cristo, esta é a justiça que
vale diante de Deus. A fé se apega a Cristo, o crucificado e ressuscitado, isto
é, a este fato certo que Cristo morreu na cruz e ressuscitou dos mortos. Com
isto fomos libertados de nossos pecados e justificados diante de Deus. Pela fé
e o permanecer na fé temos a Cristo. Tendo somente a Cristo temos tudo o que
precisamos. Em Cristo temos perdão dos pecados e onde há perdão dos pecados,
ali há vida e bem-aventurança.
XI
– A fé se apega à Palavra de Deus
1.
Por graça, pela vontade de Cristo, o pecador é
justificado diante de Deus. A fé e apega
à graça de Deus em Cristo e com isto
à justificação que vale diante de Deus. Assim a fé nos justifica e nos trona
justos diante de Deus. Disto nós já falamos. Estes bens, a graça de Deus e sua
misericórdia, que vale diante de Deus, nos são oferecidos e dados pela palavra,
o evangelho. E a fé se apega a esta Palavra. Quando refletimos sobre como a fé
se apega à Palavra, veremos como e de que maneira a fé nos justifica. Os bens,
dos quais tratamos aqui, graça, perdão dos pecados, justiça, são bens espirituais,
invisíveis. Deus colocou estes bens espirituais, que são invisíveis, em sua
Palavra, a pregação do evangelho, para que as pessoas, que são carne e sangue,
possam apegar-se a eles e entender. A Palavra pode ser lida e ouvida. Por isso,
tudo depende de que esta Palavra, que temos diante de nossos olhos e que ecoa
em nossos ouvidos e chega ao nosso coração (mente), penetre em nosso coração e
atue ali, gerando a fé. Portanto, a verdadeira fé consiste em aceitar e receber
esta preciosa Palavra do perdão dos pecados. Então temos o que esta Palavra
encerra, o perdão dos pecados. Isto mostra, claramente, que a fé não é uma obra
nossa que prestamos a Deus, tão somente um meio pelo qual recebemos e tornamos
nosso o dom de Deus, o dom da justificação.
2.
Nós cristãos sabemos o que é o evangelho de
Cristo, nosso Salvador, a saber: a
pregação do perdão dos pecados (Lc
24.47). O evangelho nos diz: Deus é gracioso, Deus perdoa as transgressões, os
pecados. Deus estava em Cristo reconciliando o mundo consigo, não lhes
imputando os seus pecados. Cristo morreu pelos pecados da humanidade e pagou a
culpa de todas as pessoas com o seu sangue. Assim preparou a salvação aos
malditos pecadores. O céu lhes está aberto. E a correta fé é esta, que a pessoa
aceite, se apega a esta verdade e diga o Amém ao evangelho. Então a pessoa tem
o que Palavra encerra, oferece, dá e cela, perdão dos pecados. Ela tem a
misericórdia de Cristo, a bem-aventurança. O evangelho não é simplesmente uma
afirmação, não simplesmente uma doutrina sobre Deus e Cristo, sobre o que Deus
pensa. Esta afirmação é ao mesmo tempo a promessa de Deus. O evangelho é chamado
na Escritura muitas vezes de promessa. Quando Deus promete algo, isto não é uma
promessa vazia. Ao Deus prometer algo ao ser humano, ele o dá e presenteia isto
à pessoa. O evangelho se dirige, individualmente, ao pecador e lhe diz: Aqui,
eu te dou de presente o que te falta e o que tu precisas urgentemente. Aqui tu
tens a graça de Cristo, o perdão, a justiça, o consolo, a paz e
bem-aventurança. Toma o que eu te ofereço e dou. Confiar nisto é a correta fé,
que a pessoa aceita com alegria o que Deus lhe confia e alcança por pura graça,
no evangelho.
Quem, portanto, crê na palavra do evangelho, nesta pessoa a promessa de
Deus se cumpre e confirma. Esta pessoa possui o dom de Deus e está limpa de
todos os pecados, é piedosa e justa diante de Deus e tem, em esperança, a
bem-aventurança. O evangelho é e se chama de evangelho de Deus. É a palavra de
Deus que lhe diz: Eu, eu apago toda as tuas transgressões por minha vontade e
não vou lembrar mais os teus pecados. Mesmo se teus pecados sejam vermelhos
como o sangue, serão brancos como a neve e a lã. A verdadeira fé se apega e alegre
de coração com esta palavra e afirmação, com este julgamento de Deus e se
consola. Sim, se console contra as acusações de sua própria consciência, opondo
a estas acusações a palavra e julgamento de Deus. Quem, portanto, confia nesta
Palavra do evangelho, este está, por sua pessoa, sob a sentença justificadora
de Deus, portanto pura e justa
XII
– A graça da justificação nos é oferecida e aplicada pela palavra de Deus.
1.
Um cristão que compreende razoavelmente a
Escritura e do que trata o evangelho,
este também entenderá o artigo da
justificação pela fé. Nós queremos aqui rever agora algumas afirmações,
especialmente, aquelas que tratam da justificação, aquelas que pertencem aos
versículos centrais do consolo, que o cristão precisa ler e ouvir com
frequência e sobre elas meditar e movê-las em sua mente. Estas afirmações da
Escritura mostram que a graça justificadora do evangelho nos transmite e aplica
a nós a justiça do evangelho. Mostram também quão intimamente o evangelho, está
unida nos ensinamentos e o que que é a fé que justifica diante de Deus.
2.
Na primeira parte de Romanos 1 a 5, o apóstolo
Paulo aborda a doutrina da
justificação. O tema de sua exposição
é: Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus, para
salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego. Porque a
justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: “O justo
viverá por fé” (Rm 1.16,17). Aqui o apóstolo testemunha que a justiça, que
vale diante de Deus, que foi preparada por Cristo é revelada no evangelho e
oferecida e aplicada às pessoas. Por isso o evangelho é o poder de Deus para a
salvação. Esta justiça, que vale diante de deus, vem da fé, é recebida pela fé,
é destinada para a fé, para a pessoa que a aceita pela fé. E a fé a busca no
evangelho, que a oferece. Por isso, todos os que creem no evangelho, são
bem-aventurados. Em romanos 1.1-18 e 3.20, o apóstolo mostra que todas a
pessoas são pecadoras, quer judeus quer gregos (gentios) e sua justiça própria
não tem valor diante de Deus, pois ninguém é salvo pelas obras da lei. Então o
apóstolo passa a descreve a justiça da fé, e coloca, logo de início, a seguinte
frase: Mas, agora, sem lei, a justiça de Deus se manifestou, sendo
testemunhada pela Lei e pelos Profetas. É a justiça de Deus mediante a fé em
Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que creem (Rm 3.21,22). Com isto
o apóstolo repete e reafirma que a justiça, que vale diante de Deus, é a que
foi preparada por Cristo e revelada pelo evangelho a judeus e gentios. Já no
Antigo Testamento os profetas testemunharam, em lei e evangelho, esta justiça.
Pelo evangelho, que agora é pregado em todo o mundo, esta justiça foi exposta
de forma clara e precisa e apresentada aos pecadores para que a aceitem. Esta
justiça é aceita pela fé. Por isso, todos os que creem, tornam-se participantes
da mesma. Quem crê este dá ouvidos a Moises e aos profetas, ao evangelho e
reconhece esta justiça no evangelho e se apega à mesma, pela qual pode
subsistir diante de Deus. O apóstolo Paulo mostra em sua carta aos romanos que
muitos em Israel, não alcançaram esta justificação, por não terem crido no
evangelho (Rm 9.3ss e 11.16).
3.
O apóstolo Paulo chama a Palavra também de
“meio”, pelo qual a justiça é dirigida e
transmitida, e a pessoa se apropria
dela pela fé, sendo justificado. Também neste caso se pensa na Palavra do
evangelho. Lemos na carta aos Romanos: Ora, Moisés descreveu assim a justiça
que procede da lei: “Aquele que observar os seus preceitos por eles viverá”.
Mas a justiça que procede da fé afirma o seguinte: “Não pergunte em seu
coração: Quem subirá ao céu?” isto é, para trazer Cristo lá do alto; ou: “Quem
descerá ao abismo?” isto é, para levantar Cristo dentre os mortos. Porém, o que
se diz? “A palavra está perto de você, na sua boca e no seu coração”, isto é, a
palavra da fé que pregamos. Se com a boca você confessar Jesus como Senhor, e
em seu coração crer que Deus o ressuscitou dentre os mortos você será salvo (Rm
10.5-9). Aqui o apóstolo coloca a justiça da lei e a justiça da fé uma
contra a outra. A primeira torna o assunto difícil para a pessoa, sim,
impossível de alcançar a justiça. Pois quem não cumpre toda a lei
perfeitamente, não se torna justo e não será bem-aventurado. A justiça da fé,
pelo contrário, torna o adquirir a
justiça fácil para a pessoa, pois o evangelho traz a justiça ao coração da
pessoa que crê. Não é preciso buscar a Cristo de longe, nem do céu, nem da
profundeza. Cristo já veio do céu à terra, morreu e ressuscitou. Por sua
humanação, seu sofrer, morrer e ressuscitar, ele conquistou a justiça que vale
diante de Deus. Por isso o apóstolo continua e diz: A palavra está próxima, na
tua boca, no teu coração, a palavra da fé, que pregamos. Assim diz a justiça da
fé, Portanto, Cristo, a salvação, a justiça está na Palavra. Esta Palavra está
próxima de todos. Esta Palavra está sendo pregada. Cremos nesta Palavra e a
movimentamos em nosso coração, e a confessamos com a boca. Assim Cristo, a
salvação, a justiça nos está próxima e se torna nossa pela fé. De forma
semelhante o apostolo escreve ao coríntios: Deus estava em Cristo, reconciliando
consigo o mundo, não levando em conta os pecados dos seres humanos e nos confiando
a palavra da reconciliação. Portanto, somos embaixadores em nome de Cristo,
como se Deus exortasse por meio de nós. Em nome de Cristo, pois, pedimos que
vocês se reconciliem com Deus (2 Co 5.19,20). A reconciliação, que Deus
trabalhou em Cristo, o perdão dos pecados, Deus colocou na Palavra, isto quer
dizer que a Palavra, o evangelho é a palavra da reconciliação. Pela Palavra,
que os mensageiros pregam, o evangelho da reconciliação, o perdão dos pecados é
difundido no mundo pecador. Jesus admoesta os pecadores pelos pregadores, para
que aceitem esta palavra, creiam nesta palavra e portanto na reconciliação,
para terem o perdão dos pecados.
4.
Onde o apóstolo Paulo trata da justificação pela
fé, ele liga muitas vezes estes dois
termos: promessa e fé. Quando ele
trata da promessa, ele não tem nenhuma outra coisa na mente do que a palavra do
evangelho. Lemos em Romanos: Essa é a razão por que provém da fé, para que
seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja garantida para toda a
descendência, não somente à descendência que está no regime da lei, mas também
a descendência que tem a fé que Abraão teve – porque Abraão é pai de todos nós
(Rm 4.16). Antes ele disse: Pois, se os da lei é que são os herdeiros, anula-se
a fé e cancela-se a promessa (Rm 4.14). Se a pessoa alcançou a herança
celestial pelas obras da lei, diz o apóstolo, então a fé e a promessa cairiam
por terra. A promessa é o contrário da
lei. A promessa não exige nada da pessoa, para que a pessoa faça algo, opere
algo para que seja justa e alcance a bem-aventurança, pelo contrário, na
promessa Deus promete por graça, de presente, livremente a bem-aventurança. O
que ele requer dos seres humanos é somente a fé. Mas a fé não é uma obra da
lei, mas o agarrar, tomar para si o que Deus lhe oferece. Não, não é pelas
obras, mas unicamente pela fé a pessoa recebe a justiça e bem-aventurança.
Assim também a promessa permanece firme e certa. Assim a promessa chega ao seu
direito e consistência, quando a pessoa põem de lado todas suas obras e confia
e aceita simplesmente o que Deus lhe oferece por graça. Todos os que creem
recebem pela fé a justiça prometida, a bem-aventurança. Por isso o apóstolo
Paulo afirma a respeito de Abraão que ele creu na promessa e não duvidou dela (Rm
3.20). Na carta aos Gálatas o apóstolo Paulo afirma a respeito da promessa da
fé que ela é mais antiga do que a ordem da lei (Gl 3.15ss.) A promessa feita a
Abraão fala do descendente que é Cristo (Gl 3.16), da justiça (Gl 3.21), da
herança (Gl 3.18). Neste conjunto lemos: Foi pela promessa que Deus a
concedeu gratuitamente a Abraão (Gl 3.18). Portanto, o que Deus prometeu em
Cristo, justiça e vida eterna, isto ele concede em sua promessa. E estes
presentes se tornam propriedade daqueles que creem. Os que creem têm o que a
promessa lhes oferece, dá e sela, justiça e bem-aventurança. Isto o apóstolo
afirma na frase final: A Escritura encerrou tudo sob o pecado, para que,
mediante a fé em Jesus Cristo a promessa fosse concedida aos que creem (Gl
5.22).
XIII
– Assim também ensinam as Confissões luteranas
1.
A Confissão luterana é também nesta parte um eco
fiel da revelação de Deus. A
Confissão de
Augsburgo trata no 4º Artigo Da Justificação e está intimamente ligado
ao 5º Artigo que trata Do Ofício da pregação do Evangelho e observa ali,
não somente que Deus dá pelo evangelho o Espírito Santo e gera a fé, mas
destaca que “naqueles que ouvem o evangelho, o qual ensina que temos, pelos
méritos de Cristo não pelos nossos, um Deus gracioso se o cremos” (CA, Artigo
5º). Portanto, a fé se apega ao evangelho e no evangelho encontra um Deus
gracioso. A Apologia da Confissão de Augsburgo destaca no 4º Artigo Da
Justificação que a fé se apega e permanece apegada à graciosa promessa do
Pai. “Que a fé significa não apenas notícia histórica, se não aquela fé que
assente à promessa, testifica-o claramente o apóstolo Paulo, que diz: Esta é
a razão por que provém da fé, a fim de que seja firme a promessa (Rm 4.16).
Julga que não se pode receber a promessa exceto pela fé” (Ap. IV, 50 ; LC p.
117). Por conseguinte é mister que a promessa de Cristo é necessária.
Entretanto, não se pode aceitar isto sem que seja pela fé” (Ap. IV, 70; LC p.
119, 120). A Apologia mostra ainda que a graça de Cristo está firmada no mérito
de Cristo e desta forma justifica a pessoa. Por isso, “toda vez, pois, que
falamos em justiça da fé, deve saber-se que concorrem esta três coisas: a
promessa, e essa gratuita, e os méritos de Cristo, como peço, e a propiciação.
A promessa é recebida pela fé; gratuito exclui méritos nossos, significando que
o benefício é oferecido apenas por misericórdia”. (Ap. IV, 53; LC p. 117).
Estas são, portanto, as três partes que estão sempre juntas. A fé que recebe a
promessa e recebe com isto aquilo do que a promessa fala, a graça de Deus, o
mérito de Cristo, que torna a pessoa justa. Por isso, a outra sentença afirma: “Esta
fé especial, pela qual o homem crê que os pecados lhe são remetidos por Cristo,
e que Deus é aplacado, e é propício, por amor a Cristo, obtém, portanto, a
remissão dos pecados e nos justifica” (Ap. IV, 45; LC p. 116). Isto é, com uma
palavra o perdão dos pecados, o qual recebemos pela promessa de Deus e a fé
nesta promessa. “Logo não se pode recebê-la a não ser pela fé somente. Pois
promessa não pode ser recebida senão unicamente pela fé. Na carta do apóstolo
Paulo aos Romanos lemos: Essa é a razão porque provém da fé para que seja
firme a promessa, segundo a graça (Rm 4.16). Como se dissesse: se isso dependesse
de mérito nosso, seria incerta e inútil a promessa, visto que nunca poderíamos
estabelecer quando é que o teríamos merecido suficientemente. E isso podem
entendê-lo com facilidade consciências peritas. “Diz, por isso, o apóstolo
Paulo em Gálatas: Deus encerrou tudo sob o pecado, para que mediante a fé em
Jesus Cisto fosse a promessa concedida aos que creem (Gl 3.22). Aqui nos
tira o mérito, porquanto diz que todos são réus e encerados sob o pecado.
Acrescenta, em seguida, que é dada a promessa, a saber, da remissão dos pecados
e da justificação, adicionando de que maneira pode a promessa ser recebida, a
saber, pela fé (Ap. IV, 84; LC p.123).
2.
A Fórmula de Concórdia mostra no Artigo 3:
“Da justificação da Fé Perante Deus”,
que
estes bens,
a graça de Deus, o mérito de Cristo, o Perdão dos Pecados, a Justiça que vale
diante de Deus, que é anunciada no evangelho e pela Fé que se apega ao
Evangelho, e assim aceita e atribuída a nós. Ela ensina: “Deus nos perdoa os
pecado, nos reputa por piedosos e justos e nos salva eternamente. Esta justiça
nos é oferecida pelo Espírito Santo mediante o evangelho e nos sacramentos, e
aplicada, torna-se nossa e aceita pela fé, de onde os crentes têm reconciliação
com Deus, perdão dos pecados, a graça de Deus, a adoção de filhos e a herança
da vida eterna” (FC DS III,16; LC p.581). A Fórmula de Concórdia confessa: “A
justiça da fé consiste exclusivamente no perdão dos pecados por mera graça,
tão só por causa do mérito de Cristo,
bens que nos são oferecidos na promessa do evangelho e são recebidos, aceitos,
aplicados a nós e tornados nossos unicamente pela fé” (FC DS III,39. LC p.586).
“Pois a fé justifica apenas porque, como meio e instrumento, apreende e aceita
a graça de Deus e o mérito de Cristo na promessa do evangelho” (FC DS X III,43;
LC p. 587). “Nem é a contrição, ou o amor, ou outra virtude, senão apenas a fé
o único meio e instrumento com que e por meio do qual podemos receber e aceitar
a graça de Deus, o mérito de Cristo e o perdão dos pecados, que nos são oferecidos
na promessa do evangelho” (FC DS III,31; LC p. 584).
3.
Queremos lembrar ainda uma citação de Lutero, Da
Liberdade Cristã, que cabe aqui:
“Quando,
pois, [a pessoa] aprendeu sua impotência por meio dos preceitos e já ficou
ansiosa quanto a como satisfazer a lei, visto que é necessário satisfazer a
lei, de sorte que nem um jota, nem uma letra sequer se passe (Êx 20.17), (caso
contrário) [a pessoa] será condenada sem qualquer esperança), então, realmente
humilhada e reduzida a nada a seus olhos, não encontra em si mesma aquilo pelo
qual possa ser justificada e salva. Neste ponto se faz presente a outra parte
da Escritura – as promessas de Deus, que anunciam a glória de Deus e dizem: “Se
queres cumprir a lei, não cobiçar, como exige a lei, crê em Cristo no qual te
são prometidas graça, justiça, paz, liberdade e tudo; se creres, terás; se não
creres, ficaras sem.” Pois o que te é impossível em todas a obras da lei, que
são muitas, e, assim mesmo, inúteis, isso cumprirás de modo fácil e resumido
pela fé. Porque Deus Pai depositou tudo na fé, para que quem tem a esta, tenha
tudo; quem não a tem, não tenha nada. “Pois encerrou todas as coisas sob a
incredulidade, para compadecer-se de todos” (Rm 11.12). Assim as promessas de
Deus dão de presente o que os preceitos exigem, e cumprem o que a lei ordena, para
que tudo seja exclusivamente de Deus, tanto os preceitos quanto seu cumprimento.
Só ele dá preceitos, só ele os cumpre; por isso as promessas de Deus fazem
parte do Novo Testamento, melhor, são o Novo Testamento (MARTINHO LUTERO, Obras
Selecionadas, Vol. ll, p. 440).
XIV – O grande consolo desta
doutrina
1.
Que doutrina consoladora! Temos a Palavra, o
evangelho. Isto nos é
continuamente
anunciado (pregado). Pesquisamos nela continuamente. Esta Palavra está próxima
da nossos ouvidos, olhos e boca, em nosso coração. Cremos nesta Palavra. Nós
nos apegamos a ela enquanto vivemos. Ela
nos acompanha e guia até a morte. Nesta Palavra temos tudo o que precisamos,
com que vivemos e morremos. Com ela, que nos anuncia a graça de Deus, o sangue
de Cristo, o mérito de Cristo, a justiça que vele diante de Deus, podemos
subsistir diante de Deus. Esta Palavra não é nossa própria palavra, ela não
procede de nosso coração, de nossos pensamentos humanos. Ela é a palavra de
Deus. O que Deus diz em sua Palavra e nos promete, de que ele nos é gracioso e
misericordioso, para tornar-nos piedosos e justos. Esta preciosa promessa do
evangelho é firme e imutável, mesmo que o diabo, o mundo e nossa própria carne
nos acusam e condenam. Esta palavra de Deus está acima e todas a vozes e
mutações de nossa vida. Ouvimos sempre a mesma voz. A voz cordial de nosso
Salvador, o veredito gracioso; perdoados são os teus pecados! Tu és meu filho
querido! Que nos apeguemos fielmente a esta Palavra, para sermos fortalecidos
na fé. Isto nos dará certeza de como estamos diante de Deus e como Deus está
para conosco, de que ele, por amor a Cristo não tem nada contra nós, pois pela
fé na graça e Cristo estamos diante de Deus no estado da graça.
2.
Nos artigos anteriores esclarecemos
detalhadamente o que significa a justificação da
fé. A fé é,
na justificação, um meio, somente um meio, pelo qual recebemos a graça e
misericórdia de Deus, o mérito de Cristo, sua obediência e justiça, que vale
diante de Deus, o perdão dos pecados. Pela promessa do evangelho, na qual nos
são dados e aplicados todos os graciosos dons de Deus, que aceitamos pela fé.
Só por isso, por aceitarmos pela fé a justiça que vale diante de Deus, somos
justos diante de Deus. Queremos mais uma vez, de forma reduzida mostrar o que
aprendemos a respeito disto da Escritura e das Confissões e ver a forma e
natureza da fé que justifica para nos firmar na correta compreensão da fé.
XV - A correta compreensão da fé
1.
A fé “não nos justifica, por ser nossa e nossa
obra. A fé é o oposto a todas as obras da
lei. A lei
exige que o ser humano faça algo a Deus e não requer somente obras exteriores,
mas que o ser humano tema e ame a Deus de todo o seu coração, e entregue seu
coração como sacrifício a Deus. No trato da justificação, da qual fala o
evangelho, trata-se de algo bem diferente. No evangelho Deus não exige nada do
ser humano. No evangelho Deus abre ao ser humano, que não cumpre as exigência
de Deus, que não consegue oferecer algo a Deus, a este ser, Deus abre seu
coração paterno e mostra ao pecador sua graça. No evangelho Deus mostra que
perdoa, ao pecador condenado, gratuitamente todos os seus pecados por amor a
Cristo e lhe concede vida em comunhão com Deus e a bem-aventurança. No evangelho
Deus oferece ao indigno pecador a justiça que vale diante de Deus. E a pessoa
que crê na palavra de Deus, crê e aceita o que Deus lhe alcança, ela o tem.
Esta pessoa não deu, antes, nada a Deus que pudesse ser lhe recompensado. Esta
pessoa, em nenhum momento é compromissada por Deus. Deus não lhe coloca nenhuma
condição. O pecador que nada tem e não é capaz de fazer nada para sua justificação
diante de Deus, que carece de tudo e não tem qualquer honra diante de Deus,
aceita com gratidão e alegria a salvação que Deus lhe preparou, oferece e dá.
Neste respeito, Deus fez e faz tudo sozinho: salvou, oferece e dá, opera e
mantém a fé. A fé se apega a esta obra e se consola com o que Deus lhe fez e lhe
dá.
2.
Na verdade, dizemos que o evangelho requer que
creiamos. Assim lemos também na
Apologia que
a promessa requer a fé. A fé precisa se
apegar ao evangelho, para podermos ser participante destas bênçãos do
evangelho. Quem não aceita o dom do evangelho, antes o rejeita, não tem parte
no evangelho. Esta é a exigência de Deus no tempo do Novo Testamento: Creiam no
evangelho. Esta é a sincera vontade de Deus. Mesmo assim não é uma exigência em
forma de lei. A exigência para que o pecador creia, flui do evangelho, é o
próprio evangelho. Creiam no Senhor Jesus Cristo. Creiam no evangelho. Esta é a
mais forte e consoladora promessa que podemos imaginar. Creiam em Cristo.
Creiam no evangelho. Com isto Deus não diz: Eu fiz tudo, agora façam pelo menos
esta obra, e creiam. Todas outras obras e realizações eu deixo de exigir de
vocês. Eu estrei contente, se vocês fizerem esta única obra por amor a mim,
creiam. Creiam no evangelho. Isto não é exigir de mais de vocês. Não, não é
isto que significa a promessa creia no evangelho. Com isto Deus está dizendo: Eu fiz tudo por
vocês, você não precisam fazer. Eu vos dou tudo de livre vontade, de presente,
o que vocês não conseguiriam conquistar com nenhuma obra, a saber perfeita
justiça, está eu estou dando a vocês. Está tudo pronto. Vocês só precisam tomar
e se apegar ao evangelho. Aqui você tem a graça de Cristo, perdão, justiça,
consolo paz e bem-aventurança. Tomem, peguem, agarrem o com duas mãos, comam,
bebam. A salvação está diante da porta. A Palavra está tão perto de vocês. Vocês
a tem diante dos olhos e nos ouvidos. Creiam à Palavra, a salvação está ao
alcance de vocês. Quem o crê de coração,
e o confessa com a boca, este é justificado e bem-aventurado. De fato, isto é o
evangelho, a poderosa promessa de Deus. Com tais palavras Deus oferece aos
pecadores sua graça e insiste com elas para que creiam.
3.
De fato, a fé, o crer e tomar não é alto
exterior. Coração e vontade da pessoa entram
em ação. A
fé que justifica e é confiança e certeza de coração. Mesmo assim, esta confiança
não é uma obra da lei, não é obra no sentido como a lei a exige. Quando a
pessoa faz uma obra em cumprimento da lei, ela oferece algo que ela deve a
Deus. Também o temor e amor a Deus, a parte mais nobre da obediência da lei, é
um sacrifício do coração que a pessoa faz a Deus. Quando, no entanto, a pessoa
crê no evangelho, ela não faz um sacrifício a Deus, não faz algo em serviço,
que ele deve a Deus. Não! Pelo contrário, a pessoa abre seu coração a Deus, e
recebe, em seu coração, de Deus, a Cristo, a graça de Deus, o mérito de Cristo,
a justiça de Cristo. A fé, esta confiança afirme, alegre do coração, não é uma
obra própria, que tem seu valor e valia. Não! A fé recebe e pega a obra de Deus
e o presente de Deus, que é o único que tem valor diante de Deus. Nós confiamos
de coração na graça e misericórdia de Deus, nós depositamos no mérito e na
obediência de Cristo toda confiança e temos certeza de que Deus, em Cisto, nos
perdoa todo os pecados e nos justifica. Construímos nossa vida e esperança
nesta promessa de Deus. Isto é a fé. No momento em que tiramos aquilo à que a
fé se apega, no momento em que rejeitamos o evangelho, a promessa da graça e
Cristo, o perdão dos pecados, também a nossa confiança cai e perdemos a fé.
4.
O evangelho torna a fé possível. Pelo evangelho
o Espírito Santo gera, opera e mantém
a fé. O
evangelho nos revela a justiça que vale diante de Deus. O evangelho do perdão
dos pecados é uma nova doutrina, uma nova revelação, que não tem nada em comum
com a revelação da lei, a qual não gera a fé. O evangelho é muito superior à
lei. Assim também a fé, que se apega ao evangelho e com isso à justiça que vale
diante de Deus, é algo novo, especial, algo bem diferente do que qualquer obra
da lei. Visto que o evangelho é proclamado no mundo, surge por ele também a fé
no mundo. Pelo evangelho Deus revela sua graça, o perdão às pessoas, assim
revela e opera ao mesmo tempo a fé, pela qual a pessoa se torna participante da
graça. Deus derramou no mundo, pelo evangelho, a abundância de sua graça, para
que os pecadores possam desfrutar esta bênção. Para isso Deus providenciou um
meio pelo qual puderam receber esta abundância da graça, a saber a fé. Assim a
fé está totalmente na esfera do evangelho. A fé em Cristo é algo único em sua
forma, diferente de obras, do agir das pessoas. A Apologia destaca que nenhuma
obra, mas unicamente a fé abraça a promessa da graça. Lutero escreve: “Se tu
juntasses todas a tuas obras, sim, juntasses a elas todas a outras obras do
mundo, mesmo assim ainda não terias Cristo e não serias um cristão. Cristo é
algo bem diferente e superior do que a lei e ordem humana. Ele é o Filho de
Deus que está pronto a dar, mas não a receber. Se estou apto a recebê-lo, eu o
tenho, então sou chamado de cristão”. (St. Louiser Ausgabe, XI, p. 1838).
Este tomar é a fé.
Este tomar é a fé.
5.
O apóstolo Paulo trata da justificação em sua
carta aos romanos e escreve: Abraão,
esperando
contra a esperança, creu, para vir a ser pai de muitas gerações, segundo lhe
havia sido dito: “Assim será a sua descendência.” E, sem enfraquecer na fé,
levou em conta o seu próprio corpo já amortecido, tendo ele quase cem anos, e a
esterilidade do ventre de Sara. Não duvidou, por incredulidade, da promessa de
Deus; mas pela fé, se fortaleceu, dando glória a Deus, estando plenamente
convicto de que Deus era poderoso para cumprir que havia prometido. Assim,
também isso lhe foi atribuído para justiça (Rm 4.18-22). Abraão recebeu a
promessa de Deus, de que sua descendência seria numerosa como as estrelas do
céu, como a areia do mar. Ele seria pai de muitos gentios. Desta numerosa
descendência, ele não viu, no tempo de sua vida, nem o menor sinal. Ele não
tinha filhos. Conforme a natureza humana, nem poderia esperar mais o nascimento
de um filho, pois seu corpo já havia amortecido, como também o corpo de Sara,
sua esposa. Ambos já eram avançados em
idade. Mas, conforme sua fé, Abraão creu, mesmo contra a esperança. Ele não
olhou para sua impossibilidade, nem a de Sara, mas dirigiu seu olhar firmemente
à promessa. Coração, pensamentos e seus sentimentos estavam firmados e
convictos, sem duvidar que Deus poderia fazer o que prometeu. Assim, Abraão
deu, pela fé, a honra a Deus, rejeitando seu próprio raciocínio e se firmou
unicamente na promessa de Deus. Sua fé foi lhe atribuída como justiça. Ele
confiou plenamente em Deus, deixando Deus agir e operar a seu tempo. Promessa
esta que apontava para Cristo e a salvação.
6.
O apóstolo Paulo chama atenção em Romanos 4.23ss
de que o que foi dito a Abraão, é
tido a nós
que cremos em Cristo, o crucificado e ressuscitado. Do exemplo de Abraão nós
devemos aprender, o que é a verdadeira fé. Isto é, como mostra o exemplo de
Abraão, a forma da fé de Abraão, para que não duvidemos daquilo que não se vê,
do que creiamos, naquilo que, conforme a natureza, nada temos a esperar, para
deixarmos o mundo visível fora de nossos olhos. Esta é a natureza da fé que
justifica. Esta fé não olha para sua própria pessoa, da própria capacidade, da
própria indignidade. Esta fé é algo peculiar e maravilhoso. A fé está no próprio
eu. É um movimento do coração e de nossa vontade. Nós somos os que cremos. Mas,
ao crermos, negamos a nós mesmos, a nossas própria experiências, nossa própria
consciência. Porque não vemos, nem achamos nada de bom e útil em nós, só
fraquezas, incapacidade, pecado, culpa e transgressões. Não podemos negar que
pecamos diariamente. Nossa consciência nos acusa diariamente. A experiência nos
ensina que somos incapazes para fazer o bem. Nisto, no entanto, se mostra a
verdadeira fé, que não olha para dentro de si mesmo, para sua fraqueza, pecado,
culpa, pois também nossa justiça própria é falha. De tudo isso temos que
afastar nossos olhos e dirigi-los em outra direção. A fé olha para outro lugar,
além de nós e se apega a Cristo.
7.
A fé olha para cima, para Deus que nos deu a
promessa, como aprendemos de Abraão.
A fé se
apega à promessa do evangelho. Ela constrói e confia contra sua natureza, sua
razão e o testemunho de sua própria consciência, e se apega somente à graciosa
promessa de Deus e dá toda honra somente a Deus. Esta é a natureza da fé: o
apegar e agarrar-se as coisas invisíveis deste mundo. Esta é a natureza da fé
que justifica que se estende a Deus e
abraça a graça, a promessa da graça, o evangelho e se mantém apegado a elas sob
todas e quais quer situações. Esta é a verdadeira fé. Que nós, assim como
somos, sem medo e em receios nos atiramos nos braços da graça, da misericórdia
de Deus, nos cobrirmos com a graça, ela é nosso escudo. Vivemos da e na graça,
firmados nela na vida e na morte. Esta é a verdadeira fé que se apega a Cristo,
recebe Cristo em nosso coração. Nossa alma está totalmente coberta pelo sangue
de Cristo, seu mérito e sua justiça. Estamos totalmente em Cristo, somos uma só
pessoa com ele, sim, membros do seu corpo. Tudo o que é dito de Cristo, a fé se
apropria, de tal forma que estamos diante de Deus como Cristo, justos e santos,
como se fossemos Cristo. Isto é a fé verdadeira. Quando os pecados nos ferem e
doe, nós nos refugiamos no artigo do perdão dos pecados e buscamos refúgio na grande
palavra do Credo Apostólico: “Creio na remissão dos pecados”. Colocamos esta
palavra diante de nossos olhos e em nosso coração. Esta verdade sufoca o
sentimento e a consciência do pecado.
8.
Esta é a verdadeira fé cristã que toma o
evangelho de Cristo, a preciosa promessa que
nos promete
graça, consolo, paz e bem-aventurança. Esta promessa mantemos diante de nossos
olhos e em nosso coação, na mente e nos pensamentos. Nesta promessa nós nos
aprofundamos, para que a alma fique cheia dessa palavra do evangelho. Lutero
disso: “Somos mudados pela Palavra. Libertados pela Palavra e feitos piedoso,
justo, alegre e bem-aventurado. Pela fé, nós nos tornamos uma massa, um bolo
com Cristo. A fé nos torna, duma maneira única e especial, para receber Cristo.
Isto é a parte especial, maravilhosa na fé, de nos apropriar e receber algo que
está fora de nós, a saber, a palavra da justiça. Uma justiça que vale diante de
Deus, uma justiça alheia, e isto de forma que esta justiça se torna nossa propriedade.
Assim, a fé, como diz a Escritura, dá a Deus a honra, de tal forma, que a fé
não quer saber de outra coisa do que de Deus, de Cristo, do que Deus fez e faz
por Cristo e nos dá de presente. Também quando uma pessoa cumpre os mandamentos
de Deus, e faz o que Deus exige dele pela lei, ela honra a Deus. Mas tal
cumprimento é de uma forma bem diferente e em outro sentido do que quando damos
a honra a Deus ao crermos, quando reconhecemos e prezamos e nos alegramos e
consolamos com aquilo que Deus nos fez e oferece. Assim a fé nos é atribuída
como justiça, assim nós somos justos pela fé, ao deixarmos a graça de Deus soar e agir, e aceitamos a
justiça de Cristo que nos é dada pela Palavra.
9.
Esta justiça da fé, da qual falamos, que não
olha para si e sua indignidade, mas se
apega à
graça de Deus, é um milagre. Esta fé não brota da própria natureza, do que a
pessoa pensa e quer. É Deus que aqui faz tudo. É Deus que gera e mantém a fé no
coração pelo evangelho. Esta pergunta, no entanto, de onde a fé vem, como ela
surge cabe ao artigo da conversão, que não analisamos aqui. Confira a
explicação de Lutero do terceiro artigo do Credo Apostólico.
10.
Aqui, no artigo da justificação, mantemos uma
coisa, que é Deus que nos justifica. A fé
nos
justifica. Mas isto significa como vimos: Deus nos justifica. A fé aceita a
justificação de Deus que é alcançada na Palavra, a saber, a justificação que
vale diante de Deus. Quando um pobre pecador, que nada tem, recebe esmolas e
vive somente de esmolas, então, o benfeitor que dá a esmola é o único que
mantém este pobre pecador. Seria ironia e escárnio se quiséssemos dizer que o
pobre também está fazendo algo, pelo fato de aceitar a esmola e com isso ele
está contribuindo com algo para se manter. Assim estamos para com Deus. Nós aceitamos,
como pobres pecadores, a graça de Deus, graça sobre graça, perdão e justiça.
Com isso, está excluído qualquer cooperação ou honra nossa. É Deus que nos
justifica. Ao crermos e aceitarmos tudo de Deus, estamos dizendo: Senhor, não a
nós, mas unicamente ao teu nome, ó Deus, cabe toda a honra e glória, somente à
tua graça e verdade. Amém.
Fonte: Der
Lutheraner, vol. 44, de 1888, de março a maio. Georg Stöckhardt.
Bíblia usada
– Nova Almeida Atualizada
Tr. Horst R. Kuchenbecker
São Leopoldo, 20/08/2019
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