quarta-feira, 27 de julho de 2016

500 Anos da Reforma Luterana - VI

VI - A ideia de celebrar a Reforma?

      Para Lutero, o dia 31 de outubro, foi um árduo dia de trabalho. Ao meio-dia fixou as 95 teses na porta do Castelo de Wittenberg [1]. À noite pregou na igreja do Castelo sobre as indulgências. Nem imaginavam em que tudo isso iria dar. Mas deve ter ido dormir com a sensação de dever cumprido.
     Dez anos depois, no dia 1 de novembro de 1527[2], Lutero reuniu seus amigos e lhes disse: Hoje é um dia de gratidão a Deus por ter-nos guiado e dado forças para escrever e afixar as teses, e por tê-las abençoado tão ricamente. (Tischreden) A partir dessa data começou-se a celebrar a Reforma.  
     Vamos rever, mesmo com brevidade, as celebrações nos diversos centenários, seu fundo político, seu quadro religioso e as celebrações.

          6.1 -- O primeiro centenário, 31 de outubro de 1617
     O quadro político do primeiro centenário era sombrio. A guerra dos 30 anos (1618 a 1648) estava por eclodir. As forças políticas, com muitos rumores, já estavam se movimentando. Os fiéis estavam com medo do que viria. Muitos haviam abandonado os princípios da Reforma. Por parte dos católicos se ouvia: Os Luteranos não têm nada a festejar; eles deveriam se arrepender e voltar à igreja mãe.
     Mesmo assim, os cristãos fiéis aos princípios da Reforma promoveram uma grande celebração. Celebração de gratidão pelo Jubileu da Reforma, o que incluía também a lembrança da entrega da Confissão de Augsburgo, em 25 de junho de 1530.
     O Der Lutheraner[3] de outubro de 1917 publicou um resumo, do qual extraímos esses dados.
     Por ordem de Johann Georg I, Eleitor da Saxônia de 1611 a 1656, os professores da Universidade de Wittenberg reuniram todos os sermões e palestras dos festejos do 1º Centenária da Reforma Luterana celebrado em Wittenberg, num livro de  427 páginas, sob o título: Christliche Jubelpredigten der Theologen zu Wittenberg, que em sua 2ª parte, de 150 páginas, contém três palestras dos professores: Balduin, Franz e Meisner proferidos na festa na Universidade nos dias 3,4, e 6 de novembro de 1516, em latim. E um poema para a festa de 15 páginas, também em latim.
      Este 1º Centenário da Reforma Luterana foi celebrado também em Jena, por Johann Gerhard, em Ulm, por Konrad Dietrich, que proferiram os sermões jubilares, que foram impressos na época.
     O Eleitor Johann George, havia ordenado três dias de festa, Sexta feira, Sábado e Domingo. Vale apena ler o livro publicado em Wittenberg.
         Dia 26/10, domingo à tarde, para introduzir os festejos, o Dr. Hunius pregou sobre o Salmo 100: Como devemos nos preparar para festejar esta data de forma correta e cristã.
        Dia 30/10, quinta feira, à base do evangelho do 19° domingo de Trindade: A verdadeira razão da Festa e o que pode ser argumentado contra ela, do Superintendente, Balduin.
        Dia 31, sexta feira, o Reitor, professores e doutores da Universidade se reuniram no mosteiro, às 6h da manhã, foram em procissão até a igreja do Castelo, o povo se ajuntou a eles. Esta igreja do Castelo, chamada“Igreja de todos os Santos”, foi construída em 1353. Dr. Franz pregou sobre Daniel 12. Falou sobre a bênção desta grande graciosa obra da Reforma. – Dali seguiram para a Igreja “Sta. Maria” da Cidade (Pfarrkirche). Ali, ainda na parte da manhã, o Dr. Balduin pregou também sobre Daniel 12. Falou sobre: O que o Espírito Santo anunciou muitos anos antes da Igreja Papal de Roma. À tarde, na mesma igreja o Dr. Meisner pregou sobre o Salmo 76. Este venerável teólogo e ancião tinha muito a dizer. Sua pregação foi de 55 páginas. É uma caixa de tesouro da verdadeira doutrina. Seu tema: “A que estado bem-aventurado a Comunidade de Deus foi elevada pela bênção da Reforma”.
       1º de Novembro. Neste sábado, às 6h, o Dr. Franz pregou sobre Apocalipse 14,6,7, na Igreja do Castelo. Ele falou da graciosa obra de Deus pela Reforma, do Dr. Martinho Lutero. A isto seguiu-se, ainda na parte da manhã o culto na Igreja da cidade. O Dr. Balduin pregou sobre o mesmo texto, Ap 14.6,7: A santa obra da Reforma, como ela aconteceu sob a ordem de Deus. À tarde na Igreja da Cidade pregou o Dr. Meisner sobre o Salmo 87. Tema: A Igreja evangélica luterana e seu maravilhoso crescimento.
       2 de novembro. – No terceiro dia de festa, Domingo, 02/11, foi realizado o culto, às 6h, na Igreja do Castelo. O Dr. Franz proferiu o sermão sobre Apocalipse 17.1-6. Tema: A sede de sangue da Igreja Católica e sua fúria. Mas sob a graça de Deus a Igreja da Reforma foi preservada. Segui-se, ainda na parte da manhã, o culto na igreja da Cidade, na qual pregou o Dr. Balduin sobre Apocalipse 14.8-12, sob o tema: Como a Reforma, esta obra de Deus foi preservada, do tempo de Lutero até hoje. Á tarde, o Dr. Hunius pregou sobre Josué, capítulo 24. Ele acentuou: Ouvimos nestes dias a história da Reforma Luterana.  Louvamos a Deus por isso. Com oração fervorosa pedimos a Deus que nos assista por sua graça para preservar este tesouro, para que não o neguemos, que não nos rejeite de sua presença, mas nos fortaleça.
     Em resumo podemos dizer que os destaques foram: 1) É uma festa para relembrar os grandes feitos de Deus; 2) uma festa de louvor e agradecimento a Deus pela restauração do evangelho; 3) uma festa para lembrar este grande milagre da luz nas trevas;  4) uma festa de oração, na qual pedimos que Deus nos conserve sua Palavra; 5) uma festa de arrependimento na qual pedimos perdão pelo desleixo para  com sua Palavra, para que Deus, em sua bondade, nos conceda vida nova, fervor, devoção e apego a sua Palavra, para sermos operosos praticantes, então haverá também júbilo no céu. (Lc 15.10) Estes temas tornaram-se padrão para as festas futuras.    
    

6.2– O segundo centenário, 31 de outubro de 1717
     Há relativa paz política. Cansados das disputas teológicas, surge o iluminismo, a filosofia do Esclarecimento de Immanuel Kant[4]. Em contraposição, surge também o movimento do pietismo dePhipilp Jacob Spener (1635 a 1705) que teve muitos seguidores. Seu tema principal: Em vez de disputas teológicas, importa a teologia prática, a vivência cristã. Ao mesmo tempo, temos Johann Sebastian Bach (1685 a 1750), que, com suas cantatas bíblicas, promove a verdade bíblica.
     Em toda a parte, houve grandes festividades por ocasião deste segundo jubileu.  Na Alemanha temos o rei Frederico II, o Grande, (1712-1786) que impulsionou a filosofia, a arte e expressou seu desejo de unir luteranos e reformados. Idéia essa que foi acentuada por seus seguidores. Na época,Valentin Ernst Löscher, teólogo ortodoxo luterano, uma grande luz, advertiu os luteranos contra as idéias do Pietismo que vieram da Inglaterra para a Holanda e agora invadiam a Alemanha. Ele escreve: Que cristianismo é esse que vem da Inglaterra via Holanda para a Alemanha, que despreza a doutrina, não compreende mais os sacramentos, nem a Igreja que querem renovar, a qual, no entanto, eles estão destruindo.  Ao pietismo seguiu-se, como muitos já haviam previsto, o crasso racionalismo. Ele teve seu início com René Descartas (1596 – 1650) e sua teoria de que a dedução é o melhor método. Esta teoria floresceu na Alemanha com Friedrich Hegel (1171 – 1831), desembocando no comunismo.[5]
     Este segundo centenário se destacou por seus hinos. Martim Rinckart, 1636, compôs o hino: Nun danket alle Gott (Daí graças ao Senhor (HL 150) O rei Frederico mandou reunir todos os programas e pregações, bem como hinos num livro que recebeu o título: Hilaria evangélica (Alegre festa evangélica). Cada Comunidade deveria festejar essa data em sua Igreja. Depois foram programadas grandes e pomposas festas nas principais cidades. As publicações com respeito à festa surgiram um ano depois.
     Também houve festas na Dinamarca, Suécia, Áustria, Hungria, Polônia, Riga, Genova, Inglaterra e Holanda.  
      Os festejos também foram acompanhados pelo triste problema da divisão entre luteranos e reformados, devido a doutrina da Santa Ceia.  Isto se mostrou claramente no sermão festivo daquele ano, proferido pelo prof. de religião e teólogo ecumênico, Abraão Scultetus, que disse:
“Admiro que nossos irmãos, os chamados luteranos (eles são nossos irmãos, se quiserem ou não), pois há anos a doutrina da Santa Ceia foi explicada de forma clara e precisa em escritos e sermões. Eles, no entanto, não querem entendê-lo, pois a loucura da “Presença Real” na Santa Ceia, no pão e no vinho, é a pedra angular sobre o qual repousa todo o arcabouço católico”.[6]
     Os reformados oferecem aos luteranos a comunhão na Santa Ceia e ao mesmo tempo afirmam que a doutrina da presença real não é bíblica. Sermões como estes entristeceram os fiéis.  


6.3 - O terceiro centenário, 31 de outubro de 1817
     Falar do ano de 1817 como ano festivo do 3º Centenário da Reforma Luterana, nos entristece. Houve, na Europa e seus países vizinhos, cultos isolados num e noutro lugar. Quem, no entanto, começou a festejar foi oracionalismo.
     Ao estudarmos a história desse período, dá vontade de entoar Lamentações.  A Reforma luterana perdeu sua glória, sua corroa jazia no pó da história, vencida pelo racionalismo. A razão humana se elevou acima da Escritura e dominava. Seus pastores, doutores e mestres, seus líderes guiados pela razão, o espírito da época se afastavam mais e mais da verdade. Sião estava deitada em cinzas, sua harpa silenciou, de seus corações brotam lamentações (Lm 1.12).
     Como foi possível chegar a esse ponto? Pelo pietismo a razão se infiltrou na igreja. Pietismo e racionalismo têm a mesma base: a santificação em primeiro lugar e doutrina em segundo. Isto levou a um indiferentismo em relação às Confissões.  A orgulhosa razão não se conteve com uma posição de serva, mas exigiu seu direito à casa, a de ser senhora. Ela exigiu o direito de determinar que doutrinas devem valer na igreja. Assim aconteceu que ela se voltou para as doutrinas do pietismo.
   O pietismo não queria esse desfecho. Foram eles, no entanto, que lançaram esta semente que brotou e se expandiu, sufocando as preciosas verdades bíblicas. O racionalismo se manifestou também no luteranismo. De início, de maneira temerosa que, com o tempo, foi ganhando força. Finalmente, levantaram-se pessoas sem escrúpulos que, empenhando a bandeira da liberdade, romperam os laços da fé e da confissão. “Iluminismo” foi sua palavra chave na metade do século 18. Em nome de “Iluminismo”, levantaram sua voz. As pessoas ficaram como que embevecidas e elogiaram esta nova luz que começou a brilhar. Os professores nas universidades, a brilhante ciência, os líderes da literatura, os heróis da filosofia estavam ombro a ombro no combater à Bíblia e às Confissões luteranas.
    Só para citar um exemplo. O pastor Carl M. Zorn, filho de pastor luterano, foi estudar teologia em Leipzig. Seu professor foi o grande exegeta liberal Dr. F. DelitzschZorn formou-se em 1870. No seu ano de prática recebeu a classe de confirmandos que trouxeram sua Bíblia, seu Catecismo e seu Hinário. Ele ficou surpreso e lhe disse: Isto podem deixar em casa, pois já está superado. Nós vamos ter maravilhosas aulas sobre o Universo. Para encurtar a história, a comunidade ficou chocada ao ouvir as novas do estagiário. Mas com paciência, oração, conselhos comedidos do pastor aposentado, levaram o estagiário à reflexão. Sim, a Comunidade o converteu de volta à Bíblia e ao Catecismo. Após ser missionário na Índia, ele foi um excelente pastor na Igreja Luterana Missouri. Naquela época o pastor C.F.W. Walther e outros foram proibidos de batizar em nome do Deus triúno e deveriam fazê-lo pelo trinômio da revolução francesa:  Igualdade, liberdade e fraternidade. 
    Nem todos se deixaram empolgar por esta onda do iluminismo. Sempre houve um pequeno grupo de servos na igreja que ficaram fiéis à Bíblia e Confissões. Sofreram. Pastores foram depostos de seus cargos. Alguns preferiram procurar uma nova pátria na qual pudessem adorar e confessar sua fé em liberdade. Esse foi o caso dos saxões que emigraram para os Estados Unidos da América.[7] Na Europa o número de pastores fiéis foi diminuindo. A verdade: Cristo Jesus, o qual se nos tornou da parte de Deus sabedoria, e justiça, e santificação e redenção (1 Co 1.30), tornou-se cada vez mais rara nos púlpitos.  Os pastores trabalharam somente para melhorar a moral.
    As conseqüências disso não se fizeram demorar. As igrejas ficaram vazias. A vida imoral floresceu. Em lugar de reconhecerem seu erro, eles atribuíram o fracasso do iluminismo ao resto da crendice e da fé que ainda estava no povo. Por isso riscaram todos os artigos de fé: Trindade, pessoa de Cristo, Justificação, Juízo final, etc. A confissão do iluminismo se restringiu a três pontos: Deus, virtude e imortalidade.  Afirmaram: Cabe a nós, pessoas esclarecidas, examinar tudo para ver o que Jesus realmente disse. Jesus, o sábio de Nazaré, filho de sua época, estava preso a vários preconceitos de sua nação, como homem culto adaptou-se a seus conterrâneos. Prever coisas do futuro, a razão sabe que não existe. As profecias precisam ser interpretadas conforme os acontecimentos da época. Também milagres não existem. Nossos exegetas mostraram que os milagres eram procedimentos naturais.  
    O iluminismo precisava ser difundido também entre o povo e quem se opunha era deposto. Por isso começaram a modificar o Hinário, tirando dali confissões, doutrina e a verdade sobre a existência do diabo. O Catecismo Menor de Lutero também era um espinho nos olhos do iluminismo, por isso fabricaram um Catecismo novo, que enaltecia as virtudes e algumas boas obras. Este Catecismo, após alguns anos, foi esquecido. A direção da Igreja, os Consistórios, cuidaram para que pastores fiéis à Bíblia e às Confissões, não recebessem chamados.
      Naquela época a Alemanha era governada pelo rei Frederico Guilherme III (1797 a 1840).  Este rei decretou no dia 27 de outubro de 1817 a união entre luteranos e reformados em seu reino, conhecida até hoje como a União Prussiana, à qual muitos luteranos aderiram, por motivos dos mais diversos. Para compreendermos o que levou o rei Friedrich Wilhelm III a decretar a união, precisaríamos rever o cenário político e religioso daquele tempo, para o que não temos espaço aqui. Vejamos, no entanto, alguns fatos e os escritos do seu decreto da união, para compreendermos o espírito que reinante na época.


Fatos políticos
     A Europa foi muito devastada pela Guerra dos Trinta Anos (1618 – 1648), na qual os católicos queriam exterminar os luteranos. Nesta guerra morreu o Rei da Suécia, Gustav Adolf (1594 – 1632), também o pastor poeta Paul Gerhard foi perseguido (1607 – 1676). Após isso surgiu na Europa um desejo de união, política e religiosa, especialmente entre reformados e luteranos. O primeiro passo foi dado pelo eleitor Friedrich Wilhelm II, o Grande (1712 – 1786). Precisamos lembrar aqui que a Alemanha ainda não era constituída como uma nação, mas dirigida por eleitorados. Muitos aderiram, mas os luteranos confessionais, comprometidos com o Livro de Concórdia não aceitaram o convite. 

O Imperador Friedrich Wilhelm III (1793 – 1840)
     O imperador Friedrich Wilhelm III, decretou a União Prussiana.  Vejamos a proclamação do dia 27 de outubro de 1817. Lemos ali:
     Meus antepassados, que já descansam em Deus, o leitor Johann Sigismundo, o eleitorGeorge Wilhelm, o grande, e o rei Friedrich Wilhelm I tentaram com santa sinceridade unir estas duas igrejas protestantes, a reformada e a luterana, para uma Igreja Evangélica Cristã em nossos Estados. Honrando suas santas intenções, uno-me a eles, neste santo desejo e obra, que naquele tempo, devido ao infeliz espírito sectário, esbarraram em dificuldades intransponíveis. Espero encontrar agora compreensão melhor que afaste as coisas externas (sic!) e dê atenção às coisas principais do cristianismo, a respeito das quais as duas confissões são unânimes e retenham o essencial para a glória de Deus e o bem da igreja cristã.
Nos meus Estados, eu encontrei boa receptividade para isso e espero concretizá-lo, dando com isso início às festividades seculares da Festa da Reforma. A união dessas duas corporações cristãs religiosas, só divididas por questões externas, corresponde às primeiras intenções dos reformadores. Ela está no espírito do protestantismo. Ela é salutar à piedade. Ela será fonte de muitas outras bênçãos que, devido às diferenças confessionais, até aqui, emperram a melhoria das congregações e escolas.  
Esta união tão desejada e tantas vezes tentada em vão, pois os reformados não aceitam os luteranos e os luteranos não aceitam os reformados, quando ambos deveriam se unir e formar uma só igreja evangélica cristã, no espírito de seus fundadores. Não vejo nenhum impedimento ou motivo razoável para a separação, se ambas as partes num sincero e verdadeiro espírito cristão quisessem agir. Disso resultaria um digno louvor que nós devemos à providência divina que nos deu a bênção da Reforma. Na lembrança desta obra deveríamos honrar efetivamente a união. Deveríamos honrar a lembrança desta obra pelo concretizar a união.
No entanto, por mais que eu o desejo que reformados e luteranos compartilhem comigo esta salutar convicção, em respeito a seus direitos e sua liberdade, não me cabe impor isso ou ordenar algo. Pois esta união só terá verdadeiro valor se nem o indiferentismo nem a presunção participarem dela, se ela brotar da livre e própria convicção e não simplesmente por uma união exterior, se ela for uma união de coração, ancorada nos princípios bíblicos e na força desses princípios.
Assim como eu quero celebrar a Reforma nesse espírito, na união da comunidade luterana, como uma comunidade cristã e ir à Santa Ceia, assim espero, que esse meu exemplo seja benéfico e encontre seguidores no espírito e na verdade. Eu deixo isso á liberdade e à sábia condução do Consistório, ao piedoso fervor dos guias espirituais e seus Sínodos, para encontrarem a formulação exterior para aprovação unânime, convicta de que as congregações a seguirão no verdadeiro e sincero espírito cristão. E que em toda a parte onde se olhar sinceramente, sem segundas intenções para o essencial e a grande causa da Escritura, ali se encontrará com facilidade a fórmula, ali brotará o exterior do interior de forma simples e digna por si próprio. Desejo que este momento não esteja mais longe, onde sob um pastor comum, todos na mesma fé, no mesmo amor e uma esperança se unam para um só rebanho.

 Uma nova Agenda (Ordem de Culto)
     Uma nova Agenda, em cuja elaboração o piedoso rei participou com todo fervor, trouxe, por estar baseada no bom modelo da liturgia antiga, nova vida ao culto. Mas ela encontrou rejeição por parte de luteranos confessionais, que temiam por sua Confissão, tanto por parte da União como por parte da Agenda.  Por isso a Agenda foi reeditada em 1829 com modificações e acréscimos. O rei baixou a seguinte ordem em 28 de fevereiro de 1834:
Fiquei com justiça, profundamente chocado que por parte de alguns adversários da paz eclesiástica, devido a interpretações errôneas e opiniões erradas com relação ao objetivo da União e da Agenda a união não alcançou seus objetivos completos.
A União não tem por finalidade a abolição da atual confissão de fé, nem da autoridade que a duas Confissões, a luterana e a reformada, possuem. Pelo apoio à união só visamos expressar o espírito de moderação e brandura em relação às diferenças em alguns pontos doutrinários, para não serem mais motivo para a separação.
A participação na União é de livre decisão de cada congregação ou igreja. É um erro pensar que a introdução da nova Agenda esteja vinculada à entrada na União ou indiretamente concretizada pela aceitação da mesma. A participação na União depende da livre adesão de cada um. A Agenda está relacionada com a União somente no sentido de que a ordem para o culto está prescrita ali, bem como os demais ofícios ministeriais detalhados ali na Agenda, por serem escriturísticos, sem chocar ou provocar reclamações, e que ela pode ser usada por pessoas de ambas as confissões, para a promoção do temor a Deus e da piedade. Os que rejeitam a Agenda e a União, rejeitam a mesma sem argumentos, nem sinceridade. Há liberdade também para cada província que pode fazer suas adaptações.  Os que discordam podem constituir-se em nova organização.
     Os luteranos mais confessionais de Schlesien (Silesia) rejeitaram a União. Então o
governo passou a agir com rigor contra eles. O governo impôs castigos em dinheiro e até prisões.[8]Os luteranos confessionais não se deixaram amedrontar. Vários pastores, diretorias das comunidades e cristãos fiéis foram perseguidos e presos.  No alto da opressão, Deus interveio. Em 1840, o reiFriedrich Wilhelm III e seu cruel ministro da justiça, Altenstein faleceram. Seu filho, imperador Friedrich Wilhelm IV (1842-1888) assumiu o governo. Ele ordenou que todos os pastores e demais cristãos luteranos presos fossem libertados, as multas anuladas. Os luteranos confessionais se quiserem podem se organizar em novo Sínodo. Eles se organizaram e constituíram através do Sínodo em Breslau, no ano de 1841 a Lutherische Kirche in Preussen, independente da Igreja Luterana da Prússia, com um colégio de Conselheiros em Breslau, que pela graça do rei recebeu uma Confissão Geral.[9] 
    Esta ação violenta contra os luteranos ortodoxos fez com que muitos saxões emigrassem para outros países, Estados Unidos da América do Norte, Austrália. Os que ficaram na Europa estão hoje reunidos na Selbständige Evangelisch-Lutherische Kirche (SELK). Naquela oportunidade os saxões, liderados pelo pastor Martin Steffan imigraram para os Estados Unidos, em 1839 e fundaram ali em 1847 Synodo de Missouri, Lutheran Church Missouri Synod (LCMS).
     Os efeitos da União Prussiana fazem-se sentir até hoje no luteranismo mundial.


6.4 - O quarto centenário, 31 de outubro de 1917

     Esta data ocorreu em meio a 1ª Guerra Mundial, chamada também de a Grande Guerra (1914 a 1918). No dia 28 de junho de 1919 foi assinado o Tratado de Versalhes. Dez milhões de mortos, seis mil soldados retornaram dela mutilados, cidades destruídas, a economia arruinada, fome e peste por todos os lados na Europa. Muitos cristãos estavam envolvidos nesses horrores. Muitos luteranos da Alemanha, Bélgica, França, Rússia, Polônia, Austrália e dos Estados Unidos morreram nela. Também houve reflexos dela no Brasil. Nossa revista Evangelisch-Lutherisches Kirchenblatt, editado em língua alemã, foi proibido de circular, em 31/10/1917. A revista voltou a circular após dois anos, em 01/10/1919. Nesses anos, os fiéis buscaram consolo na palavra de Deus e livros devocionais que possuíam em língua alemã. 
Na Europa não houve clima para festejos populares e limitou-se a orações em
particular, em família e alguns cultos. O Jubileu, no entanto, foi celebrado
intensamente nos Estados Unidos da América, nos países Escandinavos e na Austrália. Desses lugares temos diversos sermões e programas de cultos.
    No Der Lutheraner de nossa igreja nos USA, de 24/04/1917 lemos sobre o ano Jubilar da Reforma: “Mesmo vivendo nestes dias difíceis de carestia, inflação e guerra na Europa, na qual nosso país (Estados Unidos da América) também está envolvido, o que envolve grandes sacrifícios, mesmo assim queremos celebrar os 400 anos da Reforma Luterana”.
    “Como vamos celebrá-la? Queremos agradecer a Deus pelas bênçãos espirituais que a Reforma nos trouxe. Ao mesmo tempo cumprir nosso dever de propagar a palavra e administrar os sacramentos como instituídos por Deus. Nossa festa é uma festa da igreja, não celebramos Lutero como herói nacional da Alemanha, mas como servo de Deus, que proclamou a palavra de Deus”.
     “Guerras são castigos de Deus e um chamado ao arrependimento, pois há um decréscimo dos fiéis em todas as nações cristãs”.
     Naquele ano foi elaborado um extenso programa para cada mês, acentuando as grandes verdades da Reforma. Dois temas receberam destaques especiais: Os erros da igreja Reformada que nega o poder da palavra de Deus e dos sacramentos e o tema: Cristãos em outras denominações cristãs. Não duvidamos de que nas outras igrejas cristãs, seitas e também na Igreja Católica, haja cristãos. Pois onde a palavra de Deus é ensinada e está em uso, ali Deus Espírito Santo opera, conforme Isaías: Assim será a palavra que sair da minha boca; não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a designei (Isaías 55.11). E onde há fé na graça de Cristo, por mais fraca que seja, mesmo mesclada por muitos erros, estas pessoas são nossos irmãos e irmãs em Cristo. Mesmo assim, temos que condenar os erros dessas igrejas e não podemos manter comunhão de púlpito e altar com tais igrejas. Esta é a ordem de Deus. Lutar pela verdade e sair do meio das igrejas que ensinam contra a palavra de Deus.[10]
     Literatura.  Naquele ano foi publicado um precioso livro intitulado “Unser Erbteil” (Nossa herança, pág. 242). Eine Gedächtnischrift auf das 400jährige Reformationsjubiläum (Um livro para a comemoração dos 400 anos da Reforma). O livro contém 27 artigos sobre a vida e obra de Lutero, escritos por pastores e professores da época.
     Outro livro que merece destaque é o Magazin für Ev.-Luth Homiletik und Pastoraltheologie, editado pelo Seminário, vol. 41, 1917. Ele contém a parte histórica o que a Direção da Igreja planejou para os distritos e as comunidades. O que foi feito e uma série de 11 sermões, seis palestras e uma oração geral para o dia da Reforma.[11]
     Principais atividades. – Os preparativos para os 400 anos da Reforma foram vários e intensos. A Direção da Igreja recomendou que durante o ano jubilar fosse estudado um tema em cada mês. Que cada distrito programasse para o dia da Reforma, na maior cidade dos distritos grandes culto com procissão festiva, cantos, banners, trompetes no desfile. Os pastores deveriam preparar três cultos festivos: dia 31 de outubro (quarta-feira) de manhã, à tarde ou noite, e outros cultos no segundo dia da Reforma (quinta-feira). – Onde isso seria impossível por ser um dia da semana, deveriam fazê-lo no domingo anterior ou posterior. O Culto Distrital deveria ser de preferência à tarde no dia 31 ou num dos domingos mencionados.

        
6.5 – O quinto centenário, 31 de outubro 2017

Introdução
      Estamos diante do quinto centenário da Reforma Luterana. Diversas Igrejas Luteranas prepararam um extenso programa para a chamado: Década de Lutero, isto é, um programa para os dez anos que antecedem a data.[12]
     O quadro, hoje, é bastante diferente do quadro dos primeiros festejos. O que nos aguarda nesses festejos? Quais os problemas que temos que enfrentar? O que significa permanecer fiel à nossas Confissões num mundo ecumênico, no qual se defende a união em amor na diversidade e se contesta a verdade absoluta? Diante de tudo isso a pergunta: Como celebrá-lo?
     Há a grande necessidade, especialmente, para nós luteranos confessionais, de no festejo dessa data relembrar a história[13], as bênçãos da Reforma[14] e nosso compromisso confessional no confessar a verdade.  Vejamos alguns fatos.

1 – O quadro político e social no mundo
     Após as duas grandes guerras mundiais e a guerra fria, parece que temos relativa paz. Só parece. Rumores de guerras, revoluções, homens bomba suicidas, perseguições aos cristãos pelo Islã; bem como o ressurgir de perseguições aos cristãos por parte do comunismo na Rússia e na China, mesmo que, por enquanto, localizada só em algumas regiões desses países. A isso se soma a degradação da vida santificada do cristianismo, o crescimento das seitas da teologia da prosperidade, as resoluções governamentais, contra a moral inscrita nos corações humanos, nos países que ainda se chamam cristãs. Nós no Brasil, além do alto número de mortes por acidentes nas estradas, os constantes roubos com assassinatos violentos, a guerrilha do narcotráfico mostra que estamos numa guerra civil, por mais que se deteste essa expressão.
    O Brasil se denomina um pais cristão. O cristianismo foi a base de nossa civilização, esta, no entanto, está sendo abandonada. As resoluções de nossos deputados que aprovam o casamento de homossexuais e o direito de tais pessoas adotarem crianças, a restrição à liberdade de expressão, com penas de quem afirmar publicamente (exceto no próprio ambiente da igreja) que homossexualismo é pecado, corre o risco de ser preso e pagar uma multa; permissão do aborto, a restrição ao direito de a família educar seus filhos conforme sua convicção cristã, etc. Tudo isso mostra que o Brasil abandonou a base cristã.  A isso se soma ainda a dissolução moral com aprovação de nosso parlamento,[15] o fomento do racismo, os pedidos para retirada dos crucifixos das repartições públicas, a proibição do ensino religiosa nas escolas públicas, que são inundadas com livros didáticos de moral perversa, por parte do Ministério da Educação Governamental, etc. Em todo o mundo crescem as catástrofes ambientais. Há grande temor pelo futuro do planeta terra. Esses problemas, em si, não são novos, mas eles estão crescendo, de modo assustador, em sua intensidade. É o quadro que Jesus pintou como antecedente ao juízo final (Mt 24).
     No campo religioso vemos igualmente o cumprimento das profecias de Jesus:
-  Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra? (Lucas 18.8).
-  E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor se esfriará de quase todos (Mateus 24.12).
-  Sereis odiados de todos por causa do meu nome; aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo (Mateus 10.22).
- Levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a muitos (Mateus 24.10-11).

2 - O quadro eclesiástico

     Conforme o grupo Portas Abertas[16] nunca, na história da cristandade, foram perseguidos e mortos tantos cristãos como em nossos dias. Em mais de 50 países, cristãos estão sendo perseguidos. A maior crueldade contra cristãos está sendo praticada, atualmente, na Coréia do Norte, onde mais de 70 mil cristãos estão incomunicáveis em campos de trabalhos forçados. Eles carecem de nossas orações, para que Deus os fortaleça e liberte a Coréia do Norte da escuridão. O islamismo se expande cada vez mais nos países cristãos, procurando impor sua “sharia”, perseguindo e matando de forma cruel cristãos no norte do Iraque.  
     Por outro lado, vemos a grande decadência do cristianismo. Cresce a imoralidade, o número de divórcios e abortos. Algumas igrejas apoiam o casamento de gays e de lésbicas, afirmando que nosso relacionamento carnal não tem nada a ver com a fé cristã. O grande crescimento das seitas que iludem o povo com falsas promessas, extorquindo o dinheiro dos chamados “fiéis” (teologia da prosperidade[17]). Esse entusiasmo tem limites e termina, normalmente, em grande incredulidade, na qual essas pessoas desiludidas tornam-se inimigas ferrenhas do cristianismo.
     Nós luteranos somos abençoados com a Palavra de Deus claramente exposta e os sacramentos administrados como instituídos por Deus. Temos estas verdades em nosso Catecismo Menor e Maior, na Confissão de Augsburgo, na Fórmula de Concórdia e outros artigos confessionais reunidos no Livro de Concórdia. Além disso, uma parte das obras de Lutero já traduzidas ao português, 12 volumes. Não podemos deixar de mencionar nosso precioso Hinário com seus textos consoladores e didáticos. Tudo isso, no entanto, também está em nosso meio em certa decadência. Quem ainda os lê, estuda e conhece? Nossos hinos - não me refiro nem à música - mas aos preciosos textos, antigamente sempre citados, são hoje desconhecidos. Quantos hinos nossos confirmandos aprendem ainda de cor? Quantas vezes parágrafos doutrinários de nossas confissões, antigamente sempre citados em artigos, sermões e estudos, são mencionados ainda hoje? Sim, quem conhece o Catecismo Menor, os primeiros doze artigos da Confissão de Augsburgo. Quem estuda a Fórmula de Concórdia (Epítome, resumida)? Quando me formei em 1960, a diretoria de minha primeira Comunidade conhecia as doutrinas da Fórmula de Concórdia. Eles a liam na língua alemã.

3 – Quadro eclesiástico específico
     E o que dizer do quadro eclesiástico em nossos dias? Vejamos.     
 – Os católicos querem festejar este acontecimento, os 500 Anos da Reforma Luterana, conosco. Eles querem festejar o quê? Será que reconheceram seus erros? Examinando o Catecismo Católico (11/10/1992), vemos que nada mudou. Pelo contrário, o Papa Francisco – tão simpático – decretou o ano do Jubileu da Misericórdia (13/032015 a 08/12/2016). O nome tão bonito, mas não é outra coisa do que incentivar as Indulgências. O Papa escreveu: “Espero que a indulgência jubilar chegue a cada um”.
     Para viver e obter a “indulgência” os fiéis são chamados a realizar uma breve peregrinação rumo à Porta Santa”, aberta em cada Catedral importante. E os doentes? O Papa respondeu: É preciso “viver com fé e esperança jubilar este momento... recebendo a comunhão ou participando na santa missa... que será para eles o modo de obter a indulgência jubilar”, afirmou o Papa.        
      Após dez anos de estudos, a Comissão conjunta da Federação Luterana Mundial (FLM) e da Igreja Católica, elaborou o documento: “Doutrina da Justificação pela Graça e Fé. Declaração conjunta Católica Romana – Evangélica Luterana (16/06/1998)”.[18] Este documento foi aceito pelas duas igrejas, a igreja Católica e as Igrejas luteranas  filiadas à FLM. A Igreja Luterana Sínodo de Missouri e suas igrejas irmãs, filiadas à Inernational Luterana Council (ILC), não assinaram o documento. Neste documento consta o seguinte:
- Não vamos mais invocar as antigas e mútuas condenações.
- Concordamos na doutrina da justificação.
     O que significa: Não invocar mais as antigas e mútuas condenações? Não valem mais? Neste caso, teríamos que modificar nossas confissões, pois na Confissão de Augsburgo lemos em todas as teses: Cremos, ensinamos e confessamos... rejeitamos; Na Fórmula de Concórdia lemos: Cremos, ensinamos e confessamos... rejeitamos e condenamos. Infelizmente, também em nosso meio já se ouvem vozes como: Deixemos de lado “esse ranço do passado”. Hoje, as perguntas são outras. Importa ensinar o evangelho de forma positiva”. Será? O que quer dizer isso?                                       
    E quanto à justificação pela graça e fé. A igreja Católica não mudou sua doutrina da graça infusa. Quem mudou, na verdade, foram os luteranos, que aceitaram a linguagem confusa desse documento da Declaração Conjunta.                         
- Quando dois padres na Alemanha, em Dresden, no ano 2000, pelo júbilo dessa declaração, celebraram uma missa em conjunto com pastores luteranos, eles foram repreendidos e suspenso pelo Papa. Realmente a Igreja Católica não mudou.
     O Cardial Kurt Koch, “Ökumene-Ministers” do Papa declarou em Düsseldorf, 19/11/2012, ao falar sobre o Ano Jubileu da Reforma (2017), que a Reforma Luterana trouxe algo positivo, mas também negativo. O negativo, no dizer dele, é que ela dividiu a Igreja. Na época o santo Francisco de Assis também protestou contra erros da Igreja, mas ele sabia que uma reforma só se faz em concordância com o Papa. Lutero a empreendeu sozinho e dividiu a igreja o que resultou em guerras sangrentas como a revolução dos colonos e a guerra dos trinta anos. Isso são pecados graves. Nós não podemos festejar pecados. Podemos marcar uma solenidade de arrependimento e de reconciliação, mas não um festejo. (Rheinische Post)
    A isto o Nikolaus Schneider, Conselheiro da Evangelischen Kirche Deutschlands (EKD) respondeu em Düsseldorf, diante de Jornalistas: “Nós, em todo o caso, celebraremos”.

- Igrejas Luteranas da Federação Luterana Mundial
      Por outro, também nos meios evangélico-luteranos começamos a ouvir uma linguagem semelhante. Fala-se no lado positivo de Lutero e também do seu lado negativo, ou sombrio.
     No culto da Reforma do ano 2012, em Worms, ao lançar o tema para 2013: Reforma e Tolerância a pastora Margot Kässmann, na época Presidente da Evangelische Kirche Deutschland (EKD)[19] disse: “Por vezes temos que andar por outros caminhos... Aqui em Worms, Lutero afirmou categoricamente diante do Imperador: Aqui estou. Não posso de doutra maneira. Que Deus me ajude. Amém.  Esta frase atribuída a Lutero resume o que o Reformador reivindicou para si: Uma posição contra toda a autoridade e principado do seu tempo. No entanto, nem sempre ele (Lutero) concedeu esta liberdade a outros. A Reforma libertou a fé de preconceitos e coações, e a tornou discutível – mas lutou também contra a fé de outros que interpretavam esta liberdade de modo diferente”. O tema de 2013, da EKD tenta ordenar estas conquistas e seus lados sombrios sob o título: Reforma e Tolerância.

     A pastora mostrou numa de suas pregações que muitas vezes se acusa a Igreja Evangélica de que sua posição, especialmente, em questões éticas não é suficientemente unânime. “Mas nisto consiste exatamente a força da fé reformada. Não há nenhum dogma, que o cristão evangélico, individualmente, precisa crer. A consciência individual deve ser aguçada. Eu mesmo devo pensar”, disse a pastora. Ela continuou: “A isto pertence também o suportar diferentes posições na luta pela verdade. Esta é a posição da doutrina evangélica... A igreja da Reforma continua se reformando. Hoje as igrejas compreenderam que demasiada insistência em suas posições não conduz à paz”. 
     Esta parece ser, hoje, - e espero não errar muito - a posição geral dos luteranos liberais da FLM. A pastora Margot é muito estudada e hábil oradora, mas será que ela entendeu a confissão de Lutero diante do imperador Carlos V em Worms, no dia 18 de abril de 1521? Isso foi simples intolerância? O que seria se Lutero fosse tolerante e cedesse, ou se retratasse diante do imperador? Sem dúvida permaneceríamos ainda hoje nas trevas. Diante da palavra de Deus não existe tolerância ou intolerância. Como servos de Deus cabe-nos fiel apego à Palavra de Deus. Estamos amarrados a ela, seja isso em questões de doutrina ou da ética. E isto não por simples lei, mas por sermos filhos de Deus e reconhecermos que a Bíblia é a inspirada, infalível e inerrante Palavra de Deus, não queremos desviar-nos nem para a direita, nem para a esquerda.
     Da mesma forma, fiquei surpreso ao ler no livro de Martin N. Dreher, De Luder a Lutero (Sinodal, 2014) - Dreher é estimado e hábil escritor, conhecedor de Lutero e da história da Reforma – Consta no seu livro, no Prefácio de Eduardo Hoornaert, o seguinte::  “A impressão que se tem é que diversas intervenções de Lutero no final da vida não são bem-sucedidas. Há desencontros com Münstzer, Erasmo e Zwínglio... “ Vou só citar o chamado desencontro com Zwínglio: “Em 1529, na cidade de Marburgo, mais um desencontro, desta vez com o reformador suíço Zwínglio. O “colóquio” de Marburgo é um desastre. No calor da discussão sobre a Eucaristia, Lutero rabisca as palavras “Isto é meu corpo” na mesa, como se essas palavras expressassem um oráculo intocável, uma verdade eterna. Os dois reformadores evangélicos, em vez de procurar temas de comum acordo, ficam se esgrimindo."
     Em contra posição a isto lemos em GEO, 11/11/2007, pág.: 186: Martin Luther “Wer Weiss ob es wahr isto?” de Jörg-Uve Albig. Porträt des Reformadors. – So radikalisiert Luther das revolutionäre Konzept, Widersprüche auszuhalten. “Ein Christenmensch ist ein freier Herr über alle Dinge und niemand untertan”, schreibt er, aber zugleich: “Ein Christenmensch ist ein dienstbarer Knecht aller Ding und jedermann untertan”.  - Trad.: Lutero radicalizou o revolucionário conceito, suportar contradições. “ Um cristão é senhor livre sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém”. Ao mesmo tempo escreve logo: “Um cristão é um servo de todas as coisas e sujeito a todos”.
     Auch das Abendmahl ist ihm sowohl Brot und Wein als auch Gott – ein Dualismo den vor Luther kein Theologe zusammendenken wollte. Nach der katolischen “Transsubstantiationslehre” etwa verliert die Nahrung ihre Substanz und wandelt sich während der Kommunion wahrhaftig in Leib und Blut Christi. Nach der Auffassung späterer Reformatoren dagegen bleibt Brot und Wein schlicht das, was es ist, und taugt nur als Symbol.
    Für Luther aber ist beides gültig – Christus wohnt im geweihten Brot wie die Glut im erhitzten Metall: “Siehe, das Eisen und Feuer, zwei Substanzen, werden in einem glüheden Eisen so vermischt, dass jeder Teil Eisen und Feuer ist. Warum kann nicht der verklärte Leib Christi viel eher ebenso in allen Teilen der Substanz des Brotes sein”.
Tradução: Também a Santa Ceia lhe é tanto pão e vinho como Deus – um dualismo, o qual nenhum dos teólogos anteriores de Lutero pensou em unir. Conforme a teoria católica da transubstanciação o alimento perde algo de sua substância e se transforma em verdadeiro corpo e sangue; enquanto que o ferro incandescente se mistura de tal forma que cada parte é ferro e fogo. Por que o corpo glorificado de Cristo não pode, muito antes, estar em todas as partículas da substância do pão.      

 – Igrejas Evangélicas. Elas emanam da Reforma e a festejam como o grande dia da libertação de todos os preconceitos e descriminações. Eles lutam por uma unidade exterior, sem acordo na doutrina, uma unidade na diversidade. Eles acreditam que a união na diversidade é a maior necessidade de nossos dias para a missão e o progresso da igreja.  Pois nada prejudica mais a missão do que a desunião da igreja cristã. No meio deles soou a pergunta: “Como pode uma igreja cristã dividida sarar um mundo em conflitos”.[20] Festejam a Reforma mais com o trinômio da Revolução Francesa: Liberdade, igualdade e fraternidade, do que com o trinômio da Reforma:Somente a Escritura, somente pela graça, somente por fé.  
     Essas igrejas, como os católicos, permanecem no sinergismo, o homem coopera com sua salvação.  Não compreendem claramente a doutrina do pecado: pecado original e atual, nem a justificação objetiva e subjetiva, nem tampouco o que é a verdadeira fé cristã. Além disso, se dividem nas mais diferentes correntes como universalismo, prosperidade, milenaristas com suas ramificações, etc.

 – Movimento Ecumênico – O movimento ecumênico parecer ter descoberto a solução para a divisão da Igreja Cristã, a saber: O Diálogo. O diálogo resolve tudo. Na elaboração das Teses do Acordo de Leuenberg (1973), que procurou unir luteranos, reformados e unitários. Naquela reunião chegou-se, pelo diálogo, à seguinte formulação para o problema da Santa Ceia. Ali lemos: “Na Ceia do Senhor, Jesus Cristo ressuscitado comunica-se a Si mesmo, no corpo e no sangue, oferecidos por todos, através da promessa da palavra, com o pão e o vinho. Assim, sem reservas, dá-se a todos que recebem o pão e o vinho, na fé, recebe-se a Ceia do Senhor, para a salvação, na incredulidade para juízo”. 
     A pergunta que se coloca é: Afinal, conforme esta declaração, recebemos o que na Santa Ceia? Pois se não recebemos o verdadeiro corpo e sangue de Cristo, nascido da virgem Maria, dado e derramado por nós na cruz do Gólgota, recebemos o quê? A resposta a esta pergunta não ficou clara nessa formulação, mas parece que contentou a todos. A Igreja confessional luterana, Missouri e suas igrejas irmãs, não assinaram esta fórmula imprecisa e duvidosa.
     No mundo ecumênico ouve-se, em relação à Santa Ceia, cada vez mais as frases:  “Ninguém tem direito de rejeitar da mesa do Senhor quem: Foi batizado, crê em Cristo como seu Salvador e sabe que Cristo está presente na Ceia”[21]. Ora, Jesus, na instituição da Santa Ceia, não disse simplesmente: Eu, como pessoa, estarei presente ali. Ele disse: “Isto é o meu corpo, que é dado por vós” (Mateus 26.26,27). E o apóstolo Paulo escreve: “Examine-se, pois, o homem e a si mesmo, e assim coma do pão e beba do cálice; pois quem come e bebe, sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si” (1 Coríntios 11.28-29). A primeira coisa que torna alguém indigno da Santa Ceia é não crer na “presenta real” (não simplesmente da pessoa de Cristo), mas do seu corpo, dado por nós, e do seu sangue, derramado por nós.
     Por permanecermos nesta doutrina bíblica, somos acusados de intolerantes e perturbadores da paz.
     Nós estamos realmente nos tempos finais, a espera da volta de Cristo. Interessante que desta volta todas as seitas falam, mas como falsos profetas, falam do arrebatamento, da volta visível de Cristo para levantar seu trono em Jerusalém em Israel e reinar ali por mil anos em paz nesta terra. Só depois virá o verdadeiro juízo final. As muitas heresias e falsos profetas não deixam dúvidas de que estamos nos tempos do fim. A corrupção, a decadência moral, a destruição da família, a perversão da juventude e a decadência da cristandade em todo o mundo, bem como os sinais climáticos, confirmam os sinais dados por Jesus da proximidade do fim. Diante de tudo isso cabe-nos o exemplo da primeira igreja cristã: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos” (Atos 2.42). E a recomendação do apóstolo Paulo a seu discípulo Timóteo: “Permanece naquilo que aprendeste” (2 Timóteo 3.14).   

6.6 – Nossa responsabilidade

     Nesse contexto, qual a nossa responsabilidade como igreja confessional no mundo e na Igreja Cristã e em nossos dias? Cumpre manter nosso compromisso confessional. Cumpre aprender dos profetas como pregar lei e evangelho nesses tempos do fim, nos quais os juízes de Deus se manifestam, anunciando o juízo final. Doutrinar nossos membros para que conheçam bem o Catecismo Menor, a Confissão de Augsburgo, a Epítome, que é a Fórmula de Concórdia resumida. Recomendamos para tanto a leitura do livro de SASSE, Hermann, Aqui nos firmaos, Edutora Conc[órdia e Ulbra., 2008. 
     Festejar os 500 Anos da Reforma nos moldes do primeiro Centenário como: Dia de jubilo e agradecimento pela restauração da verdade, pelas Confissões; dia de arrependimento, conforme a primeira das 95 teses; dia de confessarmos, em amor, nosso repúdio aos desvios doutrinários; dia de proclamar a salvação, mesmo que isso nos separe ou mantenha separados de muitos irmãos cristãos.[22] A nós cabe fidelidade a Palavra de Deus, tão bem exposta em nossas Confissões, reunidas no Livro de Concórdia de 1580.               




[1] Wittenberg era uma cidade pequena com 3 mil habitantes. Em suas ruas empoeiradas corriam gansos, porcos e galinhas por toda a parte, bem como o esgoto pela rua.
[2] Os últimos anos foram difíceis. No dia 1° de julho de 1523 foram queimados na praça pública no Mercado de Bruxelas, Niederlanden, dois monges agostinhanos: Jan van Esschen e Hendrik Vos, que haviam aderido à Reforma. São os dois primeiros mártires luteranos. Lutero ficou muito abatido. Ele enviou duas cartas a Bruxelas para consolar os fiéis. (Luther Samtliche Schriftesn, Walch, vol. 21ª. p. 523).  Também chegou a seus ouvidos a notícia de que seu amigo Leonhardt Käfer, de Bayern, fora queimado por ordem do bispo de Ulm. Na Europa havia guerra entre Itália, Espanha e França. Em abril de 1525 irrompeu a guerra dos camponeses. Em 03/06/1526 Lutero casou. O primeiro ano de casados não foi fácil para os dois. Em 1526 a primeira disputa entre Lutero e Zwínglio. Em resumo, eram anos difíceis.   
[3] De nossa igreja irmã a Lutheran Church Missouri Synod. Der Lutheraner, n° 21, de 09 de outubro de 1917, pág. 325-326.
[4] Kant (1724-1804) só conhecia o Catecismo Menor de Lutero
[5] Confere: Der Lutheraner, outubro de 1917.
[6] Denk-Mahl, Wittenberg, 1717, pág. 92
[7] PAUST, INGEROSE.Auszug der Achthundert. Brunnen, Verlag Giessen Basel,1992, Alemanha.
[8] Cf.: PAUST, INGEROSE. Auszug der Achthunder. Brunnen Verlag Giessen, Basel., 1997.
[9]  ZANGE, FRIEDRICH. Zeugnisse der Kirchengeschichte, Verlag Von C. Bertelsmann, Götersloh, 1912, pág, 440 – 443; Lutherische Beiträge, nº 3, 2012, Bewährung u. Verlust auf dem Wege Evangelisch-Lutherische Kirche in Brandenburg-Preussen u. Deutschland, por J-C Burmaeister, pág 139 a 165.
[10] Confira o capítulo: Relacionamento com outros.
[11] O livro se encontra na Biblioteca do Seminário Concórdia, em São Leopoldo, RS.
[12] Confira os temas para esta Década de Lutero.
[13] Confira o livro: Deus despertou Lutero, de Gustav Just.
[14] Leia o artigo um pouco mais adiante: Bênçãos da Reforma, de Dr. Mário Rehfeldt.
[15] Cabe ao governo administrar as coisas públicas, cuidar da boa ordem e defender os direitos individuais. Nisto seguem a lei natural, inscrita nos corações. Quando se desviam da ética dessa lei, fomentando o pecado, ou até obrigando seus cidadãos a praticarem o pecado, a igreja precisa levantar sua voz. 
[16] www.portasabertas.org.br; www.opendoors.de
[17] Exemplo: Um pregador afirmou: Você está doente? Algo vai mal em sua família ou no seu trabalho? Isso é sinal de que Deus não está contigo, não está te abençoando. A causa disso está em ti. Há algum pecado que você não confessou. Há falta de fé. Deus não quer ver ninguém doente, com problemas e sem prosperidade.
[18] Edição: EDIPUC,RS, Porto Alegre, RS, 1998
[19] Esta Igreja reúne luteranos, reformados e unitários. É uma igreja liberal.
[20] Esta frase provém da teoria da “Missão Integral” que visa sobre tudo “união”, e salvação do mundo, no sentido de melhorar as condições existenciais do mundo. Enquanto a Escritura prega arrependimento e fé com o objetivo: Salvai-vos desta geração perversa”.  (At 2.40)
[21] A Comunhão eucarística é possível. Editora Sinodal e est (Escola Superior de Teologia), 2006; Vom Konflikt zur Gemeinschaft. Bonifatius, Evangelische Verlangsanstalt, Leipzig, 2.13. Alemanha

[22] Confira o capítulo IV, deste trabalho. Festejar com quem e como?

Um comentário:

  1. excelente resumo das celebrações, que já dão uma boa ideia da importância das mesmas. A partir daí temos a ferramenta para - querendo - aprofundar-se nos diferentes temas. Parabéns Pr. Horst.

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