VIII - Do que a Igreja Luterana
jamais poderá abrir mão!
Jobst Schöne,
Bispo emérito da Selbständige
Evangelisch-Lutherische
Kirche (SELK)
Lutherische Beiträge – 1/2016, pág. 35ss.
Tradução H. Kuchenbecker – com permissão
A formulação do tema pode parecer para
alguns uma limitação, autoafirmação ou endurecimento confessional. Esta, porém,
não é nem deve ser nossa posição. Os reformadores, orientados por Lutero, não
visaram estabelecer uma doutrina nova ou uma nova igreja confessional. Eles
queriam, unicamente, abrir o Evangelho, a mensagem da salvação para toda a
cristandade do eu tempo no Ocidente. Eles visaram conduzir e chamar ao centro
do evangelho, a Cristo, não pelo distanciar-se da Igreja na qual foram batizados
e chegaram à fé, da qual receberam o ofício, pelo contrário, por amor a esta
igreja deformada, reconduzi-la de volta ao evangelho. Que isto, por fim, se
desenvolveu de forma diferente e resultou na divisão e formação de outras
igrejas confessionais, teve outras razões.
Não queremos dar, à formulação desse tema,
um tom negativo. Trata-se de acentuar porque a Igreja Luterana, na qual
estamos, apesar de todas suas imperfeições, fraquezas e até caminhos errados,
nos é tão querida e preciosa a ponto de não nos desviar dela. Destacar isso é
nosso objetivo. Mesmo assim, não se trata aqui de opiniões subjetivas, nem de
valorizações que a mim, único, me parecem importantes, indispensáveis e dignos
de ser preservados. Trata-se da Igreja e de sua missão, daquilo que lhe foi
confiado – para toda a cristandade. Reconhecer isto, a saber, o indispensável,
mantê-lo e confessá-lo, deve estar em nossos corações. Pois se isto se perder,
toda a cristandade será prejudicada. Estamos, portanto, diante de uma
incumbência ecumênica que luteranos, que se mantém fiéis às Confissões, têm a
cumprir. Não se trata de interesses individuais, autoafirmação e isolamento,
mesmo assim de uma certificação própria.
Nós chegamos, devido ao desenvolvimento
que as igrejas do mundo ocidental aceitaram, a um ponto, no qual uma igreja não
pode ganhar a custa de outra, pelo contrário, onde uma sucumbe, ela arrasta
outras consigo. O fato da saída de pessoas de uma igreja (devido a escândalos
de abuso de pessoas, mau uso do dinheiro, etc.) é tão grotesco que desencadeia
um fluxo de abandono também em outras confissões. Por outro, bons exemplos de
uma igreja, podem desencadear simpatia para o outro lado... Em resumo, estamos
todos no mesmo barco. Quando, então, nos perguntamos: O que nos foi dado para
ser conservado? Veremos que aqui não se trata de uma pergunta somente de nós,
mas daquilo que, de forma indispensável, pertence a toda a cristandade, o que
no seu todo e para o todo deve ser mantido e preservado.
Um cristão por si pode vir a vacilar em
sua certeza – nós o sabemos e o presenciamos com tristeza e dor – quando ele se
pergunta: Será que estou na igreja cristã correta e certa? Esta observação vem
de Wilhelm Löhe. – Ele disse: “Se eu encontraria uma igreja melhor do que a
Igreja Luterana, eu me mudaria e converteria imediatamente a ela, mesmo no
leito da morte – e isto apesar de todas as fraquezas da igreja luterana, que
ele conhecia muito bem. Mas Löhe não mudou. Outros mudaram. Tal mudança de
igreja é sempre um sinal de que na atual comunidade, surgiu, para o membro
convertido, um determinado déficit que a levou a abandonar sua comunidade e
deixar suas raízes. Um déficit tão importante, que o levou a buscar outras
opções (que ele também poderia encontradas em sua comunidade atual, da qual,
neste caso, ele está abrindo mão) mas que dificilmente será compensado. O que
via de regra muda numa conversão é a compreensão da salvação, que Deus quer nos presentear e mostrar
de onde ela vem, qual a sua base e o que ela abrange.
Sob este ponto de vista perguntamos: O que
é e o que deve ser para a Igreja Luterana e seus fiéis indispensável? Portanto,
o que torna o cristianismo tão amável e precioso, a ponto de, sob nenhuma
hipótese, abrir mão e nos afastar dela – apesar de todas suas fraquezas e
deformações que ela apresenta na atualidade. Em consequência disso apresentamos
aqui seis pontos, nos quais quero mostrar o indispensável, sob o qual a Igreja
deve repousar, para poder cumprir sua missão.
7.1 - A Escritura Sagrada como
Palavra de Deus, em Lei e Evangelho.
A Reforma luterana considera a
Bíblia, Antigo e Novo Testamento, como única norma (única regula et norma) para doutrina e vida em sua igreja, como ela o
expõem em sua Confissão na Fórmula de
Concórdia de 1577, onde lemos: “Cremos, ensinamos e confessamos que somente
os escritos proféticos e apostólicos do Antigo e do Novo Testamento são a única
regra e norma segundo a qual devem ser ajuizadas e julgadas igualmente todas as
doutrinas e todos os mestres, conforme está escrito: “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para os meus caminhos”
(Salmo 119.115). E o apóstolo Paulo escreve: “Ainda que um anjo vindo do céu vos pregue diversamente, seja anátema”
(Gálatas 1.8). “Outros escritos, entretanto, dos antigo ou dos novos mestres,
seja qual for o nome deles (inclusive Lutero), não devem ser equiparados à
Escritura Sagrada, porém todos lhe devem ser completamente subordinados, não
devendo ser recebidos diversamente de ou como mais do que testemunhas da
maneira como e quanto aos lugares onde essa doutrina dos apóstolo e profetas
foi preservada nos tempos pós-apostólicos” (Fórmula de Concórdia, Epitome, De
Suma, Regra e Norma § 1,2; Livro de Concórdia, pág. 499[1]).
Naquele tempo em que escreveram isto, eles estavam mais apegados a Lutero do
que nós hoje. Mesmo assim, de Lutero, só foram incluídos nos livros
confessionais os dois Catecismos, Menor e Maior e os Artigos de Esmalcalde.
A Escritura não é somente norma e regra para ensino e vida. Ela é também
um poderoso instrumento através do qual o Espírito Santo age, gera e fortalece
a fé, também hoje. Onde esta Palavra de Deus é proclamada e aceita, surge a
igreja, também hoje. A Escritura Sagrada é, por isso, muito mais do que um
documento histórico subordinado às condições do tempo em que surgiu, que
deveria ser lido e exposto conforme o método histórico-crítico. Ela é –
independente dos diferentes tempos de seu surgimento e diferenças de seus
autores – uma unidade, um todo, que deve ser tomado e exposto tendo Cristo
(como centro e alvo da Escritura); mesmo que isto seja hoje veemente contestado
e declarado não haver consenso a respeito. A Escritura não é só palavra de
homens, mas ela é em todas suas partes Palavra de Deus, pela qual Deus nos fala
e se revela a nós. A ele (Deus) todos os expositores e proclamadores terão de
prestar contas. Ninguém deve se sobrepor à Escritura, mas subordinar-se a ela.
“Exegese canônica” desses textos “inspirados” é o adequado. A Palavra de Deus
não se torna para nós “Palavra de Deus” de caso a caso, conforme a nossa
disposição em recebe-la, mas é e permanece a
priori.
Deus nos fala na Escritura Sagrada e isto acontece, conforme a concepção
luterana, em duas formas bem distintas: de lei e de Evangelho, como exigência e
como presente, como acusação e como absolvição, mortificação e vivificação.
(Confere: Apologia XII § 46; LC pág. 198). Este reconhecimento da Reforma
luterana, essa clara distinção entre Lei e Evangelho é a chave indispensável
para a compreensão da Escritura Sagrada. Assim, ela deve ser lida, anunciada,
aplicada e crida. Uma mistura ou confusão dessas duas formas de falar conduz ao
erro dos entusiastas (isto é, a falha
e errada tentativa de querer dirigir o mundo pelo evangelho), ou então ao legalismo (que transforma o evangelho em
lei, dizendo que a pessoa pode se salvar por seus próprios esforços). O
legalismo na pregação atual é um perigo permanente e constante.[2]
7.2
- O quadro bíblico do ser humano e o
poder do pecado. (Antropologia)
A Escritura Sagrada, corretamente compreendida, transmite um quadro que
pode vir a ser incômodo, que, no entanto, é realista e sem maquilagem. Em
relação à lei, pela qual Deus convoca o ser humano a sua presença, precisamos
nos reconhecer como criaturas caídas, separadas de Deus, incapaz de salvarem-se
a si mesmas e alcançar a perfeição exigida pela lei. Aqui cabe a definição do “sine metu Dei, sine fiducia erga Deum et cum
concupiscentia” (sem temor de Deus, sem fé em Deus e com concupiscência) –
“isto é, que desde o ventre materno, todos estão plenos de concupiscência e
inclinação más, e por natureza não podem ter verdadeiro temor de Deus e
verdadeira fé em Deus” (Confissão de Augsburgo II § 2; LC, pág. 29). O conceito
“Pecado Original” é mal-entendido se acrescentarmos que com isso o ser humano foi
privado da capacidade de fazer qualquer bem no relacionamento humano, social,
econômico e outros campos de ação neste mundo. Tão longe a compreensão
luterana, em relação ao Pecado Original,
não foi. Ela considera o ser humano capaz de, graças a um resto de livre
arbítrio e sua razão humana, alcança certa “justiça civil”, porém nenhuma
“justiça divina, espiritual” que o declararia justo diante de Deus (CA XVIII §
1 e 2; LC pág. 36[3]).
Com a compreensão (definição) luterana do Pecado Original rejeitamos as definições
da antropologia que nos são dadas e que encontramos de muitas formas nos mais
diversos campos humanos, no campo do poder e do progresso, na ressocialização
de presos, na pedagogia e (psicologia) e outros campos. Este otimismo em
relação ao ser humano e sua capacidade para o bem, as catástrofes dos séculos
19 e 20 não conseguiram estremecer. O iluminismo levou aos horrores da
revolução francesa, despertou o marxismo e forneceu estímulos às barbáries do
nazismo, stalinismo e maoísmo para que esses pudessem se desenvolver – e ainda
se crê que, no fundo, o ser humano é bom e só as circunstâncias na vida o
tornam mau. A Escritura Sagrada, no entanto, nos ensina que: É mau o desígnio do homem desde a sua
mocidade (Gênesis 8.21). A história da humanidade e os acontecimentos da
atualidade nos fornecem a confirmação do “Pecado
Original[4]”.
Este quadro pessimista (melhor realista) a Reforma luterana destaca com
clareza, mais do que outras confissões. É impossível para a Igreja Luterana
abrir mão dessa definição. É impossível unir-se às concepções da Igreja
Católica sobre a natureza humana e graça, e sua doutrina da cooperação humana
na salvação. Isso torna nossa união com eles impossível.
7.3 - Como Deus dirige o mundo e sua igreja
O quadro bíblico de Deus tem dois lados. Primeiro, a Bíblia nos mostra o
Deus oculto, inescrutável, enigmático (Deus abscondito),
cuja ira, juízo e castigo temos a temer; segundo, o Deus compassivo,
misericordioso, gracioso, o Deus de amor, que em Cristo se tornou homem, para
nos salvar – este é o Deus manifesto
(Deus revelatus), que nos permite
olhar no coração de Deus e reconhecer sua verdadeira vontade. Ambos os lados de
Deus encontram o ser humano no tempo, nos cruéis destinos da vida e na
misericórdia que lhe é anunciada e dada. Mesmo assim, Deus não se deixa
dividir, mas permanece Deus uno e vivo, que se dirige e fala a nós em sua
Palavra, por lei e evangelho. O Deus que nos atrai ao arrependimento (à volta a
Deus) e à fé (o confiar em sua misericórdia).
Ao aspecto duplo da imagem de Deus corresponde à forma dupla pela qual
Deus governa o mundo e sua igreja. Ele sabe que a inclinação do ser humano para
o mal precisa ser mantida sob controle. Para isso Deus usa a lei, a força da
lei, a espada, pelas autoridades instituídas (seu reino da mão esquerda), a fim
de manter a ordem, assegurando assim mais ou menos a justiça civil e evitar o
caos.
Amor, misericórdia, graça e perdão, no entanto, são formas que Deus usa
em sua Igreja (reino da mão direita), para governar e chamar as pessoas a si.
Ambos os reinos, são governados e dirigidos pelo mesmo Deus, porém, de maneira
diferente e com objetivos (alvos) diferentes. Ambos os reinos não devem ser
misturados, para não serem ambos prejudicados. Separar igreja e estado dá a
ambos a liberdade, para servirem ao ser humano, cada qual em sua forma. Se
misturarmos esses dois reinos (como acontece no Islã, e também onde uma igreja
se torna Igreja do Estado, dependente do Estado), então facilmente se pratica
injustiças em nome da religião (como por exemplo em Genebra no tempo de Calvino[5]),
por fim a Igreja torna-se um serviçal do Estado ou o Estado torna-se um Estado
de Deus. A distinção da forma de Deus
governar os dois e a consequente separação de Estado e Igreja, pertence à tarefa
da qual a Igreja Luterana não pode abrir mão.
7.4 - Deus-homem e a salvação do ser humano
A respeito de Deus, a Igreja cristã confessa no Credo Niceno: “O qual por nós homens e pela nossa salvação desceu do céu e se
encarnou pelo Espírito Santo na virgem Maria e foi feito homem”. Neste
acontecimento,
baseia-se a obra salvífica de Cristo,
seu sofrer, morrer, sua ressurreição, sua ascensão e sua volta no fim dos
séculos. A Igreja antiga resumiu tudo isso no dogma da cristologia. A Reforma
luterana aceitou este dogma sem reservas. Dessa doutrina provém a doutrina
luterana da salvação, a soteriologia. Ambas essas formas são inseparavelmente
unidas. A humanação de Deus visa nossa salvação, nossa bem-aventurança, e
aconteceu, unicamente, “para nossa salvação”.
Neste ponto bate o coração da Reforma luterana, a saber, pela
cristologia se fundamento a justificação do pecador, unicamente por amor a
Cristo, somente por graça, pela fé (em Cristo e sua obra). “Justificação” é
hoje uma palavra mal compreendida e mal-entendida. Ela significa a livre
absolvição da culpa, do pecado, sem nossa cooperação e participação, um receber
passivo, de fora, que Deus nos pronunciou e atribuiu, (ou como dizemos:
“oferece, dá e sela” completo perdão dos pecados). Ele nos declara justos. A justificação não é uma doutrina que
precisa ser captada pelo intelecto e refletida, mas é um acontecimento, um
processo, que se concretiza ao ser humano e no ser humano. Justificação
pressupõe o “ser pecador da pessoa e sua confissão de pecados (isto é,
reconhecimento de sua necessidade de salvação). Ele é e permanece pecador, mas
torna-se aos olhos de Deus pela absolvição “justo”, para o correto louvor pela
salvação, pelo perdão que a obra vicária de Cristo lhe conquistou. A
compreensão “em nosso lugar”, como nosso substituto, obra vicária, é aqui o
ponto central, que une cristologia com soteriologia.
A fórmula da Reforma luterana “simul
justus et pecador” (simultaneamente justo e pecador) descreve o cristão
justificado. Sua santificação (= a transformação para uma pessoa que vive de
forma justa em pensamentos, palavras e ações) deve ser vista como principiante,
ainda com imperfeições, que aqui na vida terrena não será perfeita. Neste
sentido, santificação não deve ser tomada como base e pressuposto para a
justificação, mas como consequência, como fruto dela. A santificação brota da
justificação, mas não a opera. Essa clara distinção entre justificação e
santificação, em ordem irreversível, primeiro a justificação, depois a
santificação. Esta verdade não é aceita pela igreja Romana (Católica), nem
pelas igrejas reformadas e similares[6].
Ela é uma das partes das quais a Igreja Luterana não pode abrir mão do seu
ensino nem de sua prática.
A justificação é dada, a saber o “justus”
(o ser justo), somente por graça, somente
pela fé (= o confiar em Cristo, no qual a misericórdia de Deus se tornou
realidade, pela misericórdia de Deus), unicamente
por amor a Cristo. Isto torna-se mais visível pelo quadro de Lutero da
“feliz troca”: Culpa, morte e pecado, trocados por justiça, perdão e pureza;
morte por vida. Isto a pessoa alcança pela união com Cristo. Sua fé (para o
colocar de forma bem clara) não opera a salvação, nem em parte com o auxílio de
Deus, mas a recebe. A fé a recebe como presente de Deus. Este apegar-se,
voltar-se a Deus é operado pelo Espírito Santo, que a opera pelos meios da
graça ordenados por Deus, confiados a sua Igreja: Palavra e sacramentos.
7.5
- Os sacramentos e o culto
Justificação e sacramentos estão juntos de forma inseparável. Sem os
sacramentos, os frutos da obra salvífica de Cristo permanecem no passado.
Lutero disse: “Quem crer e for batizado
será salvo (Marcos 16.16). Compreende-o, por isso, da maneira mais simples,
assim: a força, a obra, o proveito, o fruto e o fim (alvo) do batismo é
salvar... É bem sabido, entretanto, que ser salvo não significa outra coisa
que, ser libertado do pecado, da morte, do diabo, chegar ao reino de Cristo e
com ele viver eternamente. Vês aqui de novo em que grande apreço se deve ter o
batismo, visto que nele alcançamos tão inexpressível tesouro” (Cat. Maior, Do
Batismo, § 24; LC, pág. 477, 478). Da mesma forma da Santa Ceia: “Porque, de
outra maneira, como saberíamos que tal aconteceu ou que nos deve ser dado de
presente, se não nos fosse anunciado mediante a pregação ou palavra oral? De
onde é que saberemos ou como é que podem apreender o perdão e dele se
apropriar, se não se atém à Escritura e ao evangelho e neles não creem? Ora, o
evangelho todo e este artigo do Credo: “Creio uma santa igreja cristã, a
remissão dos pecados, etc.”, mediante a palavra foram incorporados neste
sacramento e apresentados a nós. Por que haveríamos de permitir que se arranque
dos sacramentos este tesouro, quando eles têm de confessar tratar-se das mesmas
palavras que ouvimos por toda a parte no evangelho? (Cat. Maior, Da Santa Ceia,
§ 31; LC, pág. 489). Os sacramentos estão presos totalmente à Palavra de Deus.
Se a Palavra cai, os sacramentos caem também. Agora, no entanto, a Palavra
executa, opera, cria o que ela afirma, visto que o próprio Cristo está na
Palavra e fala em linguagem humana. Conforme Lutero, ela é uma Palavra de ação
– ação que é bem real naquilo que ela fala.
Esta compreensão realista do cumprimento e ação da Palavra de Deus – na
proclamação, bem como na consagração e distribuição real dos elementos –
caracteriza a posição de Lutero e também, não em grau menor, a posição da
Igreja Luterana. Ela crê, ensina e confessa a presença real de Cristo na Santa
Ceia para nossa salvação. Ele (a saber, Jesus) prega. Ele batiza. Ele absolve.
Ele torna seu corpo e sangue presente, para que seja distribuído e recebido.
Se esta confissão da presença real de Cristo em sua Palavra e da
presença real de seu corpo e sangue na Santa Ceia em, com e sob o pão e o
vinho, se esta confissão se perde e se ela
não for mais confessado de forma clara e confiável na administração da
Santa Ceia, mas reduzido a uma presença pessoal “em Espírito” (encoberta num
véu por palavras veladas, que não são mais textuais, mostram o quando já se
desviou da fé e da confissão da presença real), então a igreja perde o que a
torna igreja no sentido pleno: o ser povo de Deus, em cujo meio Cristo está
pessoalmente presente e seu Espírito agindo em nós. Trata-se aqui daquilo do que
a igreja vive – e se isto se perde – ela morre.
Visto ser a Igreja gerada e viver da Palavra de Deus e dos sacramentos,
o culto, em cujo meio esses dons de Deus são “administrados” (praticados),
proclamados e recebidos, são o centro de toda a vida da Igreja luterana. Isto
inclui a prática da Confissão e Absolvição, pela qual nos é aberto o caminho de
volta ao batismo, quando, é dado ao pecador contrito e arrependido, por ordem e
poder de Deus o perdão. Tal confissão e absolvição perdeu-se quase que
totalmente na Igreja do Ocidente. Como substitutivo entrou, sorrateiramente, a
ideia de que Deus é cordial e amoroso, que nunca se ira, não castiga, nem julga
ninguém – todos “são aceitos” por ele assim como são e como querem continuar a
viver. Pessoas que não necessitam mais de reconciliação, nem contrição, nem
confissão e absolvição. O pastor Claus Harms (1817) disse zombeteiramente: “Na
idade média, o perdão ainda custava dinheiro. Hoje, o temos de graça e cada um
se serve sozinho do perdão como quer”.
7.6
- O Ministério e a Igreja
Como último ponto na enumeração de
assuntos dos quais a Igreja da Reforma não pode abrir mão está sua posição em
relação ao Ministério da Igreja, enraizado na comunhão dos santos, naquilo que
chamamos de Igreja. A “comunhão dos santos” (communio sanctorum), como o confessamos no Credo Apostólico, sabemos, no entanto, que esta comunhão,
originalmente, é a participação nas coisas santas, nos santos sacramentos. De
fato, a igreja brota da Palavra e dos sacramentos, por meio deles o “corpo de
Cristo” se edifica. Pois, a Igreja não surge de resoluções de pessoas que se
reúnem para a finalidade de praticarem juntos a religião (Schleiermacher pensou
assim). Pelo contrário, é pela Palavra anunciada em seu meio e os sacramentos
administrados em seu meio que a fé é gerada. É pela fé que as pessoas são
incorporadas no povo de Deus, no corpo de Cristo. Não são os fiéis que fazem a
Igreja, mas a Igreja faz os fiéis através dos meios que lhe foram conferidos:
Palavra e sacramentos. Assim a Igreja, como congregação
dos santos, agradece total e inteiramente ao agir e falar de Deus, visto
ser ela criação da Palavra de Deus (creatura
verbi divini).
Para levar os dons de Deus, Palavra e sacramentos, às pessoas, a fim de
implantar e fortalecer nelas a fé, Cristo deu a sua Igreja “pastores” e
instituiu o santo ministério que eles exercem. Na instituição deste ofício pelo
próprio Cristo que chamou e enviou os apóstolos, a Igreja precisa manter-se de
forma imutável e não pode ver nisso uma instituição humana. A concepção de que
o santo ministério emana do “sacerdócio universal de todos os crentes” e é
simplesmente uma instituição humana para manter a boa ordem, é bem pietista,
mas não é doutrina da Igreja luterana (por isso também não se encontra assim em
nossas Confissões). Pelo contrário, a proclamação e administração dos
sacramentos (sempre é exercido “vice et
loco Christi”), é confiado aos portadores do ministério, que Cristo
instituiu. Eles, como responsáveis a Cristo, devem exercer seu ministério de
forma conscienciosa, sem falsificações. Sua incumbência e sua autoridade
remonta aos apóstolos, aos quais Jesus chamou diretamente.
Incumbência e autoridade são transmitidos, hoje, pela ordenação. Cristo
age hoje por meios, a saber dos ministros ordenados. A Igreja tem o dever de
examinar os candidatos à ordenação e transmitir o ministério àqueles que o
querem administrar conforme a vontade de Deus. (E, conforme a visão da Igreja
antiga e a maioria das igrejas fieis às Confissões, isso excluí a ordenação de
mulheres). A imposição das mãos que acontece na ordenação é um sinal valioso da
continuidade através dos séculos, mas não substitui a “sucessão apostólica”
(Sukzession), porém a acompanha.
Este pastorado apostólico, chamado também de “Ofício da Pregação”, tem sempre um caráter de “servo”. Ele não foi
instituído para dominar, para exercer “domínio”, mas tem sua autoridade
unicamente da Palavra de Deus. Esta Palavra cria por si a aceitação em fé. Os
portadores do santo ministério e os fiéis na Comunidade estão unidos um ao
outro e não devem existir um sem o outro.
Agora, nem a Escritura como tal, nem o culto ordenado por ela, nem a
liturgia nem a pregação, nem o santo ministério, nem a comunidade – seja lá
como se chamem – tem a finalidade em si mesma, mas servem ao louvor a Deus e a
salvação das pessoas para a vida eterna. Assim a indispensável finalidade, da
qual nunca podemos abrir mão, da qual a Igreja foi encarregada de levar ao
coração e à mente das pessoas, não encontramos em nenhuma exposição melhor
formulado do que na explicação do 2º Artigo do credo Apostólico de Lutero:
Creio que Jesus Cristo,
verdadeiro Deus, gerado do Pai desde a eternidade, e também verdadeiro homem,
nascido da virgem Maria, é meu Senhor. Pois me remiu a mim, homem perdido e
condenado, me resgatou e salvou de todos os pecados, da morte e do poder do
diabo; não com ouro e prata, mas com seu santo e precioso sangue e sua inocente
paixão e morte, para que eu lhe pertença e viva submisso a ele, em seu reino e
o sirva em eterna justiça, inocência e bem-aventurança, assim como ele
ressuscitou dos mortos, vive e reina eternamente. Isto é certamente verdade.
São Leopoldo,
22/02/2016
Tradução: Horst R. Kuchenbecker
VIII - Festejar com
quem e como os 500 Anos da Reforma
Estamos rumando para os festejos dos 500
Anos da Reforma luterana. O mundo cristão[7]
está-se preparando para os mesmos com programas dos mais diversos. A maioria
das Igrejas tem um programa para os dez anos que antecedem a data, com temas
anuais divididos em subtemas mensais,[8]
por isso chamada de Década da Reforma.
Através dos meios de comunicação está-se criando uma grande expectativa
para este dia: 31 de outubro de 2017. Esperamos não desiludir os participantes.
A pergunta que se coloca para nós é a seguinte: Com quem e como festejar
a Reforma luterana? Quais é o nosso propósito ou quais são os nossos objetivos
nestes festejos?
I – Com quem?
Por que Lutero fixou as 95 teses na porta da Igreja do Castelo de
Wittenberg? Não foi para criar uma divisão na Igreja. Acusação que ainda hoje
paira injustamente sobre Lutero.
Lutero foi um fiel padre católico e Doutor em teologia. Ao estudar a
Bíblia notou que sua Igreja, nos últimos tempos, havia-se desviado em vários
pontos do ensino bíblico. Chamou atenção a isso. Enviou cartas ao Papa, pedindo
correção dos erros. Pois, Lutero achava que esses erros estavam-se propagando
somente na Alemanha. O Papa em Roma não foi ouvido. Para seu espanto, o Papa o
repreendeu. Chocado com a venda das indulgências (perdão dos pecados por
dinheiro), escreveu e fixou as 95 teses, chamando ao arrependimento e
convidando para discutir essas suas afirmações (teses) à base da Escritura
Sagrada. Após vários debates, Lutero foi expulso da Igreja Católica Romana. Os
que reconheceram os erros da Igreja Católica e a verdade das Sagradas
Escrituras se uniram a Lutero. Esses foram apelidados de “luteranos”, isto é,
seguidores de Lutero.
Vejamos quais as expectativas das diversas
corporações religiosas que pretenderem festejar os 500 Anos da Reforma.
Católicos
- O que os Católicos esperam dos
festejos da Reforma? A Igreja Católica
e a Federação Luterana Mundial com as
Igrejas luteranas filiada a ela assinaram em 1998 a Declaração Conjunta[9],
na qual afirmam que concordam na doutrina da graça e da fé. E se comprometeram a não invocar as
condenações mútuas, se bem que não foram revogadas. As Igrejas luteranas não
filiadas à Federação Luterana Mundial,
mas congregadas no Conselho Internacional
Luterano (CIL) não assinaram esta Declaração
por discordarem doutrinariamente dos acertos. A Igreja Católica quer também que as Igrejas luteranas reconheçam
que Lutero foi causador da divisão da Igreja
Cristã Católica e voltem ao seio materno. Fato que nós luteranos
missourianos (como nos chamam) não podemos aceitar. Bem gostaríamos que
houvesse uma só Igreja Cristã no mundo, que se apegasse unicamente à Escritura
Sagrada e seguisse fielmente os ensinos de Cristo, mas não podemos comungar com
erros.
Reformados - O que os
Reformados esperam dos festejos da Reforma? Eles querem festejá-la no espírito
da União Prussiana. Por ocasião do
terceiro centenário da Reforma, o Imperador Alemão, Frederico
Guilherme III (1797 a 1840), decretou, no dia 27 de outubro de 1817, a união
entre luteranos e reformados em seu reino, conhecida até hoje como a União Prussiana. Muitos luteranos
aderiram, por motivos dos mais diversos. Um pequeno grupo, no entanto,
discordou. Apesar de tratarem, inicialmente, os que não aceitaram esta união
com muita cordialidade, logo passara a brutalidades. Pastores e leigos
luteranos que discordaram foram perseguidos, multados, encarcerados, e pastores
depostos do seu ministério. Estes pastores e congregações fundaram a Igreja Luterana Livre, a saber,
independente do Estado, hoje reunidos na Selbständige
Evangelisch-luterischen Kirche (SELK).
Até aqui, já houve muitas reuniões e
discussões entre luteranos e reformados. Vamos citar algumas das principais
reuniões. A Concórdia de Wittenberg
(1536): Lutero estava acamado. Martin Bucer conseguiu convencer Melanchton a
ceder um pouco para agradar aos zwinglianos, e assinaram a Concórdia de Wittenberg, que não durou muito. O próprio Bucer, por
seus ensinos, a quebrou. A Explicação Teológica de Barmen, 1934, a Concórdia de Leuenberg, 1973, o
compromisso de Lausane, julho de
1974, todos eles fracassaram. Nós luteranos fiéis ao Livro de Concórdia não pudemos concordar com as resoluções e nos
unir a eles. A Fórmula de Concórdia
de 1580 deixa a doutrina bíblica bem clara.
Os Reformados nos acusam de “separatistas” por insistirmos nos
sacramentos como meios da graça.e na presença real do corpo e sangue na Santa
Ceia.
Evangélicos
- O que os Evangélicos, com suas diversas ramificações, esperam dos festejos da
Reforma? Os evangélicos são ecumênicos. Defendem a união na diversidade. Julgam
que missão só acontecerá se a Igreja Cristã atuar unida, independente de suas
diferenças doutrinárias. Ora uma missão sem a semente pura, só produz uma
lavoura cheia de inço, que termina sufocando o resto da boa semente.
Resumindo, o que católicos, reformados e
evangélicos pensam a nosso respeito? Eles nos chamam de “missourianos
fundamentalistas e pietistas”. [10]
Eles nos rejeitam por não termos assinado a Declaração
Conjunta (entre Católicos e Luteranos), por não ordenarmos mulheres, por
não termo-nos filiado à Federação
Luterana Mundial, por não endossarmos as teses da União Prussiana e o Tratado
de Leuenberg, por não cooperarmos nos trabalhos missionários e na diaconia.
Por que menciono esses fatos? Menciono
esses fatos para não criarmos expectativas erradas. Vejam, badalamos os 500 Anos da Reforma, a data 31 de outubro
de 2017, e ainda não temos clareza como IELB, o que queremos fazer neste dia, nem com quem e como o festejaremos? Não há anda pior do que criar
uma expectativa errada, pois ela redundará numa grande desilusão.
Principais
diferenças.
- As principais diferenças com grupos acima
mencionados são:
- A posição diante da Bíblia - Nós
aceitamos a Bíblia como palavra inspirada, inerrante e infalível de Deus.
Portanto, como verdade única e absoluta. Os outros a aceitam como “contendo” a
Palavra de Deus, colocando a razão humana como juíza sobre a Palavra de
Deus. Católicos acrescentam a ela as
tradições. Evangélicos confiam na revelação direta do Espírito Santo.
- O
pecado Original - Ensinamos que o ser humano nasce, após a queda de Adão e
Eva, com o Pecado Origina. “O pecado,
que herdamos de Adão, é a completa corrupção de toda a natureza humana, agora
privada da justiça original, inclinada para todo o mal e sujeita à condenação”.[11]
Por natureza, o ser humano é espiritualmente cego, morto e inimigo de Deus.
Somos a única igreja que ensina isso com clareza. Esta doutrina é fundamental
para a correta compreensão da conversão, da fé e da vida santificada. As outras
religiões, mesmo falando do Pecado
Original só vêem no mesmo certa deficiência. Falam em certa corrupção, mas
deixam no ser humano a capacidade de buscar a Deus, de decidir-se por Deus e
cooperar em sua salvação.
- A salvação objetiva e subjetiva -
Cremos que Cristo salvou plenamente toda a humanidade e que Deus Pai aceitou o
sacrifício vicário de Cristo e justificou toda a humanidade (Justificação
objetiva). Deus oferece esta salvação, integral e completa, esta justificação,
por sua Palavra e seus sacramentos, Batismo e Santa Ceia, que chamamos de meios
da graça. Pelos meios da graça o Espírito Santo gera e mantém a fé, “onde e
quando lhe apraz” (CA V). Pela fé, a pessoa toma possa da justificação
(Justificação subjetiva). Católicos e evangélicos falam de Cristo. Eles ensinam
que Cristo não salvou completamente a humanidade; que Deus fez sua parte, mas
as pessoas precisam fazer a sua parte. Eles falam da “graça infusa”, isto é,
Deus dá uma porção de sua graça ao pecador, com a qual o pecador deve trabalhar
para completar a salvação. Assim os Católicos ensinam que as pessoas precisam
completar a salvação por suas obras ou o sofrimento no purgatório.
Evangélicos ensinam que a pessoa precisa
tomar a iniciativa de aceitar a salvação, buscar a Deus e completar a salvação
por sua vida santificada. Alguns ramos evangélicos ensinam que Deus salvou
somente alguns, a saber os eleitos, os outros que não creem, são os não eleitos
que serão condenados.
– Meios
da graça - Cremos que Deus oferece a salvação pelos meios da graça: Palavra
e sacramentos: Batismo e Santa Ceia. Por esses meios o Espírito Santo opera e
mantém a fé. As seitas não aceitam os sacramentos. Alguns acham que o Espírito
Santo não precisa de meios (de um veículo) para operar, gerar e manter a fé
numa pessoa. Que Deus Espirito Santo age diretamente. Católicos desvirtuam a
Santa Ceia. Evangélicos só vêem na Santa Ceia um ato de comunhão e confissão de
unidade. Mesmo que alguns falam na presença de Cristo na Santa Ceia, só
compreendem a presença espiritual de Cristo, visto julgarem que o corpo humana
de Cristo se encontra à direita de Deus e não está presente aqui.
- Cremos
na ressurreição da carne, no juízo final, no novo céu e nova terra, na vida
eterna - Nesse respeito há também
muita divergência. Católicos têm o purgatório.
Evangélicos o milênio. Para outros só o espírito ou a alma sobrevive,
etc.
Por essas razões, nós não celebramos
cultos de adoração com as igrejas com as quais não temos unidade na doutrina.
Proclamamos a palavra e nos esforçamos para a unidade doutrinária. Isto nos
leva à pergunta seguinte:
Com quem podemos celebrar a Reforma? Mantemos nosso compromisso: Não celebramos
culto com nenhuma igreja com a qual não temos comunhão de púlpito e altar, isto
é, concordância doutrinária.[12]
Participamos, no entanto, de Celebrações (não cúlticas). Celebração é uma
comemoração de certas datas festivas, quer eclesiásticas ou pátrios, ou
acontecimentos diacônicos especiais. Nas
quais atuamos sem talar. Poderá haver manifestação de diversas pessoas das
diferentes igrejas. Sem orações.
II - Como?
Não faltarão convites dos grupos acima
mencionados para com eles festejarmos a Reforma. Diante disso precisamos manter
nossos princípios. Nisso, na maioria das vezes, não seremos compreendidos em
nosso mundo ecumênico; colheremos, muitas vezes, aversão.
1)
Comunhão
de púlpito e altar. - Não praticamos, celebramos cultos com Igrejas
ou
comunidades com as quais não firmamos comunhão na doutrina, isto é, com as
quais não assinamos um documento no qual concordamos na doutrina, a saber, a
assinatura do Livro de Concórdia. Não
entendemos a confissão do Livro de
Concórdia como uma confissão particular da Igreja Luterana, mas como
doutrina bíblica universal da Igreja Cristã. Nela, importa, que firmemos a
comunhão de Púlpito e de Altar.
2)
Comunhão
seletiva - Aqui surge a pergunta: Se numa localidade, há um pastor (digamos,
da IECLB, presbiteriano ou outra denominação) com o qual concordamos em grande
parte na doutrina (isto é muito possível, especialmente na IECLB e na igreja
presbiteriana), poderíamos celebrar um culto em conjunto? Chamamos isso de “Comunhão Seletiva”. Nossos pais optaram
por não, visto aquele pastor estar ligado a uma corporação com a qual não temos
comunhão. Amanhã muda o pastor e poderá vir um pastor liberal, ou até pastora.
Como vamos explicar isso aos membros, dizendo: Agora não podemos. Isso, sem
dúvida escandalizaria muitos membros.
3)
Celebrações -
Participamos, no entanto, de celebrações em certos momentos festivos ou datas
festivos, religiosos ou pátrios, ou em momentos de grandes catástrofes. Qual a
diferença? Culto é adoração: proclamação da Palavra, oração e louvor. Isto
requer comunhão na doutrina. Celebração são manifestações, nas quais cada
pastor ou grupo externa sua posição, sem que isto expresse comunhão e
concordância nossa com as idéias e pensamentos dos outros presentes neste
evento. Em alguns momentos religiosos ou de catástrofes, podemos usar orações
que nos são comuns, como o Pai Nosso,
ou até o Te Deum, ou cantos comuns,
como o canto de um Salmo, de hinos comuns, etc. Evidentemente não o canto
do Ave Maria.
Assim, por exemplo, na
comemoração da Reforma, Dia da Soc. Bíblica, ou as grandes festas da
cristandade, cada um poderá dar sua mensagem, conforme sua doutrina. Sem dúvida, as diversas mensagens deixarão
transparecer as diferenças.
4)
Colaboração
in externis - Nós
participamos com outras igrejas nos diversos trabalhos e empenho diaconal.
Chamamos isso de colaboração externa. Que significa isso? Em nossos dias com
tantas aberrações, a igreja cristã precisa se unir e em conjunto, quando
concordar, para externar sua opinião, quer pela elaboração de um documento em
conjunto ou mesmo uma passeata. Por exemplo, contra a lei do aborto ou em favor
da família, etc. Nesses momentos externamos nosso posicionamento ético e nossa
solidariedade diaconal nos momentos de catástrofe. Nada impede também a
participação e manifestações públicas em defesa da posição ética natural (isto
é, conforme a lei inscrita no coração humano).
- Perguntas polêmicas sobre nosso relacionamento com outros
cristãos - Como proceder no
relacionamento com cristãos de outras denominações cristãs, com as quais não
temos comunhão de púlpito e altar, a quem nós negamos esta comunhão, como por
exemplo: a católicos, batistas, presbiterianos, adventistas, metodistas,
Assembléia de Deus, pentecostais, e à Igreja Evangélica de Confissão Luterana,
etc.?
Vamos rever alguns princípios da
Escritura.
O Evangelho é o poder de
Deus para a salvação de todo aquele que crê. O profeta Isaías afirma: Porque, assim como
descem a chuva e a neve dos céus e para lá não tornam, sem que primeiro reguem
a terra, e a fecundem, e a façam brotar, para dar semente ao semeador e pão ao
que come (Isaías 55.10). O apóstolo Paulo
escreve: Pois não me envergonho do
evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê,
primeiro do judeu e também do grego (Romanos 1.16). O apóstolo João
escreve: Mas, a todos quantos o
receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que
crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne,
nem da vontade do homem, mas de Deus (João 1.12-13).
O que essas
palavras nos dizem? Elas dizem que onde o evangelho de Cristo é proclamado,
(lido, ouvido, meditado) onde se prega arrependimento e fé na graça de Cristo,
mesmo que não totalmente pura e limpa, ali há cristãos. Ali o Espírito Santo
atua pela palavra, gera e mantém a fé “onde e como lhe apraz” (CA V). Ali há
filhos de Deus pela fé na graça de Cristo. Por isso não duvidamos que nas congregações,
tanto evangélicas como católicas e entre as seitas – na media em que o
evangelho do Salvador Jesus é lido e anunciado - há filhos de Deus (Mc 16.16;
Lc 17.16; Jo 4.25 – samaritanos). Este é também o posicionamento de nossas
Confissões luteranas. Lemos no Prefácio
ao Livro de Concórdia: “Pois para nós não há sombra de dúvida que se podem
encontrar muitas pessoas piedosas e inocentes também nas igrejas que até agora
não chegaram a acordo conosco em tudo. Essas pessoas seguem na simplicidade de
seus corações, não entendem bem a questão e nenhum agrado têm nas blasfêmias
contra a santa ceia tal como é celebrada em nossas igrejas...” (LC pág. 10).
Dr. C.F.W.Walther escreve no seu livro: A verdadeira Igreja Visível, 11ª tese: A Igreja Evangélica Luterana não é a “una santa Igreja cristã” fora da
qual não há bem-aventurança e salvação; ela, porém, nunca se separou da mesma,
mas a confessa e a ela se atém.
Quais são os
motivos para afirmarmos que fora de nossos muros confessionais há
cristãos? Que há cristãos fora de nossos
muros é na verdade um artigo de fé. Isto não é o resultado da observação
humana, mas uma revelação da Palavra de Deus. Pois o fato de haver cristão nas
igrejas que não permanecem em todas as verdades bíblicas, sabemos não pelo fato
de praticarem boas obras, mas do fato de a Palavra de Deus estar ali em uso.
Na prática
ouvimos, por vezes, de nossos membros interrogações de admiração. Por exemplo:
“Se olho para as seitas, vejo que seus membros têm muito mais amor e fervor
pela causa de Cristo do que nós. Eles ofertam vultosas somas para a assistência
social, sua freqüência aos cultos, e eles têm grande fervor evangelístico. Em
muitos aspectos eles nos envergonham”. É verdade. Mas em si, as simples obras
não provam nada. Também as pessoas nas religiões não cristãs como a Ciência
Cristã, Testemunhas de Jeová, Mórmons, mesmo no Islã as pessoas apresentam tais
obras. Portanto, a prática de boas obras, em si, não prova nada se alguém é ou
não um cristão. A prova de que também nas seitas há eleitos de Deus, está no
fato de estar entre eles em uso o Evangelho.
Mais um detalhe
importante. Todos os cristãos (verdadeiros, isto é, os que têm fé na graça de
Cristo) são membros do corpo de Cristo. O Espírito Santo habita neles. Ele
operou e mantém a fé e lhes concede todos os dons, como o confessamos na
exposição do Terceiro Artigo do Credo
Apostólico: “Creio que por minha
própria razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a
ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo evangelho, iluminou com seus dons,
santificou e conservou na verdadeira fé. Assim também chama, congrega, ilumina
e santifica toda a cristandade na terra e em Jesus Cristo a conserva na
verdadeira e única fé”. Portanto, todos os verdadeiros cristãos formam a
grande família da fé. São nossos irmãos e irmãs em Cristo, pois pertencem à
igreja invisível aqui na terra. Digo invisível, porque não podemos ver a fé nos
corações, não podemos julgar se alguém de fato crê ou não. Por isso o apóstolo
Paulo afirma: O “Senhor conhece os que
lhe pertencem” (2 Tm 2.19). Todos os que baseiam sua salvação e esperança
unicamente em Cristo, que se apegam em fé à graça de Cristo, formam o reino
invisível de Cristo. Ali há completo perdão dos pecados, todos os dons
espirituais, todas as orações são ouvidos, nos quais o nome de Deus é
santificado e feito a sua vontade, apesar de todas das fraquezas humanas, mesmo
imperfeições e obscuridade na doutrina. Este reino espiritual ao qual todos os
cristãos pertencem, têm a promessa da bem-aventurança. A ele pertencem os
patriarcas do Antigo Testamento, também os fiéis de Nínive e da Assíria (Is
19.23). Nesta igreja invisível há luteranos, metodistas, presbiterianos,
batistas até episcopais e católicos. Pois em todas essas igrejas há ainda oportunidade
para ouvir o evangelho através do qual Deus gerar seus filhos “onde e quando lhe apraz”. (CA V)
Esta verdade é
muitas vezes esquecida em nosso meio. Por vezes, membros nossos, quando
assistem cultos ou devoções nessas seitas, voltam impressionados, dizendo:
“Eles ensinam a mesma coisa que nós”. Um membro me disse que visitou sua tia,
presbiteriana, no hospital. O pastor dela estava lá e fez uma devoção. A pessoa
me disse: Pastor: “Ouvi uma devoção sobre a graça de Cristo, como nós ensinamos.
Fiquei muito consolado, pois minha tia faleceu dias depois”. E então ela me fez
a pergunta muito lógica: Por que estamos separados deles, se eles ensinam a
graça corretamente, se eles são nossos irmãos na fé?
Tive que me
demorar com ela para clarificar o assunto.
Em primeiro lugar temos que lembrar:
Onde a Palavra de Deus está em uso, onde lei e evangelho são pregados, ali o
Espírito Santo tem a oportunidade de gerar a fé. Logo, cremos que fora de
nossos muros confessionais, também há cristãos.
Segundo lugar. Este fato de que fora de nossos muros
confessionais há cristãos como, por exemplo, na Igreja Católica, Presbiteriana,
Batista, Metodista, etc., parece estar em contradição com nossa posição – que
parece dura, e rígida – em condenar essas igrejas como falsas, por não
permanecem em toda a verdade e, por isso, não mantermos comunhão com eles,
quando na verdade há ali verdadeiros cristãos, como afirmamos, que formam
conosco uma família em Cristo.
Terceiro. Nós condenamos estas igrejas como
falsas e advertimos nossos membros contra essas igrejas – mesmo sabendo que há
ali, entre eles, cristãos e até pregadores que, mesmo não concordando em tudo o
que suas Igrejas e Sínodos ensinam, permanecem em muitos pontos na verdade
bíblica. Seus Sínodos permitem isso. Aí parece haver uma contradição em nossa
prática. Há membros e até pastores que acham que não deveríamos condenar seus
erros com tanta veemência. Tenho ouvido isso até de nossos membros que
reconhecem a importância de zelarmos pela pureza de doutrina e evitar todo o
tipo de unionismo. Eles nos dizem, que esta separação nos deixa intranqüilos.
Esta intranqüilidade é ainda maior, quando falamos de outras igrejas luteranas
das quais estamos separados. Vamos tomar o exemplo da IECLB. Nela há muitos
pastores e membros fiéis, fiéis às Confissões, e só porque estão filiados à
IECLB não podemos ter comunhão com eles? Por que não? Precisamos lembrar que
não condenamos as pessoas destas igrejas, mas os seus erros doutrinários.
Quarto. Numa discussão teológica com
outras igrejas, um professor nosso leu um artigo de um dos nossos professores
do passado que denunciou diversos erros de uma igreja. Terminado a leitura,
pessoas da outra igreja pediram a palavra e contestaram diversas acusações,
dizendo que esses são erros do passado, que eles já modificaram. Nosso
professor respondeu: Fico muito feliz em ouvir isso, mas gostaria de ouvir ou
ver uma prova, de que vossa igreja, realmente rejeitou esses erros e que todos
concordam com isso. – Bem, responderam,
vocês sabem que nossa igreja é democrática. Não temos um código rígido, fechado
de doutrinas, como vocês com vosso Livro
de Concórdia. Nós somos mais abertos, não descriminamos, cada um tem a
liberdade de ensinar conforme sua convicção. Realmente isto é um problema no
relacionamento com tais igrejas.
Quinto. Será que pelo fato de haver
cristãos numa igreja, ou até pregadores que ensinam parcialmente de forma
correta, podemos ter comunhão com aquele Sínodo? A Escritura responde com um:
Não! Vejamos alguns detalhes. Jesus ordenou: - Ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado (Mt
28.20). Temos aqui a palavra “todas”. “Aquele,
porém, que entra pela porta, esse é o pastor das ovelhas. Para este o porteiro
abra, as ovelhas ouvem a sua voz, ele chama pelos nomes as suas próprias
ovelhas e as conduz para fora. Depois de fazer sair todas que lhe pertencem,
vai adiante delas, e elas o seguem porque lhe reconhecem a voz; mas de nenhum
modo seguirão o estranho” (Jo 10.2-4). As ovelhas lhe reconhecem a voz e o
seguem. O apóstolo Paulo escreve:
“Rogo-vos, irmãos, que noteis bem aqueles que provocam divisões e escândalos,
em desacordo com a doutrina que aprendestes; afastai-vos deles” (Rm 16.17).
Aqui temos a palavra “afastai-vos deles”.
Sexto. Aqui, na igreja visível,
cabe-nos zelar pela pureza de doutrina. A doutrina da Bíblia, a única
autoridade em matéria de fé e vida. Muitas igrejas cristãs aceitam a Bíblia
como palavra de Deus, mas não como única autoridade. Única autoridade para muitos
é a razão humana. Para católicos é a Bíblia e as tradições. Para muitas seitas
é a Bíblia é a revelação especial do Espírito Santo. Muitos aceitam a Bíblia,
mas não aceitam os sacramentos e afirmam que o Espírito Santo não precisa de um
veículo para nos dar a graça. Muitas seitas falam da “graça de Cristo”, mas não
aceitam a graça universa, isto é, que Cristo morreu realmente por todos. Falam
da fé, mas a atribuem ao seu livro arbítrio, isto é, a sua decisão de crer.
Assim por diante. Com essas igrejas é impossível estabelecer comunhão de
púlpito e altar. Precisamos lembrar que nestas igrejas – reformadas e luteranas
– a doutrina errada não é o ensino e a fé privada de um e outro líder, mas sua
doutrina oficial por eles defendida. Por outro, mesmo que um e outro ensine
corretamente, mas o Sínodo como tal tolera em seu meio pastores que negam a
divindade de Cristo, rejeitam a Bíblia como palavra de Deus, interpretam as
profecias erradamente e em seus púlpitos há muitos erros. Sei que aqui alguém
poderá objetar: Mas entre nossos pastores também há ainda muitos erros. Será
que em nossos púlpitos tudo está certo? É verdade! Há muitas fraquezas e sem
dúvida também erros nas pregações. Mas nós não os toleramos. Onde o erro é
notado, há colegas, conselheiros e o Presidente da Igreja para admoestar,
corrigir e reerguer.
Mantemos
comunhão com Igrejas (Sínodos) não pelo simples fato de haver ali cristãos, mas
pelo fato de confessarem publicamente em todas as partes as verdades bíblicas,
o que é expresso pela assinatura do Livro
de Concórdia, praticando-as, isto é, não tolerando entre eles pessoas que
se desviam propositalmente dessas verdades.
Lemos na Confissão de Augsburgo, artigo VII Da Igreja: “Ensina-se também que sempre haverá e permanecerá uma única santa
igreja cristã, que é a congregação de todos os crentes, entre os quais o
evangelho é pregado puramente e os santos sacramentos são administrados de
acordo com o evangelho.
Porque para a verdadeira unidade da igreja
cristã é suficiente que o evangelho seja pregado unanimemente de acordo com a
reta compreensão dele e os sacramentos sejam administrados em conformidade com
a palavra de Deus. E para a verdadeira unidade da igreja cristã não é
necessário que em toda a parte se observem cerimônias uniformes instituídas
pelos homens. É como diz Paulo em Efésios, 4: “Há somente um corpo e um
Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um
só Senhor, uma só fé, um só batismo”. (Ef 4.5,6)
Por outro,
cabe-nos proclamar zelosamente a verdade, o que chamamos de evangelismo. Mas
não fazemos proselitismo, isto é, buscar e atrair membros de outras igrejas
cristãs, para nossa. Nós não nos metemos em rebanho alheio. Por outro lado, nos
esforçamos pela unidade da cristandade, isto é, convocando, participando de
diálogos com outras igrejas, testemunhando da verdade. Mesmo aqui é importante
lembrar que a expressão: “É suficiente
que o evangelho seja pregado... (latim: satis
est), isto não reduz a confissão a um mínimo, mas se refere ao evangelho na
sua totalidade, a saber: à assinatura de nossas Confissões, ou seja do Livro de
Concórdia (Sasse). Aqui cumpre lembrar que um pouco de fermente (doutrina
errada) levada toda a massa (Gálatas 5.9).
X - Fundamentalismo
Pastor! Nós luteranos somos
fundamentalistas? Sou um universitário e sei que toda a verdade é relativa.
Ouvi meu pastor afirmar: “Nós luteranos cremos que a Bíblia é a Palavra de
Deus. Ela é verdade absoluta”. Eu sei que a Bíblia contém a palavra de Deus,
mas afirmar que ela é verdade absoluta me parece semelhante às religiões
fundamentalistas, como o Islã. Eles acham que têm a verdade absoluta e querem
impô-la a todos, até a força. Por isso ela é muito contestada. Daí minha
pergunta: Nós luteranos também somos fundamentalistas?
História
Esta é uma pergunta ou até acusação que muitos nos fazem. Numa reunião com pastores de outras igrejas
fomos acusados de fundamentalistas. Perguntei: O que é isso? – Eles estranharam
e disseram: Você não sabe o que é ser fundamentalista? – Respondi: Eu sei. Mas
devido a vossa acusação, suponho que temos definições diferentes.
O que significa, por tanto, ser fundamentalista?[13]
Ser fundamentalista significa ter um bom fundamento para suas afirmações e sua
fé. Mas a palavra “fundamentalista” adquiriu desde 1912 um sentido particular.
Naquele tempo reinava entre os cristãos o liberalismo, isto é, as principais
verdades bíblicas eram desacreditadas. Surgiu, então, um grupo de cristãos que
se apegaram à Palavra de Deus. Lançaram a revista com o nome de O Fundamentalista. Seus objetivos eram
combater o liberalismo e reafirmar as principais doutrinas bíblicas como a
inspiração verbal da Bíblia e sua autoridade, o criacionismo conforme Gênesis,
o sofrimento vicário de Cristo pela humanidade, a ressurreição da carne, etc. A
eles agregou-se, infelizmente, também o movimento pré-milenarista.
Mudança do nome
Mais tarde, crescendo os movimentos missionários, o nome fundamentalista foi abandonado e
substituído por “Evangélicos”, que
abrange hoje um grande grupo, especialmente as religiões eletrônicas da música Gospel. É um movimento que perpassa muitas
denominações.
O movimento se caracteriza por sua maneira própria de interpretar a
Bíblia, tomando a ao pé da letra, sem levar em conta a analogia da fé. Muitos
luteranos que lêem seus livros e cantam seus hinos com a mente luterana, por
assim dizer, sentem-se em casa e nem se apercebem de que o verdadeiro consolo
do Evangelho lhes está sendo roubado. Por isso precisamos analisar e conhecer
este movimento.
Erros
Poderíamos analisar seus erros de diversos
ângulos. Vamos ater-nos ao que é básico, a saber, sua maneira de interpretar a
Bíblia. Vejamos alguns pontos.
1. Fazem da Bíblia um novo código de leis - Os fundamentalistas evangélicos
tomam a Bíblia muito a sério. Isto é bom. Eles a tomam ao pé da letra, o que em
si está correto. Pois a primeira regra na interpretação é tomar cada palavra no
seu sentido literal, a não ser que o contexto nos obrigue a interpretá-la
figurativamente. Este último detalhe os fundamentalistas ignoram. Por isso caem
em erros. A Bíblia é para eles um código de leis e falham em ver na Bíblia seu
tema principal, Cristo e seu Evangelho. A Escritura foi nos dada por causa do
Evangelho, por isso ela deve ser interpretada conforme a “analogia da fé”, a
saber, conforme o espírito do Evangelho. Fazer da Bíblia um novo código de leis
e exigir obediência rigorosa, dizendo: Está escrito, é interpretação legalista.
Assim agem também os “fundamentalistas” da religião islâmica.
A lei de Deus foi, inicialmente, inscrita no coração de Adão e Eva. Com
a queda em pecado, este conhecimento foi obscurecido. Não conhecemos mais, por
natureza, a grandeza da santidade de Deus e a profundidade da lei. Pelo
conhecimento natural o ser humano sabe ainda que Deus existe e conhece os
rudimentos da lei de Deus, da vontade de Deus. Por essa razão o código de
Hamurabi, por exemplo, tem muita semelhança com a segunda tábua da lei que
Moisés recebeu no Monte Sinai. Mas pelo conhecimento natural jamais chegaremos
ao conhecimento do Evangelho, da graça de Deus revelada em Cristo Jesus. Jesus
é a pedra angular. (1 Pedro 1.7). Por
esta pedra toda a Escritura e sua interpretação deve ser orientada. Para isso
precisamos a Escritura. Assim, o principal objetivo da Escritura é anunciar o
Evangelho. O evangelho, que nos anuncia a graça de Cristo é o ponto central da
Bíblia do começo ao fim. Em outras palavras, Cristo é o centro da Bíblia, da
primeira à última página. Isto os fundamentalistas, mesmo sendo chamados de
evangélicos, ignoram. E este erro leva, conseqüentemente, a um segundo erro:
2. Pré-milenarismo – Sua maneira de interpretar a Bíblia de forma literal os levou a
interpretar as preciosas profecias messiânicas de forma material. Para eles
Israel é mais importante do que Jesus. Sonham com a volta de Cristo para um
reino material de mil anos aqui na terra e a exaltação do povo de Israel a uma
nação que dominará o mundo. Velho sonho judaico. Chegaram a isso por
interpretarem o livro de Apocalipse 20.1-7 de forma literal, não levando em
conta todo o contexto de Apocalipse, que, como livro profético, usa muitas
figuras de linguagem. Pela forma literal, eles insistem que Apocalipse fala em
mil anos reais e da volta visível de Cristo para levantar aqui, no presente
mundo, um reino de paz com a duração de mil anos. Não notam que as profecias do
grande reino de paz do profeta Isaías (2.4ss.) se cumpriu no dia do nascimento
de Jesus, quando os anjos cantaram: Paz
na terra aos homens a quem ele (Deus) quer bem (Lc 2.14). Com tal
interpretação, eles têm, na verdade, alguma dificuldade com a grande corrente
com a qual o anjo amarra Satanás. Será que o diabo arrastará tal corrente por
mil anos pelo universo? O contexto de todo o Novo Testamento e dos Evangelhos
nos levam a interpretar este trecho figurativamente. Os mil anos são o período
da graça do Novo Testamento, da Igreja Cristã, e se estende da ressurreição de
Jesus até a sua vinda em glória para julgar vivos e mortos. Neste período o
Evangelho é pregado em todo o mundo. Este Evangelho é poder de Deus que limita
o poder de Satanás, liberta os fiéis do seu poder, dá forças aos fiéis para
poderem resistir ao diabo. E, visto que no final deste tempo a humanidade volta
a rejeitar o Evangelho, Satanás adquire novamente grande poder. A Bíblia diz
que o evangelho nos liberta. Se o evangelho é rejeitado, o diabo adquire,
novamente, sua força, o que a Bíblia denomina como: “Será solto da sua prisão e
sairá a seduzir as mações... “ (Apocalipse 20.7,8). Então Jesus virá julgar os
vivos e os mortos.
Mais um detalhe. Os fundamentalistas evangélicos, em sua interpretação
legalista da Escritura, falham também em compreender o que significa estar à
“direita de Deus”. Imaginam um lugar distante no universo, onde Jesus se
encontra como homem, mas com sua natureza divina, não a humana, Jesus está em
todo o lugar. Neste caso, temos dois Cristos, um divino e outro humano, que
vivem separados. Eles não compreendem que o “estar à direita do Pai” é estar em
toda a parte e “sobre tudo”, é ter todo o poder como verdadeiro Deus e
verdadeiro homem, como uma só pessoa. Na comunicação das qualidades, Jesus como
homem possuiu as qualidades divinas, a saber, Jesus como homem é onisciente,
onipresente, onipotente.
Por esta razão, eles não aceitam a presença real de Cristo na Santa
Ceia. Pois, conforme a instituição de Cristo e a afirmação do apóstolo Paulo,
recebemos na Santa Ceia sob, em e com o pão o verdadeiro corpo de Cristo de
Cristo dado por nós e sob, em e com o vinho o verdadeiro sangue de Cristo de
Cristo derramado por nós, para perdão dos pecados. Para deixar isso bem claro,
Jesus acrescenta: Isto é o meu sangue,
sangue do novo testamento, derramado por todos para remissão de pecados (Mt
26.28). Quem, porém não crê, recebe Cristo para juízo e condenação. Alguns,
como os presbiterianos, admitem que Cristo está presente como Deus, como pessoa
e que o recebemos, não precisamente pelo pão e o vinho, mas de forma
espiritual, pela fé. E dizem que aquele que não crê, recebe somente pão e
vinho. Para eles o que torna esta ceia a Santa Ceia não é a consagração, mas a
fé pessoal da pessoa. Isto é contra a afirmação do apóstolo Paulo: Examine-se, pois o homem... pois quem come e
bebe sem discernir o corpo, como e bebe juízo para si. (1 Co 11) Sim, quem
não crê, recebe o corpo e o sangue de Cristo, mas para juízo. Não é a nossa fé que faz a Santa Ceia, mas as
palavras da instituição. Pela fé recebemos a bênção, pelo não crer, o juízo.
Dentro dessa mesma linha está sua negação do poder do batismo. Eles
argumentam: Jesus disse: “Quem crer e for batizado, será salvo”. (Mt 16) Jesus
coloca a fé antes do batismo, logo só pode ser batizar quem crê, quem for capaz
de confessar sua fé publicamente. E fazem do batismo somente uma confissão,
negando-lhe o poder de ser um meio da graça. Pois, mesmo ensinando eles que
somos salvos somente por fé, entendem por fé um ato divino com a colaboração
humana. Caem assim em diversos erros. Negam ao batismo o poder de gerar a fé.
Negam, contra a afirmação de Jesus, que crianças (pequeninos, crianças de
peito), crêem. Por isso também seus hinos são sentimentais, da teologia do
“Eu”, eu amo, eu faço, eu sinto, eu te quero e falam pouco da ação do amor de
Deus em Cristo. Não compreendem que o renascer, (Jo 3; Rm 6) o vir à fé, o
momento no qual é gerada a fé, quer pelo batismo ou a Palavra, ser a primeira
ressurreição. A segunda ressurreição acontecerá quando Cristo vem para o dia do
juízo final.
Lei e Evangelho, Justificação e
Santificação
Poderíamos citar muitos outros exemplos.
Sua tônica está na obediência aos mandamentos de Deus. Em sua interpretação
literal das profecias e textos que devem ser tomados figurativamente, eles
exaltam a Jesus como Senhor, o seu poder e falam pouco de sua graça. Confundem
Lei e Evangelho, justificação e santificação.
O perigo em nossos dias
Vivemos novamente dias de grande
liberalismo. A Lei de Deus é rejeitada, por isso não há arrependimento, nem
fome e sede pelo perdão de Deus. Só se quer louvar a Deus, para uma catarse
pessoal e para satisfazer seu ego religioso, sem temor de Deus, nem verdadeira
adoração. Sem a correta pregação da lei, não há reconhecimento do pecado e da
necessidade de um Salvador. Sem a correta pregação do Evangelho, não há fé, nem
frutos da fé, o verdadeiro amor. Sem
arrependimento e fé na graça de Cristo, a liberdade cristã torna-se
libertinagem. Dentro desse quadro, as religiões fundamentalistas como o
islamismo e os fundamentalistas evangélicos criam novamente forças e levantam a
bandeira do rigor da lei, mas de uma lei superficial, sem o reconhecimento do
pecado original, um legalismo barato. Muitas pessoas desiludidas com o falso
cristianismo veem no islamismo uma tábua de salvação, especialmente na educação
de seus filhos e da juventude, e se deixam enganar por elas. Cuidado.
Conclusão
Cantamos em nosso belo hino: Oh! retenhamos com firmeza o reto ensino do
Senhor e conservemos em pureza as novas do bom Redentor. Jamais devemos anular
o que Jesus nos faz pregar. (HL 246.1)
Ao nos prepararmos para os 500 Anos da Reforma, importa que nos
apeguemos a nossas Confissões. Estudar, especialmente o Catecismo Menor de
Lutero, com a explicação de Heinirch Chr.
Schwan. Importa estudá-lo em família, com nossos jovens, mesmo que sua
linguagem nos pareça arcaica. Ali está um imenso tesouro, fundamento para a
nossa fé e escudo contra as aberrações de nossos dias. Nele encontramos a
verdade bíblica corretamente exposta para repreensão, consolo, orientação e
para a compreensão da verdadeira liberdade cristã. A leitura da Bíblia leva à
nossas Confissões e a leitura de nossas Confissões leva a verdadeira
compreensão da Bíblia.
São Leopoldo,
agosto 2005
Horst R. Kuchenbecker
XI– Programas
Aqui os temas anuais para a
Luther-Decada da Vereinigten Evangelisch-Luterischen Kirche (VELK) e da Selbständige Evangelisch-Lutherische
KIrche (SELK).
SELK – www.blickpunkt-2017.de)
Folgende Themen haben wir
in der Dekade bis 2017 im Blick:
2009: Luthers
Thesenanschlag – Außer Thesen nichts gewesen?
2010: Die
Beichte – Geständnis für die Ewigkeit.
- 2011: Die
Taufe – Die Taufe schließt den Himmel auf.
- 2012: Das
Abendmahl – Zu Tisch mit Gott.
- 2013: Die
Gemeinde – Geschwister auf ewig.
- 2014: Die
Kirche – Werkstatt des Heiligen Geistes.
- 2015: Tradition –
Erbe zwischen Lust und Last.
- 2016: Christenleben –
Mit Christus in einem Boot.
- 2017: Reformation –
Luther weckt die Kirche auf.
A Igreja Luterna do Canadá – LCC
– Estabeleceu o seguinte programa: Proeminentes figuras da Reforma:
-
2013 – Filipe Melanchton
-
2014 – Catarina von Bora
-
2015 - Martinho Lutero
-
2016 – Sangos da Reforma
-
2017 – História da Reforma
Alguns programas via internet:
-
www.damals.de/27
-
Outros
temas:
Anexo também, o índice do livro Unser
Erbteil (acho que deve estar na Biblioteca) que a LCMS lançou por
ocasião dos 400 anos da Reforma. Cada professor elaborou um destes temas. O
índice dos temas é interessante: Unser
Erbteil. Eine Gedächtnisschrift auf das 400 jährige
Refomationsjubiläum den 31 Oktober 1917. St. Louis, MO. Concordia Publishing
House, 1917
1.
Prefácio
2.
Wittenberg 1517
3.
Lutero o herói da fé
4.
A
armadura de Lutero
5.
A
Bíblia alemã
6.
Lutero
como pregador
7.
Lutero
como poeta sacro
8.
“Castelo
forte é nosso Deus”
9.
A
comunidade cantante
10. Lutero no seu círculo de amigos
11. Lutero como homem de oração O Dr.
Martinho Lutero e João Batista
12. Nossa libertação da superstição
católica
13. Nossa libertação da tirania do direito
católico
14. Nossa libertação do sacramento da
penitência católica
15. O Sola
Scriptura
16. O Sola
Gratia
17. O Sola
Fide
18. Katarina de Bora
19. Versos e citações de Lutero
20. Inimigos da Reforma que a promoveram
21. Amigos da Reforma que a prejudicaram
22. As três grandes Dietas: Worms (1521),
Spier (1529), Augsburgo (1530),
23. A Reforma e a escola
24. Lutero e nosso tempo
25. Como externar nossa gratidão pelos
benefícios da Reforma
26. O júbilo dos justos (Sl 118)
[1]
LIVRO DE CONCORDIA. (LC) Editora Sinodal, São Leopoldo, RS e Editora Concórdia,
Porto Alegre, RS, 1980. - As notas ao pé das páginas são do tradutor.
[2]
Portanto, não podemos abrir mão dessa verdade de que a “Bíblia, Antigo e Novo
Testamento, é, em seu todo, palavra por palavra, inspirada por Deus. Deus deu
aos escritores da Bíblia os pensamentos e as palavras exatas que deveriam
empregar. Deus nos deu sua palavra a fim de fazer-nos sábios para a salvação
pela fé em Cristo Jesus” (Cat. Menor. Exposição de Schwan. Editora Concórdia,
2013, pág. 33,34).
[3]
Quanto ao livre arbítrio se ensina que o homem tem até certo ponto livre
arbítrio para viver exteriormente de maneira honesta e escolher entre aquelas
coisas que a razão compreende. Todavia, sem a graça, o auxílio e a operação do
Espírito Santo o homem é incapaz de ser agradável a Deus, teme-lo de coração,
ou crer, ou expulsar do coração as más concupiscências inatas. Isto, ao
contrário é feito pelo Espírito Santo, que é dado pela palavra de Deus. Pois Paulo
“O homem natural nada entende do Espírito de Deus (1 Co 2.14).
[4]
O pecado original é o pecado que herdamos de Adão, isto é, a completa corrupção
de toda a natureza humana, agora privada da justiça original, inclinada para
todo o mal e sujeita à condenação” (Cat. Menor, perg. 100, pág 68).
[5]
Calvino escreveu suas teses sobre: Política e Igreja, 1535. Ao tentar
implantá-los em Genebra foi expulso. Retornou em 1541. Exigiu para si plena
autoridade para implantar a “teocracia”, a cidade de Deus, em 1553. Passou a
exigir de todos os cidadãos a “confissão de fé”, e passou a perseguir e
executar os que não a aceitaram. Muitos foram mortos por sua inquisição. Outros
tantos fugiram. (Lutheran Cyclopedia, Concodia Publihing House, 1954, pág. 155)
[6]
Lemos no Catecismo Menor: Justificação:
Recebemos remissão dos pecados e nos tornamos justos perante Deus, não pelas
nossas obras, mas pela graça, por Cristo, mediante a fé (Perg. 209) O artigo
da justificação pela fé temos que guardar fielmente em todos os tempos por
ser o artigo principal da doutrina cristã, pelo qual a Igreja de Cristo se
distingue de toda a religião falsa, sendo dado a glória somente a Deus e
constante conforto ao pecador. (Perg. 211)
[7]
Católicos, evangélicos, reformados, luteranos, com suas diversas ramificações,
vão participar dos festejos.
[8]
Confira tabela anexa: Programas.
[9]
Cf.: Doutrina da Justificação por Graça e Fé. Declaração conjunta Católica
Romana – Evangélica Luterana, Porto Alegre, 1998. Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (EDIPUCRS) Porto Alegre e Centro de Estudos
Bíblicos (CEBI) São Leopoldo, RS
[10]
Confira o anexo: Fundamentalismo.
[11]
Catecismo Menor. Exposição, perg. 100; pág. 68.
[12]
Regimento Interno da IELB, § 73.IV)
[13]
Consulte: Prof. Arnaldo Schüler.
Dicionário Enciclopédico da Teologia. Editora Concórdia, Porto Alegre e
Editora Ulbra, Canoas, 2002, p. 212.
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