quarta-feira, 27 de julho de 2016

500 Anos da REforma - Tess XX - XXIV

XX - Estudo                    
                                           Por que sou Cristão
                                          Evangélico Luterano?

Introdução
     No mundo existem hoje inúmeras religiões. Seu número cresce dia a dia. Pelos meios de comunicação temos acesso à maioria delas. Cada uma propaga seus ensinos e procura atrair pessoas. Bem disse Jesus que nos últimos dias “surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos” (Mateus 24.24).
      É raro encontrar uma família na qual todos pertencem à mesma igreja. A convivência nesta diversidade não é fácil. Em encontros familiares, para evitar constrangimentos, ouve-se, por vezes, a ordem: “É proibido falar de religião”. E quem se atreve a falar de sua fé e taxado de fanático.
     Diante desse quadro, surgem afirmações como: “Toda a religião é boa! O principal é que seja praticada com sinceridade”. Dentro dessa realidade, cresce o movimento ecumênico, que visa a união de todas as religiões. Neste movimento há dois segmentos. O primeiro, mais amplo, procura unir todas as religiões, sob o lema: Unidade na diversidade. O segundo, visa unir as denominações “cristãs”, para fazerem frente às religiões pagãs.
     O que fazer? Podemos concordar com isto? Não! A pessoa, a quem Deus abriu os olhos para a verdade revelada na Bíblia, que reconheceu no Deus triúno o único Deus verdadeiro e em Cristo seu único e suficiente Salvador, não pode abrir mão dessa verdade. Ela afirmará com os apóstolos: “Pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (Atos 4.20). E: “Este Jesus é pedra rejeitada por vós, os construtores, a qual se tornou a pedra angular. E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (Atos 4.11-12). Esta é nossa convicção.
    Mas é possível ter tanta certeza em matéria de religião? Não são muitas as fontes das verdades religiosas? Cristãos se baseiam na Bíblia, judeus no Talmude, islâmicos no Alcorão, espíritas kardecistas nas revelações de Alan Kardek, outros em inspirações diretas, em contactos com espíritos, etc. A própria Bíblia, parece um livro muito difícil de ser interpretado. Os interpretes não chegam a um acordo. Como poderemos afirmar, num mundo relativista, com tanta certeza: Esta é a verdade absoluta?
     Deus revelou-se à humanidade de forma clara. Lemos na carta aos hebreus: “Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo” (Hebreus 1.1,2). Deus revelou-se à humanidade na Bíblia, que é a inspirada e infalível palavra de Deus. Importa que nos humilhemos a sua palavra e não coloquemos nossa razão como juíza sobre a Bíblia. Esta é nossa convicção. Nesta convicção e alegria confessamos nossa fé.
      Para compreendermos melhor esta verdade, vamos responder três perguntas: 1° Por que sou cristão evangélico luterano? 2° Por que me filiei à Igreja Evangélica Luterana do Brasil? 3° Quais são as principais doutrinas da Igreja Evangélica Luterana? Que Deus abençoe esta reflexão.
I - Porque Sou Cristão Evangélico Luterano?
     Sou cristão evangélico luterano, porque, conforme a explicação do Dr. Martinho Lutero, no terceiro Artigo do Credo Apostólico, confesso: “Creio que por minha própria razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo evangelho, iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé”.  Sou cristão, isto é, sigo a Cristo, o Filho de Deus, meu Senhor, único e suficiente Salvador. Sou evangélico, porque esta é a mensagem central da Bíblia, o evangelho, a boa nova da salvação em Cristo Jesus. Sou Luterano. Este apelido foi dado zombeteiramente, aos luteranos pelos inimigos da verdade. Lutero e seus seguidores não queriam que uma comunidade ou igreja fosse chamada pelo seu nome. Lutero não é fundador desta religião, nem ídolo ou santo da mesma. Ele, na busca da verdade em seu tempo, voltou à Escritura, apegou-se a ela e confessou esta verdade corajosamente. Ele confessou: Somente a Escritura, somente por graça, somente pela fé.  Ele voltou ao caminho da verdadeira Igreja Cristã Apostólica Católica. Este deveria ser nosso verdadeiro nome. Lutero foi um fiel servo e ministro de Cristo. Não temos de que nos envergonhar de sua convissão.
II -  Por que me filiei à Igreja Evangélica Luterana do Brasil?
     2.1 -  Porque esta Igreja ensina todo o desígnio de Deus – A Igreja Luterana mantém todo o ensino bíblico. Como o apóstolo Paulo o afirmou aos gálatas: “Porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus” (Atos 20.27). Por isso ela insiste de que cada palavra revelada na Bíblia é palavra, inspirada, infalível e inerrante de Deus.
     2.2 – Porque a Bíblia é a única autoridade na igreja - A Igreja não interpreta a Bíblia. A Bíblia se interpreta a si mesma. A Igreja luterana não concede à razão humana nenhuma outra função com respeito à Escritura do que somente a apreensão, o receber das palavras e de seu conteúdo. A razão humana não é o árbitro finito sobre a palavra divina. Neste tempo de incertezas e confusões, a Igreja Luterana afirma que a Bíblia é a verdade absoluta e por tanto a única autoridade na igreja. Por ela, todas as doutrinas e ensinos na igreja devem ser orientados e julgados. A Igreja Luterana aceita as Confissões Luteranas contidas no Livro de Concórdia de 1580, porque (quia) são a fiel e correta exposição das Escrituras.
      2.3 - Porque ensina Lei e Evangelho corretamente – A Igreja Luterana tem como centro de sua pregação e ensino a pregação da santa lei de Deus e do santo evangelho de Cristo, não misturando nem separando Lei e Evangelho, antes dividindo e aplicando ambos corretamente, em seus ensinos e suas mensagens. O centro das pregações é Cristo e sua obra vicária, o chamamento ao arrependimento e à fé na graça de Cristo, e forte impulso para a vida santificada (1 Co 2.2; Jo 5.39). Seus pastores são “ministros de Cristo e despenseiros dos mistérios de Deus. (1 Coríntios 4.1), enquanto permanecem fiéis à Bíblia e às Confissões. Por ordem divina, a Igreja Luterana não admite mulheres no quadro de ministros (Gn 2.18-24; Ef 5.22-23; 1 Tm 2.12-14; 1 Pe 3.7; 1 Co 14.34,35).
      2.4 - A Igreja Luterana mantém consciente e consistentemente “a liberdade cristã” -A Igreja Luterana não é uma religião de leis, mas do evangelho e por isso ensina a verdadeira liberdade cristã.  Cristo nos libertou da escravidão de Satanás, do domínio do pecado e do poder da morte. Quem confia na graça de Cristo, recebe perdão dos pecados e a adoção de filho de Deus. E como filhos de Deus não somos dirigidos pela força da lei, mas amamos a Deus e sua lei. “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão” (Gálatas 5.1).
     2.5 - Porque ela tem um culto Cristo-cêntrico, ordenado por uma liturgia extraída da Bíblia -  A Igreja Luterana tem um culto maravilhoso, ordenado por uma belíssima liturgia, fundamentada na palavra de Deus. Nos cultos da Igreja luterana só vale a palavra de Deus e o que, em matéria de poesia e arte, estiver de acordo com a palavra de Deus. Ali Deus serve em primeiro lugar, por palavra e sacramentos, e nós ouvimos e agradecemos. O maior culto que podemos prestar a Deus é crer em sua palavra. Ao mesmo tempo, há na liturgia liberdade e variedade. Mesmo que a liturgia esteja prescrita com partes fixas e móveis, ela não prescreve o que a Bíblia não prescreve e deixa espaço para a liberdade, que tem seu limite somente na palavra de Deus. O nosso culto não termina com o Amém, mas se estende, continua na vida do dia-a-dia, conforme Lutero o colocou com precisão em sua Tábua dos Deveres.
     2.6 – A Igreja Luterana pratica a correta comunhão de púlpito e altar - Ela segue a recomendação do apóstolo Paulo: “Esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz (Efésios 4.3). Ao mesmo tempo não admite que se pregue “outro evangelho” (Gálatas 1.6). O apóstolo afirma: “Eu, a todo aquele que ouve as palavras da profecia deste livro, testifico: Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos neste livro; e, se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, da cidade santa e das coisas que se acham escritas neste livro” (Apocalipse 22.18-19). Ela não entra em comunhão de púlpito e altar com aqueles que não trazem a sã doutrina, conforme a ordem do apóstolo Paulo: “Rogo-vos, irmãos, que noteis bem aqueles que provocam divisões e escândalos, em desacordo com a doutrina que aprendestes; afastai-vos deles” (Romanos 16.17). Ao mesmo tempo ela sabe que também nas igrejas que não retém toda a verdade, há cristãos. Especialmente ali onde a palavra de Deus é lida e onde há ainda suficiente verdade do evangelho, para que o Espírito Santo possa gerar a fé. Por isso, a Igreja Luterana não olha para as outras igrejas cristãs com o intuito de fazer proselitismo, isto é simplesmente angariá-los para sua igreja.
     2.7 - Porque ela mantém o governo Eclesiástico – A Igreja Luterana mantém o respeito às comunidades. Cada comunidade é soberana e autônoma. Ela se governa a si mesma sob a orientação da palavra de Deus. Todas as questões com respeito ao trabalho na congregação local são resolvidas nas reuniões dos membros votantes, conforme a recomendação do apóstolo Paulo: “Tudo, porém, seja feito com decência e ordem” (1 Coríntios 14.40). A assembléia dos membros votantes, quanto ao governo da comunidade, é soberana. Estas comunidades autônomas reúnem-se em âmbito distrital e nacional formando um sínodo. O Sínodo se compõem num sadio equilíbrio de representantes de pastores e de leigos das comunidades, para executarem o trabalho da igreja. As resoluções das Convenções são conselhos às comunidades, acatadas e postas em prático, não por força de lei, mas no amor e espírito de cooperação.
     2.8 - Porque mantém a separação de Igreja e Estado – A Igreja Luterana ensina a separação de Igreja e Estado e o respeito e obediência às autoridades do Estado, conforme afirma o apóstolo Paulo: “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas” (Romanos 13.1). Ao mesmo tempo, igreja respeita a cláusula de Pedro: “Mas Pedro e João lhes responderam: Julgai se é justo diante de Deus ouvir-vos antes a vós outros do que a Deus; pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (Atos 4.19-20). Se o Estado pretende interferir em coisas espirituais ou quando as autoridades pretendem governar por outros meios do que a justiça natural e o bom senso, a igreja deve levantar sua voz. Ao mesmo tempo a igreja não se intromete em coisas do Estado. Ela própria não usa a força no seu trabalho. Seu trabalho é feito somente pelos meios espirituais, palavra e sacramentos. Assim minha Igreja recusa engajar-se na política e não procura influir seus membros politicamente, muito menos controlar o Estado e/ou o governo civil. Desta forma, a Igreja Luterana é um forte baluarte e guardiã da Constituição Nacional e da liberdade.
     2.9 - Porque ela se empenha pela Educação Cristã – A Igreja Luterana, desde o seu início, tem-se preocupado com a educação cristã, em primeiro lugar de seus próprios filhos, como também dos cidadãos. Por isso promove a Escola Bíblica ou Dominical, instrução de confirmandos, estudos bíblicos para jovens e adultos, escolas particulares de 1°, 2° e 3° Graus. Nisto ela não mede esforços de tempo, dons e dinheiro. “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele” (Provérbios 22.6). “E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor” (Efésios 6.4).
III - Quais são as principais Doutrinas da Igreja Ev. Luterana do Brasil?
     As principais doutrinas ensinadas pela Igreja Evangélica Luterana do Brasil e por suas Comunidade são:
3.1 - A Escritura Sagrada
     Cremos e ensinamos que a Escritura Sagrada, chamada também de A Bíblia, é a inspirada palavra de Deus. “A inspiração é o ato divino, pelo qual Deus Espírito Santo soprou na alma dos escritores da Bíblia os pensamentos e as palavras exatas que deviam escrever”. A Bíblia afirma: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (2 Timóteo 3.16 RA). “Porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo” (2 Pedro 1.21). Sendo a Escritura a palavra de Deus, ela própria afirma que nela não há erros ou contradições, que ela é, em todas suas partes, palavra e pensamentos, verdade infalível e inerrante de Deus, como Jesus o afirmou: “A Escritura não pode falhar” (João 10.35). Dela aprendemos também que ela foi dada por Deus à igreja para ser fundamento para a fé. “Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular” (Efésios 2.20). Ensinamos também a suficiência da Escritura. Isto é, não precisamos de outras revelações. O que é necessário para nossa salvação e peregrinação nesta terra, Deus revelou na Escritura. Por isso, todas outras revelações devem ser julgadas pela Escritura, que afirma: “Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora” (1 João 4.1). A Escritura é a única fonte para toda a doutrina e a única norma e regra pela qual todas as doutrinas e todos os pastores e mestres devem ser julgados e avaliados.
     Rejeitamos e condenamos os que afirmam, mesmo com o amparo da ciência, que a Escritura só contém a palavra de Deus e/ou só é divina quando fala de coisas divinas, sendo por isso em parte palavra de Deus e em parte palavras de homens, contendo ou podendo conter erros. Rejeitamos tal doutrina como horrível afronta a Cristo e seus apóstolos, colocando homens como juízes sobre a palavra de Deus, derrubando o fundamento da fé.
3.2 - De Deus
    Baseados na palavra de Deus, ensinamos o importante artigo da Santíssima Trindade. Isto é, ensinamos que “não há senão um só Deus” (1 Coríntios 8.4), em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Três pessoas distintas, eternas, iguais em poder e majestade, sendo cada pessoa um único e completo ser divino, como o lemos: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mateus 28.19 RA). “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todas vós” (2 Coríntios 13:13). Nesta Trindade, a segunda pessoa, Jesus Cristo, aceitou, na plenitude do tempo (Gl 4.4), da virgem Maria, a natureza humana, (Is 7.14; Is 9.6; Lc 2), mas sem pecado. O apóstolo afirma sobre Cristo: “Porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade” (Colossenses 2.9). Assim cabe-nos adorar um Deus em três pessoas, como Deus se revelou na Escritura. Quem não o adora assim, não tem Deus. Pois, todos os que negam este artigo da Trindade estão afora da igreja cristã, e não têm nenhuma esperança, pois a Escritura afirma: “Todo aquele que nega o Filho, esse não tem o Pai; aquele que confessa o Filho tem igualmente o Pai” (1 João 2.23). Confere Credo Apostólico, Niceno e Atanasiano.
3.3 - Da Criação
     Da criação do universo, ensinamos que Deus criou os céus e a terra do modo e no espaço de tempo conforme descrito em Gênesis capítulo 1 e 2. A saber, do nada, pela palavra do seu poder, em seis dias de 24 horas cada dia. Tendo terminado a criação, “viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom. Houve tarde e manhã, o sexto dia” (Genesis 1.31). Tudo saiu perfeito de suas mãos. Rejeitamos os ensinos que negam esta verdade da Escritura. Como por exemplo, aqueles que, por amor à ciência, ensinam que os dias são períodos de milênios nos quais houve a evolução. A Bíblia afirma: “Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez (João 1.3). “Pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis” (Colossenses 1.16). “Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem” (Hebreus 11.3). Firmados nestas palavras, dizemos: “Creio em Deus Pai, todo poderoso, criador do céu e da terra. Creio que Deus me criou a mim e a todas as criaturas”. (Credo Apostólico, explicação do Dr. Martinho Lutero).
3.4 - Do Homem e do Pecado
     Ensinamos que Deus criou o primeiro homem não como um animal, nem neutro, nem como algo que viesse a aperfeiçoar-se com o tempo, mas Deus criou o homem conforme a imagem divina (Gn 1.26), que “consistia em bem-aventurado conhecimento de Deus e em perfeita justiça e santidade (Cat. Menor, perg. 124)” (Cl 3.10; Ef 4.24). Ele os criou homem e mulher, Adão e Eva, eram dotados de verdadeiros conhecimentos científicos e das ciências naturais (Gn 2.19-23).  A Bíblia diz: ¨Por isso deixa o homem pai e mãe, e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne (Gn 2.24). Ensinamos também que o pecado entrou no mundo conforme relatado em Gênesis 3. Um dos anjos rebelou-se contra Deus, com uma multidão de anjos. A Escritura afirma: “Anjos, os que não guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio domicílio, ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do grande Dia” (Judas 6). Este é Satanás, o pai da mentira (Jo 8.44). Ele foi expulso do céu e “já está julgado” (Jo 16.11). Satanás tentou Adão e Eva. E eles voluntária e propositadamente desobedeceram a Deus e caíram em pecado (Gn 3.6). Pela queda de Adão e Eva, o pecado entrou no mundo e pelo pecado a morte. “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Romanos 5.12). A queda não só corrompeu os primeiros homens, mas toda a raça humana. Pela queda, os homens perderam a imagem divina e nascem agora com o pecado original. “O pecado original é o pecado que herdamos de Adão, isto é, a completa corrupção de toda a natureza humana, agora privada da justiça original, inclinada para todo o mal e sujeita à condenação” (Cat. Menor, perg. 100, Editora Concórdia, 1991). Nascemos, agora, espiritualmente cegos, mortos e inimigos de Deus, réus da eterna condenação (Ef 2.1-3; Rm 5.19; Sl 51.5; Rm 7.18; Gn 8.21; 1 Co 2.14). O homem é incapaz de salvar-se desta situação e reconciliar-se com Deus por iniciativa e força própria. Ele precisa de um Salvador.
3.5 - De Jesus Cristo, o Salvador
     Ensinamos que na “plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gálatas 4.4,5). Jesus, o eterno Filho de Deus, pela ação de Deus Espírito Santo, nasceu da virgem Maria, recebendo dela sua natureza humana, mas sem pecado. Desde sua concepção, Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, numa só pessoa, indivisível e inseparável. “Nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade” (Colossenses 2.9 RA). Ao vir ao mundo, ele se humilhou profundamente. “Ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Filipenses 2.6-8). Com a ressurreição começou a exaltação de Jesus. “A exaltação de Cristo consiste em que ele usa sempre e inteiramente a majestade divina comunicada à natureza humana” (Cat. Menor, perg. 165). O que Jesus fez e faz, ele o faz como Deus e homem. Onde uma natureza está, ali está também a outra. Quando Jesus fez um milagre, não foi só a natureza divina que o fez, mas ambas as naturezas, a saber ele, Jesus. Ele julgará o mundo com justiça. “Respondeu-lhe Jesus: Tu o disseste; entretanto, eu vos declaro que, desde agora, vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu” (Mateus 26.64). Quando Jesus sofreu e morreu, não foi somente a natureza humana que sofreu, mas Jesus, o Filho de Deus sofreu através de sua natureza humana. O Filho de Deus morreu verdadeiramente, conforme sua natureza humana. Por isso o valor de sua morte é infinita, como o valor de seu sofrimento e toda sua obra de obediência e amor. Jesus, como substituto de toda a humanidade, cumpriu perfeitamente a lei de Deus, pagou completamente toda a culpa, venceu inteiramente nossos inimigos: pecado, morte e Satanás. Toda a humanidade foi salva. E todo o que crê na graça de Cristo, está livro: do pecado, isto é, da dívida e do domínio do pecado.; da morte, isto é, não preciso temer a morte temporal, porque a morte eterna não tem mais poder sobre ele; do diabo, isto é, ele não pode mais acusar o cristão e, o cristão pode resistir vitoriosamente às suas tentações. O sofrimento de Jesus foi completo. “Quando, pois, Jesus tomou o vinagre, disse: Está consumado! ” E, inclinando a cabeça, rendeu o espírito” (João 19.30). Jesus reconciliou toda a humanidade com Deus. “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (João 3.16-17). Rejeitamos os que negam a divindade de Cristo e a unidade de sua natureza divina e humana; os que negam que a obra de Cristo foi completa e perfeita. Rejeitamos os que negam a suficiência de Cristo, como Salvador da humanidade.
3.6 - Da Fé em Cristo
     A salvação que Cristo conquistou para toda a humanidade é oferecida a todos pelo evangelho (palavra e sacramentos), “para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16). A fé na graça de Cristo é o único caminho pelo qual alguém recebe o perdão dos pecados e alcança a salvação eterna, como o afirma a Escritura no Antigo e Novo Testamento. “Dele todos os profetas dão testemunho de que, por meio de seu nome, todo aquele que nele crê recebe remissão de pecados” (Atos 10.43). “Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus” (João 3.36). “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação. De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis (deixai-vos reconciliar) com Deus” (2 Coríntios 5.19-20). A fé salvífica não é obra humana, mas dom de Deus. Deus Espírito Santo a gera por meio do evangelho e do batismo, e conserva e fortalece a fé pela palavra e a Santa Ceia. Mesmo sendo a fé: conhecimento, aquiescência e confiança, o elemento essencial é a confiança na graça de Cristo, revelada no evangelho. As boas obras são frutos da fé, tais como o amor a Deus, ao próximo e a oração.
     Rejeitamos aqueles que dizem ser a fé obra humana. Rejeitamos as tentativas que procuram apresentar a fé como condição que a pessoa deve cumprir para completar a justificação. Rejeitamos as afirmações de que somos salvos por fé e obras, ou de que o elemento essencial da fé seja a obediência à lei de Deus. 
3.7 - A Conversão
     Somos salvos unicamente pela fé em Cristo, mas crer não está no poder da natureza humana. Não temos a capacidade de gerar a fé. A fé é gerada na conversão. Da conversão ensinamos que não é obra humana, nem em parte nem no todo. A conversão de uma pessoa é obra exclusiva de Deus Espírito Santo, “que chama pelo evangelho, ilumina com seus dons, santifica e conserva na verdadeira fé”, operada pela palavra e pelo batismo. Pela conversão renascemos. A imagem divina é parcialmente restabelecida. Somos novas criaturas. A Escritura afirma: “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1 Coríntios 2.14). “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” (Efésios 2.1). “Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida” (Romanos 6.4). “E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2 Coríntios 5.17).      
     Ensinamos também que o Espírito Santo não quer operar esta fé só em alguns, mas em todos os que ouvem a palavra de Deus. Se uma parte dos ouvintes permanece incrédula, isto não é por falta da ação do Espírito Santo ou por falta de poder da graça, mas unicamente por causa da obstinada resistência das pessoas. A Escritura afirma: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! ” (Mateus 23.37). “Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvidos, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim como fizeram vossos pais, também vós o fazeis” (Atos 7.51). Rejeitamos por isso todo o sinergismo, isto é, o ensino de que a conversão de uma pessoa não é operada unicamente pela graça de Deus, mas em parte também pela cooperação da pessoa, sua disposição frente à graça e/ou menor culpabilidade. Rejeitamos todo o ensino que atribui à pessoa, de alguma forma, a virtude de sua salvação. Rejeitamos também a doutrina calvinista, de que Deus não quer salvação de todos, mas somente de um grupo, os predestinados. Resumindo: Quem é salvo, é salvo unicamente pela graça de Cristo; quem se perde, perde-se unicamente por culpa própria. As demais perguntas que surgem diante deste ensino, Deus não respondeu.
3.8 - Da Justificação
     O que a Escritura afirma sobre o amor de Deus à humanidade pecadora, da salvação que Cristo realizou e da fé em Cristo, ela resume na doutrina da justificação do pecador. A Escritura ensina que Deus aceita e justifica as pessoas não em vista às obras que elas realizam, mas “sem as obras da lei” (Rm 11.6; Gl 2.16), somente por graça, por amor a Cristo. Isto é, Deus considera justos e santos aqueles que crêem em Cristo. A saber, por amor a Jesus, Deus lhes perdoa abundante e diariamente todos os pecados e os declara justos. O apóstolo Paulo afirma: “Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus. Onde, pois, a jactância? Foi de todo excluída. Por que lei? Das obras? Não; pelo contrário, pela lei da fé. Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei” (Romanos 3:23-28). Somente por esta doutrina Cristo é honrado como nosso único e suficiente Salvador. Somente por esta doutrina nós pecadores temos verdadeiro consolo, de que Deus realmente nos é gracioso. Todas outras doutrinas, nas quais são elogiadas as obras humanas, tais como: sua busca a Deus, suas decisões de mudarem sua vida pecaminosa, seus bons propósitos, seus feitos quer antes, durante ou após a conversão, a dignidade da pessoa misturadas à obra da justificação, rejeitamos. Visto ser tudo isso é um desvio da verdade. A verdadeira religião cristã é crer de que temos perdão e salvação sem as obras da lei, somente pela fé na graça de Cristo.
3.9 - Das Boas Obras
     Boas obras diante de Deus são tão somente aquelas obras que provém de um coração regenerado pela graça de Deus. São os frutos da fé, realizados pelos filhos de Deus, não impulsionados pela lei, mas conforme a lei; motivadas pela graça de Cristo para a glória de Deus e o bem-estar do próximo. Somos salvos sem as obras da lei, mas a fé necessariamente produz boas obras. Pois a fé é uma força viva no cristão (Tg 2.17; Jo 15.5). Mesmo assim, as melhores obras do cristão são ainda manchadas pelo pecado e imperfeitas e precisam ser purificadas pela graça de Cristo.
     Rejeitamos a opinião moderna de que o que importa no cristianismo são os resultados, as obras e de que a doutrina e a fé são coisas secundárias. Boas obras nunca antecedem à fé, mas seguem, não como complementos à conversão, mas frutos da fé. A constante lembrança da graça de Deus é a única maneira de levar pessoas cristãs à prática de boas obras. O apóstolo Paulo escreve: “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Romanos 12.1). Rejeitamos, como contrárias à fé cristã, as tentativas de pela aplicação da lei ou motivos carnais, levar as pessoas à praticarem boas obras. Rejeitamos todo o ensino que atribui méritos salificas e merecimentos de bênçãos às boas obras. Rejeitamos a afirmação de que a oração seja um meio da graça.
3.10 - Dos Meios da Graça
     O amor de Deus, bem assim sua benevolência, se manifestam em toda a criação. Pois “nele, tudo subsiste” (Colossenses 1.17). “Nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como alguns dos vossos poetas têm dito: Porque dele também somos geração” (Atos 17.28). “Contudo, não se deixou ficar sem testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos do céu chuvas e estações frutíferas, enchendo o vosso coração de fartura e de alegria” (Atos 14.17). Mas a graça conquistada por Cristo, os bens celestiais, tais como o perdão dos pecados, a fé, a esperança da vida eterna, esses dons Deus concede e opera unicamente pelos meios da graça. Estes meios são a palavra do evangelho e os santos sacramentos, batismo e Santa Ceia. O evangelho anuncia a graça de Deus, o perdão dos pecados. O apóstolo Paulo afirma: “Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus” (Atos 20.24). Através desses meios, o Espírito Santo opera a fé. E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Romanos 10.17). Através desses meios, Deus dá o Espírito Santo. “Aquele, pois, que vos concede o Espírito e que opera milagres entre vós, porventura, o faz pelas obras da lei ou pela pregação da fé? ” (Gálatas 3.5). Também o batismo é um meio da graça. “Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo” (Atos 2.38). “Ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador” (Tito 3.5-6). “A qual, figurando o batismo, agora também vos salva, não sendo a remoção da imundícia da carne, mas a indagação de uma boa consciência para com Deus, por meio da ressurreição de Jesus Cristo” (1 Pedro 3.21). Também a Santa Ceia é um meio da graça. Pois nela nos são dados o verdadeiro corpo e sangue de Cristo, em, com e sob o pão e o vinho, para perdão dos pecados. Isto testificam as palavras: “E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor de vós” (Lucas 22.19-20; Mt 26.26-28).
     A igreja cristã deve proclamar este evangelho ao mundo. Jesus ordenou: “E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado” (Marcos 16.15-16). Também a educação paroquial, isto é, a educação dos fiéis na igreja, só se dá pelo correto uso dos meios da graça, palavra e sacramentos. Deus nos amarrou a estes meios. Não necessitamos de novas revelações: sonhos, visões, sentimentos interiores, quando pessoas afirmam: Deus me revelou. Tudo deve ser provado e examinado à luz da palavra de Deus. Nós oramos, pedindo a orientação de Deus. Esta Deus nos dá por sua palavra. Quando temos pensamentos, inclinações que julgamos ser uma indicação de Deus, devemos examiná-las à luz da palavra de Deus, pois facilmente nossa carne pode-nos enganar. 
3.11 - Da Teologia da Cruz e da Teologia da Glória
     A teologia da cruz e a teologia da glória não são duas doutrinas bíblicas, mas duas maneiras diferentes de olhar para a Bíblia e interpretá-la. A teologia da cruz parte da cruz de Cristo e todas as doutrinas estão centralizadas na cruz. “Nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios” (1 Coríntios 1.23). Razão e sentimento são subordinados à palavra da cruz. A teologia da cruz ensina que Cristo não veio ao mundo para dar-nos uma vida sem sofrimentos, mas para dar-nos consolo no sofrer; não veio para livrar-nos da morte corporal, mas dar-nos consolo e esperança na morte. Jesus transformou a morte, para os fiéis, em porta para o céu. Pela fé na graça de Cristo somos filhos de Deus e herdeiros do céu. O apóstolo Paulo exorta os fiéis “a permanecerem firmes na fé; e mostrando que, através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus” (Atos 14.22). E o apóstolo João escreve: “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é” (1 João 3.2). - A teologia da glória lida com a mesma Escritura, mas o ponto de partida não é a cruz, a graça de Cristo, mas o poder e a glória de Cristo. Nesta teologia, a razão e o sentimento têm vez ao lado da Bíblia e muitas vezes se sobrepõe a ela. Nesta teologia fala-se mais do poder e dos milagres da glória de Cristo, do que da graça. Fala-se mais do Cristo “em nós” e da importância da santificação, do que do Cristo “por nós” e da justificação. Esta focalização diferente mostra-se na vida da congregação, como por exemplo no Culto: Na teologia da cruz, Deus serve, daí a importância da retidão nas mensagens e na hinologia. Na teologia da glória, destaca-se a ação das pessoas e no criar uma atmosfera sentimental. Mensagem: Na teologia da cruz, destaca-se a exposição ordenada das doutrinas, correta aplicação de lei e evangelho, para arrependimento e fé. Na teologia da glória, a generalizada do amor de Deus e ênfase na soberania de Deus, para infundir otimismo, positivismo, mensagens que focalizam os problemas da vida, para o bem viver. Santificação. Na teologia da cruz, visa-se levar ao arrependimento e à fé em Cristo, da qual brotam os frutos da fé, as boas obras. Na teologia da glória, visa-se melhorar a conduta ética, a comunhão e amizade, e solucionar os problemas sociais. Missiologia. Na teologia da cruz, o objetivo é levar as pessoas ao arrependimento e à fé, para firmá-las na palavra. Na teologia da glória, confia-se na técnica como auxiliar da palavra, adaptação cultural, grandes aglomerados ecumênicos, envolvimentos políticos e sociais.   
3.12 - Da Igreja
     Cremos numa única santa Igreja Cristã, a comunhão dos santos. Cristo é o cabeça desta Igreja. Os membros desta Igreja são os fiéis, isto é, as pessoas, e somente essas pessoas, que desesperam em sua própria justiça e crêem que Deus lhes perdoa abundante e diariamente todos os pecados por amor a Cristo. Dessa Igreja, que é a comunhão de todos os fiéis, Jesus afirma: “Interrogado pelos fariseus sobre quando viria o reino de Deus, Jesus lhes respondeu: Não vem o reino de Deus com visível aparência. Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós” (Lucas 17.20-21). Por se tratar de fé no coração, que só Deus conhece os que lhe pertencem. A Igreja cristã é invisível. “Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os que lhe pertencem” (2 Timóteo 2.19 ).
     Esta Igreja, no entanto, tem sinais, que são a palavra de Deus e os sacramentos, que chamamos de meios da graça.  A Igreja cristã se encontra ali onde a palavra de Deus é retamente ensinada e os sacramentos administrados conforme a ordem de Cristo. Esses são os sinais da presença da igreja. Ali o Espírito Santo trabalho. O profeta afirma: “Porque, assim como descem a chuva e a neve dos céus e para lá não tornam, sem que primeiro reguem a terra, e a fecundem, e a façam brotar, para dar semente ao semeador e pão ao que come; assim será a palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a designei” (Isaías 55.11). Mesmo ali onde a palavra de Deus não está sendo pregada em toda sua clareza e retidão, mas onde há ainda suficiente palavra de Deus para que o Espírito Santo possa conduzir alguém ao reconhecimento de seus pecados e ao conhecimento da graça de Cristo, ali está a Igreja Cristã. Precisamos destacar, no entanto, que Deus não deseja erros e divisões. Ele quer que sua palavra seja ensinada clara e puramente em todos os pontos. “Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus; se alguém serve, faça-o na força que Deus supre, para que, em todas as coisas, seja Deus glorificado, por meio de Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém! (1 Pedro 4:11). É vontade de Deus que todos os cristãos se filiem a Igreja que ensina a palavra de Deus corretamente, e que as pessoas que se filiarem a corporações com doutrinas erradas, que as abandonem e busquem igrejas que ensinam a verdade. O apóstolo Paulo afirma: “Rogo-vos, irmãos, que noteis bem aqueles que provocam divisões e escândalos, em desacordo com a doutrina que aprendestes; afastai-vos deles” (Romanos 16.17).
      Rejeitamos o unionismo, isto é, o estabelecer comunhão de púlpito e altar com igrejas que ensinam doutrinas erradas. Rejeitamos toda a desobediência à palavra de Deus. Pois tais uniões põem em risco a sã doutrina.
     Sendo somente verdadeiros cristãos os membros da igreja cristã, entende-se que só estes são os detentores dos bens que Cristo confiou à sua igreja. O apóstolo afirma: “Tudo é vosso” (1 Coríntios 3.21). Cristo confiou a todos os fiéis o ofício das chaves (Mt 16.13-19; 18.17-20; Jo 20.22,23), e todos os fiéis devem proclamar o evangelho e têm responsabilidade na administração dos sacramentos (Mt 28.19,20; 1 Co 11.23-25). Rejeitamos o ensino de que uma parte dos dons pertencem somente a determinadas pessoas como ao papa, aos bispos, aos pastores, ou príncipes, ou aos concílios e sínodos.
     A administração dos cargos públicos na igreja por pessoas individuais dá-se, todavia, por transmissão do cargo. “Também dizei a Arquipo: atenta para o ministério que recebeste no Senhor, para o cumprires” (Colossenses 4.17). Todos os cristãos têm o direito e o dever de zelar pela doutrina, não conforme seus pensamentos, mas conforme a palavra de Deus. “Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus; se alguém serve, faça-o na força que Deus supre, para que, em todas as coisas, seja Deus glorificado, por meio de Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém! ” (1 Pedro 4.11). Rejeitamos, por isso, a tentativa de identificar a santa igreja cristã com organizações externas. Pois, a santa Igreja Cristã é o conjunto de todos os que crêem em Cristo. Visto ser a fé invisível a nossos olhos – só Deus conhece os seus – falamos na Igreja Cristã invisível, o conjunto de todos os verdadeiros cristãos no mundo. Esta igreja tem sinais: Palavra e sacramentos em torno dos quais os cristãos se reúnem, para ouvir, louvar e testemunhar de sua fé. Entre estas pessoas reunidas em torno da palavra de Deus pode haver hipócritas, que confessam fé, mas na verdade não crêem. Jesus falou disso na parábola do joio no meio do trigo (Mt 13.36-43).
3.13 - Do Santo Ministério
     A respeito do santo ministério, ensinamos ser ordem divina, que os cristãos de determinada região geográfica não devem ler a palavra de Deus somente para si nas famílias ou pequenos grupos, mas por ordem divina devem escolher entre si uma pessoa hábil e capaz para que se dedique ao estudo, ao ensino, à pregação da palavra de Deus entre eles e para eles, e distribua os sacramentos. “Por esta causa, te deixei em Creta, para que pusesses em ordem as coisas restantes, bem como, em cada cidade, constituísses presbíteros, conforme te prescrevi” (Tito 1.5). “E o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros” (2 Timóteo 2.2). Para aparelhar tais pessoas para o ministério público, temos hoje Seminários, Faculdades de Teologia. Rejeitamos, como contrário a Bíblia, a ordenação de mulheres ao santo ministério. Elas são, conforme a ordem da criação, auxiliadoras (Gn 2.18-24) e devem ser submissas (Ef 5.22-23), e na igreja devem calar, isto é, não exercer autoridade sobre os homens pelo ensinar (1 Co 14.34). Isto não as impede de servirem na educação cristã, cantar nos cultos e exercer a diaconia.  
     O ofício da pregação não tem outro poder do que o de proclamar a palavra de Deus publicamente. Os cristãos só devem obedecer a seus pregadores enquanto estes lhes anunciam a pura palavra de Deus. “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros” (Hebreus 13.17). “Quem vos der ouvidos ouve-me a mim; e quem vos rejeitar a mim me rejeita; quem, porém, me rejeitar rejeita aquele que me enviou” (Lucas 10.16). Se um pregador ultrapassar a sã doutrina bíblica, não deve ser obedecido e seguido. Importa ser fiel a Cristo. “Um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos” (Mateus 23.8). Rejeitamos o erro que atribui ao ofício do santo ministério poder nas coisas não ordenadas por Jesus, pondo um jugo sobre os fiéis.
3.14 - Da Eleição da Graça
     Ensinamos que há uma eleição da graça para a salvação, chamada de predestinação. A Escritura ensina claramente que Deus, por graça e amor a Cristo, escolheu, desde a eternidade, determinado número de pessoas para a eterna salvação, o céu. Pessoas às quais Deus, no tempo, pelos meios da graça, chama à fé, ilumina, justifica, santifica e conserva na fé, unicamente por graça, por amor a Cristo, sem nenhum mérito ou dignidade da pessoa, e os agracia com os dons celestiais. A Escritura afirma: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Efésios 1.3-5). “Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade, para o que também vos chamou mediante o nosso evangelho, para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo” (2 Tessalonicenses 2.13-14). “Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (Atos 13.48). “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou” (Romanos 8.29-30). “Que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2 Timóteo 1.9).
      Rejeitamos a doutrina do sinergismo, na qual se ensina que a causa da conversão não é unicamente a graça de Deus, mas de que Deus viu algo de bom em certas pessoas e isto o motivou a escolhê-las. Rejeitamos também a doutrina de que Deus tenha predestinado uma parte da humanidade para a eterna condenação. Esta doutrina é totalmente contrária à Escritura que afirma com muita clareza que Deus amou o mundo todo, que Cristo padeceu e salvou toda a humanidade, não parcial, mas completamente, e Deus quer que todos cheguem ao pleno conhecimento da verdade e vivam. Confira as seguintes passagens da Bíblia: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (João 3.16-17). “O qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade. Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem, o qual a si mesmo se deu em resgate por todos: testemunho que se deve prestar em tempos oportunos” (1 Timóteo 2.4-6). “Então, Paulo e Barnabé, falando ousadamente, disseram: Cumpria que a vós outros, em primeiro lugar, fosse pregada a palavra de Deus; mas, posto que a rejeitais e a vós mesmos vos julgais indignos da vida eterna, eis aí que nos volvemos para os gentios” (Atos 13.46). “Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvidos, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim como fizeram vossos pais, também vós o fazeis” (Atos 7.51). “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! ” (Mateus 23.37).
     Quanto a esta doutrina da Predestinação cumpre-nos lembrar sempre:
a)      Jesus salvou toda a humanidade (Jo 3.16) e quer que todos sejam salvos;
b)      O Espírito Santo atua pela Palavra e quer levar todos à fé em Cristo (1 Tm 2.4-6);
c)      Se alguém se perde é unicamente por sua culpa. Se alguém se salvo é por pura graça de Cristo;
d)      A doutrina da Predestinação conforta os fiéis em seus temores pela fé e os consola de que Deus que operou neles a fé e os manterá fiéis até ao fim.
e)      A razão humana não consegue harmonizar as afirmações do item “c”, por isso, este mistério, os escandaliza. Os calvinistas levantaram a pergunta: Deve haver algo no homem, quer sua rejeição ou sua aceitação, que faz com que uns se salvam e outro se perdem. Esta pergunta da razão é falha, pois a razão pela qual uma pessoa se perdem está somente nela e a razão porque alguns são salvos, está somente em Deus e não nas pessoas. 

3.15 - Do Anticristo
     A respeito do anticristo a Escritura ensina o seguinte: A Bíblia fala em “anticristos, que são os muitos inimigos de Cristo e no “O Anticristo”, que é aquele que se assenta no “santuário de Deus” (2 Ts 2.4), na Igreja cristã e se diz ser o representante de Deus na terra. Por isso ensinamos que não é alguém que ainda virá, mas que já está aqui e é o “papado de Roma”. Pois todas as aberrações que a Escritura atribui ao anticristo se manifestam no papado e em seu ensino (2 Ts 2). Vemos por exemplo, que o papa, por mais simpático que por vezes se apresenta, sob o nome e título de infalível representante de Cristo na terra, desvia as pessoas da verdadeira compreensão da Bíblia e do mérito de Cristo, e com isto os desvia da salvação de Cristo, levando as pessoas a confiarem em suas próprias obras e méritos, nos decretos papais, o que desvia da verdadeira fé e precipita as pessoas no inferno. Tudo isto é ensinado sob a aparência de santidade, sob a alegação de revelações especiais e milagres. Por isso, à base de 2 Ts 2, reconhecemos no papado o Anticristo, o maior inimigo da cristandade. Não podemos advertir o suficiente contra tal engano. O recente decreto do Ano Jubilar de Misericórdia – um nome tão bonito – mas não é outra coisa do que revigorar as detestáveis indulgências.
3.16 - Igreja e Estado
     Igreja e o Estado são instituições de Deus (Rm 13.1; Mt 18.17), mas devem ser mantidas separadas quanto as suas funções. Igreja e Estado têm objetivos diferentes. Através da Igreja, Deus oferece e dá os bens celestiais, a eterna salvação. “Mas a Jerusalém lá de cima é livre, a qual é nossa mãe” (Gálatas 4.26). Pelo Estado, Deus quer manter a ordem exterior aqui na terra. “Em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito” (1 Timóteo 2.2). Assim, os meios que a Igreja e o Estado empregam para alcançarem seus fins também são diferentes. A Igreja não deve empregar outros meios do que a pregação da palavra de Deus. Ela não deve usar meios de pressão ou força. Jesus disse a Pedro: “Mete a espada na bainha; não beberei, porventura, o cálice que o Pai me deu? ” (João 18.11). E: “O meu reino não é desse mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui” (João 18.36). O Estado, ao contrário, governa por leis e usa a força para obrigar ao cumprimento da lei e tem o direito de castigar os transgressores, até com a pena de morte (Rm 13.4). O Estado visa manter a ordem e tornar a vida social possível. Infelizmente, muitas vezes, as autoridades abusam de seus poderes e causam muitas injustiças. “Visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que prática o mal” (Romanos 13.4).
     Rejeitamos aqueles que querem usar a força do Estado em favor da Igreja, fazendo da igreja um reino estatal. Rejeitamos, também, a loucura daqueles que querem transformar o Estado em igreja. Em lugar de deixar o Estado regulamentar as coisas externas, querem governar o mundo com a palavra de Deus. Mas os incrédulos não se deixam governar com a palavra de Deus, só os cristãos a acatam.
     Se o Estado ordena aos cristãos algo que é contra a palavra de Deus, cabe-lhes responder como o apóstolo Pedro:  Julgai se é justo diante de Deus ouvir-vos antes vós outros do que a Deus; pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (At 4.19,20).
3.17 - O Milênio
     Ensinamos que a igreja de Deus, aqui na terra, está sob a cruz até o dia do juízo final. E, quanto mais perto do juízo final, maior a cruz. Sob cruz entendemos o sofrimento, o desprezo, a perseguição e rejeição, a dor. Pois o mundo se corrompe cada vez mais e mais e oprime os verdadeiros cristãos. Nos últimos tempos haverá grande confusão religiosa. Muitos falsos profetas, operando sinais e milagres. “Fortalecendo a alma dos discípulos, exortando-os a permanecer firmes na fé; e mostrando que, através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus” (Atos 14.22). “E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor se esfriará de quase todos. Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo. E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então, virá o fim ... porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos ... Logo em seguida à tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do firmamento, e os poderes dos céus serão abalados. Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem; todos os povos da terra se lamentarão e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e muita glória” (Mateus 24.12-14, 24, 29-30).
    Rejeitamos a doutrina de que a igreja cristã experimentará ainda, aqui na terra, um período de grande glória, a saber um período de mil anos de triunfo e a conversão de grandes massas e do povo judaico. Este antigo sonho judaico contradiz a Escritura e engana os fiéis, infundindo neles esperanças materiais. Cristo nos reconciliou com Deus pai e venceu o pecado, a morte e Satanás. Ele afirmou claramente: O meu reino não é deste mundo (João 18.36), nem nos deu esperanças materiais. A doutrina do milênio tem sua origem na interpretação de certas profecias do antigo testamento a respeito de Jesus e seu reino de paz. Que devem ser interpretadas espiritualmente e alguns os interpretam materialmente. O que está errado.  
3.18 - Juízo Final
     Cremos que Jesus, que ressuscitou dos mortos e subiu ao céu, voltará visível, e glorioso para julgar vivos e mortos, como o anjo o anunciou aos discípulos: “Varões galileus, por que estais olhando para as alturas? Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir” (Atos 1.11). O apóstolo afirma: “Porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos” (Atos 17.31).  Jesus “virá, entretanto, como ladrão, o Dia do Senhor, no qual os céus passarão com estrepitoso estrondo, e os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela existem serão atingidas” (2 Pedro 3.10). Ninguém sabe quando será este dia. Jesus disse: “Mas a respeito daquele dia ou da hora ninguém sabe; nem os anjos no céu, nem o Filho, senão o Pai” (Marcos 13.32). O apóstolo Pedro lembra: “Ora, o fim de todas as coisas está próximo; sede, portanto, criteriosos e sóbrios a bem das vossas orações” (1 Pedro 4.7). Jesus deu sinais que antecedem a sua volta: revoluções e guerras, falsos profetas, corrupção moral, sinais no sol e na lua, o evangelho será pregado em todo o mundo (Mt 24.36; Lc 21.34). Todos estes sinais já se cumpriram, poderão variar de intensidade. Cabe-nos vigiar e estar preparados. Num piscar de olhos, ao soar da trombeta, os mortos ressuscitarão, céu e terra se desfará em fogo, será realizado o julgamento final, Deus criará novo céu e nova terra. “Esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça” (2 Pedro 3.13).
      Rejeitamos os que negam a ressurreição e a volta visível de Cristo em glória, para julgar vivos e mortos. Rejeitamos todas as teorias que falam num arrebatamento dos fiéis, da volta de Cristo para governar aqui por um período de mil anos de paz na terra, a conversão de grandes massas e do povo judaico. Estas teorias espelham antigos sonhos judaicos de um reino terreno. Os últimos dias serão difíceis (2 Tm 3.1-9; Lc 18.8; Lc 21.25-36). A cristandade será pequena. As forças do mundo, mesmo as antagônicas, se unirão para combater e erradicar o cristianismo (Ap 20.8). Então virá o fim.  Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida (Apocalipse 2.10)

                                                                               São Leopoldo, setembro de 2014
                                                                                       Horst R. Kuchenbecker

XXI - Estudo
A Mensagem da Reforma na mutação do tempo
Dr. Hermann Sasse
1. Será que a Reforma luterana foi apenas um grande acontecimento na história da nação alemã ou na história do mundo ocidental, como tantas outras mensagens que causaram certo impacto e depois desapareceram, sendo substituídas por outras mensagens? O que dá a nós, como Igreja Evangélica Luterana, o direito de afirmar diante da cristandade e na missão mundial: Aceitem esta mensagem. Ela não é simplesmente uma mensagem do século XVI, mas é muito importante para toda a humanidade, em todos os tempos! Visto ser a genuína mensagem da Bíblia.
2. Sim, o que nos dá esse direito? O que dava a Lutero o direito de proclamar a mensagem da Reforma como a bem-aventurada doutrina da justificação do pecador somente pela fé na graça de Cristo? Não foi isso, por ser esta mensagem algo normal para as pessoas do século XVI, ou que para eles tenha sido mais fácil aceitá-la do que para nós hoje? Pelo contrário. As pessoas daquele tempo a rejeitaram da mesma forma como ela é rejeitada hoje. Temos ali a Igreja do Ocidente, cujos corações mais piedosos e espíritos mais aguçados se debatiam, já por mais de mil anos, com a pergunta: Como o pecador é justificado diante de Deus? Essa Igreja, com seu autoritarismo interno e externo, rejeitou a resposta de Lutero para essa pergunta. O mesmo o fizeram as outras grandes forças espirituais do século XVI. Ali estava presente o poder dos humanistas com sua formação, corporificada pelo grande Erasmo (1466-1536) e pelo poeta Goehte (1749-1832). Esse humanimo, pela boca dos grandes eruditos da época, disseram um não à mensagem da justificação do pecador somente por graça de Cristo e pela fé. Ali estava o poder da religiosidade moderna que nascia. Ali estava o pietismo, filosofia daqueles que romperam com as instituições eclesiásticas, que não queriam um papa, mas que também não queriam nenhum papa de papel, como eles chamavam a Bíblia. Eles não queriam crer como Lutero ensinava que o Espírito Santo atua pelos meios externos, pelos meios da graça, Palavra e sacramentos. Eles não queriam a velha, mas uma nova revelação. Eles queriam experimentar Deus, mas não à base daquilo que os antigos pais experimentaram. Também eles repudiaram a mensagem de Lutero, já no alvorecer do mundo moderno.
3. Assim poderíamos penetrar ainda mais no século XVI e veríamos que, em todos os lugares, encontramos pessoas contestando a Reforma naquela época. Não há, hoje, nenhuma contestação à doutrina de Lutero, que já não tivesse sido levantada naquela época com a mesma ênfase. Se Lutero é acusado hoje de que, para ele, a nação não é o último e mais alto valor, ele já fora acusado disso naquele tempo. Por essa razão, o maior movimento nacionalista do século XVI rompeu com Lutero. Para Lutero, também em relação à nação, valia a palavra: “Devemos temer e amar a Deus e confiar nele acima de todas as coisas”. Os socialistas dos séculos XIX e XX nunca perdoaram a Lutero por afirmar que, para ele, havia algo mais importante do que aquilo que eles entendiam por justiça social, a saber, uma justiça bem diferente, uma justiça que nós, seres humanos, não conseguimos gerar, mas a qual Deus nos dá de presente, a justiça que provém da fé na graça de Cristo, a única justiça válida diante de Deus.
     Assim, a mensagem da Reforma do século XVI lhes era tão estranha como para nós do século XXI. Crer nela foi tão difícil para os conterrâneos de Lutero como é hoje em dia para nós. Como foi possível, então, que esta mensagem encontrou crédito? Como foi possível que esta mensagem tão estranha, rejeitada e combatida pelos mais famosos intelectuais daquela época, conseguiu conquistar tantos corações? Para isso, há somente uma resposta. A força desta mensagem está baseada unicamente no poder do próprio Evangelho. O Evangelho que vale para todas as pessoas em todos os lugares e tempos. Esta mensagem vem como uma matéria estranha a todas as pessoas e povos, em todos os séculos que ela alcança. Ela é mensagem estranha por não ser deste mundo. Ao mesmo tempo, ela vem como mensagem de Deus, que quer salvar os seres humanos de sua maior necessidade e ser a verdadeira resposta à mais cruciante pergunta de todas as pessoas.
4. Sim, o Evangelho veio ao mundo como uma mensagem estranha. O que dissemos antes sobre o século XVI, que nele já ecoavam todas as objeções que são levantadas contra o Evangelho hoje, isto já era a verdade no 1° século do Cristianismo. A doutrina da justificação do pecador, unicamente pela graça de Cristo, foi chamada de doutrina judaica, inventada pelo judeu Paulo. Não houve outra doutrina que, desde o seu início, fosse combatida com tal veemência pelos judeus do que esta: “Eu vim chamar pecadores ao arrependimento e não os justos (Mt 9.13). Esta verdade os contemporâneos de Jesus não podiam suportar: “Este recebe pecadores e comer com eles” (Lc 15.2). Por isso, pregaram Jesus na cruz. Quem pode perdoar pecados, senão somente Deus? Como um pecador pode estar mais perto de Deus do que um justo. Como o filho pródigo, da parábola, pôde ser recebido com festa? Como os últimos trabalhadores na vinha, que trabalharam somente uma hora, puderam receberam o mesmo ordenado que aqueles que trabalharam o dia todo? Com que direito o malfeitor na cruz foi aceito incondicionalmente? Tal graça, que excede a todo o entendimento (Fp 4.7), parecia aos judeus o fim de toda a moral. E realmente era o fim de tudo aquilo que o homem natural entende por moral. Será que a afirmação de que nós necessitamos da graça por sermos pecadores, por não podermo-nos salvar a nós mesmos – leva apenas o homem do século XXI à contestação?
5. Não foi isso que também escandalizou os gregos ao ouvirem a pregação do apóstolo Paulo? Da mesma forma, Friedrich Nietzsche (1832-1898) e seus discípulos ridicularizavam a moral escrava da doutrina cristã sobre o pecado. Assim, a profunda doutrina de Lutero sobre o pecado chocou os espíritos esclarecidos do século XVI, como havia chocado os grandes inimigos do passado. Celsus (178 AD), Porhyrius (Filósofo, 233 AD) e Juliano se escandalizaram com a doutrina do pecado e da graça de Deus, porque destruía a dignidade humana. Isso também não é novidade hoje, quando se protesta contra a verdade de que um acontecimento único, a morte e ressurreição de Cristo, motiva nossa salvação. A pessoa histórica, o homem Jesus de Nazaré, Filho de Deus que se tornou homem, é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo e voltará um dia para julgar vivos e mortos. Essas eram frases nas quais os mais bem-intencionados filósofos da antigüidade esbarraram. Já vemos isso relatado em Atos 17.
6. O Evangelho é a mensagem salvífica do perdão dos pecados pelos méritos de Cristo, da justificação do pecador somente pela fé. Essa mensagem, nos séculos passados, não era mais fácil de ser aceita e crida do que hoje. O Evangelho vem, em todos os tempos, aos seres humanos como uma mensagem incompreensível para a razão humana, uma mensagem estranha. Mas vem, também, como mensagem divina, que é uma resposta à última pergunta, da mais profunda necessidade de todas as pessoas. Porque a última pergunta é a de como ele, criatura caída e carregada de pecados, pode subsistir diante de seu Criador e Senhor. Como expressa o hino da Idade Média a respeito do Juízo Final: Quid sum miser tunc, dicturus. Quem patronum rogaturus? O que direi? Quem será meu advogado no dia do grande Juízo? O homem natural não quer saber nada desse medo. Ele o nega. Mesmo assim, o medo está aqui e domina a vida de todas as pessoas. Esse temor do juízo de Deus se manifesta pelo medo da morte. Porque morte e juízo se pertencem. “Ao homem está ordenado morrer uma só vez, vindo depois disto o juízo” (Hb 9.27). A morte de uma pessoa é algo diferente do que a morte de um animal. É mais do que um simples apagar da vida, mais do que um mergulho no nada. É, ao mesmo tempo, juízo.
7. O temor do juízo está presente em todas as religiões dos gentios. Encontramos este medo na antiga Grécia e no alvorecer da cultura clássica. Este medo se projeta como sombra sobre a cultura do Oriente e está presente na cultura greco-romana. Isso é mostrado pelas inscrições nos cemitérios. Elas falam sobre os mistérios salvíficos dos Césares. No meio disso, está a arte clássica antiga, na qual floresceu a grande arte, a ciência que parecia ter conseguido tirar o medo de um juízo da morte. Visto que o espírito humano testa todos os meios para se livrar desse medo, ele inventa para si um deus que não é mais juiz. Ele sonha, em seu sistema ético, com um ser humano que não é mais um pecador, mas uma pessoa que, mesmo não sendo perfeita, no fundo, seja uma pessoa boa. Em sua filosofia, ele imagina uma morte que não é mais morte, nem juízo, mas uma passagem natural e indolor para uma vida superior, ou uma suave libertação para uma bem-aventurada inconsciência. Assim fizeram os gregos antigos. Assim as pessoas fazem em geral. De uma maneira impressionante, isso é feito, também, no mundo moderno dos últimos anos.
8. Se quisermos compreender nossa época, precisamos relembrar esse incrível processo de mudança que se efetuou no passado. Nos anos de 1700 ainda havia em todas as igrejas do Ocidente, também nas luteranas, o confessionário. Nenhuma pessoa podia imaginar-se uma vida sem confissão de pecados, sem arrependimento, sem perdão. Cada pessoa, na época, via no horizonte de sua vida, o Juízo Final. Cada um sabia que estava a caminho do Juízo. A antiga pergunta do Cristianismo ocidental, que preocupou tantas gerações, ainda continuava sendo esta: Como conseguirei um Deus misericordioso? Essa pergunta conduziu muitas pessoas à igreja. Essa pergunta, através das vigorosas pregações cristãs sobre arrependimento, também conduziu muitos, até o final da Idade Média, à vida monástica. Ela também levou Lutero ao mosteiro e provocou profundas lutas de consciência em busca pela salvação de sua alma. Ela também estava presente naqueles que ficavam no mundo. O rei Henrique IV da Inglaterra (Rei da Inglaterra, 1399-1403 AD) peregrinou até Canossa, nos Alpes, em busca da absolvição do Papa, pois sem esta, ele não poderia viver nem como rei, nem como pessoa. É impossível imaginar-se os grandes reis e príncipes alemães, os poetas e construtores, os marinheiros e comerciantes, os colonos da época sem o sacramento do Arrependimento e da Absolvição.
9. Essa mesma forma de pensar também encontramos na época da Reforma, com a diferença de que a pergunta pelo Deus do perdão era levada muito mais a sério do que nos séculos anteriores. Quem qualifica a Reforma como um simples protesto contra o espírito eclesiástico romano não compreendeu a história. Não compreendeu quão séria era a pergunta da época com respeito a um Deus gracioso. A Reforma girou em torno da pergunta do perdão dos pecados. Como conseguirei um Deus gracioso? O que significa o fato de que o eterno Filho de Deus, por amor à humanidade e à nossa salvação, desceu do céu e se tornou nosso irmão na carne? Essa foi a principal pergunta da Reforma. Todas as outras eram secundárias. Por essa pergunta ter sido tomada tão a sério, a resposta de Lutero também foi tomada a sério. Sua doutrina da justificação do pecador somente pela fé não foi uma teoria para teólogos, como se pensa hoje, mas uma verdade bem-aventurada, que o povo de todas as classes sociais procurou gravar fundo em seus corações pelos grandes hinos da Reforma, especialmente pelo hino de Lutero: “Vós crentes todos exultai! ” (HL 376) Talvez em nenhuma outra época, o povo alemão experimentou uma paz e bem-aventurança tão profunda como quando aprendeu o que significa que Jesus carregou todos os nossos pecados, que ele sofreu pelos pecados de toda a humanidade e que, por isso, nele, e somente nele, há perdão dos pecados e esse perdão nos é oferecido gratuitamente. Nele podemos refugiar-nos pela fé. No dia do Juízo, não poderemos apresentar absolutamente nada, nenhuma obra ou virtude nossas. Somente em Cristo somos justificados e santificados, como confessamos neste singelo verso: “Em Cristo irei adormecer e em suas chagas me esconder; da culpa me livrou Jesus, vertendo o sangue sobre a cruz; confiando nele irei aos céus, o reino eterno de meu Deus”.  (HL 522.1) Tudo isso foi absorvido e vivido, porque a pergunta sobre o Deus gracioso foi a pergunta de quase todos os europeus. Ela foi aprofundada ainda nas gerações posteriores até o ano de 1700, não somente entre os luteranos, mas também entre os católicos e reformados.
III – A grande Revolução Cultural
10. Então veio a grande revolução cultural desencadeada pelo racionalismo. Seu objetivo consistiu em elevar a razão humana à função de juíza última sobre todas as coisas. A razão determina o que é verdade. Com isso, a razão humana tornou-se a juíza sobre a palavra de Deus. Das verdades bíblicas, ela deixa em pé somente aquilo que ela consegue compreender, e isso não é muita coisa. O Deus vivo da Bíblia e a fé cristã foram eliminados da consciência das pessoas. Seu lugar foi ocupado por uma idéia vaga sobre Deus. A santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo foi substituída pelas pálidas idéias racionalistas dos séculos XVIII e XIX, trinômios como: O Bem, o Verdadeiro e o Belo; Deus, Virtude e Imortalidade; Deus, Liberdade e Pátria e outros nomes.
     Os cristãos no Novo Testamento, no entanto, afirmavam a respeito de Deus o seguinte: “Nosso Deus é fogo consumidor” (Hb 12.29). Esta realidade foi revivida pela Reforma, quando os fiéis retornaram do deus de Aristóteles ao Deus do Novo Testamento. Mais tarde, tudo mudou novamente. Para Kant (1724-1804), Schleiermacher (1768-1834) e Hegel (1770-1831) Deus não era mais um “fogo consumidor”, mas uma idéia tranqüilizadora. Lutero sabia: Se Deus é fogo consumidor e verdadeiramente existe, então eu, como pecador, estou perdido. Mas Kant afirmou: “Se Deus existe, então estou bem. Pois ele é a garantia de minha imortalidade; ele me garante uma vida virtuosa, que será amplamente recompensada”. Essa é, de forma simples, a idéia de Kant sobre Deus. Mas a Igreja Evangélica cantava como Lutero: “Das profundezas clamo, ó Deus, escuta os meus gemidos. Dos céus inclina aos brados meus, gracioso os teus ouvidos” (HL 349.1). Isso, duzentos anos depois da Reforma luterana, não era mais entendido. Pois, se a razão é o juiz sobre o que posso crer da revelação bíblica, então cada pessoa se elevou a juiz sobre Deus. Foi isso o que realmente aconteceu no século XVIII.
IV – A Justificação do Pecador vista pelo Racionalismo
11.  Uma das obras mais profundas do racionalismo alemão é a Essais Théodicée de Leibniz (Gottfried Wilhelm von Leibnitz, 1646 – 1716). Théodczée significa a justificação divina. Ora, o tema central da Reforma luterana era a justificação do pecador. O racionalismo moderno trata da justificação divina. Suas perguntas são: Deus existe? Será que posso crer num Deus que permite tudo o que, conforme minha opinião, um Deus de amor jamais deveria permitir? Por exemplo: doença e morte, pestilência e fome, guerras e derramamento de sangue? Por que Deus permite isso? Na Reforma, o ser humano estava como um réu diante do trono de Deus. Agora, na Théodicée, a pessoa se eleva sobre Deus e coloca Deus no banco dos réus. Como Deus, o ser perfeito, pode permitir o sofrimento e o mal na terra? Leibnitz, no seu livro, procurou mostrar, ainda, que este nosso mundo é o melhor mundo pensante e desculpou, por assim dizer, Deus, entrando em defesa dele, contra as acusações humanas. Outros já não fizeram mais isso. Assim, o processo moderno da vida espiritual, tornou-se um ato do ser humano contra o Deus da Bíblia e da fé cristã. Não importa se essa guerra é feita com os refinados argumentos espirituais da filosofia ou com as armas brutas das revoluções dos tempos modernos, da revolução francesa ou da revolução bolchevista.
12. Assim, o mundo moderno tornou-se um lugar no qual não se teme mais o juízo de Deus. Como temeríamos? Pois no momento em que elevo minha razão para ser a juíza sobre todas as coisas espirituais, desaparece, necessariamente, o reconhecimento de que sou pecador. O pecado original, com o qual nascemos, é, assim se expressou Lutero certa vez, uma corrupção tão profunda e má que a pessoa é incapaz de reconhecê-lo por si mesma. Essa verdade precisa ser crida da Palavra de Deus. Isto significa que pertence ao ser humano pecaminoso, que o homem com os recursos de sua razão, não pode reconhecer que ele é um pecador, um inimigo de Deus. Assim, o reconhecimento de o homem ser um pecador foi apagado no ser humano moderno e, com isso, anula-se o reconhecimento de que ele necessita de perdão dos pecados. Claus Harms afirmou: “O perdão dos pecados que custava dinheiro no século XVI, no século XIX é obtido completamente de graça e cada um pode servir-se dele”. Sim, agora cada um se serve a si mesmo com o perdão. “Como poderíamos viver – dizia Goethe certa vez - se não absolvermos a nós e aos outros”. (A psicologia moderna afirma o mesmo) Quando criança, Goethe ainda aprendeu do Catecismo Menor: “O qual perdoa abundante e diariamente todos os pecados a mim e a todos os crentes”. As pessoas se serviam com o perdão. “Que a trombeta do juízo final ecoe” - escreveu Rousseau, (1712-1778) o pai espiritual da revolução francesa, no início de sua confissão, na qual ele afirma: “Eu me colocarei diante do juiz de céu e terra com este livro na mão e direi em alta voz: Aqui está o que fiz, pensei e o que fui... reúna em torno de mim as pessoas, as multidões de meus semelhantes e ouçam minha confissão... e quem o desejar eu direi: Eu fui o melhor do que este homem ali”.
13. Precisamos comparar essa malograda e mentirosa confissão de Rousseau com a confissão de Agostinho (325 A.D.). Para compreender a grandeza dessa revolução, o homem moderno olha para o Juízo Final com uma incrível autoconfiança. Em outras palavras, ele não se deixa perturbar pela idéia do Juízo Final, porque não crê mais no juízo de Deus. No fundo, mesmo falando ainda de Deus, ele crê somente em si mesmo, no ser humano, na sua glória, na sua grandeza e no seu poder. Nossos pais, firmados na Bíblia, pensaram diferente. Lutero canta no hino Castelo Forte: “Sem forças para combater, teríamos perdido. Por nós batalha e irá vencer, quem Deus tem escolhido” (HL 165.2). No final de sua vida, Lutero confessa: “Somos pobres mendigos, isto é verdade”. O homem moderno não crê mais isso. Ele só conhece o terrível auto-elogio, o louvor próprio, sua glória, sua força e divindade, sua autoconfiança, sua auto-estima, ou, como Goethe afirma em seu Prometheus: “Não completaste tudo por ti mesmo, meu coração, com santo fervor?
14. Realmente, há uma incrível revolução em andamento na vida espiritual do Ocidente. É incrível, porque nela reside todo o conjunto do progresso da cultura moderna e, ao mesmo tempo, o germe que necessariamente a leva à morte. É incrível como o homem europeu do último milênio está convicto de ser ele o primeiro a conhecer a verdadeira realidade humana. Isso exatamente ao perder o conhecimento da grande realidade do ser humano, revelada na Bíblia. Ele considera o Deus da Bíblia, o juiz de céu e terra, a ira de Deus e a condenação eterna, pura fantasia. O homem moderno julga que precisa terminar com esse conhecimento e trocar a verdadeira realidade por teorias fantasiosas colocadas em papel. Ele considera as grandes realidades da vida, o Deus vivo, o pecado do ser humano, o juízo de Deus, simples teorias irreais, mas julga reais as suas teorias, quais sejam: o Deus inventado que não é mais o Criador nem juiz e o homem, que não é mais pecador nem necessita mais de perdão. Goethe pressentiu essa tendência de o ser humano de trocar a realidade por teorias imaginárias e caracterizou isso assim: “Nós nos estudamos para fora da vida”. Esta é a profunda aflição espiritual do mundo moderno. Ele trocou a realidade da revelação bíblica por teorias fantasiosas. O homem do nosso tempo, tão orgulhoso de suas realizações, vive, na verdade, de ilusões.
     Os juízos de Deus, no entanto, que assolam o mundo têm aberto os olhos de muitos para a realidade de Deus e a do ser humano e abriram muitos corações para a sempre nova revelação da Reforma a respeito da justificação do pecador.
15. Não devemos, porém, entender isso como se, de repente as massas vão encontrar o caminho de volta para a igreja. Pois os juízos de Deus não agem somente no sentido de operarem sempre arrependimento e fé. Eles provocam, também, endurecimento e, em muitos casos, as pessoas não chegam à fé, mas desesperam. É tão impossível para o homem atual crer no Evangelho, como o foi em qualquer tempo do passado. Uma coisa, no entanto, mudou. Hoje temos mais pessoas do que há dois mil anos atrás, que sabem, novamente, que haverá um Juízo Final e que não é Deus que precisa se justificar diante das pessoas, mas o ser humano diante de Deus. Há mais pessoas do que imaginamos, que reconhecem que o homem é pecador perdido e condenado, até onde isso é possível ao homem natural. A essas pessoas, aflitas, à beira do desespero, sem que elas o saibam, a antiga pergunta de todos a respeito de um Deus gracioso torna-se novamente a única grande indagação do ser humano. Essas pessoas perguntam novamente pelo Evangelho, mesmo se nada sabem a respeito dele. Esses que se distanciaram da Igreja e de sua proclamação, batem novamente à porta da igreja e perguntam.
16. Que grande oportunidade este momento pode ser para a Igreja da Reforma! Essas pessoas estão perguntando por aquilo que Deus confiou à sua Igreja. Eles perguntam pela mensagem da Reforma, que não é outra coisa senão o Evangelho do Novo Testamento, a bem-aventurada mensagem da salvação do ser humano perdido. Em nenhum outro lugar, a verdadeira e profunda situação do homem é colocada de maneira tão clara e aberta, sem ilusões como no Novo Testamento. “Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medula, e é apta para discernir os pensamentos e propósito do coração” (Hb 4.12). Pela lei, a Palavra de Deus desvenda o coração de tal forma que, mesmo na cristandade, isto é chocante e parece insuportável. Sempre se tentou defender o homem e deixar pelo menos um pouco de bom nele. Até que veio Lutero e renovou o reconhecimento do ser humano, como a Bíblia o ensina. “Cativo fui de Satanás e à morte condenado; e noite e dia andei sem paz por causa do pecado. E cada vez caía mais, sem me poder erguer jamais daquele triste estado”. (HL 376.2). Somente quando se reconhece o estado perdido e condenado do ser humano, se reconhecerá o consolo do Evangelho. “Só tua graça poderá salvar-nos dos pecados, o nosso esforço em vão será, inúteis os cuidados. Não há de que nos ufanar devendo em teu temor andar quais pobres agraciados”. (HL 349.2).
17. Só então compreenderemos corretamente a Jesus Cristo. Pois a doutrina de Lutero da justificação não trata de outra coisa senão da compreensão de Jesus como Salvador. Nada sou. Nada posso. Nada sei. Nada tenho. Se dependo de mim mesmo, estou perdido por toda a eternidade. Mas tenho um Salvador. Ele me foi feito “da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção”. (1 Co 1.30). Nunca serei algo por própria força ou razão. Não tenho nada a apresentar. Nunca terei justiça ou santificação próprias. Mas temos um Salvador. Lutero não se importou de nenhuma outra coisa senão de mostrar a glória de Cristo como Salvador. Este é o sentido de sua doutrina da justificação. A honra de Jesus é ser ele o Salvador do perdido, o Salvador do pecador. Somente ele.
18. Essa é a mensagem da Reforma. Ela não é outra coisa senão o puro Evangelho. A mensagem que Deus confiou à sua Igreja. É a mensagem que devemos proclamar a todas as pessoas que perguntam, duvidam, desesperam, que batem à porta da igreja. A proclamação desta mensagem é a grande tarefa da Igreja em nossos dias, de nós todos a quem esta mensagem foi confiada. Nós todos somos responsáveis, toda a comunidade, cada um de nós.
Nota: Hermann Sasse, Lutherische Beiträge, n° 4, 2003, p. 235. Tradução, Horst Kuchenbecker       
                                                                      São Leopoldo 22/09/2014
                                                                      Horst R. Kuchenbecker


Bibliografia
  1. Lessa, Vicente Themundo, Lutero. Casa Editora Presbiteriana. São Paulo, 1960, 4ª edição.
  2. Hasse, Rodolfo F., Frei Martinho, restaurador da verdade. Casa Publicadora Concórdia. S.A. Porto Alegre, 1960, 2ª edição.
  3. Justo, Gustavo, Deus despertou Lutero. Editora Concórdia, Porto Alegre, RS. 2003, 2ª edição.
  4. Bainton, Roland, Martim Luther. Vonderhoeck & Ruprecht. Göttingen, 1980
  5. Greiner, Albert, Lutero. Editora Sinodal, São Leopoldo, RS, 1968
  6. Stadler, Hubert, Martin Luther und die Reformation. Hermes Handlexikon. ECON Taschenburch Verlag. Germany, 1983.
  7. Friedenthal, Richard, Luther, Sein Leben und seine Zeit. Serie Piper. Co Verlag, München, Zürich, 7ª edição, 1982
  8. Martin Luther, 1483-1546. Katalog der Hauptaustellung in der Lutherhalle, Wittenberg. Schelzky e Jeep, Berlon 2ª edição, 1993
  9. Martinho Lutero. Obras Selcionadas. Editora Sinodal, São Leopoldo,RS e Editora Concórdia, Porto Alegre, RS.
  10. Walch, dr. Hon. Georg, Dr. Martin Luthers sämtliche Schriften. Concordia Publishing House, St. Luis. Mo. 1892.
  11. Beknntniss der Kirche, ABCteam. Theologischer Verlag. R. Brockhaus, Wuppentahl, 1977.
  12. Livro de Concórdia. Editora Sinodal, São Leopoldo, RS e Editora Concórdia, Porto Alegre, RS 1980.
  13. Der Lutheraner, St. Louis, Mo. USA, 1917.
  14. Catecismo da Igreja Católica. Editora Vozes, São Paulo, 3ª edição, 1993
  15. Koehler, Edward, W.A. Sumário da Doutrina Cristã. Concórdia Editora, Porto Alegre, RS, 3ª edição 2002
  16. Mueller, John Theodor, Dogmática Cristã. Editora Concórdia, Porto Alegre, RS.  e Editora da Ulbra, Canoas, RS. 4ª Edição, 2004.
  17.  Lutherische Beiträge, nº 4, 2003.

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XXII – Sermões para o dia da Reforma: 1, 2 e 3

I - Mensagens para a Reforma:
Igreja Luterana, examina-te a ti mesma!
    No dia 31 de outubro lembramos as 95 Teses. que o Dr. Martinho Lutero fixou no ano de 1517 na porta do castelo em Wittenberg, Alemanha e suas conseqüências para a cristandade. Temos certeza de que isto foi obra de Deus, que se compadeceu de sua Igreja, trazendo seu eterno evangelho novamente à luz.
     Nas celebrações deste ano, não queremos simplesmente relembrar este grandioso fato da renovação da Igreja, mas queremos colocar-nos diante da pergunta: O que a mensagem de Lutero tem a dizer a nós cristãos e a sua Igreja hoje? Por que importa permanecer apegado à sua doutrina, mesmo que esta nos separe da grande maioria da cristandade? 
     O jubileu da Reforma é um convite às igrejas da inalterada Confissão de Augsburgo a se conscientizarem da grande bênção que Deus lhes confiou e com ela da grande tarefa de proclamar: Somente a Escritura, somente por graça, somente pela fé. Aqui valem também as palavras de Cristo: A quem muito foi dado, muito lhe será exigido (Lc 12.48). Por isso pedimos, insistentemente, a todas as congregações luteranas a não limitarem as celebrações somente a um dia, a um culto, mas a partir desta data iniciar uma profunda conscientização das bênçãos da Reforma e de nossa responsabilidade na caminhada neste mundo.
     Durante essa conscientização surgirão muitas perguntas que somente a Palavra de Deus poderá responder. Aqui queremos abordar algumas perguntas para nosso auto-exame e conscientização de nossa responsabilidade.

Arrependei-vos
     A Reforma iniciou com um chamado ao arrependimento. Lutero escreve em sua primeira, das 95 teses: Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos... (Mt 7.14), certamente quer que toda vida dos seus crentes na terra seja contínuo arrependimento. Este chamado se dirige ainda hoje à cristandade, especialmente à Igreja Luterana. Antes de Lutero ter estado em condições de poder iniciar a grande luta contra as falsificações da mensagem do evangelho, ele teve que experimentar, sob a ação da palavra de Deus, no próprio coração o que é arrependimento. O hino, no qual ele testemunha essa experiência, ainda hoje nos comove e entusiasma: Vós crentes, todos exultai... (HL 376) Este arrependimento inicia com uma profunda e amarga constatação de que o ser humano, que se rebelou contra Deus, é merecedor da eterna condenação. Lutero a descreve assim: Cativo fui de Satanás e à morte condenado; e noite e dia andei sem paz por causa do pecado. O medo, então, me fez sofrer e, em desespero, compreender que ao fogo eterno iria. (v.2 e 3) Eis que Deus guiou Lutero ao santo evangelho, ao verdadeiro apego à graça de Deus, na qual Deus declara o pecador perdido, absolvido e justo pela graça de Cristo. O arrependimento, no seu sentido amplo inclui o reconhecimento de estar perdido e o pego à graça de Cristo. Lutero continua no hino: Permanece em mim, e não serás vencido. Por ti combato até o fim, estando a ti unido na mais perfeita e santa união para uma eterna salvação, junto a meu Pai querido. (v.7)
     Por que este chamado ao verdadeiro arrependimento é sempre de novo desconsiderado e também de nossa parte não tomado a sério? Isto, porque o chamado ao arrependimento é compreendido somente ali onde nós nos curvamos, incondicionalmente, ao testemunho da Palavra de Deus com respeito ao pecado e à condenação eterna (pecado original). Em nossa era do positivismo, no entanto, consideramos o pecado uma pequena fraqueza e acreditamos que no fundo somos bons.
      Falta em nossos dias, não somente no mundo, mas também na cristandade da compreensão de que a queda em pecado foi verdadeiramente uma queda pela qual fomos totalmente corrompidos e nos tornamos escravos de Satanás, réus da eterna condenação. (Pecado Original) 
     No mundo sofremos as conseqüências desta queda. Gememos sob as ameaças à vida humana através dos poderes de destruição do mundo, mas negamos o pecado. Trememos diante de uma catástrofe mundial, mas não tememos a ira de Deus. Precisamos reconhecer com clareza e confessá-lo, que também nós estamos profundamente emaranhados em tudo isso. Por essa razão, nossos ouvidos são surdos e nossos corações endurecidos diante da boa nova da salvação que Jesus Cristo preparou para nós pecadores perdidos. Por isso nos tornamos cada vez mais cegos diante da incomparável riqueza que temos na Escritura e nos sacramentos não falsificados. Por isso nossa boca permanece muda e nossa língua paralisada para o testemunho da única mensagem que pode renovar a igreja e levar as pessoas de nosso tempo à verdadeira salvação.  A palavra do Cristo exaltado dirigida à comunidade de Éfeso vale também para os cristãos luteranos e congregações de hoje: Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te, e volta à prática das primeiras obras, e se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependeres. (At 2.5)

O santo evangelho
     No meio das teses de Lutero lemos a frase: O verdadeiro tesouro da igreja é o santíssimo Evangelho da glória da graça de Deus (Tese 62). O Reformador escreve estas palavras na luta contra a doutrina falsa, que colocava como necessárias as boas obras e obras piedosas dos santos ao lado da obra redentora de Cristo. Em nossos dias se requer da Igreja muitas obras humanas para solucionar os problemas mundiais e para suprir as necessidades humanas. Também nosso Senhor Jesus Cristo requer o servir dos cristãos ao e no mundo. Mas não é por esse serviço que sua igreja adquire a riqueza que ela deve anunciar ao mundo. O verdadeiro tesouro da Igreja permanece a boa nova do Salvador Jesus Cristo, o santo Evangelho, a oferta da reconciliação com Deus, a proclamação do perdão e do poder dos santos sacramentos.
Alegria e júbilo da Igreja
     Onde está hoje a alegria e o júbilo pelo tesouro da Igreja? Conhecemos ainda a gratidão da Igreja, na qual os fiéis, por amor a este tesouro, trouxeram grandes sacrifícios e o preservaram para nós, seus descendentes? Em vista de nosso indiferentismo e de nossa leviandade, este tesouro da Igreja está sendo desprezado como algo antigo e superado. Ele é falsificado por velhas e novas doutrinas errôneas. Ele é soterrado pelo orgulho humano e por palavras da sabedoria do mundo. Em sua autoconfiança, o ser humano avança a passos largos em ses progresso científico e se coloca com sua razão sobre a Palavra de Deus.
O Perigo de perdermos o tesouro do evangelho
      Na época das comunicações e mesma da ampla venda e divulgação da Bíblias, o que alegre, mesmo assim, nós nos defrontamos com a diversidade de traduções e interpretação da Bíblia. Nesta situação, somos ameaçados a perder o verdadeiro tesouro da igreja. Os sintomas da paralisia da fé se fazem sentir.
     A autoridade da Escritura está sendo cada vez mais abalada. Quem ainda a considera a genuína, inspirada e infalível palavra de Deus? Quem a lê diariamente e confia em suas afirmações? Muitos questionam, dizendo: Como pode a palavra escrita por homens, ser palavra de Deus? Ela é um testemunho de um passado longínquo que pouco tem a dizer a nós hoje.
     A compreensão da Bíblia, de fato permanece fechada a todos cujas portas ao conteúdo não são abertas pela chave que Lutero encontrou nela: somente a Escritura, somente pela graça de Cristo, somente por fé.
    Por que tantos cristãos rejeitam o batismo e não reconhecem nele mais a força libertadora e regeneradora? Porque não permanecem no que a Bíblia afirma a respeito do batismo, de ser o lavar regenerador e renovado do Espírito Santo, (Tt 3.5)?
     Por que muitos questionam a santa absolvição, dizendo: Como o pastor pode perdoar pecados? Só Deus pode fazê-lo. Porque desaprendemos a confessar nossos próprios pecados, quer seja isso na confissão geral com toda a Comunidade, ou na confissão particular, da qual fala o Art. 11 da Confissão de Augsburgo, que termina com a súplica: “...não a deixando cair em desuso da igreja”? Porque mesmo nossos pastores não proferem mais uma mensagem confessional (pelo menos uma ou duas vezes ao mês) antes da Confissão e Absolvição, em vez disso elaboram longas liturgias alteradas e citação de muitos versículos e não absolvem mais diretamente, mas expressam somente o amor universal de Cristo, roubando aos membros o precioso consolo da absolvição direta?
     Por que o milagre e bênção da Santa Ceia não alcança seu verdadeiro objetivo? Porque não se dá crédito ao cordial convite de Cristo, bem como a sua ordem: Fazei isto em memória de mim (Lc 22.19)? Fazei isto...  é uma ordem. Ao fazê-lo não somos nós que o fazemos, mas Cristo o faz, conforme sua palavra. Ele é, na Santa Ceia, o agente. Em memória de mim... recordando meu sacrifício, os bens que vos conquistei, e que vos alcanço agora para o fortalecimento de vossa fé e o louvor. Porque vacilamos na fé diante de sua afirmação: Isto é o meu corpo! Isto é o meu sangue? (1 Co 11.24-29), a saber o corpo que adquiri da virgem Maria, que entreguei à morte e que vos entrego aqui para perdão dos pecados. E por muitos luteranos não rejeitarem mais a doutrina falsa, a ponto de deixarem qualquer um ir à mesa do Senhor, abrindo mão da unidade de fé (1 Co 10.16). Da mesma forma negam a força unificadora desse sacramento, quando nos retraímos da vida de nossa própria Comunidade, separando-nos daqueles que têm parte conosco no corpo e sangue de Cristo? (1Co 10.17)
     Quanto mais meditarmos sobre o Evangelho, o verdadeiro tesouro da Igreja, com tanto maior clareza nós reconheceremos os maravilhosos dons que Deus confiou à Igreja Luterana e os conservou a nós até hoje. Tanto mais nos assustamos por não tê-lo valorizado o suficiente, nem nos apegado a ele, cumprindo a missão que Deus nos confiou. Este tesouro nos compromete sempre de novo ao uso constante da Palavra de Deus, à abundante oferta de gratidão e ao louvor. O tesouro dos meios da graça nos fortalece à inquebrantável fidelidade à nossa Igreja Luterana, e com isso à necessária luta contra os erros. Este tesouro nos torna ao mesmo tempo alegres e voluntários para o testemunho da verdade, em amor, diante dos cristãos separados de nós, à obra ordenada a nós, a compaixão e a missão aos que estão longe.
Apego aos Meios da Graça, ao Evangelho
    Também neste sentido somos atingidos pela palavra de nosso Senhor: Estas coisas diz aquele que tem os sete espíritos de Deus, e as sete estrelas: Conheço as tuas obras, que tens nome de que vive, e estás morto. Sê vigilante, e consolida o resto que estava para morrer, porque não tenho achado integras as sutas obras na presença do meu Deus. (Ap 3.1-3).

(Observação: Esta mensagem é a adaptação de um trabalho mais extenso do prof. Dr. Friedrich Wilhelm Hopf (1967), por ocasião do Jubileu da Reforma dos 450 Anos).
                                                                                                     São Leopoldo, 22/10/2012
                                                                                                          Horst R. Kuchenbecker
2 - Mensagem para a Reforma
Rm 3.19-29 - Festa da Reforma
l. O Texto no Ano Eclesiástico
     Reforma - É apropriado celebrar a Reforma luterana em nossos dias?  Não deveríamos fazer tudo para sepultar as diferenças que existem entre católicos e evangélicos? Ou então, com que espírito, com que mensagem vamos celebrar a Reforma luterana em nossos dias, nos quais o espírito da Ecumênico procura remover qualquer fronteira ou divisa que possa separar. Prega-se a união de todas as religiões, o fim do fanatismo. Chega de doutrinas que separam. Ninguém é dono da verdade. O que importa numa religião é a tolerância e o amor. Este é a verdadeira religião. Diante desse espírito em nossos dias não se pergunta mais qual é, hoje, nosso compromisso e nossa mensagem como herdeiros da Reforma?
     Nossa responsabilidade e nossa mensagem não muda. É a mesma de nossos pais. O amor é importante, mas amor não subordinado e orientado pela palavra de Deus, não é amor. Por isso permanece: Somente a Escritura, somente por graça, somente pela fé.
     Nosso texto convida a refletirmos sobre o ponto central da Escritura e da Reforma: A doutrina da justificação pela fé em Cristo.
2. Texto
     Em Romanos 3.21, a palavra inicial: “Mas agora”, chama atenção. Há um “antes” e há um “agora”, a antiga e a nova aliança. O apóstolo Paulo percebeu cedo a fúria e astúcia com que Satanás ataca a doutrina central da justificação pela fé em Cristo. As cartas aos romanos, gálatas e efésios mostram sua luta para manter este ensino para a igreja e como consolo individual a cada cristão. Esta luta precisa ser travada em cada época, por todo o cristão individualmente, pelas congregações e pela igreja como um todo. Satanás levanta sempre novas artimanhas e sutilezas, procurando destruir esta verdade.
     A palavra em destaque neste texto é “justificação”.  Um termo que o apóstolo Paulo usa 22 vezes em suas cartas. Justificação significa declarar o culpado justo, perdoado, absolvido. É um ato forense, que acontece no coração de Deus em relação ao culpado. Deus é justo. Ele não abre mão de sua justiça, que exige o cumprimento da lei e a punição do transgressor. A lei não conhece misericórdia. Mas Jesus, como substituto de toda a humanidade, cumpriu a lei e por seu sacrifício pagou pelos pecados de toda a humanidade. Deus Pai aceitou a obra de Cristo e justificou a humanidade, justificou todas as pessoas. Agora há perdão e salvação para todos (justificação objetiva). Aqueles, que arrependidos de seus pecados confiam na graça de Cristo, têm, sem a justiça da lei, sem obras, completo perdão e recebem a adoção de filhos, tornando-se herdeiro da vida eterna (justificação subjetiva). Pela fé somente. Lutero anexou a palavra “somente”. Este é o sentido do texto original. A fé não é uma contribuição humana ou “decisão,” é dom de Deus, “para que ninguém se glorie.”
     Esta doutrina, este mistério do amor de Deus em Cristo, nossa razão não compreende. O homem natural a considera loucura. E, em seu orgulho natural, busca subterfúgios e quer colaborar em sua salvação, a fim de ter um pouco de honra.
     No Novo Testamento Católico, do  Mons. Dr. José Basílio Pereira, Editora Mensagem da Fé, Salvador, Baia, 1955, lemos no comentário ao pé da página, referente a romanos 3.28: “Segundo o Concílio Tridentino quer isto dizer não somos justificados gratuitamente, no sentido de que não interviesse para ela nenhum preço ou “mérito”.  No novo Catecismo Católico (Editora Vozes, 1993) lemos no item 2010: “Como a iniciativa pertence a Deus na ordem da graça, ninguém pode merecer a graça primeira, na origem da conversão, do perdão e da justificação. Sob a moção do Espírito Santo e da caridade, podemos em seguida merecer para nós mesmos e para os outros as graças úteis para a nossa santificação, para crescimento da graça e da caridade, e também para ganhar a vida eterna”. Que tristeza! Cabe-nos rejeitar não somente o crasso erro doutrinário católico, mas também a doutrina das obras dos protestantes que afirmam que Deus aceita o pecador por graça, ou pela fé, se este se inclinar, dispor, preparar, decidir pela graça e a confirmar pela prática de virtudes cristãs. Rejeitamos todo e qualquer sinergismo que atribua ao homem a capacidade de cooperar na sua conversão (DS II.61).
III - Persuasão - Conforme o lema da IELB: “Vivendo como testemunhas,” queremos mostrar, ao celebrarmos os 450 anos da morte de Lutero (18/02/15456), o verdadeiro tesouro da Reforma, a doutrina da justificação do pecador pela fé na graça de Cristo, o que isto significa para o nosso dia a dia, e como isto capacita os cristãos a testemunharem da mesma.
IV. EsboçoIntrodução. “Como posso conseguir um Deus misericordioso? ” foi a pergunta que desencadeou a Reforma. Hoje, em seu orgulho, o homem levanta seu dedo em riste para acusar a Deus. Deus é amor, portanto ele tem a obrigação de me conceder felicidade. Por isso, quando uma pessoa está diante de problemas, ela levanta sua mão e grita: Onde está Deus?  Diante disso é preciso falar da santidade e da justiça de Deus. Proclamar primeiro a lei de Deus, para mostrar ao homem seu estado de mísero pecador, de condenado e réu do inferno. O apóstolo Paulo não se cansa de fazê-lo.
 1) Antes - Nos primeiros capítulos, o apóstolo Paulo falou do rigor da lei e mostrou a impossibilidade de alguém salvar-se por este caminho. Ele lembra aos judeus a “antiga aliança” e o grande significado do dia da reconciliação. O sumo-sacerdote entrava no santo dos santos, e aspergia o sangue sobre a Arca, com os dois querubins, em cujo meio pairava a nuvem (Schechina), para assinalar a presença de Deus no meio do povo, a fim de reconciliar o povo com Deus, pois sem derramamento de sangue, não haveria perdão (Hb 9.22). Só assim, reconciliados pelo sangue, que era sombra do sacrifício de Cristo, o povo poderia aproximar-se de Deus. Em vista disso o apóstolo afirma: “Ele fez isto para demonstrar sua justiça, porque em sua tolerância deixou impune os pecados anteriormente cometidos - (NVI). Deus castigou os pecados em Cristo.
2) Mas agora - há completo perdão. E toda a pessoa que crê em Cristo, que se apega à graça de Cristo, tem o que estas palavras lhe oferecem dão e selam perdão, vida e eterna salvação. E isto sem as obras da lei, nem anteriores, nem durante, nem posteriores. Este consolo alegra a alma, confere paz, quer o sintamos ou não. Se a consciência me acusa, posso dizer: Fique quieta, pois está escrito: Jesus me remiu. Se o infortúnio me persegue, parecendo que Deus me abandou, e a doença sob dores e gemidos a me conduzir à morte, ainda assim podemos jubilar e dizer: Sei que Deus me ama e me quer bem. Que consolo!
3) Nesta verdade queremos crescer cada vez mais pela leitura e o estudo da palavra de Deus, dos hinos (Paul Gerhardt) e do Catecismo, para aprender a falar a outros. Esta verdade jamais alguém imaginou, nem a compreenderá. Para a razão humana isto é loucura e escândalo. Mas sabemos que o Espírito Santo atua pela palavra, por isso não tememos em proclamar esta palavra destemidamente, também em nossos dias, mesmo que nos chamem de perturbadores da paz. Sabemos que verdadeira paz e edificação da igreja cristã só provém da palavra quando somos fiéis à doutrina da justificação pela fé na graça de Cristo, proclamando lei e evangelho corretamente.
     Procure falar de Cristo em sua família, no seu lugar de trabalho. Distribua folhetos. Ou então levante perguntas, como: Você está de bem com Deus? Como você sabe isto? Você já ouviu uma vez o que Deus pensa a nosso respeito? Alguém já lhe mostrou uma vez o verdadeiro amor que Deus revelou em Cristo? Peça a orientação e amparo de Deus Espírito Santo, e fale.
                                                                                       São Leopoldo, 09/10/2014
                                                                                           Horst R. Kuchenbecker 

3 - Mensagem para a Reforma
Rm 3.19 - Reforma - 2010.
Introdução
     Com grande alegria, viemos hoje à casa de Deus para celebrar a festa da Reforma Luterana. Somos gratos a Deus pela restauração da verdade e preservação da mesma entre nós.
     As bênçãos da Reforma são muitas: Tais como
- A Bíblia como fundamento único e autoridade na igreja.
- A distinção entre Lei e Evangelho
- A doutrina da justificação do pecador somente pela graça por fé.
- A liberdade cristã.
- A doutrina do sacerdócio universal de todos os crentes e do ministério.
- A separação entre Igreja e Estado. Entre outras verdades preciosas.
     A doutrina da justificação do pecador pela graça de Cristo, no entanto, é a principal, a pedra angular da Reforma. – Quando digo da Reforma, quero dizer, da Bíblia, que a Reforma novamente colocou as claras e proclamou.
     Ao agradecermos a Deus por esta bênção, queremos, ao mesmo tempo reafirmar nosso compromisso com esta verdade bíblica. E, por mais que desejamos e buscamos a unidade com outras igrejas cristãs, não podemos abrir mão dessas verdades. Cumpre lembrar que verdadeiro amor está firmado na verdade e não atua contra a verdade bíblica.
     Vejamos em que consiste a bênção principal e central da Reforma Luterana, a doutrina da justificação do pecador pela graça de Cristo, que recebemos pela fé. 
I - Terror de Consciência
     Em primeiro lugar queremos lembrar qual foi a pergunta que levou à Reforma luterana? A pergunta que martirizou Lutero foi: Como poderei conseguir um Deus gracioso e misericordioso? Hoje, esta pergunta nos pareça estranha, pois ouvimos de todos os lados: Deus é amor e pouco da santidade e justiça de Deus, da lei de Deus.
     Vamos rever um pouco a história para compreender o que levou Lutero a esta pergunta sobre um Deus misericordioso. Lutero foi um jovem educado nas verdades cristãs. Ele conhecia o Deus triúno, os mandamentos de Deus,  Jesus, o Filho de Deus, Salvador, ele conhecia como juiz. Todas essas verdades, no entanto, foram lhe ensinadas com um enfoque na lei de Deus. Mesmo como Salvador, Jesus foi-lhe apresentado como severo juiz que nos recebe no batismo, mas todos os pecados cometidos após o batismo, nós teremos que pagar.
     Lutero foi um menino bem-comportado. Quando esteve na Universidade estudando jurisprudência, aprofundou-se no conhecimento da lei. Isto o deixou muito atribulado em relação a Deus. Se Deus é juiz absoluto, quem poderá subsistir diante dele. A lei despertou nele um incrível “terror de consciência”. Daí a pergunta: Como conseguirei um Deus misericordioso. Ele perguntou a igreja: Que devo fazer? A igreja lhe respondeu: Esforça-te por vida santificada, jejua, ora, compra perdão pelas indulgências. Mas se queres ter plena certeza, você precisa entrar num mosteiro a fazer voto de castidade e de pobreza.
     Ele havia aprendido que pelo batismo, Deus derrama o amor de Cristo nos corações, pelo qual recebemos o perdão do pecado original, renascemos e nos tornamos filhos de Deus. E como novas criaturas, devemos viver uma vida santa. Esta nossa vida santa complementa a salvação. Portanto, somos salvos por Cristo, mas precisamos completar a salvação por nossas boas obras, e quem não o conseguir aqui, terá que completá-la pelo sofrimento no purgatório.
      Aqui começaram os problemas. Aqui estava escondido o grande erro de uma má interpretação da Escritura. A igreja ensinava que somos salvos pela fé e pelas obras. A graça faz o início e as boas obras completamos a salvação. A pessoa, que chegou à fé, deve trabalhar com este amor de Cristo, esta graça infusa, derramado em seu coração. E por esta graça infusa viver uma vida santificada para merecer o céu. Portanto, não pelo “Cristo por nós”, mas pelo “Cristo em nós”. Lutero tomou isto muito a sério e lutou para viver uma vida santa, mas não conseguiu. Ele desesperou e tomou a decisão de entrar no mosteiro. Fez tudo o que lhe foi prescrito. Mesmo no mosteiro não conseguiu a perfeição, nem a paz. Pelo contrário, quanto mais lutava, tanto maior foi seu terror de consciência. O Prior Staupitz, assim se chamava o presidente do mosteiro, lhe disse: - Lutero, você deve amar a Deus e crer no perdão! Lutero respondeu: - Como posso amar a Deus que me exige, ameaça e condena? Eu o odeio! Não posso amar nem crer num Deus que me condena! - O Prior lhe respondeu: Mas você deve amar a Deus! - Eu não posso, respondeu Lutero. Esta é a questão: Não podemos temer, amar e confiar em Deus que, pela lei, exige perfeição absoluta, ameaça e condena a menor transgressão. Lutero estava certo. A visão que ele tinha de Deus era correta. Ele se esforçava por cumprir a lei. Mas quem está debaixo da lei, está condenado. Lutero recebera uma falsa visão do Evangelho, que Deus só será misericordioso, para aquele que, após o batismo, cumprir a lei. Daí a sua angustiante pergunta: Como conseguirei um Deus misericordioso? – Eu me pergunto: Quantos ainda hoje, especialmente nas seitas que pregam: Você deve obedecer, dar, etc., se defrontam com a mesma pergunta de Lutero.
     O Prior do mosteiro, vendo a angústia de Lutero e como ele se martirizava, recomendou a Lutero que fosse estudar na Universidade, julgando que mantendo-o ocupado, esquecerá essas idéias.
     Na Universidade Lutero, já padre, encontrou a Bíblia e passou a ler. Bíblias existiam, mas eram muito caras. Só grandes cidades possuíam uma. Nos primeiros estudos, o seu terror de consciência aumentou. Palavras como estas: “Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz, para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém será justificado diante ele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (Rm 3.19,20).
     Hoje isso nos aprece um tema estranho. Terror de consciência! ” Isto porque não conhecemos mais a fundo a santidade e a lei de Deus, o poder da ira de Deus. Fala-se levianamente do amor de Deus, como se ele não castigasse ninguém, antes tivesse a obrigação de perdoar tudo. Por isso não se compreende a verdadeira misericórdia de Deus. 
     Nossa razão, ao ouvir a lei de Deus que condena a todos, protesta e afirma: Deus não pode fazer isto! Ele não pode condenar as pessoas que se esforçam para levar uma vida digna, que procuram cumprir com seus deveres familiares, sociais e na igreja, e igualá-los aos pecadores marginais, com bandidos, meretrizes e vagabundos. Isto seria injusto. Tais pensamentos parecem muito corretos à nossa razão. Por isso pessoas, que sofrem, exclamam muitas vezes, que eu fiz para merecer isto? Deus, porém, afirma: “Não há justo, nem sequer um”. Diante de Deus, somos todos culpados, e pelas obras da lei não há salvação, para ninguém. Confessamos: “Eu, pobre e miserável pecador, tenho merecido o teu castigo temporal e terno”.
     Proteste o homem como quiser, ele está debaixo da lei que o condena. Só em Cristo há salvação. Lutero leu mais.
II - “Mas, agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus... sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus... para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus. Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei” (Rm 3.21,24,26).
     “Justificado”. Lutero custou a compreender o significado desta palavra. Na sua época “justificação” significava que uma pessoa procura tornar-se justa por suas obras, por sua vida santificada. Mas, justificado”, na Bíblia significa ser declarado justo, perdoado de todos os seus pecados. E isto não por justiça própria, mas por justiça alheia. Não por nosso merecimento,
- porque nós nos arrependemos, 
    - porque cremos,
      - porque renascemos,
         - porque temos o propósito de corrigir a nossa vida,
            - porque mudamos de vida. Não, nada disto.
     Simplesmente porque Cristo, o eterno Filho de Deus, o “Cordeiro de Deus”, veio ao mundo, humilhou-se, nascendo da virgem Maria, tornou-se nosso irmão na carne, cumpriu a lei de Deus perfeitamente em nosso lugar, pagou nossa culpa e nos conquistou completo e suficiente perdão, a salvação. Agora a lei não pode requerer mais nada daquele que está em Cristo pela fé. Cristo salvou a humanidade. A Bíblia afirma: “Deus amou o mundo e deu seu Filho unigênito para que to que nele crê não pereça” Jo 3.16. E: “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo” 2 Co 5.19. Reconciliar é conciliar as contas. Ele conciliou nossas contas e “nos confiou a palavra da reconciliação. Deixai-vos reconciliar com Deus”. E toda a pessoa que reconhece seus pecados e confia na graça de Cristo, nesta graça alheia, tem perdão, vida e eterna salvação.
     Quando Lutero descobriu esta verdade e o seu significa, ele ficou radiante. O evangelho não anula a lei. Lutero reconheceu o amor de Deus. O amor incondicional. O amor do qual ele ouvira falar, mas que lhe fora apresentado de forma errada e condicionalmente. Agora Lutero reconheceu o amor incondicional. Somos salvos, inteiramente, do começo ao fim, somente por graça de Cristo. Deus fez tudo. Nada, nada mais precisa ser feito por nós. É um presente de Deus. Somos justificados unicamente pela fé na graça de Cristo. A Lei nos mostra que Deus odeia o pecador e o condena. O Evangelho nos mostra que em Cristo, Deus ama o pecador e quer salvá-lo. 
     A fé, em si não justifica. A fé em si não nos torna dignos diante de Deus, a fé não nos torna merecedores da graça, mas a fé se apega à graça de Cristo, isto é, à sua justificação. A fé nos justifica, nos dá o perdão, não pelo que ela é, mas ao que se apega, à graça. A fé confia, mesmo que tudo na volta parece destoar com o que a palavra de Deus afirma. A fé confia na palavra, como Abraão que creu e isto lhe foi imputado como justiça.
Fé e amor 
    Mais duas observações. A fé, não é simples conhecimento. Por vezes as pessoas pensam: Jesus salvou a todos. Que boa notícia. Que bom, e continuam em seus pecados. Não! Lutero depois que reconheceu a graça, afirmou que ele se tornou bem outra pessoa. A fé liberta da morte para a vida, da escravidão de Satanás, para sermos filhos de Deus. A fé nos fez renascer. Somos novas criaturas. Somos enxertados em Cristo. Cristo vive em nós.
     A fé é vida que Deus dá a uma pessoa. E como vida, a fé precisa ser alimentada diariamente. Muitos que se tornaram cristãos e jubilaram na graça, de repente se distanciam, novamente, dos meios da graça, da palavra e dos sacramentos, dos cultos, da comunhão com os irmãos, do trabalho da congregação, dizendo: Somos salvos por graça sem as obras da lei. A estes Lutero advertiu com as palavras de Tiago: A fé sem as obras é morta. É verdade que somos salvos pela fé, sem as obras da lei; mas a fé necessariamente produz boas obras, porque a fé sem obras é morta. É verdade que somos salvos unicamente pelo que Cristo fez por nós, não pelo que eu faço por Cristo. É verdade que somos salvos pelo que Cristo fez “por nós” na cruz e não pelo que Cristo faz “em nós” pelo seu Espírito Santo. Somos salvos unicamente pela graça de Cristo e não por graça e obras, ou fé e amor. Isto significa que na hora do consolo, só devo olhar no Cristo fora de mim, para a graça alheia, e não no Cristo em mim. Somos salvos unicamente por graça pela fé e não por fé e amor.
     Precisamos distinguir isto claramente, caso contrário, não teremos paz, nem certeza do perdão e da vida eterna. Esta diferença parece tão pequena e tão diminuta que muitos julgam: Não vale a pena discutir ou brigar por isso. Mas esta diferença é como um carril de desvio nos trilhos de trem. A diferença inicial é bem pequena, mas mudado o carril, os trilhos levam a direções e lugares bem diferentes. Por isso, na doutrina da justificação pela graça, não podemos permitir nenhum desvio. É a doutrina pela qual a igreja permanece de pé ou cai. Somos salvos unicamente por graça. Na justificação não entra o amor, mas a fé produz frutos do amor. Somos salvos somente por graça pela fé, sem as obras da lei. Agora andamos com Cristo para o ouvir, para sermos dirigidos por ele. Para fazer a sua vontade. Temos prazer na lei de Deus. Ela não pode nos coagir, porque a amamos.  Assim, a fé necessariamente produz boas obras. Isto não é um simples trocadilho, mas uma verdade que precisa ser mantida. As obras que fazemos, são frutos da habitação do Espírito santo em nós. Mesmo assim, elas são todas ainda imperfeitas e precisam ser, diariamente, purificadas pelo sangue de Cristo.
     Esta é a consolação da Bíblia. Esta consolação permanece em todos os momentos de nossa vida, até ao último passo, na morte e diante do juízo de Deus. A graça de Cristo é o manto da “justiça de Cristo” pelo qual subsistiremos diante do tribunal de Deus.
      Assim Lutero, como todos os cristãos, se consolou e nós nos consolamos. E, ao mesmo tempo, zelam com todas as forças de sua alma por vida santificada, não para obterem a justificação, mas por terem sido justificados, consolados com a graça.
    Esta é a bênção da Reforma Luterana, o presente que Deus nos deu e preservou até os nossos dias. Por esta bênção agradecemos e louvamos a Deus. Para conservá-la, queremos permanecer apegados à palavra de Deus, a Bíblia, e nossas Confissões. É um dever de todos ler e reler as Confissões (pelo menos o Catecismo Menor e Confissão de Augsburgo), não só dos pastores, mas de todos os membros, para que ninguém nos roube este tesouro. E ao mesmo tempo confessar esta verdade destemida e corajosamente diante de quem quer que seja, como o fizeram nossos pais. Amém.
                                                                                        São Leopoldo, 30/10/2010
                                                                                           Horst R. Kuchenbecker   


XXIII - Folheto Reforma Luterana
A Reforma Luterana
     No dia 31 de outubro, as Igrejas luteranas (evangélica e reformadas) celebram o dia da Reforma Luterana. Dia no qual o Dr. Martinho Lutero, padre e professor de teologia, pregou suas 95 teses na porta da igreja do Castelo em Wittenberg, Alemanha (31 de outubro de 1517). Ele queria debater com os líderes de sua querida Igreja Católica a respeito da venda das indulgências, a venda do perdão dos pecados por dinheiro. Um negócio que a Igreja Católica do seu tempo promoveu para angariar fundos para a construção da Basílica de São Pedro, em Roma.

Pela Bíblia
     Pelo estudo da Escritura Sagrada, a Bíblia, Lutero reconheceu que perdão dos pecados não se compra por dinheiro. Só Deus perdoa pecados por amor a Cristo.
     A Igreja defendeu seu ponto de vista. As discussões tornaram se amargas. Lutero foi expulso da Igreja Católica. Ele se aprofundou no estudo da Bíblia e reconheceu ainda outros erros da Igreja. Diziam a ele: “Só tu queres entender a Bíblia e não respeitas a interpretação dos pais da Igreja”. Isto levou Lutero a estudar os escritos dos pais, e qual não foi sua surpresa. Os antigos pais da Igreja como os padres: Sto. Orígenes (185-254 AD), Sto. Irineu (125-202 AD), Sto. Agostinho (354-430 AD) e outros, interpretaram a Bíblia como ele. Lutero notou que até o ano 500 depois de Cristo (AD), a Igreja foi fiel a Cristo, após isso, entraram erros. Lutero voltou aos claros ensinos da Bíblia.

Padre e professor de Teologia
     Lutero foi, como padre e professor de teologia, um fiel servo de Cristo. Ele não é um santo da igreja evangélica luterana, nem fundador de uma nova igreja. Ele não dividiu a Igreja Católica, mas voltou ao verdadeiro ensino de Cristo, que foi o ensino da Igreja Católica nos primeiros séculos. Ele, mesmo expulso da igreja, amou a verdadeira Igreja Católica até o fim. Muitos se alegraram com a volta aos verdadeiros ensinos da Bíblia. Seus seguidores foram apelidados de “luteranos”. O apelido ficou e não temos de que nos envergonhar dele. Lutero destacou três pontos do ensino bíblico: Somente a Escritura, somente por graça de Cristo, somente pela fé nesta graça. Vejamos o conteúdo dessas afirmações.
Somente a Escritura
    Jesus disse aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará (João 8.31,32). Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim (João 5.39). Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus (1 Pedro 4.11). O apóstolo Paulo afirmou: Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema (Gálatas 1.8). Dessas e de outras afirmações da Escritura, Lutero concluiu: Se alguém quiser falar e ensinar na Igreja, ele deve fazê-lo firmado a Escritura. A Bíblia é a infalível e inspirada Palavra Deus, que se interpreta a si mesma. Única autoridade na Igreja. A ela nada deve ser acrescentado nem dela tirado algo.

Somente por graça de Cristo
    Perdão dos pecados, pela graça de Cristo é a pedra fundamental da Igreja Cristã. Para compreendermos este perdão, precisamos conhecer Deus conforme ele se revelou na Bíblia.
Há um só Deus, o Deus triúno: Pai, Filho e Espírito Santo, um ser divino em três pessoas distintas, eterno, onisciente e onipotente, santo e justo. Diante dele os anjos cantam ininterruptamente, dizendo: Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória (Isaías 6.3). Este Deus disse: A alma que pecar, essa morrerá (Ezequiel 18.4). Não há justo, nem um sequer (Romanos 3.10). O apóstolo Paulo afirma: Éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais (Efésios 2.3).
     O que fazer? Deus deu a lei, ela precisa ser cumprida. Após a queda de Adão e Eva em pecado, nós nascemos em pecado somos incapazes de cumpri-la. Deus teve compaixão da humanidade e planejou, desde a eternidade, salvá-la por seu unigênito Filho, Jesus Cristo.
      Jesus Cristo, o eterno Filho de Deus, veio ao mundo e nasceu da virgem Maria, em Belém da Judéia. Como verdadeiro Deus e verdadeiro homem ele cumpriu a lei em favor de toda a humanidade. Por seu sofrer e morreu na cruz do Gólgota, pagou a culpa da humanidade a Deus. Por sua ressurreição, Deus Pai confirmou que aceitou o sacrifício de seu filho em favor de toda a humanidade e está reconciliada com ela. Cristo nos libertou do poder do pecado, da morte e da eterna condenação. A Bíblia afirma: Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna (João 3.16). Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação. De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos deixai-vos reconciliar com Deus (2 Coríntios 5.19-20). A Palavra de Deus e os sacramentos, batismo e Santa Ceia, são os meios da graça, pelos quais o Espírito Santo, ilumina, chama, opera e conserva a verdadeira fé.

Somente pela fé
     Como esta salvação se torna minha? Muitos acham que isto custa muito esforço: jejuns, orações e boas obras. Não! Jesus adquiriu o completo perdão para toda a humanidade e o oferece por sua Palavra e Sacramentos (Batismo e Santa Ceia), para que todo o que nele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna (João 3.16). A Bíblia afirma: Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei (Romanos 3.28). Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie (Efésios 2.8-9). O apóstolo Paulo diz ao carcereiro de Filipos, que perguntou: Senhores, que devo fazer para que seja salvo? Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa (Atos 16.30-31). No dia de Pentecostes a multidão perguntou ao apóstolo Pedro: Que faremos, irmãos?  Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo.  Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar.  Com muitas outras palavras deu testemunho e exortava-os, dizendo: Salvai-vos desta geração perversa.  Então, os que lhe aceitaram a palavra foram batizados, havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas (Atos 2.37-41). Crer é confiar nesta promessa de Deus.
     Então o que devo fazer para ser salvo? Ouça e leia a Bíblia. Pela lei, os Dez Mandamentos, Deus mostra que todos nós somos pecadores condenados e precisa do Salvador Jesus. Pelo evangelho, a boa nova da salvação, Deus mostra seu amor em Cristo a todos nós. Ouça: Cristo pagou toda sua dívida para com Deus. Confia nesta promessa de Deus e serás salvo. Em Hebreus lemos: Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem (Hebreus 11.1). Como filho de Deus pela fé em Cristo e templo do Espírito Santo você passará a amar a Deus e servir ao próximo, não para conquistar a salvação, mas por gratidão a Deus que o salvou. O apóstolo João escreve: Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é (1 João 3.2).

Conclusão
     Dizemos com o poeta: “De graça deverei ser salvo, e disso não vou duvidar. Bem sei que alcançarei meu alvo, na Bíblia posso me fiar. Jesus é quem ali me diz: De graça irás ao céu feliz” (HL 371.1). Como filhos de Deus cantamos: Glória ao Pai e ao Filho e ao Santo Espírito, como era no princípio, agora é o por todo o sempre há de ser. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas  (Efésios 2.10).
    Leia a Bíblia. Nela Deus se revela a nós. Em nossa igreja estamos à sua disposição para maiores esclarecimentos tanto sobre a Bíblia, suas doutrinas e a vivência cristã.

                                                                                  São Leopoldo, 10/10/2014
                                                                                      Horst R. Kuchenbecker


XXIV  - Identidade luterana ....

A IDENTIDADE LUTERANA FRENTE AO CALVINISMO   
  (Com permissão)
                             Paulo W. Buss
Observação preliminar. No convite que recebi do Presidente da IELB, o tema da minha palestra está formulado da seguinte maneira: “A Identidade Luterana Frente a Outras Teologias (calvinismo e arminianismo) ”   Optei por me dedicar mais à comparação das posições luterana e calvinista, não porque a posição arminiana não seja importante ou não ofereça risco à identidade luterana, mas apenas por consideração ao tempo disponível.
Para começar, cito duas avaliações diametralmente opostas entre si com relação ao calvinismo.
Um dos principais nomes do calvinismo no final do século 19 e início do século 20 foi o teólogo e filósofo holandês Abraham Kuyper. Para ele, o calvinismo representa o supra-sumo da teologia e do pensamento cristão. Afirma ele que “o Calvinismo reivindica incorporar a idéia cristã mais pura e acurada do que poderia fazer o Romanismo e o Luteranismo.” (Kuyper, 2004, 26). Mais adiante, ele alega: “Lutero nunca desenvolveu seu pensamento fundamental. E o Protestantismo, tomado em um sentido geral, sem qualquer diferenciação a mais, ou é uma concepção puramente negativa sem conteúdo, ou é um nome semelhante ao camaleão que os negadores do Deus-Homem gostam de adotar como seu escudo. Somente sobre o Calvinismo pode ser dito que consistente e logicamente levou até o fim as linhas da Reforma, estabeleceu não apenas Igrejas mas também Estados, colocou sua marca sobre a vida social e pública e assim, no sentido pleno da palavra, criou para toda a vida do homem um mundo de pensamento inteiramente próprio dele”. (Kuyper, 2004, 199).
A segunda avaliação do calvinismo vem de um homem chamado Stuart Wood. Num site na internet, ele afirma ter sido pastor reformado por seis anos e que ele chegou “à fé cristã ortodoxa” quando leu as obras de Lutero. Ele acrescenta que, em quinze anos, ele leu os 55 volumes das obras de Lutero em inglês. (http://kimriddlebarger.squarespace.com/the-latest-post/2009/2/4/on-the-differences-between-lutheranism-and-calvinism-audio-f.html, 23/03/09). Wood escreveu um artigo que pode ser encontrado na internet com o título Tirando a máscara do calvinismo (taking the mask off calvinism). Neste artigo, ele se refere ao espírito anti-cristão e às falsas religiões existentes nos tempos finais e acrescenta:
“Uma dessas religiões que rejeita e destrói o Evangelho é o calvinismo. Neste escrito, estou falando daquele calvinismo que nega a expiação universal de Cristo. Por essa razão, Satanás o suscitou e o estabeleceu em suas muitas formas. Seus erros são sutis, refletindo o profundo ardil e grande poder de nosso antigo inimigo maligno. As Escrituras descrevem a serpente como “mais sagaz que todos os animais selváticos” (Gn 3.1). O perigo mortal do calvinismo é que ele se parece tanto com o cristianismo verdadeiro. Ele é uma falsificação que facilmente pode se passar por legítimo. De fato, eu nunca teria sabido ou mesmo suspeitado da natureza venenosa dessa mentira diabólica se não fosse pelos escritos de Martinho Lutero que me ensinaram a fé e me libertaram do seu terrível laço. Você vê, o calvinismo é realmente uma religião falsa apesar de sua aparência de defensor da verdade bíblica. É uma religião derivada da razão humana depravada e não aquela religião verdadeira que pertence à palavra de Deus e á fé como de uma criança”. (Stuart Wood, Taking the mask off Calvinism[1]. http://arlomax.googlepages.com/takingthemaskoffcalvinism%3Athedangerofhum, p. 2, 23/03/2009)
                Ambos os autores reconhecem que existe uma diferença entre luteranismo e calvinismo. Mas, como eu disse antes, são duas posições diametralmente opostas entre si. Qual delas é correta e verdadeira? Ou existe uma terceira alternativa?
Na era ecumênica em que vivemos, cobra-se, muitas vezes, uma postura que evite o confronto a todo custo. Até o simples mencionar de diferenças existentes é visto com desagrado pela opinião dominante. Mas, como nos lembra o padre e sociólogo americano Andrew Greeley, deixar de falar do que é diferente não elimina a diferença que de fato existe. Até mesmo ardorosos defensores do ecumenismo defendem a idéia de que só se pode esperar um diálogo frutífero entre pessoas ou grupos com opiniões diferentes quando se põe as cartas na mesa, ou seja, quando não se esconde as posições divergentes.
Hermann Sasse[2] adverte: “O Espírito Santo, o Espírito da verdade, nunca está presente onde são contadas mentiras. Realmente, há mais unidade de igreja onde cristãos de diferentes confissões estabelecem de forma honrada que eles não têm a mesma compreensão do evangelho do que onde o doloroso fato da divisão confessional é escondido atrás de uma mentira piedosa” (Sasse, 1997, 9).
                Nosso objetivo é identificar as diferenças para, por um lado, reafirmar nossa identidade, advertir sobre o perigo de, até imperceptivelmente, assimilarmos doutrinas anti-escriturísticas e, para conclamarmos a todos a serem fiéis ao que a Escritura exige de nós quando preconiza que o pastor deve ter “poder tanto para exortar pelo reto ensino como para convencer os que o contradizem”. (Tt 1.9).
                Mas, de que tipo, grau e tamanho de diferenças estamos falando? Se todos cremos em Cristo para a salvação, não é isso o que interessa? Não é o suficiente? Satis est? Ou estarão em jogo aqui artigos fundamentais, alicerces da fé?
Antes de mais nada, precisamos situar as diferenças entre luteranismo e calvinismo de maneira genérica dentro do grande contexto religioso em geral. Mais adiante, iremos tratar de diferenças em relação a doutrinas específicas.
No contexto religioso geral, deparamos com vários níveis de identificação da fé religiosa.
1. O primeiro nível é o do “Religioso Genérico”. Este é o nível mais genérico de identificação da fé. Pessoas que se encontram neste nível, contentam-se em afirmar: “O importante é pertencer a uma religião seja ela qual for. .“Deus é um só”. “Todas as religiões são boas porque todas defendem e promovem o bem e condenam o mal”.
Este é o nível dos que, consciente ou inconscientemente, defendem o macroecumenismo e os universalistas que, inclusive, declaram haver “cristãos anônimos” em todas as religiões ou até fora delas.
Será que a diferença entre luteranos e calvinistas começa neste nível?
2. O segundo nível é do “Cristão Genérico”. Nesse nível se afirma: “Todos os que se declaram cristãos e aceitam a Bíblia como um livro sagrado são cristãos e irmãos na fé”.
Esse é o nível de um certo tipo de “ecumenismo interdenominacional”. Aceita-se como irmãs igrejas que tem hermenêuticas diferentes, exegeses diversas e que, portanto, chegam a conclusões divergentes sobre doutrinas e práticas da fé.
Será que a diferença entre luteranos e calvinistas começa neste nível?
3. O terceiro nível é o dos “que crêem em Cristo”. Todos os que declaram crer em Cristo são considerados irmãos na fé.
O primeiro problema que esse nível coloca é como saber quem de fato crê em Cristo.  A Confissão de Augsburgo (CA), art. VIII diz que, ao lado dos piedosos, se encontram na igreja “falsos cristãos e hipócritas, também, pecadores manifestos”. É preciso distinguir entre a fides qua (a fé que crê—oculta no coração) e a fides quae (a doutrina que se crê). O segundo problema é determinar o que é “crer em Cristo”. Para muitos, isso equivale a considerá-lo um grande mestre da ética, para outros, o inspirador de uma ideologia, para outros ainda, como um salvador.
Será que a diferença entre luteranos e calvinistas começa neste nível?
4. O quarto nível é o dos “que confessam Jesus Cristo como Senhor e Salvador”.
Também neste nível restam perguntas a serem feitas. Quem é Jesus Cristo? [Cf. Quem é Jesus Cristo no Brasil, ASTE. Apresenta 7 tipos (idéias) diferentes de Cristo; Juan Mackay. El otro Cristo español, propõe um Cristo vivo diferente do Cristo morto da religiosidade popular. Rodolfo Blank. Teologia y Misión en América Latina, recorre à expressão “Cristo-paganismo” para se referir à mistura de cerimônias e crenças pagãs pré-colombianas com as doutrinas católico-romanas na América Latina. Baseando-se em Dussel, ele afirma que na religiosidade popular latino-americana existem tantos cristos quantas virgens diferentes. (Blank, 1996, 89, 90).
Francis Schaeffer, em seu livro A morte da razão, no subtítulo ‘Jesus, a bandeira indefinida’, lamenta o abuso a que o nome de Jesus está exposto ao ser usado como mero símbolo sem conteúdo definido. Diz ele:
“Cheguei ao ponto em que, ouvindo a palavra ‘Jesus’—que para mim se reveste de tanto significado por causa da Pessoa do Jesus histórico e Sua obra—fico a escutar cuidadosamente, porque, digo-o com tristeza, receio mais este vocábulo do que quase qualquer outro no mundo atual. O termo é usado hoje em dia como um emblema sem conteúdo a que se convida nossa geração a seguir. Mas não se lhe empresta sentido racional, bíblico, através do qual se possa testá-lo e, dessa forma, a palavra está sendo empregada para ensinar exatamente o oposto daquilo que Jesus ensinou”. (Schaeffer, 1974, 77).
Outra questão fundamental é: Como Jesus nos salva? Há uma diferença enorme se a resposta vem do pelagianismo,semi-pelagianismo, socinianismo, sinergismo, espiritismo ou da Bíblia.
Jesus diz: “Em vão me adoram ensinando doutrinas que são preceitos de homens”. (Mt 15.9) O Jesus Salvador proposto na Escritura é aquele que, pela sua morte vicária, nos livra dos pecados e da condenação eterna.
Será que a diferença entre luteranos e calvinistas começa neste nível?
5. O quinto nível é o da unidade na confissão da fé.
Declara a Confissão de Augsburgo: “Porque para a verdadeira unidade da igreja cristã é suficiente que o evangelho seja pregado unanimemente de acordo com a reta compreensão dele e os sacramentos sejam administrados em conformidade com a palavra de Deus”. (CA, VII. Livro de Concórdia, 1983, p. 31).
A Fórmula de Concórdia (FC) se propôs a reafirmar e explicitar o conteúdo da CA. Ela afirma na Declaração Sólida (DS): "Todos, amigos e inimigos, claramente podem depreender de nossa explanação que não é propósito nosso ceder algo da eterna e imutável verdade de Deus (nem está em nosso poder fazê-lo) por amor da paz, da tranquilidade e da unidade temporais. E tal paz e concórdia nem teriam estabilidade, porquanto adversam a verdade e visam a suprimi-la. Muito menos ainda propendemos a enfeitar e encobrir falsificação da doutrina pura e erros manifestos e condenados. A unidade pela qual nutrimos cordial desejo e amor e que anelamos promover, estando, de nossa parte, sinceramente dispostos a empenhar tudo o que estiver em nós para fazê-la avançar, é, isto sim, aquela unidade que preserva incólume a honra de Deus, nada renuncia da divina verdade do santo evangelho, coisa nenhuma concede ao mínimo erro, conduz os pobres pecadores ao verdadeiro e genuíno arrependimento, erige-os pela fé, avigora-os na nova obediência, e destarte os justifica e lhes dá a eterna salvação pelo mérito de Cristo somente" (FC, DS, XI 95, 96. Livro de Concórdia, 1983, p. 678).
Será que a diferença entre luteranos e calvinistas começa neste nível?

ASPECTOS HISTÓRICOS: A ORIGEM DO CALVINISMO E DO ARMINIANISMO
Antes de falarmos de diferenças doutrinárias, é importante verificar a origem histórica da divisão.
As igrejas reformadas ou calvinistas têm sua origem na reforma suíça de Zwínglio (1484-1531) e Calvino (1509-1564). Inicialmente, o nome “reformado” se referia a todos os que haviam deixado a igreja Católica Romana na época da Reforma. Lewis Spitz explica como esse nome passou a designar especialmente os seguidores de Calvino: “Em uma reunião com o rei Carlos IX em 1561 os calvinistas reivindicaram o nome “reformado” para sua própria igreja. Pela adoção deste nome desejavam indicar que seu método de reformar a igreja era mais completo que o de Lutero. Consideravam suas doutrinas distintivas, bem como a abolição de certos ritos, cerimônias litúrgicas e o abandono de velas, talares, vestes litúrgicas e coisas semelhantes, como complementos indispensáveis às reformas de Lutero”. (Spitz, 1982, 47)
Um episódio emblemático do relacionamento entre luteranos e reformados aconteceu no Colóquio de Marburgo de 1529 quando Lutero se recusou a estender a mão fraternal a Zwínglio. Este é acusado de ter sido leviano ao assinar o documento final do encontro, redigido por Lutero, pois ensinou de forma diversa depois disso. Mas, para muitos, o culpado de perpetuar a divisão de boa parte da cristandade foi Lutero. Ele é que teria sido obstinado e inflexível. Depois disso, os luteranos são acusados de, seguidamente, repetirem a atitude de Lutero. Os reformados (baseados no princípio Ecclesia semper reformanda) “avançaram” e aguardam que os luteranos “retardatários”, os alcancem e se juntem a eles. Mas, segundo os reformados, os luteranos têm dificuldades para se desvencilhar do sacramentalismo medieval. Hermann Sasse lembra que, baseados nessa idéia, de que os luteranos ainda ficaram com um pé no catolicismo e que eles precisam de uma mãozinha dos reformados para completarem a reforma, príncipes alemães atraídos pelo calvinismo sentiram-se autorizados a forçar a população luterana de seus territórios a aderirem à fé reformada. (Sasse, 1987, 20)[3]. Em outra obra, Sasse diz que, “para os reformados, os luteranos são parte da igreja evangélica na medida em que eles estão a caminho em direção à integralização da Reforma. É tarefa dos reformados ajudar os luteranos nesse aspecto; por exemplo, ajudar os luteranos os luteranos a se livrar da doutrina da Presença Real na Ceia, da ênfase unilateral na fé em detrimento da obediência, entre outras coisas” (Sasse, 1997, 48).
Confissões de fé Reformadas
O conceito “confessionalidade” tem um significado diferente para luteranos e reformados. Pergunte a um luterano instruído quais são as Confissões de sua igreja e ele vai se referir aos documentos contidos no Livro de Concórdia. Os reformados, por sua vez, têm muitas confissões de fé, com maior ou menor autoridade e que surgiram em diferentes países e culturas. Em consequência disso, as diferentes igrejas reformadas podem ser consideradas primas de primeiro grau, mas não irmãs gêmeas. (Pelikan, 2003, 468-9).
As principais confissões reformadas são as seguintes, por ordem cronológica:
A [Primeira] Confissão Boêmia de 1535;
A Primeira Confissão Helvética de 1536;
A [Primeira] Confissão dos Escoceses de 1560;
A Confissão Belga de 1561;
O Catecismo de Heidelberg de 1563;
A Segunda Confissão Helvética de 1566;
Os Trinta e Nove Artigos de Fé da Igreja da Inglaterra de 1571;
A [Segunda] Confissão Boêmia de 1575;
A [Segunda] Confissão dos Escoceses de 1581.
Os Artigos Irlandeses de Religião de 1615.
Jaroslav Pelikan, que apresenta esta lista, acrescenta que apenas algumas poucas afirmações, como os Cânones do Sínodo de Dort (1619), adquiriram uma posição transnacional ou mesmo internacional. (Pelikan, 2003, 468).
Outros documentos importantes que apresentam a fé reformada são as seguintes:
- 1536 – Institutio Christianae Religionis (As Institututas de Calvino). Obra dogmática. 2ª edição em 1539; 1ª edição em francês, 1540.
- 1541 – Catechismus ecclesiae Genevensis
- 1549 – Consensus Tigurinus (Consenso de Zurique: entre Genebra e Zurique referente à doutrina dos Sacramentos)
- 1551 – Consensus Genevensis (Defesa da predestinação absoluta)
- 1581 – Admonitio Neostadiensis (“obra fundamental da crítica reformada à cristologia da FC”, Livro de Concórdia, 1983, p. 636, nota 656)
É preciso relembrar, não há uniformidade confessional entre os reformados. Por isso, não estranhe se os reformados que você conhece não são exatamente como os descritos nesta palestra. É claro que também há diversidade confessional entre os luteranos. Uns são mais outros menos confessionais. Mas, entre os reformados houve maior diversidade desde o início e, inicialmente, só havia confissões de fé locais.
                Norman Geisler faz uma distinção entre o calvinismo extremado e o calvinismo moderado. Para ele “Calvinista extremado é alguém que é mais calvinista que João Calvino”. (Geisler, 2005, 63). As idéias do calvinismo extremado teriam sua origem em Agostinho e, nos tempos modernos, em Teodoro Beza, seguidor de Calvino que formulou uma confissão calvinista no Sínodo de Dort, 1618-1619. (Geisler, 2005, 63). Os famosos cinco pontos dos Cânones de Dort, referentes à doutrina da salvação, são conhecidos em inglês pelo acróstico TULIP (em português, TELIP):
Total depravação
Eleição incondicional
Limitação da expiação
Irresistibilidade da graça
Perseverança dos santos
Estes cinco pontos foram elaborados em resposta ao Protesto Arminiano de 1610. O armininianismo toma seu nome de Jacó Armínio, um teólogo reformado holandês que expressou sua oposição à idéia da predestinação absoluta no livro Remonstrance (Protesto) em 1610. Os cinco pontos armininianos podem ser assim resumidos: (Geisler, 2005,118)
  1. Deus elege com base em seu “propósito eterno e imutável” somente “os que, por intermédio da graça do Espírito Santo, crerão em seu Filho Jesus. Ele também deseja “deixar o incorrigível e incrédulo em pecado e debaixo de ira”.
  2. Cristo “morreu por todos os homens e em favor de cada um, de modo que obteve para todos eles [. . .] a redenção e o perdão dos pecados; todavia, nenhum deles realmente desfruta desse perdão de pecados exceto o crente . . .”
  3. “O ser humano não possui graça salvadora de si mesmo; nem da energia de seu livre-arbítrio [. . .] pode de si mesmo e por si mesmo pensar, querer ou fazer qualquer coisa que seja verdadeiramente boa (tal como a fé salvadora eminentemente é); mas é necessário que ele seja nascido de novo de Deus em Cristo . . .
  4. “Essa graça de Deus é o começo, a continuação e o cumprimento de todo o bem, mesmo a esse grau, e que o próprio homem regenerado, sem a graça antecedente ou assistente, despertadora e cooperadora, não pode pensar, desejar ou fazer o bem . . .” E acrescenta: “Mas no que tange ao modo da operação dessa graça, ela não é irresistível . . .”
  5. “Os que são incorporados a Cristo por uma fé verdadeira [. . .] têm, desse modo, pleno poder para [. . .] ganhar a vitória; [. . .]mas, se são capazes [. . .] de se tornar destituídos da graça, essa destituição deve ser mais particularmente determinada com base na Escritura, antes de podermos ensiná-lo com plena persuasão mental. (Geisler, 2005,118)        
De forma mais abreviada, os cinco pontos arminianos são assim resumidos: “1. Deus na eternidade predestinou à vida eterna aqueles que previu que permaneceriam firmes na fé até seu fim. 2. Cristo morreu por toda humanidade e não só pelos eleitos. 3. O homem coopera em sua conversão pelo livre arbítrio. 4. O homem pode resistir à graça divina. 5. O homem pode cair da graça divina”. (Apud, Spitz, 1982, 59)
O arminianismo foi condenado no Sínodo de Dort e, a partir daí, acrescenta-se mais uma família teológica ao Protestantismo que já estava dividido em luteranismo, anabatismo e calvinismo.
O calvinismo “extremado” tem, no centro de sua doutrina da salvação, a afirmação da dupla predestinação e a limitação da redenção que mantém que Cristo morreu só pelos eleitos.  Embora autores como Geisler façam um enorme esforço para desvincular Calvino dessa posição radical, ele próprio afirma:
“Denominamos predestinação o conselho eterno de Deus pelo qual Ele determinou o que desejava fazer com cada ser humano. Porque Ele não criou todos em igual condição, mas ordenou uns para a vida eterna e os demais para a condenação eterna. Assim, conforme a finalidade para a qual o homem foi criado, dizemos que foi predestinado para a vida ou para a morte”. (João Calvino, As Institutas, 2006, III, 8, apud Costa, 2006, 223).
A Confissão de Fé de Westminster (1648) declara: “Assim como Deus destinou os eleitos para a glória . . . o restante dos homens, para louvor de sua gloriosa justiça, foi Deus servido não contemplar e ordená-los para a desonra e ira por causa dos seus pecados” (art. III, apud Geisler, 2005, 246).
                O calvinismo moderado procura estabelecer um meio termo entre o calvinismo extremado e o arminianismo. Para Geisler, os calvinistas moderados e os arminianos moderados “representam a grande maioria da cristandade” (Geisler, 2005, 151). Embora existam algumas diferenças importantes entre os dois, “elas não negam as similaridades” (Geisler, 2005, 151). O ponto de maior concordância parece ser o sinergismo. Afirma Geisler:
“A graça de Deus opera sinergicamente com o livre-arbítrio. Isto é, a graça deve ser recebida para ser eficaz. Não há quaisquer condições para que a graça seja dada, mas há uma condição para que ela seja recebida—a fé. Em outras palavras, a graça justificadora de Deus trabalha cooperativamente, não operativamente. A fé é pré-condição para se receber o dom da salvação” (Geisler, 2005, 276).
Geisler é muito enfático nesse ponto. Para ele, “receber a Cristo . . . envolve um ato livre da vontade” (67), e, para receber a salvação, “existe algo que todos podem e devem fazer” (73).
Geisler compara a posição do calvinismo extremado e moderado com relação aos cinco pontos calvinistas da seguinte forma:
Os cinco pontos
Calvinismo extremado
Calvinismo moderado
Depravação total
Intensiva (destrutiva)
Extensiva (corruptora)
Eleição incodicional (sic)
Nenhuma condição para Deus ou para o homem
Nenhuma condição para Deus; uma condição para o homem (fé)
Expiação limitada
Limitada na extensão (somente para os eleitos)
Limitada no resultado (mas para todas as pessoas)
Graça irresistível
Em sentido coercitivo (contra a vontade do homem)
Em sentido persuasivo (de acordo com a vontade do homem
Perseverança dos santos
Nenhum dos eleitos morrerá em pecado
Nenhum eleito será perdido (memso (sic) que morra em pecado)
(Geisler, 2005, 134)
Summa summarum, tanto os calvinistas extremados, quanto os moderados e os arminianos dão uma resposta racional à questão proposta pela crux theologorum: Por que alguns se salvam e outros não? Os calvinistas extremados respondem com a dupla predestinação; os “moderados” e os arminianos com o sinergismo. Mesmo os calvinistas “moderados” não escapam do “aliquid in homine” ao afirmarem: “Não há quaisquer condições para que a graça seja dada, mas há uma condição para que ela seja recebida—a fé” (Geisler, 2005, 276).

LUTERANISMO E CALVINISMO: COMPARAÇÃO DE ALGUMAS DOUTRINAS
  1. DEUS
“O que nos vem à mente quando pensamos a respeito de Deus é a coisa mais importante a respeito de nós mesmos” (A. W. Tozer apud. Geisler, 2005, 11).
                Calvinistas fazem questão de afirmar que sua teologia é teocêntrica. Norman Geisler explica como eles o entendem: “Quando alguém que está completamente familiarizado com a Bíblia reflete a respeito de Deus, uma das primeiras coisas que lhe deve vir à mente é a soberania divina”. (Geisler,2005, 11). Os termos soberania de Deus, glória de Deus, transcendência de Deus, recebem grande destaque no calvinismo. Como eles definem a soberania de Deus? Ainda segundo Geisler:
“Um Deus que existe antes de todas as coisas, está além de todas as coisas, sustenta todas as coisas, conhece todas as coisas e pode todas as coisas está também no controle de todas as coisas. Esse controle absoluto de todas as coisas é chamado soberania de Deus” (Geisler, 2005, 15).
O conceito da transcendência de Deus já ressaltado por Calvino, continua presente nos teólogos calvinistas mais recentes. Karl Barth fala de Deus como o “totalmente outro”. O conceito da soberania divina torna-se um eixo central na teologia calvinista, assim como a doutrina da justificação é o eixo central da teologia luterana. Para Calvino, há um abismo imenso entre a grandiosidade do Deus criador e de sua pequena criatura humana. Na teologia luterana é o pecado que separou o homem de Deus, para a teologia reformada, o abismo existe desde a criação. David Scaer chama atenção para o fato de que o princípio filosófico finitum non est capax infiniti empregado na Cristologia calvinista acaba por trazer uma enorme dificuldade para a totalidade de sua teologia. Pois, nesse caso, o abismo entre Deus e o homem é superado apenas de forma incompleta na encarnação e de forma alguma nos sacramentos. Scaer conclui: “Na teologia reformada, a operação imediata, interna do Espírito Santo no coração do homem serve de ponte que conecta o abismo entre Deus e o homem”. (Scaer, 1989, 28).
Para promover a “glória de Deus”, calvinistas muitas vezes foram bastante agressivos e pouco tolerantes para com os que não concordam com eles. (Ex: Anti-catolicismo militante, caso Serveto, lei seca nos Estados Unidos, blue laws, etc).
A noção da soberania de Deus, como entendida por muitos calvinistas, pode facilmente conduzir à doutrina da dupla predestinação. Norman Geisler argumenta que os calvinistas extremados, se levarem suas premissas até o fim de forma lógica e honesta, concluirão que Deus não é todo-amoroso porque ele ama somente os eleitos. Geisler comenta: “Um Deus que ama parcialmente é menos que um Deus supremamente bom. E aquilo que é menos que supremamente bom não é digno de adoração, visto que adorar é atribuir dignidade ao objeto adorado” (Geisler, 2005, 158). Geisler cita o “calvinista extremado” William Ames: “Romanos 9.13 diz que Deus odeia os não eleitos. Esse ódio é de negação ou de privação, porque nega a eleição, mas tem um conteúdo positivo, porque Deus deseja que alguns não possuam a vida eterna (Ames apud Geisler, 2005, 158).
Lutero também afirma que o conceito de Deus é fundamental para a vida do crente e da igreja. Podemos ver isso em sua explicação do 1º mandamento e do Credo Cristão nos catecismos e, também, em outros escritos. Em seu comentário sobre Gênesis, ele afirma:
“Antes de tudo, precisamos ter a verdadeira doutrina de Deus. Então uma verdadeira reforma e estabelecimento de igrejas pode ser instituída sobre esta base”. (Apud, Wenthe, 2000, 264). Lutero experimentou em sua própria vida como uma imagem falsa de Deus pode ser terrível e até conduzir ao desespero. A idéia de Deus que lhe foi passada pelos seus mestres e superiores no mosteiro era a de um Deus soberano e justo que exige obediência e justiça total do homem. Do crente se exigia que cumprisse a vontade desse deus e que o amasse de forma total e irrestrita. Deixemos o próprio Lutero falar sobre como ele se sentia em relação a esse deus:
                “Eu não amava o Deus justo, que pune os pecadores; ao contrário, eu o odiava”. Este conceito de Deus impedia que Lutero entendesse o conceito bíblico “justiça de Deus”. Especialmente, ele ficara intrigado e perturbado com o texto de Rm 1. 17: “a justiça de Deus se revela no evangelho”.  Ele mesmo explica: “Como se não bastasse que os míseros pecadores, perdidos para toda a eternidade por causa do pecado original, estivessem oprimidos por toda sorte de infelicidade através da lei do decálogo—deveria Deus ainda amontoar aflição sobre aflição através do evangelho, e ameaçá-los com sua justiça e sua ira também através do evangelho? ” Seu conceito falso sobre a justiça de Deus o deixava furioso e confuso, mas ele teimava em continuar refletindo sobre o texto. “Aí Deus teve pena de mim. Dia e noite eu andava meditativo, até que por fim observei a relação entre as palavras: ‘A justiça de Deus é nele [no evangelho] revelada, como está escrito: o justo vive por fé’. Aí passei a compreender a justiça de Deus como sendo uma justiça pela qual o justo vive através da dádiva de Deus, ou seja, da fé. Comecei a entender que o sentido é o seguinte: Através do evangelho é revelada a justiça de Deus, isto é, a passiva, através da qual o Deus misericordioso nos justifica pela fé, como está escrito: ‘O justo vive por fé’. Então me senti como que renascido, e entrei pelos portões abertos do próprio paraíso. Aí toda a Escritura me mostrou uma face completamente diferente. Fui passando em revista a Escritura na medida em que a conhecia de memória, e também em outras palavras encontrei as coisas de forma análoga: ‘Obra de Deus’ significa a obra que Deus opera em nós; ‘virtude de Deus’—pela qual ele nos faz poderosos; ‘sabedoria de Deus’—pela qual ele nos torna sábios. A mesma coisa vale para ‘força de Deus’, ‘salvação de Deus’, ‘glória de Deus’” (Lutero, 1984, 30-31)
                Portanto, a imagem de Deus, que Lutero extraiu, pela exegese, da própria Escritura, não apenas o transferiu de uma situação de desespero para uma situação de alegria imensa, mas também possibilitou que ele passasse a ler toda a Escritura com um novo enfoque. Este enfoque não se concentrava mais num Deus exigente, mas no Deus que graciosamente concede as suas dádivas que são recebidas pela fé.
Percebe-se, pois, que se o conceito calvinista de Deus se concentra na soberania, glória, transcendência e justiça de Deus, o conceito de Lutero tem como foco central a misericórdia e graça de Deus em Cristo. Neste sentido, pode-se dizer que Lutero é mais Cristocêntrico do que Teocêntrico. (Cf. Hino Castelo Forte (165,2): “Jesus Redentor, o próprio Jeová, pois outro Deus não há). Jesus Cristo é a revelação de Deus. Ele é a verdade: ele desoculta Deus (Jo 14, 6,9).
Karl Barth, em sua dogmática, critica a posição luterana de que o centro da revelação é o Evangelho ou a doutrina da justificação do pecador mediante a fé. Ele considera isso uma ênfase exagerada e acrescenta que o conteúdo da revelação “é fundamentalmente e acima de tudo o próprio Deus, sua personalidade, seu nome, seu senhorio, sua aliança com os homens. Este conteúdo fundamental, concreto, e, portanto, a plenitude da revelação é prejudicada pelos luteranos ao isolar a Lei do Evangelho, e a obediência da fé. ” (Apud Sasse, 1987, 120).
Em conclusão: Crêem os reformados o mesmo que nós luteranos sobre quem e como é Deus? Não sabemos. Porque a fé que crê (fides qua) está oculta no coração. Mas, ensinam e confessam os reformados o mesmo que nós luteranos sobre esta doutrina? O enfoque e as ênfases, com certeza, são diferentes.[4]
2. FÉ
Hermann Sasse mostra como a falta de uma correta distinção entre lei e evangelho no calvinismo conduz também a uma compreensão errônea sobre a fé. (Sasse, 1987, 130-133). Calvino e Reformados posteriores tem uma predileção pela noção de “obediência da fé”. Calvino parte de Rm 1.5 para identificar fé como obediência.
Para a teologia luterana, a fé é um dom de Deus que recebe a justiça de Cristo, que se apropria da obediência de Cristo e, a partir disso, rende obediência a Deus. Calvino, por um lado, se esforçou para afirmar claramente que os crentes são salvos pela eleição divina e a obra justificadora de Cristo. Mas, em outras afirmaçoes ele põe tanta ênfase na fé como obediência que alguns concluem que ele ensina que fé é obediência. (Boehme, 2002, 18). Ele enfatizou a predestinação, a obediência e a aliança e assim plantou as sementes que promoveram a identificação de fé com obediência em calvinistas posteriores. Alguns dizem que essa identificação se originou com Heinrich Bullinger e sua noção do pacto bilateral. Mas, outros afirmam que a noção já está presente em Calvino. (Boehme, 2002, 19ª).
Boehme esclarece que, em dogmáticos reformados posteriores, a identificação de fé e obediência está vinculada à idéia das duas alianças de Deus com os homens: a aliança das obras dada a Adão e Eva e a aliança da graça em Cristo. Na aliança das obras, Deus exigia obediência perfeita e recompensava esta obediência. Mas, após a queda, os homens não mais podiam ser justificados de acordo com a aliança das obras, cumprindo a lei. Deus, então, estabeleceu uma aliança de graça com o homem. Mas, esta aliança não substituiu a aliança das obras, porém, foi acrescentada a ela. Por isso, a obrigação da obediência permanece enquanto o homem é criatura de Deus. A condição da aliança é a mesma no Antigo e no Novo Testamento. Ela exige fé para a obtenção da salvação. Por isso, a aliança da graça, nos dois Testamentos, contém uma mistura de Lei e Evangelho. (Boehme, 2002, 19).
3. LEI E EVANGELHO
                Para Lutero, a igreja prega o Evangelho. A função da Lei é secundária e auxiliar em relação ao Evangelho. Para os calvinistas, Lei e Evangelho são ambos parte da obra própria de Cristo. [Cf., Wenthe, 263-4]
                Hermann Sasse afirma que tanto luteranos quanto reformados querem distinguir Lei e Evangelho e também indicar a relação que existe entre os dois. Ambos concordam que o principal artigo da fé cristã é o perdão dos pecados. Os luteranos o consideram o conteúdo completo do Evangelho, enquanto que os reformados o consideram o conteúdo principal do Evangelho. A diferença está no fato de que os reformados acreditam que tanto a lei quanto o evangelho fazem parte da obra própria de Cristo, e, portanto, são funções essenciais da igreja. Os luteranos, por outro lado, ensinam que a pregação da lei é a obra “estranha” e a pregação do evangelho a obra “própria” de Cristo. Por isso, embora a igreja precisa pregar a lei –em função do evangelho—a única coisa essencial à sua natureza como a igreja de Cristo é que ela é o lugar, o único lugar do mundo, em que se ouve as boas novas do perdão dos pecados por causa de Cristo. À primeira vista, continua Sasse, estas diferenças na visão da relação de lei e evangelho podem parecer insignificantes. Elas são como dois trilhos de trem que se encontram lado a lado e parecem ir na mesma direção, até que mais tarde se descobre que elas vão para direções totalmente diferentes. Ou seja, as diferenças doutrinárias neste tópico só se tornam claras quando se vê suas consequências sobre outras doutrinas. (Sasse, 1987, 129)
                Transformar a fé em obediência, por exemplo, é fazer do evangelho uma nova lei. Quando a lei toma o lugar do evangelho e a justificação deixa de ser a doutrina central do cristianismo, a igreja é transformada de uma congregação de crentes numa congregação de crentes e obedientes, e Cristo se torna um novo Moisés. (Sasse, 1987, 137; Boehme, 2002, 21a).
                Ulrich Asendorf—um destacado teólogo luterano da Alemanha—salienta que Lutero ensina o uso predominante da Lei como espelho. A Lei destrói, conduz à morte e revela o pecado. Em Calvino, o terceiro uso da Lei predomina. O resultado disso, no calvinismo em geral, é uma tendência ao legalismo. Isso conduz ao sistema puritano de vida. A partir daí os calvinistas não conseguem distinguir Lei e Evangelho. Em consequência, o Evangelho se torna uma nova Lei. Asendorf cita como exemplo o que aconteceu na Alemanha após a 2ª Guerra Mundial. Lá, surgiu um “novo tipo de fanatismo sob o título do que Karl Barth e seus discípulos chamavam o ‘governo real de Cristo’ em lugar da distinção dos dois reinos de Lutero. ” (Asendorf, 1979,2)
4. JUSTIFICAÇÃO E SANTIFICAÇÃO
                Embora à primeira vista se possa ter a impressão de que luteranos e reformados ensinam a mesma coisa sobre a justificação—p. ex. seu caráter forense—vários autores concluíram, cada um à sua maneira que a justificação não ocupa o mesmo lugar nas duas tradições teológicas e que a justificação e santificação foram distinguidas de maneira diferente nessas tradições.
                Mesmo que a igreja reformada queira aderir firmemente à doutrina da justificação do pecador por causa de Cristo, ela não consegue assegurar para ela um lugar central no seu sistema teológico completo, diz Sasse.  Enquanto a lei estiver no mesmo patamar do evangelho, o arrependimento com a absolvição, a santificação com a justificação, a obediência com a fé, não é mais a justificação que mostra só ela “o correto conhecimento de Cristo, e só ela abre a porta para a Bíblia inteira. ” (Ap, IV, 2, em Müller, 1912, 87; Cf. Sasse 1987, 145)
                Para Lutero e o luteranismo confessional, o ponto de partida e o centro de toda a teologia é a justificação, ou seja, o evangelho da graça de Deus em Cristo. Somos salvos por causa da morte e ressurreição de Cristo, pela fé, sem mérito nosso. “Desse artigo a gente não se pode afastar ou fazer alguma concessão, ainda que se desmoronem céu e terra ou qualquer outra coisa. . .  Sobre esse artigo fundamenta-se tudo o que ensinamos e vivemos contra o papa, o diabo e o mundo. Razão por que devemos estar bem certos disso e não duvidar. Em caso contrário, tudo está perdido, e o papa, o diabo e tudo ficarão com a vitória e a razão contra nós” (Artigos de Esmalcalde, 2ª Parte, I, 5).
                Robert D.Brinsmead procurou visualizar a diferença entre luteranos, reformados e arminianos sobre a justificação elaborando três diagramas. Para ele, as correntes teológicas reformadas e arminiana sempre tiveram maior dificuldade para manter a centralidade da justificação do que a corrente luterana.
  1. Posição Reformada (Calvinista):
No sistema reformado, a justificação é considerada um ato estático, que ocorre uma única vez na vida e que é seguido pela santificação:


Santificação

Justificação Final




                      



Nesse modelo, diz Brinsmead, “é quase impossível manter a justificação no centro da atenção uma vez que um ato passado não permanece sendo a maior necessidade do crente. A justificação se torna como um posto de combustível pelo qual se passa apenas uma vez. ” (Brinsmead, 1979, 10)

  1. Posição Arminiana:
“O esquema arminiano tende a reduzir a justificação a uma provisão apenas por pecados do passado. Isso é seguido por santificação, que muitas vezes aparece como sendo um estágio superior no processo soteriológico. A justificação final no dia do juízo tende a repousar sobre a santificação. Nisso, a justificação é fortemente subordinada à santificação” (Brinsmead, 1979, 10-11):



Justificação para Pecados do Passado

Santificação

Justificação Final no Dia do Julgamento
 









  1. Posição Luterana: “Em contraste com essas duas posições, Lutero e as Confissões Luteranas consideram a justificação como uma necessidade presente e contínua do crente, que é sempre um pecador a seus próprios olhos, porém está sempre agarrando o veredito justificador de Deus pela fé na justiça de Cristo” (Brinsmead, 1979, 11):


Justificação

Início da Vida Cristã

Final da Vida Cristã

Santificação

~~~~~~~~~~~~~~


(Brinsmead, 1979,10-11)[5]
                Católicos Romanos e reformados concordam que o artigo da justificação é um artigo muito importante. Mas eles não concordam que ele seja O artigo mais importante e central de toda teologia cristã. (Ver, por exemplo, Karl Barth, Dogmática: luteranos exageram; Católicos Romanos: Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação).
                Para Lutero e as Confissões Luteranas (CA e Ap 4, AE) a justificação é o artigo stantis et cadentis ecclesiae do qual nada se pode ceder “ainda que se desmoronem céu e terra ou qualquer outra coisa”.
                A Justificação é o eixo central com o qual todos os demais artigos de fé e toda prática cristã deve estar em conexão assim como os raios de uma roda estão ligados ao eixo. Para Lutero, este artigo determina a maneira como ele:
  • Lê e entende toda a Bíblia, do Gênesis ao Apocalipse. A razão para a revelação e para a escrita da Bíblia é mostrar Jesus Cristo como nosso Salvador. Este é o objetivo e este é o conteúdo de todo o AT e de todo o NT. Por isso, para se entender uma determinada passagem é necessário encontrar sua ligação com Cristo, o personagem principal de toda Bíblia (e, portanto, de todo ensino, pregação, escola dominical, etc. Cuidar para que isto aconteça é o trabalho principal do pastor; é sua atividade prática por excelência).
  • Entende todas as doutrinas cristãs. Todas recebem seu significado a partir do centro: a Justificação.
  • Entende toda a vida cristã.  (Veja, por exemplo, sua exposição sobre as duas espécies de justiça onde ele descreve o relacionamento vertical entre Deus e o cristão, e o horizontal entre o cristão e seu próximo).
  • Entende todo o culto cristão.  (Dádiva de Deus→meios da graça→fé).
Em 1530, na explicação do Salmo 117, Lutero censura aqueles que supõe que o ensino da salvação pela graça sem as obras da lei é tarefa fácil e simples. Esta é uma arte, diz ele, que nunca se aprende completamente, ela sempre é nossa Mestre e nós seus alunos. (Apud Walther, 1899, 14-15). Walther comenta: “Muitas vezes, não se entende por que Lutero declara que o artigo da graça justificadora é um artigo difícil, pois ele parece tão fácil para muitos. Mas, não se compreende Lutero. Para muitos, pela graça de Deus, talvez não seja muito difícil pregar um bom sermão sobre a justificação. Mas, Lutero aqui fala de toda a arte e maneira de tratar a obra de Cristo de tal forma que não apenas todas os demais ensinos sejam influenciados pela doutrina da justificação, mas que esta apareça como componente necessário das mesmas. Isto é difícil—tão difícil que nenhum espírito sectário, ninguém que não tenha o Espírito Santo o consegue jamais fazer. . .  Lutero quer que todas as demais doutrinas sejam tiradas do fundo da doutrina da justificação; o que não flui dali é para ele uma vergonhosa negação de Cristo. ” (Walther, 1899, 74).
                Philip Watson cita John Wesley dizendo que Lutero “acertou em cheio” na doutrina da justificação pela fé somente, mas foi completamente ignorante e confuso na doutrina da santificação. O próprio Watson rebate essa afirmação. (Watson, 1954, 171)[6]. Lutero, na verdade, ensina uma clara distinção entre nossa relação com Deus e a vida eterna (Justificação) e a nossa relação com o próximo e nossa vida neste mundo (Santificação). Textos em que ele explica esta distinção: “Sobre as duas espécies de Justiça”, “Da liberdade Cristã”, etc. Em Dos Concílios e da Igreja, Lutero escreve sobre os antinomistas:
“Fazem pregações maravilhosas e (como não o posso imaginar de outra forma) com toda sinceridade a respeito da graça de Cristo, da remissão dos pecados e o que mais se pode dizer a respeito do artigo da redenção. Mas a consequência eles evitam como o diabo: que deveriam falar às pessoas a respeito do terceiro artigo, da santificação, da nova vida em Cristo. Pois acham que não se deve assustar as pessoas nem as entristecer, e pregar sempre de forma consoladora a respeito da graça e do perdão dos pecados em Cristo, evitando de todos os modos expressões como: Escuta! Tu queres ser cristão e, ao mesmo tempo, continuar sendo adúltero, fornicador, grande porca, soberbo, avarento, usurário, invejoso, vingativo, malicioso, etc. Mas dizem: Escuta! Mesmo que sejas adúltero, fornicador, avarento ou outro pecador qualquer, desde que creias, és bem-aventurado. Não precisas temer a lei, pois Cristo cumpriu tudo... Querido, não significa isso admitir a premissa e negar a conclusão? Sim, isso significa a um só tempo tirar a Cristo e anulá-lo quando se o prega justamente com a maior exaltação. E tudo é sim e não num mesmo assunto. Pois semelhante Cristo é nada e não existe em parte alguma, que tivesse morrido por pecadores que não abandonam os pecados depois do perdão dos mesmos e levam nova vida. . .  São excelentes pregadores de Páscoa mas escandalosos pregadores de Pentecostes, pois nada pregam a respeito da santificação e vivificação do Espírito Santo, mas exclusivamente da redenção por meio de Cristo. . .  Pois Cristo não nos conquistou apenas a graça, mas também o dom do Espírito Santo, para que não tenhamos somente perdão dos pecados, mas também superação dos pecados. ” (Lutero, 1992, 382-383).
                Se, por um lado, muitos têm dificuldades com o ensino da santificação, outros, incluindo luteranos, continuam tendo grande dificuldade com a doutrina da justificação pela fé. Por exemplo, na Conferência de Helsinki da Federação Luterana Mundial, em 1963, houve grande dificuldade para definir o que significa a justificação hoje em dia[7]. Para muitos estudiosos, a justificação pode ter sido um assunto de extrema importância no século 16 mas hoje ela não tem mais a mesma importância (Brinsmead, 1979, 10).
                Falando da situação atual nos Estados Unidos, Boehme afirma que prevalece uma mistura de lei e evangelho e que, em geral, há uma falta de ênfase no ensino da justificação. Há maior ênfase na santificação. Confunde-se justificação com regeneração e ignora-se a necessidade do arrependimento. Ele cita um autor não-luterano que reconhece que entre os evangelicais “não é justificação do ímpio... mas a santificação do justo que recebe mais atenção. ” (Donald Bloesch apud Boehme, 2002, 21a). O resultado disso se mostra em pesquisas que indicam que a maioria dos cristãos americanos, também dos luteranos (54%), acredita que uma pessoa boa pode merecer um lugar no céu.  Numa outra pesquisa, apenas 56.7% dos luteranos disseram que “só os que creem em Jesus como seu Salvador podem ir para o céu.” (Boehme, 2002, 21)
5. CRISTOLOGIA
                Luteranos e reformados reacenderam as controvérsias cristológicas dos primeiros cinco ou seis séculos da era cristã. Ambos concordam que Jesus Cristo é o Deus-Homem no qual em uma só pessoa estão unidas as naturezas divina e humana. Há, porém, sérias divergências entre os dois grupos sobre modo da união das duas naturezas e sobre a maneira em que atuam para a nossa salvação. A questão da comunhão das duas naturezas é da mais alta importância na doutrina cristã porque a validade da obra salvadora de Cristo pressupõe a união pessoal e porque esta doutrina se reflete na definição de outras doutrinas como, por exemplo, a da Santa Ceia.
No artigo 8 da Fórmula de Concórdia, os luteranos insistem na verdadeira comunhão entre as duas naturezas. Um texto bíblico chave citado nessa argumentação é Cl 2.9: “porquanto, nele, habita corporalmente, toda a plenitude da divindade. ”
                Os reformados, por sua vez, aceitaram a união da natureza humana de Cristo com a pessoa do Logos, mas negaram a comunhão verdadeira das duas naturezas entre si. A base para essa negação é o axioma racional: “Finitum non est capax infiniti”. Nessa linha de raciocínio, a confissão reformada Admonitio Neostadiensis, de 1581, afirma o extra calvinisticum: Assim como o Filho de Deus, após sua encarnação está na sua natureza humana, assim também ele está inteiramente fora e separado dela. (Veja: FC, DS 8, 14 em Livro de Concórdia, p. 636, nota 656).
                Uma verdadeira comunhão das naturezas é negada explicitamente em vários documentos reformados. O Consensus Tigurinus declara em relação ao corpo de Cristo que “por ser finito e estar encerrado no céu como seu lugar, é necessário que de nós diste tanto, quanto o céu da terra” (Apud, Livro de Concórdia, 1983, p. 610, nota 532; cf. Scaer, 1989, p. 26, nota 9). A Fórmula de Concórdia condena a posição de Calvino expressa no Consensus Tigurinus: “Que o corpo de Cristo está encerrado de tal maneira no céu, que de modo nenhum pode estar presente ao mesmo tempo em muitos ou em todos os lugares da terra onde sua santa ceia é celebrada” (FC, Ep VII, 32). A Segunda Confissão Helvética declara: “Portanto, não pensamos nem ensinamos que a natureza divina em Cristo sofreu, ou que Cristo, segundo sua natureza humana, ainda está no mundo, e assim em todo lugar (Apud Scaer, 1989, p. 57). Os luteranos afirmam que, devido à união pessoal, a pessoa de Cristo sofreu e que, devido a essa mesma união, a natureza humana de Cristo se encontra em todo o lugar onde a pessoa de Cristo se encontra. Ao negar tal comunhão, Calvino chega ao ponto de afirmar: “Admito, com efeito, que, se alguém ao julgamento de Deus quisesse opor Cristo, singelamente e de Si, não haverá lugar para mérito, porquanto não se achará no homem dignidade que possa ter mérito para com Deus. . .  Logo, quando se trata do mérito de Cristo, não se estatui nEle [próprio] resida o pincípio [desse mérito]; ao contrário, remontamos à ordenança de Deus, que é a causa primeira, porquanto, de Seu puro beneplácito, [O] estatuiu [Deus por] Mediador, para que nos adquirisse a salvação. ” (Calvino, 1985, XVII, 1, vol. II, 294).
                Lutero escreve em Dos Concílios e da Igreja, 1539, sobre a união das duas naturezas em Cristo:
                “Ó Senhor Deus, por este bendito e consolador artigo sempre se deveria estar alegre na verdadeira fé, sem desavença e sem dúvidas, cantar, louvar e agradecer a Deus Pai por essa misericórdia inefável, ao fazer com que seu Filho amado se tornasse igual a nós, homem e irmão. Agora, porém, o enfadonho Satanás provoca tal aborrecimento por meio de pessoas arrogantes, vaidosas e incorrigíveis, a ponto de nos impedir e estragar o amor e bendita alegria, infelizmente. Pois nós cristãos temos que estar cientes do seguinte: quando Deus não está na balança, fazendo peso, caímos no abismo com o nosso prato. O que quero dizer é isto: onde não se afirma que Deus morreu por nós, mas somente um homem, estamos perdidos. Quando, porém, a morte de Deus e “Deus morreu” pesam no prato da balança, este baixa e nós subimos, como um prato leve e vazio. No entanto, ele pode também subir novamente e saltar do prato. Ele, porém, não poderia estar sentado no prato a não ser que se tornasse homem igual a nós, para que se possa dizer: Deus morreu, o sofrimento de Deus, o sangue de Deus, a morte de Deus. Pois em sua natureza, Deus não pode morrer; agora, porém, que Deus e homem estão unidos em uma pessoa, é com razão que se diz: morte de Deus quando morre o homem que se tornou uma só coisa ou uma só pessoa com Deus”. (Lutero, 1992, 374-375).
                Hermann Sasse explica como a diferença sobre a encarnação se manifestou no assim chamado Extra-Calvinisticum, o ensino reformado de que, assim como o Logos se encarnou no homem, assim também ele permaneceu, ao mesmo tempo, fora da carne. Sasse faz referência ao ensino dessa doutrina no Catecismo de Heidelberg[8] que pergunta na questão 47: “Não está, então, Cristo conosco até à consumação do século, assim como ele prometeu? ” E, o catecismo responde: “Cristo é verdadeiro homem e verdadeiro Deus: de acordo com sua natureza humana, ele não está agora na terra; mas, de acordo com sua divindade, majestade, graça e Espírito, ele não está ausente de nós em tempo algum.” (Apud, Sasse, 1987, 152). A questão 48 afirma que de acordo com sua natureza divina Cristo está presente em todo lugar. Sua natureza divina existe fora da humanidade assumida na encarnação, mas, não obstante, existe dentro da natureza humana de acordo com a união pessoal. Para Ulrich Asendorf, isso é “uma perfeita contradição”. (Asendorf, 1979, 3).
                Para o teólogo reformado Karl Barth, as questões 47 e 48 do Catecismo de Heidelberg são um “desastre teológico”.  Segundo ele, a resposta à pergunta 47 deveria ser um simples ‘sim’. Mas, ele se apressa em esclarecer que sua crítica a essas questões não significa, para ele, “afirmar a posição luterana contra a qual elas [as questões 47 e 48] são dirigidas” (Barth,1964, 77). O que Barth quer evitar com isso é, segundo ele mesmo explica, oferecer suporte à idéia da Presença Real na Santa Ceia. Para Asendorf, Calvino e o Catecismo de Heidelberg ensinam uma cristologia espiritualizada. Segundo ele, os calvinistas não conseguem formular o que a encarnação significa. (Asendorf, 1979, 3).
                Em conclusão: Crêem os reformados o mesmo que nós luteranos sobre a pessoa de Jesus Cristo? Não sabemos. Porque a fé que crê (fides qua) está oculta no coração. Mas, ensinam e confessam os reformados o mesmo que nós luteranos sobre a pessoa de Jesus Cristo? Esta questão já deve ter ficado claro nas citações acima, mas, se havia restado alguma dúvida, a afirmação de Barth deve tê-la eliminado.
6. OS SACRAMENTOS
                Boehme argumenta que para Calvino, os Sacramentos são pactos ou contratos: Deus nos concede sua misericórdia; nós lhe prometemos obediência. Calvino chama os sacramentos de ordenanças, o que coloca ênfase em nosso fazer, em nossa obediência. (Boehme, 2002, 18b, 24, nota 16).
                A Confissão de Westminster é, de acordo com Boehme,  a primeira confissão de fé reformada a apresentar um artigo separado sobre o pacto. Nela, “a natureza bilateral do pacto de graça se torna evidente à medida em que seu caráter condicional é enfatizado”. (Boehme, 2002, 20a). Os calvinistas normalmente dizem que as condições são fé e arrependimento (ou obediência). Em outras palavras, isso às vezes é compreendido assim: “Se você cumpre sua parte no acordo, Deus vai cumprir a sua. Se cumprirmos a vontade de Deus, ele vai nos abençoar. Se a violamos, ele vai nos punir” (Boehme, 2002, 20b).
                Boehme entende que a ênfase no pacto, na obediência e predestinação encontra suas raízes na teologia nominalista medieval promovida por Guilherme de Occam, Gabriel Biel e outros.  Estes nominalistas afirmavam uma aliança bilateral, com responsabilidades e obrigações de ambas as partes do contrato. Se os seres humanos faziam o melhor que está neles, Deus os recompesaria com sua graça. Esta teologia nominalista do pacto estava intimamente ligada com a idéia da predestinação. Nessa, Deus respondia ao comportamento previsto do homem. A obra da eleição de Deus é uma “resposta secundária à iniciativa humana”. Por isso, os nominalistas enfatizavam mais a justiça de Deus do que sua misericórdia. Dos nominalistas, alega Boehme, esta teologia do pacto teria fluido para Erasmo, Zwínglio, Calvino e para o calvinismo posterior. (Boehme, 2002, 20a).
                Se essa interpretação estiver correta, então, não deixa de ser uma grande ironia que os reformados—que acusam os luteranos de não terem conseguido se desvencilhar completamente do catolicismo medieval—derivem um de seus conceitos centrais justamente do nominalismo medieval.
                As confissões luteranas repudiam esta visão de eleição condicionada à partipação humana. A Fórmula de Concórdia condena como falsa a doutrina que ensina “que não é apenas a misericórdia de Deus e o santíssimo mérito de Cristo, mas que também há em nós uma causa da eleição de Deus, em virtude da qual Deus nos elegeu para a vida eterna” (FC, Ep, XI, 20).
A teologia luterana é uma teologia do testamento, e não uma teologia do pacto. Esta teologia testamental, que começa com Lutero, não é uma teologia bilateral mas unilateral. Deus justifica sem a ajuda do homem. Fé é o canal pelo qual o homem recebe a graça e justiça de Cristo. No dizer de Boehme, “Obediência é parte da fé, mas não esgota o sentido pleno da fé. Esta teologia testamental foi central na descoberta de Lutero do evangelho da graça justificadora de Deus recebida pela fé sem as obras da lei. ” (Boehme, 2002, 20b).
                A teologia reformada se refere aos meios da graça apenas como sinais que apontam para a salvação, não como meios que conferem (ou dão) a salvação. Calvino diz o seguinte, entre outras coisas, sobre o sacramento: “Ele é acrescentado à Palavra como um apêndice ordenado para simbolizá-la, confirmá-la e certificá-la mais fortemente em nosso interesse, pois o Senhor vê que temos necessidade disto pela ignorância com que julgamos as coisas e pela fraqueza da nossa carne” (João Calvino, As Institutas, 2006, III, 10, apud Costa, 2006, 254). E, também: “O homem crente, ao ver o sacramento, não se prende à exterioridade, mas sim, com santa consideração, eleva-se para contemplar os altos mistérios ali ocultos conforme a harmonia existente entre a figura carnal e a realidade espiritual” (João Calvino, As Institutas, 2006, III, 10, apud Costa, 2006, 254).
                C. F. W. Walther afirma que a maioria das igrejas protestantes ensina corretamente que o homem é salvo somente pela graça, por causa de Cristo e não pelas obras da lei. Mas elas erram no ensino sobre os meios da graça da parte de Deus (Gebenmittel), isto é, sobre a palavra e os sacramentos. Erram também no ensino sobre o meio instrumental da parte do homem (Nehmemittel), isto é, sobre a fé. Elas confessam que Jesus foi morto na cruz para nos salvar, mas negam aquilo pelo qual nós o recebemos, ou seja, o meio, o caminho, a ponte. Elas falam do tesouro, mas não nos deixam chegar até ele; nos tiram a chave e a ponte que dá acesso ao tesouro. Elas dizem que preciso ter o Espírito mas não querem me deixar ter acesso a ele (pelos meios da graça). Walther ilustra a diferença entre o ensino reformado e luterano com relação ao ensino sobre a absolvição. A Escritura ensina, diz Walther, que se desejo receber o perdão dos pecados, não devo me sentar num canto e dizer: ‘Meu Deus, perdoa meus pecados’, e então ficar esperando que um anjo venha do céu para me dizer: ‘Teus pecados estão perdoados’. Pois, Deus promete vir a mim e pronunciar, ele próprio, a absolvição dos meus pecados. Isto acontece, em primeiro lugar no santo batismo e também por meio da absolvição pronunciada pelo pastor ou por um outro cristão. (Walther, 1899, 35-42).
                Lutero, no Catecismo Menor, pergunta pelas dádivas e benefícios do batismo e responde: “Opera a remissão dos pecados, livra da morte e do diabo, e dá a salvação eterna a quantos crêem, conforme rezam as palavras e promessas de Deus. ” (Livro de Concórdia, 1983, 375). Ulrich Asendorf comenta que Lutero menciona, em primeiro lugar, a eficácia do batismo. “O perdão dos pecados realmente acontece quando a água, a palavra de Deus e a fé são unidas. ” (Asendorf, 1979, 5). Aqui, diz ele, há um ‘realismo sacramental’. “O primeiro passo da vida cristã vem de Deus, não de nós. Assim como o próprio Cristo chamou seus discípulos para segui-lo, assim ele o faz conosco por meio do batismo. Por isso, como disseram os pais, a Santíssima Trindade batiza, o ministro é apenas o instrumento” (Asendorf, 1979, 5)
A teologia reformada, por outro lado, não ensina este caráter objetivo do meio da graça. No Batismo, por exemplo, ela distingue entre batismo exterior e batismo interior. Quem regenera é o Espírito Santo. O batismo é o símbolo visível da graça invisível. Diz Calvino: “É o Espírito de Deus quem nos regenera e nos transforma em novas criaturas; visto, porém, que sua graça é invisível e oculta, no batismo nos é dado um símbolo visível dela”. (João Calvino, As Pastorais (Tt 3.5), apud Costa, 2006, 69).
Com relação ao Catecismo de Heidelberg, diz Asendorf que nele “não se encontra uma única linha sobre a necessidade do batismo. . .  A tradição calvinista . . . não vê nenhuma eficáciia no batismo. O batismo é o sinal da nova aliança, mas ele não faz nada. Tudo é feito pelo Espírito Santo. Para o calvinismo não há, no sentido estrito, instrumento da graça assim como os há no luteranismo” (Asendorf, 1979, 5).
O Catecismo de Heidelberg pergunta na questão 73: “Então, por que o Espírito Santo chama o batismo de água de renascimento e lavar de pecados? ” E responde: “Deus não fala dessa maneira sem uma forte razão. Ele não apenas nos ensina pelo batismo que assim como a sujeira do corpo é tirada pela água, assim nossos pecados são removidos pelo sangue e Espírito de Cristo; mas, ainda mais importante, pelo selo e sinal divino, ele quer nos assegurar que somos tão verdadeiramente lavados de nossos pecados espiritualmente como nossos corpos são lavados com água” (Apud, Barth, 1964, 101). Comentando esta resposta, Karl Barth diz, entre outras coisas: “O batismo não pode se tornar um sujeito; ele não ‘faz’ nada. Mas o Espírito Santo faz algo através do batismo! ” (Barth, 1964, 101).
Assim, crianças recebem o batismo exterior e o sinal, mas só são regeneradas pela ação do Espírito Santo quando chegam à idade da razão e ouvem a palavra. (Masius, 1868, 135-136). [cf Catecismo de Heidelberg , questão 69]
                A pergunta que se impõe, neste caso, é: como o Espírito Santo age? Ele age pelos meios ou age fora dos meios da graça? De acordo com Ulrich Asendorf, para os reformados, há duas ações paralelas e não-relacionadas expressas nas palavras cum e tum. “Assim como a pessoa ouve a palavra de Deus, e é batizada com água, e recebe pão e vinho, o Espírito age numa relação paralela mas não vinculada, diretamente sobre o coração. ” (Apud Scaer, 1989, 28, nota 16).
A questão 75 do Catecismo de Heidelberg revela, com relação à Santa Ceia, a mesma postura adotada por esse catecismo em relação ao batismo. Diz Asendorf: “Aqui é o mesmo cum – tum, isto é, ação paralela, não relacionada que mencionamos acima. ” (Asendorf, 1979, 5).
 Na Santa Ceia, a presença de Cristo é espiritual e o Espírito Santo age para que pela fé os crentes se unam espiritualmente ao corpo de Cristo que está no céu. “Nada é dito sobre a presença real do corpo e sangue do Senhor neste Sacramento. De acordo com o Catecismo de Heidelberg, não há corpo nem sangue, mas apenas suas marcas” (Asendorf, 1979, 5). Lutero, ao contrário, afirma de forma breve e direta: “É o verdadeiro corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, sob o pão e o vinho, dado a nós cristãos para comer e beber, instituído pelo próprio Cristo. “ (Livro de Concórdia, 1983, 378). “No Catecismo de Heidelberg pode haver o rastro da graça, mas ninguém sabe o que realmente acontece”, sentencia Asendorf. (Asendorf, 1979, 5). E ele continua dizendo que o espírito cético de Erasmo tem continuidade no calvinismo em geral e que esse espírito contrasta com a teologia assertativa da Lutero. A partir disso, conclui: “Calvino e Lutero estão tão distantes um do outro como fogo e água, e céu e terra” (Asendorf, 1979, 5).
Também nas questões 78 e 79 do Catecismo de Heidelberg é dito que o pão e vinho não são o corpo e sangue de Cristo. É apenas um costume quando a frase ‘o corpo de Cristo’ é usado. As questões falam de sinais visíveis, selo e marca, mas o ‘É’ luterano está ausente. Não há interesse nos elementos em si, o que importa é sua função de sinais. (Asendorf, 1979, 6).
                Masius afirma que os reformados não aceitam a Presença Real por motivos racionais. A Escritura, porém, diz que, quando se trata dos mistérios de Deus, devemos levar “cativo todo pensamento à obediência de Cristo. ” (2 Co 10.5; Masius, 1868, 172).
                Em resumo, qual é, então, para os calvinistas, o lugar do Espírito Santo nos sacramentos? Asendorf responde:
Os calvinistas gostam de dizer que os luteranos com sua compreensão da presença real do Senhor em ambos os sacramentos estão se referindo ao que o calvinismo designa com o Espírito Santo. Se isso é verdade, parece que tudo depende do efeito. O Espírito Santo está realmente fazendo para os calvinistas o que os luteranos atribuem aos sacramentos. Mas esta interpretação não está correta. Há uma contradição no pensamento calvinista. Por que o Catecismo de Heidelberg lida com os sacramentos se eles de fato não são necessários para a salvação? A resposta pode ser dada facilmente pelas tradições bíblicas. Mas, se o espiritualismo predomina no calvinismo, os sacramentos não têm nenhum significado real. ”  (Asendorf, 1979, 6).
                7. ELEIÇÃO E CONVERSÃO
                Na visão calvinista, o crente acaba buscando uma certeza interior de sua eleição. Portanto, ele busca esta certeza não na justificação, mas na santificação. Por mais que se diga que a santificação é ação do Espírito, o crente olha para os resultados dessa ação em si mesmo. Outro aspecto dessa visão é que o crente reformado deve poder apontar para uma conversão específica.
                Na visão luterana, a certeza da eleição está nos meios da graça objetivos. O cristão luterano aponta para seu batismo na infância como prova de sua eleição. Ele também não vai apontar para uma conversão específica, mas, muito mais, para a conversão continuada. Pois ele sabe que é simul iustus et peccator e precisa se arrepender e retornar ao seu batismo diariamente. Por isso, o batismo ocupa (ou deveria ocupar) um lugar tão proeminente no ensino, pregação e vida diária do cristão luterano. (Cary, 2007, 266-268).
                Uma ilustração: Rubem Alves, numa entrevista à Rádio Band FM, transmitida no dia 22/03/2009, comparou o perdão ao esquecimento de Deus. Usou a ilustração duma praia cheia de pegadas, lixo e detritos no fim da tarde. Durante à noite, a maré sobe, lava a praia e leva todo lixo embora. De manhã, a praia está novamente limpa, coberta de areia fina e lisa. . . Nesse ponto, da entrevista, a repórter completou: “pronta para novas pegadas...”. Esta frase aponta para a visão luterana. Deus não nos perdoa como uma mãe que, antes de uma festa, coloca roupa limpa e novo no filho e diz: “Você agora está limpo, cuidado para não se sujar mais. ” O menino vai para a festa e obedientemente fica sentado num canto para não se sujar enquanto seus amigos se divertem correndo e brincando.
8. OS DOIS “REINOS” OU GOVERNOS DE DEUS
                Para Lutero, Deus governa o mundo todo e o faz de duas maneiras. Ele governa o reino da mão esquerda por meio da lei e do governo secular, e o reino da mão direita por meio do Evangelho e da graça. Estes dois reinos ou governos não estão separados mas devem ser claramente distinguidos, ou seja, não se deve querer empregar os meios de governo de um domínio no outro. Os reformados têm criticado esta “doutrina” considerando-a, inclusive, como a base para o surgimento do nazismo (Kilcrease, 2005, 68). Os reformados, ao não fazerem a distinção entre os dois reinos, têm transformado o evangelho em lei. Robert Benne percebe três vantagens principais na posição luterana:
“Primeiro, uma vez que a função da igreja é de pregar lei e evangelho, ela produz um cristianismo onde somos ao mesmo tempo santos e pecadores e, portanto, capazes de sermos auto-críticos numa maneira não permitida pelo conceito calvinista dos eleitos. Segundo, ela leva a sério o fato de que a igreja e a autoridade civil são meios pelos quais Deus lida com o pecado. Tanto a coerção do do estado e a livre oferta da graça são meios necessários para tratar com uma criação em revolta. Terceiro, ela permite que os cristãos discordem entre si no domínio temporal sobre problemas concretos enquanto permanecem unidos na fé” (Apud Kilcrease, 2005, 68).

Traduções Bíblicas com tendência Reformada
                Diz Boehme: “Algumas traduções modernas da Bíblia tem uma tendência nitidamente Reformada. Muitas delas levam os cristãos a colocar fé e obediência no mesmo patamar .” E ele acrescenta: “A maneira como a Bíblia é traduzida pode afetar a maneira como o leitor encara o cristianismo—como uma religião de obras ou de graça—se a fé é receptora da graça de Deus ou obediência a Deus. ” (Boehme, 2002, 22b).
Michael R Totten, em artigo no Concordia Theological Quarterly de Forth Wayne, analisa 13 traduções diferentes nas áreas dos Sacramentos e da Escatologia. Ele conclui que a teologia reformada e neo-evangelical, de fato, deixou marcas profundas sobre várias versões, especialmente as assim chamadas paráfrases.
Eugene C. Chase, num artigo publicado na revista dos Seminários luteranos de St. Catarines e Edmonton do Canadá, informa que o verbo teréo aparece 74 vezes no NT e phulasso, 30 vezes. Os dois verbos aparecem, numa série de léxicos por ele consultados, bem como em escritos da antiguidade, com o sentido de “guardar”, “preservar no coração” “proteger”, etc. mas nunca como “obedecer”. A NIV traduz o termo teréo 24 vezes (de 31 possibilidades: onde o termo está ligado à palavra de Deus, à lei, aos mandamentos, ou aos ensinos de Jesus) como “obedecer”, e phulasso, em 10 possibilidades é traduzido cinco vezes como “obedecer” e cinco vezes como “guardar”. O autor percebe a influência de posições teológicas legalistas por trás da opção privilegiada pelo termo “obedecer” nessas traduções.[9]
DIVISÃO E BUSCA DE UNIDADE
Perguntamos novamente: Crêem os reformados o mesmo que nós luteranos sobre as doutrinas que analisamos?  Só posso responder: Não sei. Mas, ensinam e confessam os reformados o mesmo que nós luteranos sobre estas doutrinas? Espero que a resposta a esta questão tenha ficado clara a essa altura da exposição.
                Vivemos numa era pragmática e funcionalista. Muitas vezes se diz: “Que diferença faz se há divergências sobre quem é Jesus e como ele nos salva se no fim das contas todos creem em Jesus com Salvador? ”
                O calvinista Norman Geisler coloca como título dum capítulo de um de seus livros precisamente esta questão: “Que diferença isso faz?” Ele está se referindo à pergunta que seus leitores farão sobre que diferença faz na prática “se alguém é calvinista extremado, arminiano extremado ou toma uma posição intermediária”. E ele prossegue respondendo:
“Francamente, a resposta a essa pergunta é que isso faz uma enorme diferença sobre o que cremos.  As convicções afetam a conduta e, por isso, as idéias tem conseqüências. Boas idéias conduzem a boas conseqüências, assim como más idéias levam a conseqüências más. A pessoa que crê que a cancela em frenta à linha férrea está emperrada será morta, quando o trem chegar! Quem acredita no gelo quando o lago está congelado pode afundar se o gelo é fino! Do mesmo modo, a doutrina falsa pode levar a ações falsas. É bom repetir o refrão: “Fulano era um bom menino, mas agora não é mais, porque o que ele creu ser H2O era H2SO4 (ácido sulfúrico) ” (Geisler, 2005, 153).
Geisler certamente tem razão quando afirma que doutrina falsa pode levar a ações falsas. Pior do que isso é o fato de que doutrina falsa pode nos afastar da verdade que Deus revelou e nos privar da vida eterna. O próprio Jesus responde: “Em vão me adoram ensinando doutrinas que são preceitos de homens” (Mt 15.9) e “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus” (Mt 7.21). E, o apóstolo Paulo adverte: “Rogo-vos, irmãos, que noteis bem aqueles que provocam divisões e escândalos, em desacordo com a doutrina que aprendestes; afastai-vos deles, porque esses tais não servem a Cristo, nosso Senhor . . . ”  (Rm 16.17, 18).
                Já vimos que os reformados consideram os luteranos como ‘semi-evangélicos’ que precisam de uma mãozinha para se tornarem totalmente reformados. Para os luteranos, por sua vez, “os reformados não pertencem mais à igreja do Evangelho puro. Eles seguiram uma direção que os afastou da Reforma. Eles abriram mão de verdades bíblicas imprescindíveis, tais como a Presença Real na Santa Ceia. Eles turvaram e, parcialmente, perderam o conhecimento fundamental da distinção correta entre Lei e Evangelho” (Sasse, 1997, 49).
                Desde a época da Reforma, houve muitas tentativas de reconciliação entre luteranos e reformados.
                John T. McNeill, afirma que se poderia reunir uma substancial biblioteca de tratados com propostas de união eclesiástica, reconhecimento mútuo, e intercomunhão, escritos nos séculos dezessete e dezoito. (Mcneill, 1954, 137). Em 1723, apareceu uma lista de 150 títulos tratando de discussões sobre a união entre luteranos e reformados. Quase todos esses escritos haviam sido publicados nos três anos anteriores. (Mcneill, 1954, 138).
                Por que, então, não se chegou à união pretendida? Mcneill culpa as igrejas luteranas pela “persistente rejeição” de “projetos de união propostos pelos reformados. ” Ele cita Hermann Sasse que declara que os luteranos não agiram movidos por outros princípios mas firmaram sua posição apenas em base doutrinária. Embora não considere esta explicação “adequada”, McNeill admite que ela não pode ser descartada como “insincera”. (Mcneill, 1954, 138, 139).
                A primeira tentativa de alcançar unidade entre luteranos e reformados foi o Colóquio de Marburgo. Todos sabemos como ele terminou e muitos até hoje culpam Lutero por recusar a mão fraterna à Zwínglio.
                No século XIX, após muitas tentativas frustradas de reconciliação e união, o rei Frederico Guilherme III decretou a famosa (ou mal-afamada) União Prussiana, em 1817. Essa união foi efetivada em 1830. [Exemplo da nova liturgia para as comunidades unidas: Na distribuição da Santa Ceia, o pastor dizia: “Jesus disse isto é o meu corpo. . . Jesus disse isto é o meu sangue]. O protesto mais efetivo contra essa união partiu de Claus Harms. Ele publicou as 95 teses de Lutero e acrescentou 95 novas teses. A tese 3 afirma: “Com a idéia de uma reforma continuada, como ela é agora entendida e supostamente encorajada, o luteranismo é reformado em paganismo, e o cristianismo é reformada para fora deste mundo. ” Tese 64: “Os cristãos deveriam ser ensinados que eles têm o direito de não permitir ensino não-cristão e não-luterano no púlpito e nem nos livros usados na igreja e na escola. ” E, tese 77: “Dizer que o tempo removeu a parede de separação entre luteranos e reformados, não é falar corretamente. A questão é: quem se desviou da fé de sua igreja, os luteranos ou os reformados? Ou ambos? ” (Meyer, 1964, 65-69).
                No século XX, na Alemanha, por interferência nazista, foi criada a Deutsche Evangelische Kirche (DEK). Nessa época chegavam ao auge as tentativas de trazer os luteranos a uma “união” com os reformados. Uma das vozes corajosas que se levantaram contra o nazismo e o unionismo foi Hermann Sasse.
                 Sasse, que foi criado e ordenado na igreja da União Prussiana e que só chegou a conhecer a igreja luterana ao participar de um programa de intercâmbio nos Estados Unidos, escreve, no seu livro União e Confissão, sobre o terrível pecado da “mentira piedosa”, referindo-se ao unionismo. Esta mentira, diz ele, mente não só para homens mas também para Deus na oração, na confissão, na Santa Ceia, no sermão e na teologia. Esta mentira tem uma propensão a se tornar uma mentira edificante e, após um tempo suficiente, ela chega à sua “maturidade doutrinária” e se torna uma mentira dogmática. (Sasse, 1997, 1-2). Mais adiante, ele desabafa:
“Que pensamento terrível é, realmente, o fato de que coisas que não são verdadeiras são ensinadas na igreja, sob o disfarce da verdade eterna confiada a ela. Nenhum ateísmo, nenhum bolshevismo pode causar tanto estrago e destruição como a mentira piedosa, a mentira na igreja. Nesta mentira se torna evidente o poder de alguém a quem o próprio Cristo chama de mentiroso e o pai da mentira (Jo 8.44) ” (Sasse, 1997, 3).
Esta mentira se torna uma mentira institucional quando uma igreja legaliza as outras mentiras e as torna impossíveis de remover. Isso acontece quando os mesmos direitos são concedidos na igreja àqueles que confessam e àqueles que negam a Trindade e as duas naturezas de Cristo e onde a pregação da Reforma tem o mesmo direito que a proclamação de uma religião iluminista sem dogma. (Sasse, 1997, 3).
                Sasse argumenta que “é impossível e deveria ser indigno dos teólogos alemães que eles justifiquem a união dizendo que as congregações, e mesmo os teólogos, hoje em dia não entendem mais a diferença entre “luterano” e “reformado”. A isso só se pode replicar: Se isso é assim, então eles precisam aprendê-lo novamente. Pois se a ignorância é o que decide o que a igreja deve ou não deve ensinar, então tudo precisaria ser eliminado! ” (Sasse, 1997, 47).
                Falsa doutrina torna Deus em mentiroso. Ela diz “assim diz o Senhor” quando Deus não o disse. Falsa doutrina é idolatria pois inventa e cria um deus diferente daquele que se revelou em Cristo e na Escritura Sagrada. Ensinar falsa doutrina é blasfemar contra o nome de Deus. Disso somos lembrados por Lutero em sua explicação da 1ª petição do Pai Nosso: “Santificado seja o teu nome”. Lutero diz que o nome de Deus se torna santo entre nós “Quando a palavra de Deus é ensinada genuína e puramente, e nós, como filhos de Deus, também vivemos uma vida santa, em conformidade com ela; para isso nos ajuda, querido Pai do céu. Aquele, porém, que ensina e vive de modo diverso do que ensina a Palavra de Deus, profana o nome de Deus entre nós; guarda-nos disso, ó Pai celeste! ” (Livro de Concórdia, 1983, 372).
CONCLUSÃO
                Às vezes, ao concluir uma palestra sobre um tema doutrinário (ou até mesmo antes de começá-la) a gente é capaz de sentir ou ouvir a voz do desânimo dizendo: “De que adianta? Quem liga? ” Possivelmente, para muitos, essa conversa de confessionalismo não passa de conservadorismo’ e assim por diante. Acredito que muitos de vocês devem ter experimentado algo parecido na preparação e apresentação de algum sermão. Jesus mesmo se refere a tal situação dizendo que esta atitude de indiferença já era própria dos homens daquela geração dos seus dias terrenos. Eles não dançavam com música alegre e não choravam com canções tristes (Lc 731-34). Ou seja, a lei não assusta e o Evangelho não alegra. Também lembramos as palavras do apóstolo Paulo: “Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina . . . e se recusarão a dar ouvidos à verdade. ” (2 Tm 4.3, 4). O que fazer numa situação dessas? Muitos pregadores optam por “despejar mais lei”. Lutero, num sermão do dia da Ascensão, em 1534, discute as opções existentes. Se você pregar só lei as consciências ficam aterrorizadas e as pessoas se tornam idólatras buscando segurança e paz em cultos falsos e obras da lei. Por isso, diz Lutero, com esta pregação ninguém se salva, porque ninguém é salvo pelas próprias obras, mas somente pela fé na obra vicária de Cristo. Mas, se o pregador insistir em pregar a fé em Cristo, é bem possível que muitos se acomodem e não se preocupam com seus pecados ou em levar uma vida cristã. Mas, diz Lutero, alguns pelo menos prestarão atenção, receberão a oferta do Evangelho, crerão na promessa de Deus e serão salvos. (Klug, 2000, 113-116).
É muito importante, ao mesmo tempo, não confundir ‘não ser legalista’ com ser antinomista. O legalista mistura lei e evangelho e transforma o evangelho em lei. O antinomista tende a excluir a pregação e o ensino da lei totalmente. Ele elimina a necessidade do arrependimento e torna os pecadores seguros em sua vida pecaminosa. Aqui se inclui a idéia, já bastante difundida em nosso meio, de que podemos, e até devemos acolher na Santa Ceia a qualquer um que venha, sem perguntar pela sua situação espiritual, se ele está arrependido ou não. Esquece-se que a Ceia de Cristo é puro evangelho destinado a pecadores arrependidos. Esta é apenas uma das maneiras em que o antinomismo se infiltrou também entre nós.
Às vezes se coloca a falsa antítese: É melhor ter a doutrina do amor do que ter amor à doutrina. ” Respondemos: É melhor ter amor à doutrina do amor e fazer o que está ao nosso alcance para proclamá-la e preservá-la para as gerações futuras. É preciso, igualmente, tomar cuidado com a maneira como se interpreta a recomendação tantas vezes ouvida: ‘Se for errar, é melhor errar para o lado do evangelho’. É uma afirmação, sem dúvida nenhuma, bem-intencionada, mas, mal-entendida e mal-usada, pode se tornar uma rampa pela qual se escorre para o antinomismo. Evangelho é a boa nova da graça de Deus em Cristo. Não tem nada a ver com ‘liberar geral’ ou com a fuga da responsabilidade do ministro como despenseiro dos mistérios de Deus. A melhor opção sempre é: buscar orientação na Palavra de Deus para procurar evitar o erro.
Com isso, também estou dizendo que só por termos o nome de ‘luteranos’ não somos automaticamente donos da verdade. Não temos a doutrina pura por direito adquirido. Poder usufruir desta doutrina é graça de Deus. Precisamos ser e permanecer humildes alunos da doutrina da verdade. O apóstolo Paulo pergunta também a nós: “Porventura, a palavra de Deus se originou no meio vós ou veio ela exclusivamente para vós outros? ” (1 Co 14.36). Se fomos agraciados com a doutrina verdadeira, precisamos lembrar que ela não é nossa, temos uma dívida com o mundo e com as demais denominações. Precisamos testemunhar a todos a centralidade da justificação pela fé. Precisamos compartilhar o precioso tesouro da sola gratia, sola fide e sola Scriptura.

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Apresenado no Conselho Diretor da IELB em 2008





[1] Todas as traduções incluídas neste texto são do próprio autor.
[2] Hermann Otto Erich Sasse (1895-1976) recebeu uma educação teológica liberal em Berlim. Só mais tarde, o estudo da teologia de Lutero, das Confissões Luteranas e da ortodoxia luterana o conduziu a uma compreensão correta da Escritura Sagrada.  Foi pastor em Berlim por treze anos. Em 1933, foi chamado para ser professor de História da Igreja e Dogmática na Universidade de Erlangen. Se opôs ao nazismo e ao unionismo que não distinguia entre a teologia luterana e reformada e se tornou um ardoroso defensor do luteranismo confessional. Após a 2º  Guerra Mundial, percebendo que lhe era impossível permanecer como membro da igreja alemã que promovia o unionismo, aceitou, em 1949, um chamado da Igreja Luterana da Austrália para ser professor no Seminário de Adelaide. Lá permaneceu até sua aposentadoria em 1965. Sasse participou ativamente do movimento ecumênico tanto no movimento Fé e Ordem como também no trabalho da Convenção Luterana Mundial que, posteriormente, veio a ser a Federação Luterana Mundial. Sempre defendeu a lealdade às Confissões luteranas e repudiou um ecumenismo que procura a unidade às custas da verdade. Sasse foi um escritor prolífico e de seus muitos escritos, pelo menos, os seguintes foram traduzidos para o português: “Igrejas confessionais no movimento ecumênico com referência especial à Federação Luterana Mundial”, Igreja Luterana, 30, nº 1 e 2 (1969); Isto é o Meu corpo: A luta de Lutero em defesa da presença real no sacramento do altar. Porto Alegre: Concórdia, 1970; e Aqui nos firmamos: Natureza e caráter da fé luterana. Trad.Leandro Daniel Hübner. Canoas: Editora da ULBRA, 2008. Nesta última obra, ele delineia claramente a incompatibilidade entre a teologia luterana e a reformada. Ao citarmos Sasse repetidamente nesta palestra, o fazemos consciente de que o contexto em que nos encontramos é diferente do contexto em que Sasse viveu e escreveu. Não obstante, o perigo do unionismo e a tentação de sacrificar a verdade da palavra de Deus com o objetivo de conquistar uma paz externa entre denominações com teologias diversas continua tão presente hoje como no passado. Da mesma forma, permanece a necessidade ecumênica de testemunhar ao mundo a verdade do evangelho autêntico de Cristo em oposição a um “ecumenismo festivo”.
[3] Sasse está sendo citado aqui a partir da versão inglesa de sua obra simplesmente porque era esse o texto que o autor tinha à mão ao elaborar a palestra.
[4] É importante salientar que a presente pesquisa não incluiu um estudo sobre a posição doutrinária específica das Igrejas Evangélicas Reformadas do Brasil (IERS). Um Documento Protocolo aprovado pelos representantes oficiais das IERS e da IELB, no dia 17 de abril de 1993, em Carambeí, PR, afirma (II: 3, 4): “3. As doutrinas fundamentais primárias em que há grande unanimidade são as doutrinas a respeito da fé salvadora, da justificação pela graça, do pecado e suas consequências, da SS. Trindade, da satisfação vicária de Cristo, da Palavra de Deus e da ressurreição. 4. Há doutrinas que precisam de diálogo e aprofundamento bíblico e confessional, entre as quais, além de outras, estão a doutrina da predestinação, da Cristologia e da Santa Ceia”.
[5] No gráfico de Brinsmead, a linha que representa a santificação, no modelo luterano, é uma linha reta. Inserimos uma linha ondulada para indicar que a santificação não é estável na vida cristã, mas apresenta altos e baixos à medida em que se desenrola a luta entre o novo e o velho homem (ou o espírito e a carne) no cristão.
[6] A obra de Watson foi traduzida para o português (Deixa Deus ser Deus. Trad. Paulo Flor. Canoas: Editora da ULBRA, 2005). A referência acima é do original inglês apenas porque era essa a versão que o autor tinha à mão ao elaborar o presente texto.
[7] Para uma análise crítica do documento “Justificação Hoje” que resultou do debate em Helsinki, confira: Nestor Beck. La doctrina acerca de la fe: En la Confesión de Augsburgo y documentos ecuménicos. Canoas: Editora da ULBRA, 2005, cap. 9. Nos capítulos 10 e 11 desta obra, Beck examina outros documentos ecumênicos das décadas de 1970 e 1980 e conclui que todos são deficientes em sua definição de fé e justificação.
[8] O Catecismo de Heidelberg foi escrito por Zacarias Ursinus (1534-1583). Ursinus era luterano, estudou em Wittenberg e foi o primeiro dos discípulos de Melanchthon a se converter do luteranismo para o calvinismo. Mas, como ressalta Asendorf (1979, 1), ele o fez a sua maneira e por isso no Catecismo de Heidelberg estão ausentes algumas das características do calvinismo: “a) o pacto não é mencionado; b) seu ensino sobre a lei é semelhante à concepção luterana . . .; c) a dupla predestinação não é mencionada” (Ibid.).  Por isso, esse catecismo deve ser entendido como um documento do calvinismo alemão, não o de Genebra. Mais adiante, Asendorf adverte que o “Catecismo de Heidelberg oferece riscos aos luteranos na medida em que, em alguns aspectos, se desvia das tradições calvinistas comuns e, por isso, poderia promover sutilmente a tendência para o unionismo entre luteranos e reformados” (Ibid.). Somos, aqui, lembrados da advertência da Fórmula de Concórdia ao distinguir entre sacramentários crassos e sutis e afirmar que estes são “os mais prejudiciais de todos” porque ocultando-se por detrás de palavras especiosas, “retêm a mesma crassa opinião anterior, a saber, que na santa ceia nada senão pão e vinho estão presentes e são recebidos oralmente” (FC, Ep VII, 3-5).
[9] Uma sugestão para os pastores é que confiram as traduções antes da leitura dos textos no culto. Não é necessário usar sempre a mesma tradução. Convém privilegiar aquela que na leitura em questão reproduz mais fielmente o texto original.

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