XX - Estudo
Por que sou Cristão
Evangélico Luterano?
Introdução
No mundo existem hoje inúmeras religiões.
Seu número cresce dia a dia. Pelos meios de comunicação temos acesso à maioria
delas. Cada uma propaga seus ensinos e procura atrair pessoas. Bem disse Jesus
que nos últimos dias “surgirão falsos cristos e falsos profetas
operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios
eleitos” (Mateus 24.24).
É
raro encontrar uma família na qual todos pertencem à mesma igreja. A
convivência nesta diversidade não é fácil. Em encontros familiares, para evitar
constrangimentos, ouve-se, por vezes, a ordem: “É proibido falar de religião”.
E quem se atreve a falar de sua fé e taxado de fanático.
Diante desse quadro, surgem afirmações como:
“Toda a religião é boa! O principal é que seja praticada com sinceridade”.
Dentro dessa realidade, cresce o movimento ecumênico, que visa a união de todas
as religiões. Neste movimento há dois segmentos. O primeiro, mais amplo,
procura unir todas as religiões, sob o lema: Unidade na diversidade. O segundo,
visa unir as denominações “cristãs”, para fazerem frente às religiões pagãs.
O que fazer? Podemos concordar com isto?
Não! A pessoa, a quem Deus abriu os olhos para a verdade revelada na Bíblia,
que reconheceu no Deus triúno o único Deus verdadeiro e em Cristo seu único e
suficiente Salvador, não pode abrir mão dessa verdade. Ela afirmará com os
apóstolos: “Pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos”
(Atos 4.20). E: “Este Jesus é pedra rejeitada por vós, os
construtores, a qual se tornou a pedra angular. E não há salvação em nenhum
outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens,
pelo qual importa que sejamos salvos” (Atos 4.11-12). Esta é nossa
convicção.
Mas é possível ter tanta certeza em matéria
de religião? Não são muitas as fontes das verdades religiosas? Cristãos se
baseiam na Bíblia, judeus no Talmude, islâmicos no Alcorão, espíritas kardecistas
nas revelações de Alan Kardek, outros em inspirações diretas, em contactos com
espíritos, etc. A própria Bíblia, parece um livro muito difícil de ser
interpretado. Os interpretes não chegam a um acordo. Como poderemos afirmar,
num mundo relativista, com tanta certeza: Esta é a verdade absoluta?
Deus revelou-se à humanidade de forma
clara. Lemos na carta aos hebreus: “Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes
e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos falou
pelo Filho a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez
o universo” (Hebreus 1.1,2). Deus revelou-se à humanidade na Bíblia,
que é a inspirada e infalível palavra de Deus. Importa que nos humilhemos a sua
palavra e não coloquemos nossa razão como juíza sobre a Bíblia. Esta é nossa
convicção. Nesta convicção e alegria confessamos nossa fé.
Para compreendermos melhor esta verdade,
vamos responder três perguntas: 1° Por que sou cristão evangélico luterano?
2° Por que me filiei à Igreja Evangélica Luterana do Brasil? 3° Quais são as
principais doutrinas da Igreja Evangélica Luterana? Que Deus abençoe
esta reflexão.
I - Porque Sou Cristão
Evangélico Luterano?
Sou cristão evangélico luterano, porque, conforme a explicação do
Dr. Martinho Lutero, no terceiro Artigo do Credo Apostólico, confesso: “Creio que por minha própria razão ou força
não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele. Mas o Espírito Santo
me chamou pelo evangelho, iluminou com seus dons, santificou e conservou na
verdadeira fé”. Sou cristão, isto é,
sigo a Cristo, o Filho de Deus, meu Senhor, único e suficiente Salvador. Sou
evangélico, porque esta é a mensagem central da Bíblia, o evangelho, a boa nova
da salvação em Cristo Jesus. Sou Luterano. Este apelido foi dado
zombeteiramente, aos luteranos pelos inimigos da verdade. Lutero e seus
seguidores não queriam que uma comunidade ou igreja fosse chamada pelo seu
nome. Lutero não é fundador desta religião, nem ídolo ou santo da mesma. Ele,
na busca da verdade em seu tempo, voltou à Escritura, apegou-se a ela e
confessou esta verdade corajosamente. Ele confessou: Somente a Escritura,
somente por graça, somente pela fé. Ele
voltou ao caminho da verdadeira Igreja
Cristã Apostólica Católica. Este deveria ser nosso verdadeiro nome. Lutero
foi um fiel servo e ministro de Cristo. Não temos de que nos envergonhar de sua
convissão.
II - Por que me filiei à Igreja Evangélica
Luterana do Brasil?
2.1 - Porque esta Igreja ensina todo o desígnio de
Deus – A
Igreja Luterana mantém todo o ensino bíblico. Como o apóstolo Paulo o afirmou
aos gálatas: “Porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus” (Atos
20.27). Por isso ela insiste de que cada palavra revelada na Bíblia é
palavra, inspirada, infalível e inerrante de Deus.
2.2 – Porque a Bíblia é a única autoridade
na igreja - A Igreja não interpreta a Bíblia. A Bíblia se interpreta a si
mesma. A Igreja luterana não concede à razão humana nenhuma outra função com
respeito à Escritura do que somente a apreensão, o receber das palavras e de
seu conteúdo. A razão humana não é o árbitro finito sobre a palavra divina.
Neste tempo de incertezas e confusões, a Igreja Luterana afirma que a Bíblia é
a verdade absoluta e por tanto a única autoridade na igreja. Por ela, todas as
doutrinas e ensinos na igreja devem ser orientados e julgados. A Igreja Luterana
aceita as Confissões Luteranas contidas no Livro
de Concórdia de 1580, porque (quia) são a fiel e correta exposição das
Escrituras.
2.3 - Porque ensina Lei e Evangelho
corretamente – A Igreja Luterana tem como centro de sua pregação e ensino a
pregação da santa lei de Deus e do santo evangelho de Cristo, não misturando
nem separando Lei e Evangelho, antes dividindo e aplicando ambos corretamente,
em seus ensinos e suas mensagens. O centro das pregações é Cristo e sua obra
vicária, o chamamento ao arrependimento e à fé na graça de Cristo, e forte
impulso para a vida santificada (1 Co 2.2; Jo 5.39). Seus pastores são “ministros
de Cristo e despenseiros dos mistérios de Deus. (1 Coríntios 4.1),
enquanto permanecem fiéis à Bíblia e às Confissões. Por ordem divina, a Igreja Luterana
não admite mulheres no quadro de ministros (Gn 2.18-24; Ef 5.22-23; 1 Tm
2.12-14; 1 Pe 3.7; 1 Co 14.34,35).
2.4 - A
Igreja Luterana mantém consciente e consistentemente “a liberdade cristã” -A
Igreja Luterana não é uma religião de leis, mas do evangelho e por isso ensina
a verdadeira liberdade cristã. Cristo
nos libertou da escravidão de Satanás, do domínio do pecado e do poder da morte.
Quem confia na graça de Cristo, recebe perdão dos pecados e a adoção de filho
de Deus. E como filhos de Deus não somos dirigidos pela força da lei, mas
amamos a Deus e sua lei. “Para a liberdade foi que Cristo nos
libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de
escravidão” (Gálatas 5.1).
2.5 - Porque ela tem um culto
Cristo-cêntrico, ordenado por uma liturgia extraída da Bíblia - A Igreja Luterana tem um culto maravilhoso,
ordenado por uma belíssima liturgia, fundamentada na palavra de Deus. Nos
cultos da Igreja luterana só vale a palavra de Deus e o que, em matéria de
poesia e arte, estiver de acordo com a palavra de Deus. Ali Deus serve em
primeiro lugar, por palavra e sacramentos, e nós ouvimos e agradecemos. O maior
culto que podemos prestar a Deus é crer em sua palavra. Ao mesmo tempo, há na
liturgia liberdade e variedade. Mesmo que a liturgia esteja prescrita com
partes fixas e móveis, ela não prescreve o que a Bíblia não prescreve e deixa
espaço para a liberdade, que tem seu limite somente na palavra de Deus. O nosso
culto não termina com o Amém, mas se estende, continua na vida do dia-a-dia,
conforme Lutero o colocou com precisão em sua Tábua dos Deveres.
2.6 – A Igreja Luterana pratica a correta
comunhão de púlpito e altar - Ela segue a recomendação do apóstolo Paulo: “Esforçando-vos
diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz (Efésios
4.3). Ao mesmo tempo não admite que se pregue “outro evangelho” (Gálatas 1.6).
O apóstolo afirma: “Eu, a todo aquele que ouve as palavras da profecia deste livro,
testifico: Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os
flagelos escritos neste livro; e, se alguém tirar qualquer coisa das palavras
do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, da cidade
santa e das coisas que se acham escritas neste livro” (Apocalipse 22.18-19).
Ela não entra em comunhão de púlpito e altar com aqueles que não trazem a sã
doutrina, conforme a ordem do apóstolo Paulo: “Rogo-vos, irmãos, que noteis
bem aqueles que provocam divisões e escândalos, em desacordo com a doutrina que
aprendestes; afastai-vos deles” (Romanos 16.17). Ao mesmo tempo ela
sabe que também nas igrejas que não retém toda a verdade, há cristãos.
Especialmente ali onde a palavra de Deus é lida e onde há ainda suficiente
verdade do evangelho, para que o Espírito Santo possa gerar a fé. Por isso, a
Igreja Luterana não olha para as outras igrejas cristãs com o intuito de fazer
proselitismo, isto é simplesmente angariá-los para sua igreja.
2.7
- Porque ela mantém o governo Eclesiástico – A Igreja Luterana mantém o
respeito às comunidades. Cada comunidade é soberana e autônoma. Ela se governa
a si mesma sob a orientação da palavra de Deus. Todas as questões com respeito ao
trabalho na congregação local são resolvidas nas reuniões dos membros votantes,
conforme a recomendação do apóstolo Paulo: “Tudo, porém, seja feito com decência e
ordem” (1 Coríntios 14.40). A assembléia dos membros votantes, quanto
ao governo da comunidade, é soberana. Estas comunidades autônomas reúnem-se em
âmbito distrital e nacional formando um sínodo. O Sínodo se compõem num sadio
equilíbrio de representantes de pastores e de leigos das comunidades, para
executarem o trabalho da igreja. As resoluções das Convenções são conselhos às
comunidades, acatadas e postas em prático, não por força de lei, mas no amor e
espírito de cooperação.
2.8 - Porque mantém a separação de Igreja
e Estado
– A Igreja Luterana ensina a separação de Igreja e Estado e o respeito e
obediência às autoridades do Estado, conforme afirma o apóstolo Paulo: “Todo
homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que
não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas”
(Romanos 13.1). Ao mesmo tempo, igreja respeita a cláusula de Pedro: “Mas
Pedro e João lhes responderam: Julgai se é justo diante de Deus ouvir-vos antes
a vós outros do que a Deus; pois nós não podemos deixar de falar das coisas que
vimos e ouvimos” (Atos 4.19-20). Se o Estado pretende interferir em coisas espirituais ou quando as
autoridades pretendem governar por outros meios do que a justiça natural e o
bom senso, a igreja deve levantar sua voz. Ao mesmo tempo a igreja não se
intromete em coisas do Estado. Ela própria não usa a força no seu trabalho. Seu
trabalho é feito somente pelos meios espirituais, palavra e sacramentos. Assim
minha Igreja recusa engajar-se na política e não procura influir seus membros
politicamente, muito menos controlar o Estado
e/ou o governo civil. Desta forma, a Igreja Luterana é um forte baluarte e
guardiã da Constituição Nacional e da liberdade.
2.9 - Porque ela se empenha pela Educação
Cristã –
A Igreja Luterana, desde o seu início, tem-se preocupado com a educação cristã,
em primeiro lugar de seus próprios filhos, como também dos cidadãos. Por isso
promove a Escola Bíblica ou Dominical, instrução de confirmandos, estudos
bíblicos para jovens e adultos, escolas particulares de 1°, 2° e 3° Graus.
Nisto ela não mede esforços de tempo, dons e dinheiro. “Ensina a criança no caminho em
que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele” (Provérbios
22.6). “E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na
disciplina e na admoestação do Senhor” (Efésios 6.4).
III - Quais são as principais
Doutrinas da Igreja Ev. Luterana do Brasil?
As principais doutrinas ensinadas pela
Igreja Evangélica Luterana do Brasil e por suas Comunidade são:
3.1 - A Escritura Sagrada
Cremos e ensinamos que a Escritura
Sagrada, chamada também de A Bíblia, é a inspirada palavra de Deus. “A
inspiração é o ato divino, pelo qual Deus Espírito Santo soprou na alma dos
escritores da Bíblia os pensamentos e as palavras exatas que deviam escrever”.
A Bíblia afirma: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e
útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na
justiça” (2 Timóteo 3.16 RA). “Porque
nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto homens
santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo” (2 Pedro 1.21).
Sendo a Escritura a palavra de Deus, ela própria afirma que nela não há erros
ou contradições, que ela é, em todas suas partes, palavra e pensamentos,
verdade infalível e inerrante de Deus, como Jesus o afirmou: “A
Escritura não pode falhar” (João 10.35). Dela aprendemos também que ela
foi dada por Deus à igreja para ser fundamento para a fé. “Edificados sobre o fundamento
dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular”
(Efésios 2.20). Ensinamos também a suficiência da Escritura. Isto é,
não precisamos de outras revelações. O que é necessário para nossa salvação e
peregrinação nesta terra, Deus revelou na Escritura. Por isso, todas outras
revelações devem ser julgadas pela Escritura, que afirma: “Amados, não deis crédito a
qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque
muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora” (1 João 4.1). A
Escritura é a única fonte para toda a doutrina e a única norma e regra pela
qual todas as doutrinas e todos os pastores e mestres devem ser julgados e
avaliados.
Rejeitamos e condenamos os que afirmam,
mesmo com o amparo da ciência, que a Escritura só contém a palavra de Deus e/ou
só é divina quando fala de coisas divinas, sendo por isso em parte palavra de
Deus e em parte palavras de homens, contendo ou podendo conter erros.
Rejeitamos tal doutrina como horrível afronta a Cristo e seus apóstolos,
colocando homens como juízes sobre a palavra de Deus, derrubando o fundamento
da fé.
3.2 - De Deus
Baseados na palavra de Deus, ensinamos o
importante artigo da Santíssima Trindade.
Isto é, ensinamos que “não há senão um só Deus” (1 Coríntios 8.4),
em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Três pessoas distintas,
eternas, iguais em poder e majestade, sendo cada pessoa um único e completo ser
divino, como o lemos: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as
nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mateus
28.19 RA). “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do
Espírito Santo sejam com todas vós” (2 Coríntios 13:13). Nesta
Trindade, a segunda pessoa, Jesus Cristo, aceitou, na plenitude do tempo (Gl 4.4), da virgem Maria, a natureza
humana, (Is 7.14; Is 9.6; Lc 2), mas sem pecado. O apóstolo afirma sobre
Cristo: “Porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade”
(Colossenses 2.9). Assim cabe-nos adorar um Deus em três pessoas, como
Deus se revelou na Escritura. Quem não o adora assim, não tem Deus. Pois, todos
os que negam este artigo da Trindade estão afora da igreja cristã, e não têm
nenhuma esperança, pois a Escritura afirma: “Todo aquele que nega o Filho,
esse não tem o Pai; aquele que confessa o Filho tem igualmente o Pai” (1 João
2.23). Confere Credo Apostólico,
Niceno e Atanasiano.
3.3 - Da Criação
Da criação do universo, ensinamos que Deus
criou os céus e a terra do modo e no espaço de tempo conforme descrito em
Gênesis capítulo 1 e 2. A saber, do nada, pela palavra do seu poder, em seis
dias de 24 horas cada dia. Tendo terminado a criação, “viu Deus tudo quanto fizera, e
eis que era muito bom. Houve tarde e manhã, o sexto dia” (Genesis 1.31).
Tudo saiu perfeito de suas mãos. Rejeitamos os ensinos que negam esta verdade
da Escritura. Como por exemplo, aqueles que, por amor à ciência, ensinam que os
dias são períodos de milênios nos quais houve a evolução. A Bíblia afirma:
“Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi
feito se fez (João 1.3). “Pois, nele, foram criadas todas as coisas,
nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis” (Colossenses 1.16).
“Pela
fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que
o visível veio a existir das coisas que não aparecem” (Hebreus 11.3).
Firmados nestas palavras, dizemos: “Creio
em Deus Pai, todo poderoso, criador do céu e da terra. Creio que Deus me criou
a mim e a todas as criaturas”. (Credo Apostólico, explicação do Dr.
Martinho Lutero).
3.4 - Do Homem e do
Pecado
Ensinamos que Deus criou o primeiro homem
não como um animal, nem neutro, nem como algo que viesse a aperfeiçoar-se com o
tempo, mas Deus criou o homem conforme a imagem divina (Gn 1.26), que “consistia em
bem-aventurado conhecimento de Deus e em perfeita justiça e santidade (Cat.
Menor, perg. 124)” (Cl 3.10; Ef
4.24). Ele os criou homem e mulher, Adão e Eva, eram dotados de verdadeiros
conhecimentos científicos e das ciências naturais (Gn 2.19-23). A Bíblia diz: ¨Por isso deixa o homem pai e mãe, e se une
à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne (Gn 2.24). Ensinamos também
que o pecado entrou no mundo conforme relatado em Gênesis 3. Um dos anjos
rebelou-se contra Deus, com uma multidão de anjos. A Escritura afirma: “Anjos,
os que não guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio
domicílio, ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do
grande Dia” (Judas 6). Este é Satanás, o pai da mentira (Jo 8.44). Ele foi expulso do céu e “já
está julgado” (Jo 16.11). Satanás tentou Adão e Eva. E eles voluntária
e propositadamente desobedeceram a Deus e caíram em pecado (Gn 3.6). Pela queda de Adão e Eva, o pecado entrou no mundo e pelo
pecado a morte. “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo
pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos
pecaram” (Romanos 5.12). A queda não só corrompeu os primeiros homens,
mas toda a raça humana. Pela queda, os homens perderam a imagem divina e nascem agora com o pecado original. “O pecado original é o pecado que herdamos
de Adão, isto é, a completa corrupção de toda a natureza humana, agora privada
da justiça original, inclinada para todo o mal e sujeita à condenação” (Cat.
Menor, perg. 100, Editora Concórdia, 1991). Nascemos, agora,
espiritualmente cegos, mortos e inimigos de Deus, réus da eterna condenação (Ef
2.1-3; Rm 5.19; Sl 51.5; Rm 7.18; Gn 8.21; 1 Co 2.14). O homem é incapaz de
salvar-se desta situação e reconciliar-se com Deus por iniciativa e força
própria. Ele precisa de um Salvador.
3.5 - De Jesus Cristo, o
Salvador
Ensinamos que na “plenitude do tempo, Deus enviou
seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam
sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gálatas 4.4,5).
Jesus, o eterno Filho de Deus, pela ação de Deus Espírito Santo, nasceu da
virgem Maria, recebendo dela sua natureza humana, mas sem pecado. Desde sua
concepção, Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, numa só pessoa,
indivisível e inseparável. “Nele, habita, corporalmente, toda a
plenitude da Divindade” (Colossenses 2.9 RA). Ao vir ao mundo, ele se
humilhou profundamente. “Ele, subsistindo em forma de Deus, não
julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou,
assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido
em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e
morte de cruz” (Filipenses 2.6-8). Com a ressurreição começou a
exaltação de Jesus. “A exaltação de
Cristo consiste em que ele usa sempre e inteiramente a majestade divina
comunicada à natureza humana” (Cat. Menor, perg. 165). O que Jesus fez e faz, ele o faz como Deus e homem. Onde uma
natureza está, ali está também a outra. Quando Jesus fez um milagre, não foi só
a natureza divina que o fez, mas ambas as naturezas, a saber ele, Jesus. Ele
julgará o mundo com justiça. “Respondeu-lhe Jesus: Tu o disseste;
entretanto, eu vos declaro que, desde agora, vereis o Filho do Homem assentado
à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu” (Mateus 26.64).
Quando Jesus sofreu e morreu, não foi somente a natureza humana que sofreu, mas
Jesus, o Filho de Deus sofreu através de sua natureza humana. O Filho de Deus
morreu verdadeiramente, conforme sua natureza humana. Por isso o valor de sua
morte é infinita, como o valor de seu sofrimento e toda sua obra de obediência
e amor. Jesus, como substituto de toda a humanidade, cumpriu perfeitamente a
lei de Deus, pagou completamente toda a culpa, venceu inteiramente nossos
inimigos: pecado, morte e Satanás. Toda a humanidade foi salva. E todo o que
crê na graça de Cristo, está livro: do pecado, isto é, da dívida e do domínio
do pecado.; da morte, isto é, não preciso temer a morte temporal, porque a
morte eterna não tem mais poder sobre ele; do diabo, isto é, ele não pode mais
acusar o cristão e, o cristão pode resistir vitoriosamente às suas tentações. O
sofrimento de Jesus foi completo. “Quando, pois, Jesus tomou o vinagre,
disse: Está consumado! ” E, inclinando a cabeça, rendeu o espírito” (João 19.30).
Jesus reconciliou toda a humanidade com Deus. “Porque Deus amou ao mundo de tal
maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça,
mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para
que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (João 3.16-17).
Rejeitamos os que negam a divindade de Cristo e a unidade de sua natureza
divina e humana; os que negam que a obra de Cristo foi completa e perfeita.
Rejeitamos os que negam a suficiência de Cristo, como Salvador da humanidade.
3.6 - Da Fé em Cristo
A salvação que Cristo conquistou para toda
a humanidade é oferecida a todos pelo evangelho (palavra e sacramentos),
“para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16).
A fé na graça de Cristo é o único caminho pelo qual alguém recebe o perdão dos
pecados e alcança a salvação eterna, como o afirma a Escritura no Antigo e Novo
Testamento. “Dele todos os profetas dão testemunho de que, por meio de seu nome,
todo aquele que nele crê recebe remissão de pecados” (Atos 10.43). “Por isso,
quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o
Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus” (João 3.36).
“Deus
estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as
suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação. De sorte que
somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso
intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis (deixai-vos
reconciliar) com Deus” (2 Coríntios 5.19-20). A fé salvífica não é obra
humana, mas dom de Deus. Deus Espírito Santo a gera por meio do evangelho e do
batismo, e conserva e fortalece a fé pela palavra e a Santa Ceia. Mesmo sendo a
fé: conhecimento, aquiescência e confiança, o elemento essencial é a confiança
na graça de Cristo, revelada no evangelho. As boas obras são frutos da fé, tais
como o amor a Deus, ao próximo e a oração.
Rejeitamos aqueles que dizem ser a fé obra
humana. Rejeitamos as tentativas que procuram apresentar a fé como condição que
a pessoa deve cumprir para completar a justificação. Rejeitamos as afirmações
de que somos salvos por fé e obras, ou de que o elemento essencial da fé seja a
obediência à lei de Deus.
3.7 - A Conversão
Somos salvos unicamente pela fé em Cristo,
mas crer não está no poder da natureza humana. Não temos a capacidade de gerar
a fé. A fé é gerada na conversão. Da conversão ensinamos que não é obra humana,
nem em parte nem no todo. A conversão de uma pessoa é obra exclusiva de Deus
Espírito Santo, “que chama pelo evangelho, ilumina com seus dons, santifica e
conserva na verdadeira fé”, operada pela palavra e pelo batismo. Pela conversão
renascemos. A imagem divina é parcialmente restabelecida. Somos novas criaturas.
A Escritura afirma: “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque
lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente”
(1 Coríntios 2.14). “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e
pecados” (Efésios 2.1). “Fomos, pois, sepultados com ele na morte
pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela
glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida” (Romanos 6.4). “E,
assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já
passaram; eis que se fizeram novas” (2 Coríntios 5.17).
Ensinamos também que o Espírito Santo não
quer operar esta fé só em alguns, mas em todos os que ouvem a palavra de Deus.
Se uma parte dos ouvintes permanece incrédula, isto não é por falta da ação do
Espírito Santo ou por falta de poder da graça, mas unicamente por causa da
obstinada resistência das pessoas. A Escritura afirma: “Jerusalém, Jerusalém, que matas
os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir
os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós
não o quisestes! ” (Mateus 23.37). “Homens de dura cerviz e incircuncisos de
coração e de ouvidos, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim como fizeram
vossos pais, também vós o fazeis” (Atos 7.51). Rejeitamos por isso todo
o sinergismo, isto é, o ensino de que a conversão de uma pessoa não é operada
unicamente pela graça de Deus, mas em parte também pela cooperação da pessoa,
sua disposição frente à graça e/ou menor culpabilidade. Rejeitamos todo o
ensino que atribui à pessoa, de alguma forma, a virtude de sua salvação.
Rejeitamos também a doutrina calvinista, de que Deus não quer salvação de
todos, mas somente de um grupo, os predestinados. Resumindo: Quem é salvo, é
salvo unicamente pela graça de Cristo; quem se perde, perde-se unicamente por
culpa própria. As demais perguntas que surgem diante deste ensino, Deus não
respondeu.
3.8 - Da Justificação
O que a Escritura afirma sobre o amor de
Deus à humanidade pecadora, da salvação que Cristo realizou e da fé em Cristo,
ela resume na doutrina da justificação do pecador. A Escritura ensina que Deus
aceita e justifica as pessoas não em vista às obras que elas realizam, mas “sem
as obras da lei” (Rm 11.6; Gl 2.16),
somente por graça, por amor a Cristo. Isto é, Deus considera justos e santos
aqueles que crêem em Cristo. A saber, por amor a Jesus, Deus lhes perdoa
abundante e diariamente todos os pecados e os declara justos. O apóstolo Paulo
afirma: “Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados
gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a
quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para
manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os
pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça
no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé
em Jesus. Onde, pois, a jactância? Foi de todo excluída. Por que lei? Das
obras? Não; pelo contrário, pela lei da fé. Concluímos, pois, que o homem é
justificado pela fé, independentemente das obras da lei” (Romanos 3:23-28).
Somente por esta doutrina Cristo é honrado como nosso único e suficiente
Salvador. Somente por esta doutrina nós pecadores temos verdadeiro consolo, de
que Deus realmente nos é gracioso. Todas outras doutrinas, nas quais são
elogiadas as obras humanas, tais como: sua busca a Deus, suas decisões de
mudarem sua vida pecaminosa, seus bons propósitos, seus feitos quer antes,
durante ou após a conversão, a dignidade da pessoa misturadas à obra da
justificação, rejeitamos. Visto ser tudo isso é um desvio da verdade. A
verdadeira religião cristã é crer de que temos perdão e salvação sem as obras
da lei, somente pela fé na graça de Cristo.
3.9 - Das Boas Obras
Boas obras diante de Deus são tão somente
aquelas obras que provém de um coração regenerado pela graça de Deus. São os
frutos da fé, realizados pelos filhos de Deus, não impulsionados pela lei, mas
conforme a lei; motivadas pela graça de Cristo para a glória de Deus e o bem-estar
do próximo. Somos salvos sem as obras da lei, mas a fé necessariamente produz
boas obras. Pois a fé é uma força viva no cristão (Tg 2.17; Jo 15.5). Mesmo assim, as melhores obras do cristão são
ainda manchadas pelo pecado e imperfeitas e precisam ser purificadas pela graça
de Cristo.
Rejeitamos a opinião moderna de que o que
importa no cristianismo são os resultados, as obras e de que a doutrina e a fé
são coisas secundárias. Boas obras nunca antecedem à fé, mas seguem, não como
complementos à conversão, mas frutos da fé. A constante lembrança da graça de
Deus é a única maneira de levar pessoas cristãs à prática de boas obras. O
apóstolo Paulo escreve: “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias
de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a
Deus, que é o vosso culto racional” (Romanos 12.1). Rejeitamos, como
contrárias à fé cristã, as tentativas de pela aplicação da lei ou motivos
carnais, levar as pessoas à praticarem boas obras. Rejeitamos todo o ensino que
atribui méritos salificas e merecimentos de bênçãos às boas obras. Rejeitamos a
afirmação de que a oração seja um meio da graça.
3.10 - Dos Meios da Graça
O amor de Deus, bem assim sua
benevolência, se manifestam em toda a criação. Pois “nele, tudo subsiste”
(Colossenses 1.17). “Nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como alguns dos
vossos poetas têm dito: Porque dele também somos geração” (Atos 17.28).
“Contudo, não se deixou ficar sem testemunho de si mesmo, fazendo o bem,
dando-vos do céu chuvas e estações frutíferas, enchendo o vosso coração de fartura
e de alegria” (Atos 14.17). Mas a graça conquistada por Cristo, os bens
celestiais, tais como o perdão dos pecados, a fé, a esperança da vida eterna,
esses dons Deus concede e opera unicamente pelos meios da graça. Estes meios
são a palavra do evangelho e os santos sacramentos, batismo e Santa Ceia. O
evangelho anuncia a graça de Deus, o perdão dos pecados. O apóstolo Paulo
afirma: “Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que
complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para
testemunhar o evangelho da graça de Deus” (Atos 20.24). Através desses
meios, o Espírito Santo opera a fé. E, assim, a fé vem pela pregação, e a
pregação, pela palavra de Cristo” (Romanos 10.17). Através desses
meios, Deus dá o Espírito Santo. “Aquele, pois, que vos concede o Espírito e
que opera milagres entre vós, porventura, o faz pelas obras da lei ou pela
pregação da fé? ” (Gálatas 3.5). Também o batismo é um meio da graça.
“Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome
de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do
Espírito Santo” (Atos 2.38). “Ele nos salvou mediante o lavar regenerador e
renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de
Jesus Cristo, nosso Salvador” (Tito 3.5-6). “A qual, figurando o batismo,
agora também vos salva, não sendo a remoção da imundícia da carne, mas a
indagação de uma boa consciência para com Deus, por meio da ressurreição de
Jesus Cristo” (1 Pedro 3.21). Também a Santa Ceia é um meio da graça.
Pois nela nos são dados o verdadeiro corpo e sangue de Cristo, em, com e sob o
pão e o vinho, para perdão dos pecados. Isto testificam as palavras: “E,
tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu
corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, depois
de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da nova aliança no meu sangue
derramado em favor de vós” (Lucas 22.19-20; Mt 26.26-28).
A igreja cristã deve proclamar este
evangelho ao mundo. Jesus ordenou: “E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai
o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém,
não crer será condenado” (Marcos 16.15-16). Também a educação
paroquial, isto é, a educação dos fiéis na igreja, só se dá pelo correto uso
dos meios da graça, palavra e sacramentos. Deus nos amarrou a estes meios. Não
necessitamos de novas revelações: sonhos, visões, sentimentos interiores,
quando pessoas afirmam: Deus me revelou. Tudo deve ser provado e examinado à
luz da palavra de Deus. Nós oramos, pedindo a orientação de Deus. Esta Deus nos
dá por sua palavra. Quando temos pensamentos, inclinações que julgamos ser uma
indicação de Deus, devemos examiná-las à luz da palavra de Deus, pois
facilmente nossa carne pode-nos enganar.
3.11 - Da Teologia da
Cruz e da Teologia da Glória
A teologia da cruz e a teologia da glória não são
duas doutrinas bíblicas, mas duas maneiras diferentes de olhar para a Bíblia e
interpretá-la. A teologia da cruz parte da cruz de Cristo e todas as doutrinas
estão centralizadas na cruz. “Nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo
para os judeus, loucura para os gentios” (1 Coríntios 1.23). Razão e
sentimento são subordinados à palavra da cruz. A teologia da cruz ensina que
Cristo não veio ao mundo para dar-nos uma vida sem sofrimentos, mas para
dar-nos consolo no sofrer; não veio para livrar-nos da morte corporal, mas
dar-nos consolo e esperança na morte. Jesus transformou a morte, para os fiéis,
em porta para o céu. Pela fé na graça de Cristo somos filhos de Deus e
herdeiros do céu. O apóstolo Paulo exorta os fiéis “a permanecerem firmes na fé; e
mostrando que, através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de
Deus” (Atos 14.22). E o apóstolo João escreve: “Amados, agora, somos filhos de
Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele
se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é”
(1 João 3.2). - A teologia da glória lida com a mesma Escritura, mas o
ponto de partida não é a cruz, a graça de Cristo, mas o poder e a glória de
Cristo. Nesta teologia, a razão e o sentimento têm vez ao lado da Bíblia e
muitas vezes se sobrepõe a ela. Nesta teologia fala-se mais do poder e dos
milagres da glória de Cristo, do que da graça. Fala-se mais do Cristo “em nós”
e da importância da santificação, do que do Cristo “por nós” e da justificação.
Esta focalização diferente mostra-se na vida da congregação, como por exemplo
no Culto: Na teologia da cruz, Deus
serve, daí a importância da retidão nas mensagens e na hinologia. Na teologia
da glória, destaca-se a ação das pessoas e no criar uma atmosfera sentimental. Mensagem: Na teologia da cruz,
destaca-se a exposição ordenada das doutrinas, correta aplicação de lei e
evangelho, para arrependimento e fé. Na teologia da glória, a generalizada do
amor de Deus e ênfase na soberania de Deus, para infundir otimismo,
positivismo, mensagens que focalizam os problemas da vida, para o bem viver. Santificação. Na teologia da cruz,
visa-se levar ao arrependimento e à fé em Cristo, da qual brotam os frutos da
fé, as boas obras. Na teologia da glória, visa-se melhorar a conduta ética, a
comunhão e amizade, e solucionar os problemas sociais. Missiologia. Na teologia da cruz, o objetivo é levar as pessoas ao
arrependimento e à fé, para firmá-las na palavra. Na teologia da glória,
confia-se na técnica como auxiliar da palavra, adaptação cultural, grandes
aglomerados ecumênicos, envolvimentos políticos e sociais.
3.12 - Da Igreja
Cremos numa única santa Igreja Cristã, a
comunhão dos santos. Cristo é o cabeça desta Igreja. Os membros desta Igreja
são os fiéis, isto é, as pessoas, e somente essas pessoas, que desesperam em
sua própria justiça e crêem que Deus lhes perdoa abundante e diariamente todos
os pecados por amor a Cristo. Dessa Igreja, que é a comunhão de todos os fiéis,
Jesus afirma: “Interrogado pelos fariseus sobre quando viria o reino de Deus, Jesus
lhes respondeu: Não vem o reino de Deus com visível aparência. Nem dirão: Ei-lo
aqui! Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós” (Lucas 17.20-21).
Por se tratar de fé no coração, que só Deus conhece os que lhe pertencem. A
Igreja cristã é invisível. “Entretanto, o firme fundamento de Deus
permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os que lhe pertencem” (2 Timóteo
2.19 ).
Esta Igreja, no entanto, tem sinais, que
são a palavra de Deus e os sacramentos, que chamamos de meios da graça. A Igreja cristã se encontra ali onde a palavra
de Deus é retamente ensinada e os sacramentos administrados conforme a ordem de
Cristo. Esses são os sinais da presença da igreja. Ali o Espírito Santo trabalho.
O profeta afirma: “Porque, assim como descem a chuva e a neve dos céus e para lá não
tornam, sem que primeiro reguem a terra, e a fecundem, e a façam brotar, para
dar semente ao semeador e pão ao que come; assim será a palavra que sair da
minha boca: não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará
naquilo para que a designei” (Isaías 55.11). Mesmo ali onde a palavra
de Deus não está sendo pregada em toda sua clareza e retidão, mas onde há ainda
suficiente palavra de Deus para que o Espírito Santo possa conduzir alguém ao
reconhecimento de seus pecados e ao conhecimento da graça de Cristo, ali está a
Igreja Cristã. Precisamos destacar, no entanto, que Deus não deseja erros e
divisões. Ele quer que sua palavra seja ensinada clara e puramente em todos os
pontos. “Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus; se alguém
serve, faça-o na força que Deus supre, para que, em todas as coisas, seja Deus
glorificado, por meio de Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o domínio
pelos séculos dos séculos. Amém! (1 Pedro 4:11). É vontade de Deus que
todos os cristãos se filiem a Igreja que ensina a palavra de Deus corretamente,
e que as pessoas que se filiarem a corporações com doutrinas erradas, que as
abandonem e busquem igrejas que ensinam a verdade. O apóstolo Paulo afirma: “Rogo-vos,
irmãos, que noteis bem aqueles que provocam divisões e escândalos, em desacordo
com a doutrina que aprendestes; afastai-vos deles” (Romanos 16.17).
Rejeitamos o unionismo, isto é, o estabelecer
comunhão de púlpito e altar com igrejas que ensinam doutrinas erradas.
Rejeitamos toda a desobediência à palavra de Deus. Pois tais uniões põem em
risco a sã doutrina.
Sendo somente verdadeiros cristãos os
membros da igreja cristã, entende-se que só estes são os detentores dos bens
que Cristo confiou à sua igreja. O apóstolo afirma: “Tudo é vosso” (1 Coríntios 3.21).
Cristo confiou a todos os fiéis o ofício das chaves (Mt 16.13-19; 18.17-20; Jo
20.22,23), e todos os fiéis devem proclamar o evangelho e têm responsabilidade
na administração dos sacramentos (Mt 28.19,20; 1 Co 11.23-25). Rejeitamos o
ensino de que uma parte dos dons pertencem somente a determinadas pessoas como
ao papa, aos bispos, aos pastores, ou príncipes, ou aos concílios e sínodos.
A administração dos cargos públicos na
igreja por pessoas individuais dá-se, todavia, por transmissão do cargo. “Também
dizei a Arquipo: atenta para o ministério que recebeste no Senhor, para o
cumprires” (Colossenses 4.17). Todos os cristãos têm o direito e o
dever de zelar pela doutrina, não conforme seus pensamentos, mas conforme a
palavra de Deus. “Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus; se alguém
serve, faça-o na força que Deus supre, para que, em todas as coisas, seja Deus
glorificado, por meio de Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o domínio
pelos séculos dos séculos. Amém! ” (1 Pedro 4.11). Rejeitamos, por
isso, a tentativa de identificar a santa igreja cristã com organizações
externas. Pois, a santa Igreja Cristã é o conjunto de todos os que crêem em
Cristo. Visto ser a fé invisível a nossos olhos – só Deus conhece os seus –
falamos na Igreja Cristã invisível, o conjunto de todos os verdadeiros cristãos
no mundo. Esta igreja tem sinais: Palavra e sacramentos em torno dos quais os
cristãos se reúnem, para ouvir, louvar e testemunhar de sua fé. Entre estas
pessoas reunidas em torno da palavra de Deus pode haver hipócritas, que
confessam fé, mas na verdade não crêem. Jesus falou disso na parábola do joio
no meio do trigo (Mt 13.36-43).
3.13 - Do Santo
Ministério
A respeito do santo ministério, ensinamos
ser ordem divina, que os cristãos de determinada região geográfica não devem
ler a palavra de Deus somente para si nas famílias ou pequenos grupos, mas por
ordem divina devem escolher entre si uma pessoa hábil e capaz para que se
dedique ao estudo, ao ensino, à pregação da palavra de Deus entre eles e para
eles, e distribua os sacramentos. “Por esta causa, te deixei em Creta, para
que pusesses em ordem as coisas restantes, bem como, em cada cidade,
constituísses presbíteros, conforme te prescrevi” (Tito 1.5). “E o
que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite
a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros” (2 Timóteo 2.2).
Para aparelhar tais pessoas para o ministério público, temos hoje Seminários,
Faculdades de Teologia. Rejeitamos, como contrário a Bíblia, a ordenação de
mulheres ao santo ministério. Elas são, conforme a ordem da criação,
auxiliadoras (Gn 2.18-24) e devem ser submissas (Ef 5.22-23), e na igreja devem
calar, isto é, não exercer autoridade sobre os homens pelo ensinar (1 Co
14.34). Isto não as impede de servirem na educação cristã, cantar nos cultos e
exercer a diaconia.
O ofício da pregação não tem outro poder
do que o de proclamar a palavra de Deus publicamente. Os cristãos só devem
obedecer a seus pregadores enquanto estes lhes anunciam a pura palavra de Deus.
“Obedecei
aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma,
como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo;
porque isto não aproveita a vós outros” (Hebreus 13.17). “Quem
vos der ouvidos ouve-me a mim; e quem vos rejeitar a mim me rejeita; quem,
porém, me rejeitar rejeita aquele que me enviou” (Lucas 10.16). Se um
pregador ultrapassar a sã doutrina bíblica, não deve ser obedecido e seguido.
Importa ser fiel a Cristo. “Um só é vosso Mestre, e vós todos sois
irmãos” (Mateus 23.8). Rejeitamos o erro que atribui ao ofício do santo
ministério poder nas coisas não ordenadas por Jesus, pondo um jugo sobre os
fiéis.
3.14 - Da Eleição da
Graça
Ensinamos que há uma eleição da graça para
a salvação, chamada de predestinação. A Escritura ensina claramente que Deus,
por graça e amor a Cristo, escolheu, desde a eternidade, determinado número de
pessoas para a eterna salvação, o céu. Pessoas às quais Deus, no tempo, pelos
meios da graça, chama à fé, ilumina, justifica, santifica e conserva na fé,
unicamente por graça, por amor a Cristo, sem nenhum mérito ou dignidade da
pessoa, e os agracia com os dons celestiais. A Escritura afirma: “Bendito
o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte
de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu
nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante
ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de
Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Efésios 1.3-5).
“Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo
Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela
santificação do Espírito e fé na verdade, para o que também vos chamou mediante
o nosso evangelho, para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo” (2
Tessalonicenses 2.13-14). “Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e
glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados
para a vida eterna” (Atos 13.48). “Porquanto aos que de antemão conheceu,
também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que
ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses
também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que
justificou, a esses também glorificou” (Romanos 8.29-30). “Que nos salvou e nos
chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua
própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos
eternos” (2 Timóteo 1.9).
Rejeitamos a doutrina do sinergismo, na
qual se ensina que a causa da conversão não é unicamente a graça de Deus, mas
de que Deus viu algo de bom em certas pessoas e isto o motivou a escolhê-las.
Rejeitamos também a doutrina de que Deus tenha predestinado uma parte da
humanidade para a eterna condenação. Esta doutrina é totalmente contrária à
Escritura que afirma com muita clareza que Deus amou o mundo todo, que Cristo
padeceu e salvou toda a humanidade, não parcial, mas completamente, e Deus quer
que todos cheguem ao pleno conhecimento da verdade e vivam. Confira as
seguintes passagens da Bíblia: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira
que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas
tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que
julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (João 3.16-17). “O
qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da
verdade. Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens,
Cristo Jesus, homem, o qual a si mesmo se deu em resgate por todos: testemunho
que se deve prestar em tempos oportunos” (1 Timóteo 2.4-6). “Então, Paulo e
Barnabé, falando ousadamente, disseram: Cumpria que a vós outros, em primeiro
lugar, fosse pregada a palavra de Deus; mas, posto que a rejeitais e a vós
mesmos vos julgais indignos da vida eterna, eis aí que nos volvemos para os
gentios” (Atos 13.46). “Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e de
ouvidos, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim como fizeram vossos pais,
também vós o fazeis” (Atos 7.51). “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas
e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus
filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o
quisestes! ” (Mateus 23.37).
Quanto a esta doutrina da Predestinação
cumpre-nos lembrar sempre:
a)
Jesus salvou toda a humanidade (Jo 3.16) e quer que todos sejam
salvos;
b)
O Espírito Santo atua pela Palavra e quer levar todos à fé em
Cristo (1 Tm 2.4-6);
c)
Se alguém se perde é unicamente por sua culpa. Se alguém se salvo
é por pura graça de Cristo;
d)
A doutrina da Predestinação conforta os fiéis em seus temores pela
fé e os consola de que Deus que operou neles a fé e os manterá fiéis até ao
fim.
e)
A razão humana não consegue harmonizar as afirmações do item “c”,
por isso, este mistério, os escandaliza. Os calvinistas levantaram a pergunta:
Deve haver algo no homem, quer sua rejeição ou sua aceitação, que faz com que
uns se salvam e outro se perdem. Esta pergunta da razão é falha, pois a razão
pela qual uma pessoa se perdem está somente nela e a razão porque alguns são
salvos, está somente em Deus e não nas pessoas.
3.15 - Do Anticristo
A respeito do anticristo a Escritura
ensina o seguinte: A Bíblia fala em “anticristos, que são os muitos inimigos de
Cristo e no “O Anticristo”, que é aquele que se assenta no “santuário de Deus”
(2 Ts 2.4), na Igreja cristã e se diz ser o representante de Deus na terra. Por
isso ensinamos que não é alguém que ainda virá, mas que já está aqui e é o “papado
de Roma”. Pois todas as aberrações que a Escritura atribui ao anticristo se
manifestam no papado e em seu ensino (2 Ts 2). Vemos por exemplo, que o papa, por
mais simpático que por vezes se apresenta, sob o nome e título de infalível
representante de Cristo na terra, desvia as pessoas da verdadeira compreensão
da Bíblia e do mérito de Cristo, e com isto os desvia da salvação de Cristo,
levando as pessoas a confiarem em suas próprias obras e méritos, nos decretos
papais, o que desvia da verdadeira fé e precipita as pessoas no inferno. Tudo
isto é ensinado sob a aparência de santidade, sob a alegação de revelações
especiais e milagres. Por isso, à base de 2 Ts 2, reconhecemos no papado o
Anticristo, o maior inimigo da cristandade. Não podemos advertir o suficiente
contra tal engano. O recente decreto do Ano
Jubilar de Misericórdia – um nome tão bonito – mas não é outra coisa do que
revigorar as detestáveis indulgências.
3.16 - Igreja e Estado
Igreja e o Estado são instituições de Deus
(Rm 13.1; Mt 18.17), mas devem ser mantidas separadas quanto as suas funções.
Igreja e Estado têm objetivos diferentes. Através da Igreja, Deus oferece e dá
os bens celestiais, a eterna salvação. “Mas a Jerusalém lá de cima é livre, a qual
é nossa mãe” (Gálatas 4.26). Pelo Estado, Deus quer manter a ordem
exterior aqui na terra. “Em favor dos reis e de todos os que se
acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranqüila e mansa, com
toda piedade e respeito” (1 Timóteo 2.2). Assim, os meios que a Igreja
e o Estado empregam para alcançarem seus fins também são diferentes. A Igreja
não deve empregar outros meios do que a pregação da palavra de Deus. Ela não
deve usar meios de pressão ou força. Jesus disse a Pedro: “Mete a espada na bainha; não
beberei, porventura, o cálice que o Pai me deu? ” (João 18.11). E: “O
meu reino não é desse mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus
ministros se empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus;
mas agora o meu reino não é daqui” (João 18.36). O Estado, ao
contrário, governa por leis e usa a força para obrigar ao cumprimento da lei e
tem o direito de castigar os transgressores, até com a pena de morte (Rm 13.4).
O Estado visa manter a ordem e tornar a vida social possível. Infelizmente,
muitas vezes, as autoridades abusam de seus poderes e causam muitas injustiças.
“Visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres
o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de
Deus, vingador, para castigar o que prática o mal” (Romanos 13.4).
Rejeitamos aqueles que querem usar a força
do Estado em favor da Igreja, fazendo da igreja um reino estatal. Rejeitamos,
também, a loucura daqueles que querem transformar o Estado em igreja. Em lugar
de deixar o Estado regulamentar as coisas externas, querem governar o mundo com
a palavra de Deus. Mas os incrédulos não se deixam governar com a palavra de
Deus, só os cristãos a acatam.
Se o Estado ordena aos cristãos algo que é
contra a palavra de Deus, cabe-lhes responder como o apóstolo Pedro: Julgai se é justo diante de Deus ouvir-vos
antes vós outros do que a Deus; pois nós não podemos deixar de falar das coisas
que vimos e ouvimos” (At 4.19,20).
3.17 - O Milênio
Ensinamos que a igreja de Deus, aqui na
terra, está sob a cruz até o dia do juízo final. E, quanto mais perto do juízo
final, maior a cruz. Sob cruz entendemos o sofrimento, o desprezo, a
perseguição e rejeição, a dor. Pois o mundo se corrompe cada vez mais e mais e
oprime os verdadeiros cristãos. Nos últimos tempos haverá grande confusão
religiosa. Muitos falsos profetas, operando sinais e milagres.
“Fortalecendo a alma dos discípulos, exortando-os a permanecer firmes na fé; e
mostrando que, através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de
Deus” (Atos 14.22). “E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor se esfriará de
quase todos. Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo. E será
pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as
nações. Então, virá o fim ... porque surgirão falsos cristos e falsos
profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os
próprios eleitos ... Logo em seguida à tribulação daqueles dias, o sol
escurecerá, a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do firmamento, e
os poderes dos céus serão abalados. Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do
Homem; todos os povos da terra se lamentarão e verão o Filho do Homem vindo
sobre as nuvens do céu, com poder e muita glória” (Mateus 24.12-14, 24, 29-30).
Rejeitamos a doutrina de que a igreja
cristã experimentará ainda, aqui na terra, um período de grande glória, a saber
um período de mil anos de triunfo e a conversão de grandes massas e do povo
judaico. Este antigo sonho judaico contradiz a Escritura e engana os fiéis,
infundindo neles esperanças materiais. Cristo nos reconciliou com Deus pai e
venceu o pecado, a morte e Satanás. Ele afirmou claramente: O meu reino não é deste mundo (João 18.36),
nem nos deu esperanças materiais. A doutrina do milênio tem sua origem na
interpretação de certas profecias do antigo testamento a respeito de Jesus e
seu reino de paz. Que devem ser interpretadas espiritualmente e alguns os
interpretam materialmente. O que está errado.
3.18 - Juízo Final
Cremos que Jesus, que ressuscitou dos mortos e
subiu ao céu, voltará visível, e glorioso para julgar vivos e mortos, como o
anjo o anunciou aos discípulos: “Varões galileus, por que estais olhando
para as alturas? Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como
o vistes subir” (Atos 1.11). O apóstolo afirma: “Porquanto estabeleceu um dia em
que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e
acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos” (Atos 17.31). Jesus “virá, entretanto, como ladrão, o Dia do
Senhor, no qual os céus passarão com estrepitoso estrondo, e os elementos se
desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela existem serão atingidas”
(2 Pedro 3.10). Ninguém sabe quando será este dia. Jesus disse: “Mas
a respeito daquele dia ou da hora ninguém sabe; nem os anjos no céu, nem o Filho,
senão o Pai” (Marcos 13.32). O apóstolo Pedro lembra:
“Ora, o fim de todas as coisas está próximo; sede, portanto, criteriosos e
sóbrios a bem das vossas orações” (1 Pedro 4.7). Jesus deu sinais que
antecedem a sua volta: revoluções e guerras, falsos profetas, corrupção moral,
sinais no sol e na lua, o evangelho será pregado em todo o mundo (Mt 24.36; Lc
21.34). Todos estes sinais já se cumpriram, poderão variar de intensidade. Cabe-nos
vigiar e estar preparados. Num piscar de olhos, ao soar da trombeta, os mortos
ressuscitarão, céu e terra se desfará em fogo, será realizado o julgamento
final, Deus criará novo céu e nova terra. “Esperamos novos céus e nova terra, nos
quais habita justiça” (2 Pedro 3.13).
Rejeitamos os que negam a ressurreição e
a volta visível de Cristo em glória, para julgar vivos e mortos. Rejeitamos
todas as teorias que falam num arrebatamento dos fiéis, da volta de Cristo para
governar aqui por um período de mil anos de paz na terra, a conversão de
grandes massas e do povo judaico. Estas teorias espelham antigos sonhos
judaicos de um reino terreno. Os últimos dias serão difíceis (2 Tm 3.1-9; Lc
18.8; Lc 21.25-36). A cristandade será pequena. As forças do mundo, mesmo as
antagônicas, se unirão para combater e erradicar o cristianismo (Ap 20.8).
Então virá o fim. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei
a coroa da vida (Apocalipse 2.10)
São
Leopoldo, setembro de 2014
Horst R. Kuchenbecker
XXI - Estudo
A Mensagem da Reforma
na mutação do tempo
Dr. Hermann Sasse
1. Será que
a Reforma luterana foi apenas um grande acontecimento na história da nação
alemã ou na história do mundo ocidental, como tantas outras mensagens que
causaram certo impacto e depois desapareceram, sendo substituídas por outras
mensagens? O que dá a nós, como Igreja
Evangélica Luterana, o direito de afirmar diante da cristandade e na missão
mundial: Aceitem esta mensagem. Ela não é simplesmente uma mensagem do século
XVI, mas é muito importante para toda a humanidade, em todos os tempos! Visto
ser a genuína mensagem da Bíblia.
2. Sim, o
que nos dá esse direito? O que dava a Lutero o direito de proclamar a mensagem
da Reforma como a bem-aventurada doutrina da justificação do pecador somente
pela fé na graça de Cristo? Não foi isso, por ser esta mensagem algo normal
para as pessoas do século XVI, ou que para eles tenha sido mais fácil aceitá-la
do que para nós hoje? Pelo contrário. As pessoas daquele tempo a rejeitaram da
mesma forma como ela é rejeitada hoje. Temos ali a Igreja do Ocidente, cujos
corações mais piedosos e espíritos mais aguçados se debatiam, já por mais de
mil anos, com a pergunta: Como o pecador é justificado diante de Deus? Essa
Igreja, com seu autoritarismo interno e externo, rejeitou a resposta de Lutero
para essa pergunta. O mesmo o fizeram as outras grandes forças espirituais do
século XVI. Ali estava presente o poder dos humanistas com sua formação,
corporificada pelo grande Erasmo (1466-1536) e pelo poeta Goehte (1749-1832).
Esse humanimo, pela boca dos grandes eruditos da época, disseram um não à mensagem da justificação do
pecador somente por graça de Cristo e pela fé. Ali estava o poder da
religiosidade moderna que nascia. Ali estava o pietismo, filosofia daqueles que
romperam com as instituições eclesiásticas, que não queriam um papa, mas que
também não queriam nenhum papa de papel,
como eles chamavam a Bíblia. Eles não queriam crer como Lutero ensinava que o
Espírito Santo atua pelos meios externos, pelos meios da graça, Palavra e
sacramentos. Eles não queriam a velha, mas uma nova revelação. Eles queriam
experimentar Deus, mas não à base daquilo que os antigos pais experimentaram.
Também eles repudiaram a mensagem de Lutero, já no alvorecer do mundo moderno.
3. Assim
poderíamos penetrar ainda mais no século XVI e veríamos que, em todos os
lugares, encontramos pessoas contestando a Reforma naquela época. Não há, hoje,
nenhuma contestação à doutrina de Lutero, que já não tivesse sido levantada
naquela época com a mesma ênfase. Se Lutero é acusado hoje de que, para ele, a
nação não é o último e mais alto valor, ele já fora acusado disso naquele
tempo. Por essa razão, o maior movimento nacionalista do século XVI rompeu com
Lutero. Para Lutero, também em relação à nação, valia a palavra: “Devemos temer e amar a Deus e confiar nele
acima de todas as coisas”. Os socialistas dos séculos XIX e XX nunca
perdoaram a Lutero por afirmar que, para ele, havia algo mais importante do que
aquilo que eles entendiam por justiça social, a saber, uma justiça bem
diferente, uma justiça que nós, seres humanos, não conseguimos gerar, mas a
qual Deus nos dá de presente, a justiça que provém da fé na graça de Cristo, a
única justiça válida diante de Deus.
Assim, a mensagem da Reforma do século XVI
lhes era tão estranha como para nós do século XXI. Crer nela foi tão difícil
para os conterrâneos de Lutero como é hoje em dia para nós. Como foi possível,
então, que esta mensagem encontrou crédito? Como foi possível que esta mensagem
tão estranha, rejeitada e combatida pelos mais famosos intelectuais daquela
época, conseguiu conquistar tantos corações? Para isso, há somente uma
resposta. A força desta mensagem está baseada unicamente no poder do próprio
Evangelho. O Evangelho que vale para todas as pessoas em todos os lugares e
tempos. Esta mensagem vem como uma matéria estranha a todas as pessoas e povos,
em todos os séculos que ela alcança. Ela é mensagem estranha por não ser deste
mundo. Ao mesmo tempo, ela vem como mensagem de Deus, que quer salvar os seres
humanos de sua maior necessidade e ser a verdadeira resposta à mais cruciante
pergunta de todas as pessoas.
4. Sim, o
Evangelho veio ao mundo como uma mensagem estranha. O que dissemos antes sobre
o século XVI, que nele já ecoavam todas as objeções que são levantadas contra o
Evangelho hoje, isto já era a verdade no 1° século do Cristianismo. A doutrina
da justificação do pecador, unicamente pela graça de Cristo, foi chamada de
doutrina judaica, inventada pelo judeu Paulo. Não houve outra doutrina que,
desde o seu início, fosse combatida com tal veemência pelos judeus do que esta:
“Eu vim chamar pecadores ao
arrependimento e não os justos (Mt 9.13). Esta verdade os contemporâneos de
Jesus não podiam suportar: “Este recebe
pecadores e comer com eles” (Lc 15.2). Por isso, pregaram Jesus na cruz. Quem
pode perdoar pecados, senão somente Deus? Como um pecador pode estar mais perto
de Deus do que um justo. Como o filho pródigo, da parábola, pôde ser recebido com
festa? Como os últimos trabalhadores na vinha, que trabalharam somente uma
hora, puderam receberam o mesmo ordenado que aqueles que trabalharam o dia
todo? Com que direito o malfeitor na cruz foi aceito incondicionalmente? Tal
graça, que excede a todo o entendimento (Fp 4.7), parecia aos judeus o fim de
toda a moral. E realmente era o fim de tudo aquilo que o homem natural entende
por moral. Será que a afirmação de que nós necessitamos da graça por sermos
pecadores, por não podermo-nos salvar a nós mesmos – leva apenas o homem do
século XXI à contestação?
5. Não foi
isso que também escandalizou os gregos ao ouvirem a pregação do apóstolo Paulo?
Da mesma forma, Friedrich Nietzsche (1832-1898) e seus discípulos
ridicularizavam a moral escrava da doutrina cristã sobre o pecado. Assim, a
profunda doutrina de Lutero sobre o pecado chocou os espíritos esclarecidos do
século XVI, como havia chocado os grandes inimigos do passado. Celsus (178 AD),
Porhyrius (Filósofo, 233 AD) e Juliano se escandalizaram com a doutrina do
pecado e da graça de Deus, porque destruía a dignidade humana. Isso também não
é novidade hoje, quando se protesta contra a verdade de que um acontecimento
único, a morte e ressurreição de Cristo, motiva nossa salvação. A pessoa
histórica, o homem Jesus de Nazaré, Filho de Deus que se tornou homem, é o
Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo e voltará um dia para julgar vivos
e mortos. Essas eram frases nas quais os mais bem-intencionados filósofos da
antigüidade esbarraram. Já vemos isso relatado em Atos 17.
6. O
Evangelho é a mensagem salvífica do perdão dos pecados pelos méritos de Cristo,
da justificação do pecador somente pela fé. Essa mensagem, nos séculos
passados, não era mais fácil de ser aceita e crida do que hoje. O Evangelho
vem, em todos os tempos, aos seres humanos como uma mensagem incompreensível
para a razão humana, uma mensagem estranha. Mas vem, também, como mensagem
divina, que é uma resposta à última pergunta, da mais profunda necessidade de
todas as pessoas. Porque a última pergunta é a de como ele, criatura caída e
carregada de pecados, pode subsistir diante de seu Criador e Senhor. Como
expressa o hino da Idade Média a respeito do Juízo Final: Quid sum miser tunc, dicturus. Quem patronum rogaturus? O que direi? Quem será meu advogado no dia
do grande Juízo? O homem natural não quer saber nada desse medo. Ele o
nega. Mesmo assim, o medo está aqui e domina a vida de todas as pessoas. Esse
temor do juízo de Deus se manifesta pelo medo da morte. Porque morte e juízo se
pertencem. “Ao homem está ordenado morrer uma só vez, vindo depois disto o
juízo” (Hb 9.27). A morte de uma pessoa é algo diferente do que a morte de um
animal. É mais do que um simples apagar da vida, mais do que um mergulho no
nada. É, ao mesmo tempo, juízo.
7. O temor
do juízo está presente em todas as religiões dos gentios. Encontramos este medo
na antiga Grécia e no alvorecer da cultura clássica. Este medo se projeta como
sombra sobre a cultura do Oriente e está presente na cultura greco-romana. Isso
é mostrado pelas inscrições nos cemitérios. Elas falam sobre os mistérios
salvíficos dos Césares. No meio disso, está a arte clássica antiga, na qual
floresceu a grande arte, a ciência que parecia ter conseguido tirar o medo de
um juízo da morte. Visto que o espírito humano testa todos os meios para se
livrar desse medo, ele inventa para si um deus que não é mais juiz. Ele sonha,
em seu sistema ético, com um ser humano que não é mais um pecador, mas uma
pessoa que, mesmo não sendo perfeita, no fundo, seja uma pessoa boa. Em sua
filosofia, ele imagina uma morte que não é mais morte, nem juízo, mas uma
passagem natural e indolor para uma vida superior, ou uma suave libertação para
uma bem-aventurada inconsciência. Assim fizeram os gregos antigos. Assim as
pessoas fazem em geral. De uma maneira impressionante, isso é feito, também, no
mundo moderno dos últimos anos.
8. Se
quisermos compreender nossa época, precisamos relembrar esse incrível processo
de mudança que se efetuou no passado. Nos anos de 1700 ainda havia em todas as
igrejas do Ocidente, também nas luteranas, o confessionário. Nenhuma pessoa
podia imaginar-se uma vida sem confissão de pecados, sem arrependimento, sem
perdão. Cada pessoa, na época, via no horizonte de sua vida, o Juízo Final.
Cada um sabia que estava a caminho do Juízo. A antiga pergunta do Cristianismo
ocidental, que preocupou tantas gerações, ainda continuava sendo esta: Como conseguirei
um Deus misericordioso? Essa pergunta conduziu muitas pessoas à igreja. Essa
pergunta, através das vigorosas pregações cristãs sobre arrependimento, também
conduziu muitos, até o final da Idade Média, à vida monástica. Ela também levou
Lutero ao mosteiro e provocou profundas lutas de consciência em busca pela
salvação de sua alma. Ela também estava presente naqueles que ficavam no mundo.
O rei Henrique IV da Inglaterra (Rei da Inglaterra, 1399-1403 AD) peregrinou
até Canossa, nos Alpes, em busca da absolvição do Papa, pois sem esta, ele não
poderia viver nem como rei, nem como pessoa. É impossível imaginar-se os
grandes reis e príncipes alemães, os poetas e construtores, os marinheiros e
comerciantes, os colonos da época sem o sacramento do Arrependimento e da
Absolvição.
9. Essa
mesma forma de pensar também encontramos na época da Reforma, com a diferença
de que a pergunta pelo Deus do perdão era levada muito mais a sério do que nos
séculos anteriores. Quem qualifica a Reforma como um simples protesto contra o
espírito eclesiástico romano não compreendeu a história. Não compreendeu quão
séria era a pergunta da época com respeito a um Deus gracioso. A Reforma girou
em torno da pergunta do perdão dos pecados. Como conseguirei um Deus gracioso?
O que significa o fato de que o eterno Filho de Deus, por amor à humanidade e à
nossa salvação, desceu do céu e se tornou nosso irmão na carne? Essa foi a
principal pergunta da Reforma. Todas as outras eram secundárias. Por essa
pergunta ter sido tomada tão a sério, a resposta de Lutero também foi tomada a
sério. Sua doutrina da justificação do pecador somente pela fé não foi uma
teoria para teólogos, como se pensa hoje, mas uma verdade bem-aventurada, que o
povo de todas as classes sociais procurou gravar fundo em seus corações pelos
grandes hinos da Reforma, especialmente pelo hino de Lutero: “Vós crentes todos exultai! ” (HL 376)
Talvez em nenhuma outra época, o povo alemão experimentou uma paz e
bem-aventurança tão profunda como quando aprendeu o que significa que Jesus
carregou todos os nossos pecados, que ele sofreu pelos pecados de toda a
humanidade e que, por isso, nele, e somente nele, há perdão dos pecados e esse
perdão nos é oferecido gratuitamente. Nele podemos refugiar-nos pela fé. No dia
do Juízo, não poderemos apresentar absolutamente nada, nenhuma obra ou virtude
nossas. Somente em Cristo somos justificados e santificados, como confessamos
neste singelo verso: “Em Cristo irei
adormecer e em suas chagas me esconder; da culpa me livrou Jesus, vertendo o sangue
sobre a cruz; confiando nele irei aos céus, o reino eterno de meu Deus”. (HL 522.1) Tudo isso foi absorvido e
vivido, porque a pergunta sobre o Deus gracioso foi a pergunta de quase todos
os europeus. Ela foi aprofundada ainda nas gerações posteriores até o ano de
1700, não somente entre os luteranos, mas também entre os católicos e
reformados.
III – A grande Revolução Cultural
10. Então
veio a grande revolução cultural desencadeada pelo racionalismo. Seu objetivo
consistiu em elevar a razão humana à função de juíza última sobre todas as
coisas. A razão determina o que é verdade. Com isso, a razão humana tornou-se a
juíza sobre a palavra de Deus. Das verdades bíblicas, ela deixa em pé somente
aquilo que ela consegue compreender, e isso não é muita coisa. O Deus vivo da
Bíblia e a fé cristã foram eliminados da consciência das pessoas. Seu lugar foi
ocupado por uma idéia vaga sobre Deus. A santíssima Trindade: Pai, Filho e
Espírito Santo foi substituída pelas pálidas idéias racionalistas dos séculos
XVIII e XIX, trinômios como: O Bem, o Verdadeiro e o Belo; Deus, Virtude e
Imortalidade; Deus, Liberdade e Pátria e outros nomes.
Os cristãos no Novo Testamento, no
entanto, afirmavam a respeito de Deus o seguinte: “Nosso Deus é fogo consumidor” (Hb 12.29). Esta realidade foi
revivida pela Reforma, quando os fiéis retornaram do deus de Aristóteles ao
Deus do Novo Testamento. Mais tarde, tudo mudou novamente. Para Kant
(1724-1804), Schleiermacher (1768-1834) e Hegel (1770-1831) Deus não era mais
um “fogo consumidor”, mas uma idéia
tranqüilizadora. Lutero sabia: Se Deus é fogo consumidor e verdadeiramente
existe, então eu, como pecador, estou perdido. Mas Kant afirmou: “Se Deus
existe, então estou bem. Pois ele é a garantia de minha imortalidade; ele me
garante uma vida virtuosa, que será amplamente recompensada”. Essa é, de forma
simples, a idéia de Kant sobre Deus. Mas a Igreja Evangélica cantava como
Lutero: “Das profundezas clamo, ó Deus,
escuta os meus gemidos. Dos céus inclina aos brados meus, gracioso os teus
ouvidos” (HL 349.1). Isso, duzentos anos depois da Reforma luterana, não
era mais entendido. Pois, se a razão é o juiz sobre o que posso crer da
revelação bíblica, então cada pessoa se elevou a juiz sobre Deus. Foi isso o
que realmente aconteceu no século XVIII.
IV – A Justificação do Pecador vista
pelo Racionalismo
11. Uma das obras mais profundas do racionalismo
alemão é a Essais Théodicée de
Leibniz (Gottfried Wilhelm von Leibnitz, 1646 – 1716). Théodczée significa a justificação divina. Ora, o tema central da
Reforma luterana era a justificação do pecador. O racionalismo moderno trata da
justificação divina. Suas perguntas são: Deus existe? Será que posso crer num
Deus que permite tudo o que, conforme minha opinião, um Deus de amor jamais
deveria permitir? Por exemplo: doença e morte, pestilência e fome, guerras e
derramamento de sangue? Por que Deus permite isso? Na Reforma, o ser humano
estava como um réu diante do trono de Deus. Agora, na Théodicée, a pessoa se eleva sobre Deus e coloca Deus no banco dos
réus. Como Deus, o ser perfeito, pode permitir o sofrimento e o mal na terra?
Leibnitz, no seu livro, procurou mostrar, ainda, que este nosso mundo é o
melhor mundo pensante e desculpou, por assim dizer, Deus, entrando em defesa
dele, contra as acusações humanas. Outros já não fizeram mais isso. Assim, o
processo moderno da vida espiritual, tornou-se um ato do ser humano contra o
Deus da Bíblia e da fé cristã. Não importa se essa guerra é feita com os
refinados argumentos espirituais da filosofia ou com as armas brutas das
revoluções dos tempos modernos, da revolução francesa ou da revolução
bolchevista.
12. Assim, o
mundo moderno tornou-se um lugar no qual não se teme mais o juízo de Deus. Como
temeríamos? Pois no momento em que elevo minha razão para ser a juíza sobre
todas as coisas espirituais, desaparece, necessariamente, o reconhecimento de
que sou pecador. O pecado original, com o qual nascemos, é, assim se expressou
Lutero certa vez, uma corrupção tão profunda e má que a pessoa é incapaz de
reconhecê-lo por si mesma. Essa verdade precisa ser crida da Palavra de Deus.
Isto significa que pertence ao ser humano pecaminoso, que o homem com os
recursos de sua razão, não pode reconhecer que ele é um pecador, um inimigo de
Deus. Assim, o reconhecimento de o homem ser um pecador foi apagado no ser
humano moderno e, com isso, anula-se o reconhecimento de que ele necessita de
perdão dos pecados. Claus Harms afirmou: “O
perdão dos pecados que custava dinheiro no século XVI, no século XIX é obtido
completamente de graça e cada um pode servir-se dele”. Sim, agora cada um
se serve a si mesmo com o perdão. “Como
poderíamos viver – dizia Goethe certa vez - se não absolvermos a nós e aos
outros”. (A psicologia moderna afirma o mesmo) Quando criança, Goethe ainda
aprendeu do Catecismo Menor: “O qual
perdoa abundante e diariamente todos os pecados a mim e a todos os crentes”.
As pessoas se serviam com o perdão. “Que
a trombeta do juízo final ecoe” - escreveu Rousseau, (1712-1778) o pai
espiritual da revolução francesa, no início de sua confissão, na qual ele
afirma: “Eu me colocarei diante do juiz
de céu e terra com este livro na mão e direi em alta voz: Aqui está o que fiz,
pensei e o que fui... reúna em torno de mim as pessoas, as multidões de meus
semelhantes e ouçam minha confissão... e quem o desejar eu direi: Eu fui o
melhor do que este homem ali”.
13.
Precisamos comparar essa malograda e mentirosa confissão de Rousseau com a
confissão de Agostinho (325 A.D.). Para compreender a grandeza dessa revolução,
o homem moderno olha para o Juízo Final com uma incrível autoconfiança. Em
outras palavras, ele não se deixa perturbar pela idéia do Juízo Final, porque
não crê mais no juízo de Deus. No fundo, mesmo falando ainda de Deus, ele crê
somente em si mesmo, no ser humano, na sua glória, na sua grandeza e no seu
poder. Nossos pais, firmados na Bíblia, pensaram diferente. Lutero canta no
hino Castelo Forte: “Sem forças para
combater, teríamos perdido. Por nós batalha e irá vencer, quem Deus tem
escolhido” (HL 165.2). No final de sua vida, Lutero confessa: “Somos pobres mendigos, isto é verdade”.
O homem moderno não crê mais isso. Ele só conhece o terrível auto-elogio, o
louvor próprio, sua glória, sua força e divindade, sua autoconfiança, sua
auto-estima, ou, como Goethe afirma em seu Prometheus: “Não completaste tudo por ti mesmo, meu coração, com santo fervor?
14.
Realmente, há uma incrível revolução em andamento na vida espiritual do
Ocidente. É incrível, porque nela reside todo o conjunto do progresso da
cultura moderna e, ao mesmo tempo, o germe que necessariamente a leva à morte.
É incrível como o homem europeu do último milênio está convicto de ser ele o
primeiro a conhecer a verdadeira realidade humana. Isso exatamente ao perder o
conhecimento da grande realidade do ser humano, revelada na Bíblia. Ele
considera o Deus da Bíblia, o juiz de céu e terra, a ira de Deus e a condenação
eterna, pura fantasia. O homem moderno julga que precisa terminar com esse
conhecimento e trocar a verdadeira realidade por teorias fantasiosas colocadas
em papel. Ele considera as grandes realidades da vida, o Deus vivo, o pecado do
ser humano, o juízo de Deus, simples teorias irreais, mas julga reais as suas
teorias, quais sejam: o Deus inventado que não é mais o Criador nem juiz e o homem,
que não é mais pecador nem necessita mais de perdão. Goethe pressentiu essa
tendência de o ser humano de trocar a realidade por teorias imaginárias e
caracterizou isso assim: “Nós nos
estudamos para fora da vida”. Esta é a profunda aflição espiritual do mundo
moderno. Ele trocou a realidade da revelação bíblica por teorias fantasiosas. O
homem do nosso tempo, tão orgulhoso de suas realizações, vive, na verdade, de
ilusões.
Os juízos de Deus, no entanto, que assolam
o mundo têm aberto os olhos de muitos para a realidade de Deus e a do ser
humano e abriram muitos corações para a sempre nova revelação da Reforma a
respeito da justificação do pecador.
15. Não
devemos, porém, entender isso como se, de repente as massas vão encontrar o
caminho de volta para a igreja. Pois os juízos de Deus não agem somente no
sentido de operarem sempre arrependimento e fé. Eles provocam, também,
endurecimento e, em muitos casos, as pessoas não chegam à fé, mas desesperam. É
tão impossível para o homem atual crer no Evangelho, como o foi em qualquer
tempo do passado. Uma coisa, no entanto, mudou. Hoje temos mais pessoas do que
há dois mil anos atrás, que sabem, novamente, que haverá um Juízo Final e que
não é Deus que precisa se justificar diante das pessoas, mas o ser humano
diante de Deus. Há mais pessoas do que imaginamos, que reconhecem que o homem é
pecador perdido e condenado, até onde isso é possível ao homem natural. A essas
pessoas, aflitas, à beira do desespero, sem que elas o saibam, a antiga
pergunta de todos a respeito de um Deus gracioso torna-se novamente a única
grande indagação do ser humano. Essas pessoas perguntam novamente pelo
Evangelho, mesmo se nada sabem a respeito dele. Esses que se distanciaram da
Igreja e de sua proclamação, batem novamente à porta da igreja e perguntam.
16. Que
grande oportunidade este momento pode ser para a Igreja da Reforma! Essas
pessoas estão perguntando por aquilo que Deus confiou à sua Igreja. Eles
perguntam pela mensagem da Reforma, que não é outra coisa senão o Evangelho do
Novo Testamento, a bem-aventurada mensagem da salvação do ser humano perdido.
Em nenhum outro lugar, a verdadeira e profunda situação do homem é colocada de
maneira tão clara e aberta, sem ilusões como no Novo Testamento. “Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz,
e mais cortante que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de
dividir alma e espírito, juntas e medula, e é apta para discernir os pensamentos
e propósito do coração” (Hb 4.12). Pela lei, a Palavra de Deus desvenda o
coração de tal forma que, mesmo na cristandade, isto é chocante e parece
insuportável. Sempre se tentou defender o homem e deixar pelo menos um pouco de
bom nele. Até que veio Lutero e renovou o reconhecimento do ser humano, como a
Bíblia o ensina. “Cativo fui de Satanás e
à morte condenado; e noite e dia andei sem paz por causa do pecado. E cada vez
caía mais, sem me poder erguer jamais daquele triste estado”. (HL 376.2).
Somente quando se reconhece o estado perdido e condenado do ser humano, se
reconhecerá o consolo do Evangelho. “Só
tua graça poderá salvar-nos dos pecados, o nosso esforço em vão será, inúteis
os cuidados. Não há de que nos ufanar devendo em teu temor andar quais pobres
agraciados”. (HL 349.2).
17. Só então
compreenderemos corretamente a Jesus Cristo. Pois a doutrina de Lutero da
justificação não trata de outra coisa senão da compreensão de Jesus como
Salvador. Nada sou. Nada posso. Nada sei. Nada tenho. Se dependo de mim mesmo,
estou perdido por toda a eternidade. Mas tenho um Salvador. Ele me foi feito “da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e
santificação, e redenção”. (1 Co 1.30). Nunca serei algo por própria força
ou razão. Não tenho nada a apresentar. Nunca terei justiça ou santificação
próprias. Mas temos um Salvador. Lutero não se importou de nenhuma outra coisa
senão de mostrar a glória de Cristo como Salvador. Este é o sentido de sua
doutrina da justificação. A honra de Jesus é ser ele o Salvador do perdido, o
Salvador do pecador. Somente ele.
18. Essa é a
mensagem da Reforma. Ela não é outra coisa senão o puro Evangelho. A mensagem
que Deus confiou à sua Igreja. É a mensagem que devemos proclamar a todas as
pessoas que perguntam, duvidam, desesperam, que batem à porta da igreja. A
proclamação desta mensagem é a grande tarefa da Igreja em nossos dias, de nós
todos a quem esta mensagem foi confiada. Nós todos somos responsáveis, toda a
comunidade, cada um de nós.
Nota: Hermann
Sasse, Lutherische Beiträge, n° 4, 2003,
p. 235. Tradução, Horst Kuchenbecker
São Leopoldo 22/09/2014
Horst R. Kuchenbecker
Bibliografia
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Casa Editora Presbiteriana. São Paulo, 1960, 4ª edição.
- Hasse, Rodolfo F., Frei
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Porto Alegre, 1960, 2ª edição.
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Lutero. Editora Concórdia, Porto Alegre, RS. 2003, 2ª edição.
- Bainton, Roland, Martim Luther. Vonderhoeck &
Ruprecht. Göttingen, 1980
- Greiner, Albert, Lutero. Editora Sinodal, São
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- Stadler, Hubert, Martin Luther und die Reformation. Hermes
Handlexikon. ECON Taschenburch Verlag. Germany, 1983.
- Friedenthal, Richard, Luther, Sein Leben und seine Zeit.
Serie Piper. Co Verlag, München, Zürich, 7ª edição, 1982
- Martin Luther, 1483-1546.
Katalog der Hauptaustellung in der Lutherhalle, Wittenberg. Schelzky e
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- Catecismo da Igreja Católica. Editora Vozes, São Paulo, 3ª
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- Koehler, Edward, W.A. Sumário
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2002
- Mueller, John Theodor,
Dogmática Cristã. Editora Concórdia, Porto Alegre, RS. e Editora da Ulbra, Canoas, RS. 4ª
Edição, 2004.
- Lutherische Beiträge, nº 4, 2003.
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XXII – Sermões para o dia da Reforma:
1, 2 e 3
I - Mensagens para a
Reforma:
Igreja Luterana,
examina-te a ti mesma!
No dia 31 de outubro lembramos as 95 Teses. que o Dr. Martinho Lutero
fixou no ano de 1517 na porta do castelo em Wittenberg, Alemanha e suas
conseqüências para a cristandade. Temos certeza de que isto foi obra de Deus,
que se compadeceu de sua Igreja, trazendo seu eterno evangelho novamente à luz.
Nas celebrações deste ano, não queremos simplesmente relembrar este
grandioso fato da renovação da Igreja, mas queremos colocar-nos diante da
pergunta: O que a mensagem de Lutero tem a dizer a nós cristãos e a sua Igreja
hoje? Por que importa permanecer apegado à sua doutrina, mesmo que esta nos
separe da grande maioria da cristandade?
O jubileu da Reforma é um convite às igrejas da inalterada Confissão de
Augsburgo a se conscientizarem da grande bênção que Deus lhes confiou e com ela
da grande tarefa de proclamar: Somente a Escritura, somente por graça, somente
pela fé. Aqui valem também as palavras de Cristo: A quem muito foi dado, muito lhe será exigido (Lc 12.48). Por isso
pedimos, insistentemente, a todas as congregações luteranas a não limitarem as
celebrações somente a um dia, a um culto, mas a partir desta data iniciar uma
profunda conscientização das bênçãos da Reforma e de nossa responsabilidade na
caminhada neste mundo.
Durante essa conscientização surgirão muitas perguntas que somente a
Palavra de Deus poderá responder. Aqui queremos abordar algumas perguntas para
nosso auto-exame e conscientização de nossa responsabilidade.
Arrependei-vos
A Reforma iniciou com um chamado ao arrependimento. Lutero escreve em
sua primeira, das 95 teses: Dizendo nosso
Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos... (Mt 7.14), certamente quer que
toda vida dos seus crentes na terra seja contínuo arrependimento. Este
chamado se dirige ainda hoje à cristandade, especialmente à Igreja Luterana.
Antes de Lutero ter estado em condições de poder iniciar a grande luta contra
as falsificações da mensagem do evangelho, ele teve que experimentar, sob a
ação da palavra de Deus, no próprio coração o que é arrependimento. O hino, no
qual ele testemunha essa experiência, ainda hoje nos comove e entusiasma: Vós crentes, todos exultai... (HL 376)
Este arrependimento inicia com uma profunda e amarga constatação de que o ser
humano, que se rebelou contra Deus, é merecedor da eterna condenação. Lutero a
descreve assim: Cativo fui de Satanás e à
morte condenado; e noite e dia andei sem paz por causa do pecado. O medo, então, me fez sofrer e, em
desespero, compreender que ao fogo eterno iria. (v.2 e 3) Eis que Deus
guiou Lutero ao santo evangelho, ao verdadeiro apego à graça de Deus, na qual
Deus declara o pecador perdido, absolvido e justo pela graça de Cristo. O
arrependimento, no seu sentido amplo inclui o reconhecimento de estar perdido e
o pego à graça de Cristo. Lutero continua no hino: Permanece em mim, e não serás vencido. Por ti combato até o fim,
estando a ti unido na mais perfeita e santa união para uma eterna salvação,
junto a meu Pai querido. (v.7)
Por que este chamado ao verdadeiro arrependimento é sempre de novo
desconsiderado e também de nossa parte não tomado a sério? Isto, porque o
chamado ao arrependimento é compreendido somente ali onde nós nos curvamos,
incondicionalmente, ao testemunho da Palavra de Deus com respeito ao pecado e à
condenação eterna (pecado original). Em nossa era do positivismo, no entanto,
consideramos o pecado uma pequena fraqueza e acreditamos que no fundo somos
bons.
Falta em nossos dias, não somente no mundo, mas também na cristandade da
compreensão de que a queda em pecado foi verdadeiramente uma queda pela qual
fomos totalmente corrompidos e nos tornamos escravos de Satanás, réus da eterna
condenação. (Pecado Original)
No mundo sofremos as conseqüências desta queda. Gememos sob as ameaças à
vida humana através dos poderes de destruição do mundo, mas negamos o pecado.
Trememos diante de uma catástrofe mundial, mas não tememos a ira de Deus.
Precisamos reconhecer com clareza e confessá-lo, que também nós estamos
profundamente emaranhados em tudo isso. Por essa razão, nossos ouvidos são
surdos e nossos corações endurecidos diante da boa nova da salvação que Jesus
Cristo preparou para nós pecadores perdidos. Por isso nos tornamos cada vez
mais cegos diante da incomparável riqueza que temos na Escritura e nos
sacramentos não falsificados. Por isso nossa boca permanece muda e nossa língua
paralisada para o testemunho da única mensagem que pode renovar a igreja e
levar as pessoas de nosso tempo à verdadeira salvação. A palavra do Cristo exaltado dirigida à
comunidade de Éfeso vale também para os cristãos luteranos e congregações de
hoje: Lembra-te, pois, de onde caíste,
arrepende-te, e volta à prática das primeiras obras, e se não, venho a ti e
moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependeres. (At 2.5)
O santo evangelho
No meio das teses de Lutero lemos a frase:
O verdadeiro tesouro da igreja é o
santíssimo Evangelho da glória da graça de Deus (Tese 62). O Reformador
escreve estas palavras na luta contra a doutrina falsa, que colocava como
necessárias as boas obras e obras piedosas dos santos ao lado da obra redentora
de Cristo. Em nossos dias se requer da Igreja muitas obras humanas para
solucionar os problemas mundiais e para suprir as necessidades humanas. Também
nosso Senhor Jesus Cristo requer o servir dos cristãos ao e no mundo. Mas não é
por esse serviço que sua igreja adquire a riqueza que ela deve anunciar ao
mundo. O verdadeiro tesouro da Igreja permanece a boa nova do Salvador Jesus
Cristo, o santo Evangelho, a oferta da reconciliação com Deus, a proclamação do
perdão e do poder dos santos sacramentos.
Alegria e júbilo da Igreja
Onde está hoje a alegria e o júbilo pelo
tesouro da Igreja? Conhecemos ainda a gratidão da Igreja, na qual os fiéis, por
amor a este tesouro, trouxeram grandes sacrifícios e o preservaram para nós,
seus descendentes? Em vista de nosso indiferentismo e de nossa leviandade, este
tesouro da Igreja está sendo desprezado como algo antigo e superado. Ele é
falsificado por velhas e novas doutrinas errôneas. Ele é soterrado pelo orgulho
humano e por palavras da sabedoria do mundo. Em sua autoconfiança, o ser humano
avança a passos largos em ses progresso científico e se coloca com sua razão
sobre a Palavra de Deus.
O Perigo de perdermos o tesouro do evangelho
Na época das comunicações e mesma da ampla venda e divulgação da
Bíblias, o que alegre, mesmo assim, nós nos defrontamos com a diversidade de
traduções e interpretação da Bíblia. Nesta situação, somos ameaçados a perder o
verdadeiro tesouro da igreja. Os sintomas da paralisia da fé se fazem sentir.
A autoridade da Escritura está sendo cada vez mais abalada. Quem ainda a
considera a genuína, inspirada e infalível palavra de Deus? Quem a lê
diariamente e confia em suas afirmações? Muitos questionam, dizendo: Como pode
a palavra escrita por homens, ser palavra de Deus? Ela é um testemunho de um
passado longínquo que pouco tem a dizer a nós hoje.
A compreensão da Bíblia, de fato permanece fechada a todos cujas
portas ao conteúdo não são abertas pela chave que Lutero encontrou nela:
somente a Escritura, somente pela graça de Cristo, somente por fé.
Por que tantos cristãos rejeitam o
batismo e não reconhecem nele mais a força libertadora e regeneradora?
Porque não permanecem no que a Bíblia afirma a respeito do batismo, de ser o lavar regenerador e renovado do Espírito
Santo, (Tt 3.5)?
Por que muitos questionam a santa
absolvição, dizendo: Como o pastor pode perdoar pecados? Só Deus pode
fazê-lo. Porque desaprendemos a confessar nossos próprios pecados, quer seja
isso na confissão geral com toda a Comunidade, ou na confissão particular, da
qual fala o Art. 11 da Confissão de Augsburgo, que termina com a súplica:
“...não a deixando cair em desuso da igreja”? Porque mesmo nossos pastores não
proferem mais uma mensagem confessional (pelo menos uma ou duas vezes ao mês)
antes da Confissão e Absolvição, em vez disso elaboram longas liturgias
alteradas e citação de muitos versículos e não absolvem mais diretamente, mas
expressam somente o amor universal de Cristo, roubando aos membros o precioso
consolo da absolvição direta?
Por que o milagre e bênção da Santa Ceia não alcança seu verdadeiro
objetivo? Porque não se dá crédito ao cordial convite de Cristo, bem como a sua
ordem: Fazei isto em memória de mim (Lc
22.19)? Fazei isto... é uma ordem.
Ao fazê-lo não somos nós que o fazemos, mas Cristo o faz, conforme sua palavra.
Ele é, na Santa Ceia, o agente. Em
memória de mim... recordando meu sacrifício, os bens que vos conquistei, e
que vos alcanço agora para o fortalecimento de vossa fé e o louvor. Porque
vacilamos na fé diante de sua afirmação: Isto
é o meu corpo! Isto é o meu sangue? (1 Co 11.24-29), a saber o corpo que
adquiri da virgem Maria, que entreguei à morte e que vos entrego aqui para
perdão dos pecados. E por muitos luteranos não rejeitarem mais a doutrina
falsa, a ponto de deixarem qualquer um ir à mesa do Senhor, abrindo mão da
unidade de fé (1 Co 10.16). Da mesma forma negam a força unificadora desse
sacramento, quando nos retraímos da vida de nossa própria Comunidade,
separando-nos daqueles que têm parte conosco no corpo e sangue de Cristo? (1Co
10.17)
Quanto mais meditarmos sobre o Evangelho,
o verdadeiro tesouro da Igreja, com tanto maior clareza nós reconheceremos os
maravilhosos dons que Deus confiou à Igreja Luterana e os conservou a nós até
hoje. Tanto mais nos assustamos por não tê-lo valorizado o suficiente, nem nos
apegado a ele, cumprindo a missão que Deus nos confiou. Este tesouro nos
compromete sempre de novo ao uso constante da Palavra de Deus, à abundante
oferta de gratidão e ao louvor. O tesouro dos meios da graça nos fortalece à
inquebrantável fidelidade à nossa Igreja Luterana, e com isso à necessária luta
contra os erros. Este tesouro nos torna ao mesmo tempo alegres e voluntários
para o testemunho da verdade, em amor, diante dos cristãos separados de nós, à
obra ordenada a nós, a compaixão e a missão aos que estão longe.
Apego aos Meios da Graça, ao Evangelho
Também neste sentido somos atingidos pela palavra de nosso Senhor: Estas coisas diz aquele que tem os sete
espíritos de Deus, e as sete estrelas: Conheço as tuas obras, que tens nome de
que vive, e estás morto. Sê vigilante, e consolida o resto que estava para
morrer, porque não tenho achado integras as sutas obras na presença do meu
Deus. (Ap 3.1-3).
(Observação:
Esta mensagem é a adaptação de um trabalho mais extenso do prof. Dr. Friedrich Wilhelm
Hopf (1967), por ocasião do Jubileu da Reforma dos 450 Anos).
São Leopoldo, 22/10/2012
Horst
R. Kuchenbecker
2 - Mensagem para a Reforma
Rm 3.19-29 - Festa da
Reforma
l. O Texto no Ano Eclesiástico
Reforma - É apropriado celebrar a Reforma
luterana em nossos dias? Não deveríamos
fazer tudo para sepultar as diferenças que existem entre católicos e
evangélicos? Ou então, com que espírito, com que mensagem vamos celebrar a
Reforma luterana em nossos dias, nos quais o espírito da Ecumênico procura remover qualquer fronteira ou divisa que possa separar.
Prega-se a união de todas as religiões, o fim do fanatismo. Chega de doutrinas
que separam. Ninguém é dono da verdade. O que importa numa religião é a
tolerância e o amor. Este é a verdadeira religião. Diante desse espírito em
nossos dias não se pergunta mais qual é, hoje, nosso compromisso e nossa
mensagem como herdeiros da Reforma?
Nossa responsabilidade e nossa mensagem
não muda. É a mesma de nossos pais. O amor é importante, mas amor não
subordinado e orientado pela palavra de Deus, não é amor. Por isso permanece:
Somente a Escritura, somente por graça, somente pela fé.
Nosso texto convida a refletirmos sobre o
ponto central da Escritura e da Reforma: A doutrina da justificação pela fé em
Cristo.
2. Texto
Em Romanos 3.21, a palavra inicial: “Mas
agora”, chama atenção. Há um “antes” e há um “agora”, a antiga e a nova
aliança. O apóstolo Paulo percebeu cedo a fúria e astúcia com que Satanás ataca
a doutrina central da justificação pela fé em Cristo. As cartas aos romanos,
gálatas e efésios mostram sua luta para manter este ensino para a igreja e como
consolo individual a cada cristão. Esta luta precisa ser travada em cada época,
por todo o cristão individualmente, pelas congregações e pela igreja como um
todo. Satanás levanta sempre novas artimanhas e sutilezas, procurando destruir
esta verdade.
A palavra em destaque neste texto é
“justificação”. Um termo que o apóstolo
Paulo usa 22 vezes em suas cartas. Justificação significa declarar o culpado
justo, perdoado, absolvido. É um ato forense, que acontece no coração de Deus
em relação ao culpado. Deus é justo. Ele não abre mão de sua justiça, que exige
o cumprimento da lei e a punição do transgressor. A lei não conhece
misericórdia. Mas Jesus, como substituto de toda a humanidade, cumpriu a lei e
por seu sacrifício pagou pelos pecados de toda a humanidade. Deus Pai aceitou a
obra de Cristo e justificou a humanidade, justificou todas as pessoas. Agora há
perdão e salvação para todos (justificação objetiva). Aqueles, que arrependidos
de seus pecados confiam na graça de Cristo, têm, sem a justiça da lei, sem
obras, completo perdão e recebem a adoção de filhos, tornando-se herdeiro da
vida eterna (justificação subjetiva). Pela fé somente. Lutero anexou a palavra
“somente”. Este é o sentido do texto original. A fé não é uma contribuição
humana ou “decisão,” é dom de Deus, “para que ninguém se glorie.”
Esta doutrina, este mistério do amor de
Deus em Cristo, nossa razão não compreende. O homem natural a considera
loucura. E, em seu orgulho natural, busca subterfúgios e quer colaborar em sua
salvação, a fim de ter um pouco de honra.
No
Novo Testamento Católico, do Mons. Dr.
José Basílio Pereira, Editora Mensagem da Fé, Salvador, Baia, 1955, lemos no
comentário ao pé da página, referente a romanos 3.28: “Segundo o Concílio
Tridentino quer isto dizer não somos justificados gratuitamente, no sentido de
que não interviesse para ela nenhum preço ou “mérito”. No novo Catecismo Católico (Editora Vozes,
1993) lemos no item 2010: “Como a iniciativa pertence a Deus na ordem da graça,
ninguém pode merecer a graça primeira, na origem da conversão, do perdão e da
justificação. Sob a moção do Espírito Santo e da caridade, podemos em seguida merecer para nós mesmos e para os outros as graças
úteis para a nossa santificação, para crescimento da graça e da caridade, e também
para ganhar a vida eterna”. Que tristeza! Cabe-nos rejeitar não somente o
crasso erro doutrinário católico, mas também a doutrina das obras dos
protestantes que afirmam que Deus aceita o pecador por graça, ou pela fé, se
este se inclinar, dispor, preparar, decidir pela graça e a confirmar pela
prática de virtudes cristãs. Rejeitamos todo e qualquer sinergismo que atribua
ao homem a capacidade de cooperar na sua conversão (DS II.61).
III - Persuasão - Conforme o lema da IELB: “Vivendo
como testemunhas,” queremos mostrar, ao celebrarmos os 450 anos da morte de
Lutero (18/02/15456), o verdadeiro tesouro da Reforma, a doutrina da
justificação do pecador pela fé na graça de Cristo, o que isto significa para o
nosso dia a dia, e como isto capacita os cristãos a testemunharem da mesma.
IV. Esboço -
Introdução. “Como posso
conseguir um Deus misericordioso? ” foi a pergunta que desencadeou a Reforma.
Hoje, em seu orgulho, o homem levanta seu dedo em riste para acusar a Deus.
Deus é amor, portanto ele tem a obrigação de me conceder felicidade. Por isso,
quando uma pessoa está diante de problemas, ela levanta sua mão e grita: Onde
está Deus? Diante disso é preciso falar
da santidade e da justiça de Deus. Proclamar primeiro a lei de Deus, para
mostrar ao homem seu estado de mísero pecador, de condenado e réu do inferno. O
apóstolo Paulo não se cansa de fazê-lo.
1) Antes - Nos primeiros capítulos, o
apóstolo Paulo falou do rigor da lei e mostrou a impossibilidade de alguém
salvar-se por este caminho. Ele lembra aos judeus a “antiga aliança” e o grande
significado do dia da reconciliação. O sumo-sacerdote entrava no santo dos
santos, e aspergia o sangue sobre a Arca, com os dois querubins, em cujo meio
pairava a nuvem (Schechina), para assinalar a presença de Deus no meio do povo,
a fim de reconciliar o povo com Deus, pois sem derramamento de sangue, não
haveria perdão (Hb 9.22). Só assim, reconciliados pelo sangue, que era sombra
do sacrifício de Cristo, o povo poderia aproximar-se de Deus. Em vista disso o
apóstolo afirma: “Ele fez isto para demonstrar sua justiça, porque em sua
tolerância deixou impune os pecados anteriormente cometidos - (NVI). Deus
castigou os pecados em Cristo.
2) Mas agora - há completo perdão. E toda a pessoa que crê em Cristo, que se apega à
graça de Cristo, tem o que estas palavras lhe oferecem dão e selam perdão, vida
e eterna salvação. E isto sem as obras da lei, nem anteriores, nem durante, nem
posteriores. Este consolo alegra a alma, confere paz, quer o sintamos ou não.
Se a consciência me acusa, posso dizer: Fique quieta, pois está escrito: Jesus
me remiu. Se o infortúnio me persegue, parecendo que Deus me abandou, e a
doença sob dores e gemidos a me conduzir à morte, ainda assim podemos jubilar e
dizer: Sei que Deus me ama e me quer bem. Que consolo!
3) Nesta
verdade queremos crescer cada vez mais pela leitura e o estudo da
palavra de Deus, dos hinos (Paul Gerhardt) e do Catecismo, para aprender a
falar a outros. Esta verdade jamais alguém imaginou, nem a compreenderá. Para a
razão humana isto é loucura e escândalo. Mas sabemos que o Espírito Santo atua
pela palavra, por isso não tememos em proclamar esta palavra destemidamente,
também em nossos dias, mesmo que nos chamem de perturbadores da paz. Sabemos
que verdadeira paz e edificação da igreja cristã só provém da palavra quando
somos fiéis à doutrina da justificação pela fé na graça de Cristo, proclamando
lei e evangelho corretamente.
Procure falar de Cristo em sua família, no
seu lugar de trabalho. Distribua folhetos. Ou então levante perguntas, como:
Você está de bem com Deus? Como você sabe isto? Você já ouviu uma vez o que
Deus pensa a nosso respeito? Alguém já lhe mostrou uma vez o verdadeiro amor
que Deus revelou em Cristo? Peça a orientação e amparo de Deus Espírito Santo,
e fale.
São Leopoldo, 09/10/2014
Horst R. Kuchenbecker
3 - Mensagem para a Reforma
Rm 3.19 - Reforma -
2010.
Introdução
Com grande alegria, viemos hoje à casa de
Deus para celebrar a festa da
Reforma Luterana. Somos gratos a Deus pela restauração da verdade e preservação
da mesma entre nós.
As
bênçãos da Reforma são muitas: Tais como
- A Bíblia como fundamento único e
autoridade na igreja.
- A
distinção entre Lei e Evangelho.
- A doutrina
da justificação do pecador somente
pela graça por fé.
- A liberdade cristã.
- A doutrina
do sacerdócio universal de todos os
crentes e do ministério.
- A
separação entre Igreja e Estado.
Entre outras verdades preciosas.
A
doutrina da justificação do pecador pela graça de Cristo, no entanto, é a
principal, a pedra angular da Reforma. – Quando digo da Reforma, quero
dizer, da Bíblia, que a Reforma novamente colocou as claras e proclamou.
Ao agradecermos
a Deus por esta bênção, queremos, ao mesmo tempo reafirmar nosso compromisso com esta verdade bíblica. E, por mais
que desejamos e buscamos a unidade com
outras igrejas cristãs, não podemos abrir mão dessas verdades. Cumpre
lembrar que verdadeiro amor está firmado na verdade e não atua contra a
verdade bíblica.
Vejamos em que consiste a bênção principal
e central da Reforma Luterana, a doutrina da justificação do pecador pela graça
de Cristo, que recebemos pela fé.
I - Terror de Consciência
Em primeiro
lugar queremos lembrar qual foi a pergunta que levou à Reforma luterana?
A pergunta que martirizou Lutero foi: Como poderei conseguir um Deus
gracioso e misericordioso? Hoje, esta pergunta nos pareça estranha, pois
ouvimos de todos os lados: Deus é amor e pouco da santidade e justiça de
Deus, da lei de Deus.
Vamos rever um pouco a história
para compreender o que levou Lutero a esta pergunta sobre um Deus
misericordioso. Lutero foi um jovem
educado nas verdades cristãs. Ele conhecia o Deus triúno, os mandamentos
de Deus, Jesus, o Filho de Deus,
Salvador, ele conhecia como juiz. Todas essas verdades, no entanto, foram
lhe ensinadas com um enfoque na lei de Deus. Mesmo como Salvador, Jesus foi-lhe
apresentado como severo juiz que nos recebe no batismo, mas todos os pecados
cometidos após o batismo, nós teremos que pagar.
Lutero foi um menino bem-comportado. Quando esteve na Universidade
estudando jurisprudência, aprofundou-se no conhecimento da lei. Isto o
deixou muito atribulado em relação a Deus. Se Deus é juiz absoluto, quem
poderá subsistir diante dele. A lei despertou nele um incrível “terror de consciência”. Daí a
pergunta: Como conseguirei um Deus misericordioso. Ele perguntou a igreja:
Que devo fazer? A igreja lhe respondeu: Esforça-te por vida santificada,
jejua, ora, compra perdão pelas indulgências. Mas se queres ter plena certeza,
você precisa entrar num mosteiro a fazer voto de castidade e de pobreza.
Ele havia aprendido que pelo batismo, Deus derrama o amor de Cristo nos
corações, pelo qual recebemos o perdão do pecado original, renascemos e nos
tornamos filhos de Deus. E como novas
criaturas, devemos viver uma vida santa. Esta nossa vida santa complementa a salvação. Portanto,
somos salvos por Cristo, mas precisamos completar a salvação por nossas boas
obras, e quem não o conseguir aqui, terá que completá-la pelo sofrimento no
purgatório.
Aqui começaram os problemas.
Aqui estava escondido o grande erro de uma má interpretação da Escritura. A
igreja ensinava que somos salvos pela fé e pelas obras. A graça faz o
início e as boas obras completamos a salvação. A pessoa, que chegou à fé, deve trabalhar
com este amor de Cristo, esta graça infusa, derramado em seu coração. E por esta graça infusa viver uma vida
santificada para merecer o céu. Portanto, não pelo “Cristo por nós”, mas pelo
“Cristo em nós”. Lutero tomou isto muito a sério e lutou para viver uma vida santa, mas não conseguiu. Ele desesperou
e tomou a decisão de entrar no mosteiro. Fez tudo o que lhe foi prescrito.
Mesmo no mosteiro não conseguiu a perfeição, nem a paz. Pelo contrário, quanto
mais lutava, tanto maior foi seu terror
de consciência. O Prior Staupitz, assim se chamava o presidente do
mosteiro, lhe disse: - Lutero, você deve
amar a Deus e crer no perdão! Lutero respondeu: - Como posso amar a Deus que me exige, ameaça e condena? Eu o odeio!
Não posso amar nem crer num Deus que me condena! - O Prior lhe respondeu: Mas você deve amar a Deus! - Eu não posso, respondeu
Lutero. Esta é a questão: Não podemos
temer, amar e confiar em Deus que, pela lei, exige perfeição absoluta, ameaça e
condena a menor transgressão. Lutero estava certo. A visão que ele
tinha de Deus era correta. Ele se esforçava por cumprir a lei. Mas quem está
debaixo da lei, está condenado. Lutero
recebera uma falsa visão do Evangelho, que Deus só será misericordioso,
para aquele que, após o batismo, cumprir a lei. Daí a sua angustiante pergunta:
Como conseguirei um Deus misericordioso?
– Eu me pergunto: Quantos ainda hoje, especialmente nas seitas que pregam: Você
deve obedecer, dar, etc., se defrontam com a mesma pergunta de Lutero.
O
Prior do mosteiro, vendo a angústia de Lutero e como ele se martirizava,
recomendou a Lutero que fosse estudar na Universidade, julgando que mantendo-o
ocupado, esquecerá essas idéias.
Na Universidade Lutero, já padre,
encontrou a Bíblia e passou a ler. Bíblias existiam, mas eram muito caras. Só
grandes cidades possuíam uma. Nos primeiros estudos, o seu terror de consciência aumentou. Palavras como estas: “Ora,
sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz, para que se cale
toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém será
justificado diante ele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno
conhecimento do pecado” (Rm 3.19,20).
Hoje isso nos aprece um tema estranho. “Terror
de consciência! ” Isto porque não conhecemos mais a fundo a santidade e
a lei de Deus, o poder da ira de Deus. Fala-se levianamente do amor de Deus,
como se ele não castigasse ninguém, antes tivesse a obrigação de perdoar tudo. Por
isso não se compreende a verdadeira misericórdia de Deus.
Nossa razão, ao ouvir a lei de Deus
que condena a todos, protesta e afirma: Deus não pode fazer isto! Ele
não pode condenar as pessoas que se esforçam para levar uma vida digna, que
procuram cumprir com seus deveres familiares, sociais e na igreja, e igualá-los
aos pecadores marginais, com bandidos, meretrizes e vagabundos. Isto seria
injusto. Tais pensamentos parecem muito corretos à nossa razão. Por isso
pessoas, que sofrem, exclamam muitas vezes, que eu fiz para merecer isto? Deus,
porém, afirma: “Não há justo, nem sequer um”. Diante de Deus, somos todos
culpados, e pelas obras da lei não há salvação, para ninguém. Confessamos: “Eu,
pobre e miserável pecador, tenho merecido o teu castigo temporal e terno”.
Proteste o homem como quiser, ele está
debaixo da lei que o condena. Só em Cristo há salvação. Lutero leu mais.
II - “Mas, agora, sem lei, se
manifestou a justiça de Deus... sendo justificados gratuitamente, por sua
graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus... para ele mesmo ser justo e
o justificador daquele que tem fé em Jesus. Concluímos, pois, que o homem é
justificado pela fé, independentemente das obras da lei” (Rm 3.21,24,26).
“Justificado”. Lutero custou a compreender
o significado desta palavra. Na sua época “justificação” significava que uma
pessoa procura tornar-se justa por suas obras, por sua vida santificada. Mas, “justificado”, na Bíblia significa ser
declarado justo, perdoado de todos os seus pecados. E isto não por justiça
própria, mas por justiça alheia. Não por nosso merecimento,
- porque nós nos arrependemos,
- porque cremos,
- porque renascemos,
- porque temos o propósito de corrigir
a nossa vida,
- porque mudamos de vida. Não, nada disto.
Simplesmente porque Cristo, o eterno Filho de Deus, o “Cordeiro de
Deus”, veio ao mundo, humilhou-se, nascendo da virgem Maria, tornou-se
nosso irmão na carne, cumpriu a lei de Deus perfeitamente em nosso lugar, pagou
nossa culpa e nos conquistou completo e
suficiente perdão, a salvação. Agora a lei não pode requerer mais nada
daquele que está em Cristo pela fé. Cristo salvou a humanidade. A Bíblia
afirma: “Deus amou o mundo e deu seu Filho unigênito para que to que nele crê
não pereça” Jo 3.16. E: “Deus estava em Cristo reconciliando consigo
o mundo” 2 Co 5.19. Reconciliar é conciliar as contas. Ele conciliou
nossas contas e “nos confiou a palavra da reconciliação. Deixai-vos reconciliar com Deus”.
E toda a pessoa que reconhece seus pecados e confia na graça de Cristo, nesta
graça alheia, tem perdão, vida e eterna salvação.
Quando Lutero descobriu esta verdade e o
seu significa, ele ficou radiante. O evangelho não anula a lei. Lutero
reconheceu o amor de Deus. O amor incondicional. O amor do qual ele ouvira
falar, mas que lhe fora apresentado de forma errada e condicionalmente. Agora Lutero reconheceu o amor
incondicional. Somos salvos,
inteiramente, do começo ao fim, somente
por graça de Cristo. Deus fez tudo. Nada, nada mais precisa ser feito por
nós. É um presente de Deus. Somos justificados unicamente pela fé na graça de
Cristo. A Lei nos mostra que Deus odeia o pecador e o condena. O Evangelho nos
mostra que em Cristo, Deus ama o pecador e quer salvá-lo.
A fé, em si não justifica. A fé em si não nos torna dignos diante de Deus, a fé não nos
torna merecedores da graça, mas a fé se
apega à graça de Cristo, isto é, à sua justificação. A fé nos justifica,
nos dá o perdão, não pelo que ela é, mas ao que se apega, à graça. A fé
confia, mesmo que tudo na volta parece destoar com o que a palavra de Deus
afirma. A fé confia na palavra, como Abraão que creu e isto lhe foi imputado
como justiça.
Fé e amor
Mais duas observações. A fé, não é simples conhecimento. Por vezes as pessoas pensam:
Jesus salvou a todos. Que boa notícia. Que bom, e continuam em seus pecados.
Não! Lutero depois que reconheceu a graça, afirmou que ele se tornou bem outra
pessoa. A fé liberta da morte para a vida, da escravidão de Satanás, para
sermos filhos de Deus. A fé nos fez renascer. Somos novas criaturas. Somos
enxertados em Cristo. Cristo vive em nós.
A fé é vida que Deus dá a uma
pessoa. E como vida, a fé precisa ser alimentada diariamente. Muitos que
se tornaram cristãos e jubilaram na graça, de repente se distanciam, novamente,
dos meios da graça, da palavra e dos sacramentos, dos cultos, da comunhão com
os irmãos, do trabalho da congregação, dizendo: Somos salvos por graça sem as
obras da lei. A estes Lutero advertiu com as palavras de Tiago: A fé sem as obras é morta. É verdade que
somos salvos pela fé, sem as obras da lei; mas a fé necessariamente produz boas
obras, porque a fé sem obras é morta. É verdade que somos salvos
unicamente pelo que Cristo fez por nós, não pelo que eu faço por Cristo. É
verdade que somos salvos pelo que Cristo fez “por nós” na cruz e não pelo
que Cristo faz “em nós” pelo seu Espírito Santo. Somos salvos unicamente
pela graça de Cristo e não por graça e obras, ou fé e amor. Isto significa que na hora do consolo, só devo olhar
no Cristo fora de mim, para a graça alheia, e não no Cristo em mim. Somos
salvos unicamente por graça pela fé e não por fé e amor.
Precisamos
distinguir isto claramente, caso contrário, não teremos paz, nem certeza do
perdão e da vida eterna. Esta diferença parece tão pequena e tão diminuta que
muitos julgam: Não vale a pena discutir ou brigar por isso. Mas esta
diferença é como um carril de desvio nos
trilhos de trem. A diferença inicial é bem pequena, mas mudado o carril, os
trilhos levam a direções e lugares bem diferentes. Por isso, na doutrina da
justificação pela graça, não podemos permitir nenhum desvio. É a doutrina pela qual a igreja permanece
de pé ou cai. Somos salvos unicamente por graça. Na justificação não entra
o amor, mas a fé produz frutos do amor. Somos salvos somente por graça pela fé,
sem as obras da lei. Agora andamos com Cristo para o ouvir, para sermos
dirigidos por ele. Para fazer a sua vontade. Temos prazer na lei de Deus. Ela
não pode nos coagir, porque a amamos.
Assim, a fé necessariamente produz boas obras. Isto não é um simples
trocadilho, mas uma verdade que precisa ser mantida. As obras que fazemos, são
frutos da habitação do Espírito santo em nós. Mesmo assim, elas são todas ainda
imperfeitas e precisam ser, diariamente, purificadas pelo sangue de Cristo.
Esta é a consolação da Bíblia. Esta
consolação permanece em todos os momentos de nossa vida, até ao último passo,
na morte e diante do juízo de Deus. A graça de Cristo é o manto da “justiça de
Cristo” pelo qual subsistiremos diante do tribunal de Deus.
Assim Lutero, como todos os cristãos, se
consolou e nós nos consolamos. E, ao mesmo tempo, zelam com todas as forças de
sua alma por vida santificada, não para obterem a justificação, mas por terem
sido justificados, consolados com a graça.
Esta é a bênção da Reforma Luterana, o
presente que Deus nos deu e preservou até os nossos dias. Por esta bênção
agradecemos e louvamos a Deus. Para conservá-la, queremos permanecer apegados à
palavra de Deus, a Bíblia, e nossas Confissões. É um dever de todos ler e reler
as Confissões (pelo menos o Catecismo Menor e Confissão de Augsburgo), não só
dos pastores, mas de todos os membros, para que ninguém nos roube este tesouro.
E ao mesmo tempo confessar esta verdade destemida e corajosamente diante de
quem quer que seja, como o fizeram nossos pais. Amém.
São Leopoldo, 30/10/2010
Horst R. Kuchenbecker
XXIII - Folheto Reforma Luterana
A Reforma Luterana
No dia 31 de outubro, as
Igrejas luteranas (evangélica e reformadas) celebram o dia da Reforma Luterana.
Dia no qual o Dr. Martinho Lutero, padre e professor de teologia, pregou suas
95 teses na porta da igreja do Castelo em Wittenberg, Alemanha (31 de outubro
de 1517). Ele queria debater com os líderes de sua querida Igreja Católica a
respeito da venda das indulgências, a venda do perdão dos pecados por dinheiro.
Um negócio que a Igreja Católica do seu tempo promoveu para angariar fundos
para a construção da Basílica de São Pedro, em Roma.
Pela Bíblia
Pelo estudo da Escritura
Sagrada, a Bíblia, Lutero reconheceu que perdão dos pecados não se compra por
dinheiro. Só Deus perdoa pecados por amor
a Cristo.
A Igreja defendeu seu ponto
de vista. As discussões tornaram se amargas. Lutero foi expulso da Igreja
Católica. Ele se aprofundou no estudo da Bíblia e reconheceu ainda outros erros
da Igreja. Diziam a ele: “Só tu queres entender a Bíblia e não respeitas a
interpretação dos pais da Igreja”. Isto levou Lutero a estudar os escritos dos
pais, e qual não foi sua surpresa. Os antigos pais da Igreja como os padres:
Sto. Orígenes (185-254 AD), Sto. Irineu (125-202 AD), Sto. Agostinho (354-430
AD) e outros, interpretaram a Bíblia como ele. Lutero notou que até o ano 500
depois de Cristo (AD), a Igreja foi fiel a Cristo, após isso, entraram erros.
Lutero voltou aos claros ensinos da Bíblia.
Padre e professor de Teologia
Lutero foi, como padre e professor de
teologia, um fiel servo de Cristo. Ele não é um santo da igreja evangélica
luterana, nem fundador de uma nova igreja. Ele não dividiu a Igreja Católica,
mas voltou ao verdadeiro ensino de Cristo, que foi o ensino da Igreja Católica
nos primeiros séculos. Ele, mesmo expulso da igreja, amou a verdadeira Igreja
Católica até o fim. Muitos se alegraram com a volta aos verdadeiros ensinos da
Bíblia. Seus seguidores foram apelidados de “luteranos”. O apelido ficou e não temos
de que nos envergonhar dele. Lutero destacou três pontos do ensino bíblico: Somente a Escritura, somente por graça de
Cristo, somente pela fé nesta graça. Vejamos o conteúdo dessas afirmações.
Somente
a Escritura
Jesus disse aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois
verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos
libertará (João 8.31,32). Examinais
as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que
testificam de mim (João 5.39). Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos
de Deus (1 Pedro 4.11). O apóstolo Paulo afirmou: Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho
que vá além do que vos temos pregado, seja anátema (Gálatas 1.8). Dessas e
de outras afirmações da Escritura, Lutero concluiu: Se alguém quiser falar e ensinar na Igreja, ele deve fazê-lo firmado a
Escritura. A Bíblia é a infalível e inspirada Palavra Deus, que se
interpreta a si mesma. Única autoridade na Igreja. A ela nada deve ser
acrescentado nem dela tirado algo.
Somente por graça de Cristo
Perdão dos pecados, pela graça de Cristo é
a pedra fundamental da Igreja Cristã. Para compreendermos este perdão,
precisamos conhecer Deus conforme ele se revelou na Bíblia.
Há um só Deus, o Deus triúno:
Pai, Filho e Espírito Santo, um ser divino em três pessoas distintas, eterno,
onisciente e onipotente, santo e justo. Diante dele os anjos cantam
ininterruptamente, dizendo: Santo, santo,
santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória (Isaías
6.3). Este Deus disse: A alma que
pecar, essa morrerá (Ezequiel 18.4). Não há justo, nem um sequer (Romanos 3.10).
O apóstolo Paulo afirma: Éramos, por natureza, filhos da ira, como também os
demais (Efésios 2.3).
O que fazer? Deus deu a lei, ela precisa
ser cumprida. Após a queda de Adão e Eva em pecado, nós nascemos em pecado
somos incapazes de cumpri-la. Deus teve compaixão da humanidade e planejou,
desde a eternidade, salvá-la por seu unigênito Filho, Jesus Cristo.
Jesus Cristo, o eterno Filho de Deus,
veio ao mundo e nasceu da virgem Maria, em Belém da Judéia. Como verdadeiro
Deus e verdadeiro homem ele cumpriu a lei em favor de toda a humanidade. Por
seu sofrer e morreu na cruz do Gólgota, pagou a culpa da humanidade a Deus. Por
sua ressurreição, Deus Pai confirmou que aceitou o sacrifício de seu filho em
favor de toda a humanidade e está reconciliada com ela. Cristo nos libertou do
poder do pecado, da morte e da eterna condenação. A Bíblia afirma: Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que
deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a
vida eterna (João 3.16). Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo,
não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da
reconciliação. De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus
exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos deixai-vos
reconciliar com Deus (2 Coríntios 5.19-20). A Palavra de Deus e os
sacramentos, batismo e Santa Ceia, são os meios da graça, pelos quais o
Espírito Santo, ilumina, chama, opera e conserva a verdadeira fé.
Somente pela fé
Como esta salvação se torna minha? Muitos
acham que isto custa muito esforço: jejuns, orações e boas obras. Não! Jesus
adquiriu o completo perdão para toda a humanidade e o oferece por sua Palavra e
Sacramentos (Batismo e Santa Ceia), para
que todo o que nele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna (João 3.16). A
Bíblia afirma: Concluímos, pois, que o homem é
justificado pela fé, independentemente das obras da lei (Romanos 3.28). Porque
pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus;
não de obras, para que ninguém se glorie (Efésios 2.8-9). O apóstolo Paulo diz ao carcereiro de Filipos, que perguntou: Senhores, que devo fazer para que seja
salvo? Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa (Atos 16.30-31). No
dia de Pentecostes a multidão perguntou ao apóstolo Pedro: Que faremos, irmãos? Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja
batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis
o dom do Espírito Santo. Pois para vós
outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe,
isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar. Com muitas outras palavras deu testemunho e
exortava-os, dizendo: Salvai-vos desta geração perversa. Então, os que lhe aceitaram a palavra foram
batizados, havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas (Atos
2.37-41). Crer é confiar nesta promessa de Deus.
Então o que devo fazer para ser salvo?
Ouça e leia a Bíblia. Pela lei, os Dez Mandamentos, Deus mostra que todos nós
somos pecadores condenados e precisa do Salvador Jesus. Pelo evangelho, a boa
nova da salvação, Deus mostra seu amor em Cristo a todos nós. Ouça: Cristo
pagou toda sua dívida para com Deus. Confia nesta promessa de Deus e serás
salvo. Em Hebreus lemos: Ora, a fé é a certeza de
coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem (Hebreus 11.1). Como filho de Deus pela fé em
Cristo e templo do Espírito Santo você passará a amar a Deus e servir ao
próximo, não para conquistar a salvação, mas por gratidão a Deus que o salvou.
O apóstolo João escreve: Amados, agora,
somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos
que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de
vê-lo como ele é (1 João 3.2).
Conclusão
Dizemos com o poeta: “De graça deverei ser
salvo, e disso não vou duvidar. Bem sei que alcançarei meu alvo, na Bíblia
posso me fiar. Jesus é quem ali me diz: De graça irás ao céu feliz” (HL 371.1).
Como filhos de Deus cantamos: Glória ao Pai e ao Filho e ao Santo Espírito,
como era no princípio, agora é o por todo o sempre há de ser. Pois somos feitura dele, criados em Cristo
Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos
nelas (Efésios 2.10).
Leia a Bíblia. Nela Deus se revela a nós.
Em nossa igreja estamos à sua disposição para maiores esclarecimentos tanto
sobre a Bíblia, suas doutrinas e a vivência cristã.
São Leopoldo, 10/10/2014
Horst R. Kuchenbecker
XXIV - Identidade
luterana ....
A
IDENTIDADE LUTERANA FRENTE AO CALVINISMO
(Com
permissão)
Paulo W. Buss
Observação preliminar. No convite
que recebi do Presidente da IELB, o tema da minha palestra está formulado da
seguinte maneira: “A Identidade Luterana Frente a Outras Teologias (calvinismo
e arminianismo) ” Optei por me dedicar
mais à comparação das posições luterana e calvinista, não porque a posição
arminiana não seja importante ou não ofereça risco à identidade luterana, mas
apenas por consideração ao tempo disponível.
Para começar, cito duas
avaliações diametralmente opostas entre si com relação ao calvinismo.
Um dos
principais nomes do calvinismo no final do século 19 e início do século 20 foi
o teólogo e filósofo holandês Abraham Kuyper. Para ele, o calvinismo representa
o supra-sumo da teologia e do pensamento cristão. Afirma ele que “o Calvinismo
reivindica incorporar a idéia cristã mais pura e acurada do que poderia fazer o
Romanismo e o Luteranismo.” (Kuyper, 2004, 26). Mais adiante, ele alega:
“Lutero nunca desenvolveu seu pensamento fundamental. E o Protestantismo,
tomado em um sentido geral, sem qualquer diferenciação a mais, ou é uma
concepção puramente negativa sem conteúdo, ou é um nome semelhante ao camaleão
que os negadores do Deus-Homem gostam de adotar como seu escudo. Somente sobre
o Calvinismo pode ser dito que consistente e logicamente levou até o fim as
linhas da Reforma, estabeleceu não apenas Igrejas mas também Estados, colocou
sua marca sobre a vida social e pública e assim, no sentido pleno da palavra,
criou para toda a vida do homem um mundo de pensamento inteiramente próprio
dele”. (Kuyper, 2004, 199).
A segunda
avaliação do calvinismo vem de um homem chamado Stuart Wood. Num site na
internet, ele afirma ter sido pastor reformado por seis anos e que ele chegou
“à fé cristã ortodoxa” quando leu as obras de Lutero. Ele acrescenta que, em
quinze anos, ele leu os 55 volumes das obras de Lutero em inglês. (http://kimriddlebarger.squarespace.com/the-latest-post/2009/2/4/on-the-differences-between-lutheranism-and-calvinism-audio-f.html,
23/03/09). Wood escreveu um artigo
que pode ser encontrado na internet com o título Tirando a máscara do calvinismo (taking the mask off calvinism).
Neste artigo, ele se refere ao espírito anti-cristão e às falsas religiões
existentes nos tempos finais e acrescenta:
“Uma dessas
religiões que rejeita e destrói o Evangelho é o calvinismo. Neste escrito,
estou falando daquele calvinismo que nega a expiação universal de Cristo. Por
essa razão, Satanás o suscitou e o estabeleceu em suas muitas formas. Seus
erros são sutis, refletindo o profundo ardil e grande poder de nosso antigo
inimigo maligno. As Escrituras descrevem a serpente como “mais sagaz que todos
os animais selváticos” (Gn 3.1). O perigo mortal do calvinismo é que ele se
parece tanto com o cristianismo verdadeiro. Ele é uma falsificação que
facilmente pode se passar por legítimo. De fato, eu nunca teria sabido ou mesmo
suspeitado da natureza venenosa dessa mentira diabólica se não fosse pelos
escritos de Martinho Lutero que me ensinaram a fé e me libertaram do seu
terrível laço. Você vê, o calvinismo é realmente uma religião falsa apesar de
sua aparência de defensor da verdade bíblica. É uma religião derivada da razão
humana depravada e não aquela religião verdadeira que pertence à palavra de
Deus e á fé como de uma criança”. (Stuart Wood, Taking the mask off Calvinism[1]. http://arlomax.googlepages.com/takingthemaskoffcalvinism%3Athedangerofhum, p. 2, 23/03/2009)
Ambos os
autores reconhecem que existe uma diferença entre luteranismo e calvinismo.
Mas, como eu disse antes, são duas posições diametralmente opostas entre si.
Qual delas é correta e verdadeira? Ou existe uma terceira alternativa?
Na era ecumênica
em que vivemos, cobra-se, muitas vezes, uma postura que evite o confronto a
todo custo. Até o simples mencionar de diferenças existentes é visto com
desagrado pela opinião dominante. Mas, como nos lembra o padre e sociólogo
americano Andrew Greeley, deixar de falar do que é diferente não elimina a
diferença que de fato existe. Até mesmo ardorosos defensores do ecumenismo
defendem a idéia de que só se pode esperar um diálogo frutífero entre pessoas
ou grupos com opiniões diferentes quando se põe as cartas na mesa, ou seja,
quando não se esconde as posições divergentes.
Hermann Sasse[2]
adverte: “O Espírito Santo, o Espírito da verdade, nunca está presente onde são
contadas mentiras. Realmente, há mais unidade de igreja onde cristãos de
diferentes confissões estabelecem de forma honrada que eles não têm a mesma
compreensão do evangelho do que onde o doloroso fato da divisão confessional é
escondido atrás de uma mentira piedosa” (Sasse, 1997, 9).
Nosso
objetivo é identificar as diferenças para, por um lado, reafirmar nossa
identidade, advertir sobre o perigo de, até imperceptivelmente, assimilarmos
doutrinas anti-escriturísticas e, para conclamarmos a todos a serem fiéis ao
que a Escritura exige de nós quando preconiza que o pastor deve ter “poder
tanto para exortar pelo reto ensino como para convencer os que o contradizem”.
(Tt 1.9).
Mas,
de que tipo, grau e tamanho de diferenças estamos falando? Se todos cremos em
Cristo para a salvação, não é isso o que interessa? Não é o suficiente? Satis est? Ou estarão em jogo aqui
artigos fundamentais, alicerces da fé?
Antes de mais
nada, precisamos situar as diferenças entre luteranismo e calvinismo de maneira
genérica dentro do grande contexto religioso em geral. Mais adiante, iremos
tratar de diferenças em relação a doutrinas específicas.
No contexto
religioso geral, deparamos com vários níveis de identificação da fé religiosa.
1. O primeiro
nível é o do “Religioso Genérico”. Este é o nível mais genérico de
identificação da fé. Pessoas que se encontram neste nível, contentam-se em
afirmar: “O importante é pertencer a uma religião seja ela qual for. .“Deus é
um só”. “Todas as religiões são boas porque todas defendem e promovem o bem e
condenam o mal”.
Este é o nível
dos que, consciente ou inconscientemente, defendem o macroecumenismo e os universalistas
que, inclusive, declaram haver “cristãos anônimos” em todas as religiões ou até
fora delas.
Será que a
diferença entre luteranos e calvinistas começa neste nível?
2. O segundo
nível é do “Cristão Genérico”. Nesse nível se afirma: “Todos os que se declaram
cristãos e aceitam a Bíblia como um livro sagrado são cristãos e irmãos na fé”.
Esse é o nível
de um certo tipo de “ecumenismo interdenominacional”. Aceita-se como irmãs
igrejas que tem hermenêuticas diferentes, exegeses diversas e que, portanto,
chegam a conclusões divergentes sobre doutrinas e práticas da fé.
Será que a
diferença entre luteranos e calvinistas começa neste nível?
3. O terceiro
nível é o dos “que crêem em Cristo”. Todos os que declaram crer em Cristo são
considerados irmãos na fé.
O primeiro
problema que esse nível coloca é como saber quem de fato crê em Cristo. A Confissão de Augsburgo (CA), art. VIII diz
que, ao lado dos piedosos, se encontram na igreja “falsos cristãos e
hipócritas, também, pecadores manifestos”. É preciso distinguir entre a fides qua (a fé que crê—oculta no
coração) e a fides quae (a doutrina que se crê). O segundo problema é determinar
o que é “crer em Cristo”. Para muitos, isso equivale a considerá-lo um grande
mestre da ética, para outros, o inspirador de uma ideologia, para outros ainda,
como um salvador.
Será que a
diferença entre luteranos e calvinistas começa neste nível?
4. O quarto
nível é o dos “que confessam Jesus Cristo como Senhor e Salvador”.
Também neste
nível restam perguntas a serem feitas. Quem é Jesus Cristo? [Cf. Quem é Jesus Cristo no Brasil, ASTE. Apresenta
7 tipos (idéias) diferentes de Cristo; Juan Mackay. El otro Cristo español, propõe um Cristo vivo diferente do Cristo
morto da religiosidade popular. Rodolfo Blank. Teologia y Misión en América Latina, recorre à expressão
“Cristo-paganismo” para se referir à mistura de cerimônias e crenças pagãs
pré-colombianas com as doutrinas católico-romanas na América Latina.
Baseando-se em Dussel, ele afirma que na religiosidade popular latino-americana
existem tantos cristos quantas virgens diferentes. (Blank, 1996, 89, 90).
Francis
Schaeffer, em seu livro A morte da razão,
no subtítulo ‘Jesus, a bandeira indefinida’, lamenta o abuso a que o nome de
Jesus está exposto ao ser usado como mero símbolo sem conteúdo definido. Diz
ele:
“Cheguei ao ponto em que, ouvindo a palavra
‘Jesus’—que para mim se reveste de tanto significado por causa da Pessoa do
Jesus histórico e Sua obra—fico a escutar cuidadosamente, porque, digo-o com
tristeza, receio mais este vocábulo do que quase qualquer outro no mundo atual.
O termo é usado hoje em dia como um emblema sem conteúdo a que se convida nossa
geração a seguir. Mas não se lhe empresta sentido racional, bíblico, através do
qual se possa testá-lo e, dessa forma, a palavra está sendo empregada para
ensinar exatamente o oposto daquilo que Jesus ensinou”. (Schaeffer, 1974, 77).
Outra questão
fundamental é: Como Jesus nos salva? Há
uma diferença enorme se a resposta vem do pelagianismo,semi-pelagianismo,
socinianismo, sinergismo, espiritismo ou da Bíblia.
Jesus diz: “Em
vão me adoram ensinando doutrinas que são preceitos de homens”. (Mt 15.9) O
Jesus Salvador proposto na Escritura é aquele que, pela sua morte vicária, nos
livra dos pecados e da condenação eterna.
Será que a
diferença entre luteranos e calvinistas começa neste nível?
5. O quinto
nível é o da unidade na confissão da fé.
Declara a
Confissão de Augsburgo: “Porque para a verdadeira unidade da igreja cristã é
suficiente que o evangelho seja pregado unanimemente de acordo com a reta
compreensão dele e os sacramentos sejam administrados em conformidade com a
palavra de Deus”. (CA, VII. Livro
de Concórdia, 1983, p. 31).
A Fórmula de
Concórdia (FC) se propôs a reafirmar e explicitar o conteúdo da CA. Ela afirma
na Declaração Sólida (DS): "Todos,
amigos e inimigos, claramente podem depreender de nossa explanação que não é
propósito nosso ceder algo da eterna e imutável verdade de Deus (nem está em
nosso poder fazê-lo) por amor da paz, da tranquilidade e da unidade temporais.
E tal paz e concórdia nem teriam estabilidade, porquanto adversam a verdade e
visam a suprimi-la. Muito menos ainda propendemos a enfeitar e encobrir
falsificação da doutrina pura e erros manifestos e condenados. A unidade pela
qual nutrimos cordial desejo e amor e que anelamos promover, estando, de nossa
parte, sinceramente dispostos a empenhar tudo o que estiver em nós para fazê-la
avançar, é, isto sim, aquela unidade que preserva incólume a honra de Deus,
nada renuncia da divina verdade do santo evangelho, coisa nenhuma concede ao mínimo
erro, conduz os pobres pecadores ao verdadeiro e genuíno arrependimento,
erige-os pela fé, avigora-os na nova obediência, e destarte os justifica e lhes
dá a eterna salvação pelo mérito de Cristo somente" (FC, DS, XI 95, 96. Livro
de Concórdia, 1983, p. 678).
Será que a
diferença entre luteranos e calvinistas começa neste nível?
ASPECTOS HISTÓRICOS:
A ORIGEM DO CALVINISMO E DO ARMINIANISMO
Antes
de falarmos de diferenças doutrinárias, é importante verificar a origem histórica
da divisão.
As
igrejas reformadas ou calvinistas têm sua origem na reforma suíça de Zwínglio
(1484-1531) e Calvino (1509-1564). Inicialmente, o nome “reformado” se referia
a todos os que haviam deixado a igreja Católica Romana na época da Reforma.
Lewis Spitz explica como esse nome passou a designar especialmente os
seguidores de Calvino: “Em uma reunião com o rei Carlos IX em 1561 os
calvinistas reivindicaram o nome “reformado” para sua própria igreja. Pela
adoção deste nome desejavam indicar que seu método de reformar a igreja era
mais completo que o de Lutero. Consideravam suas doutrinas distintivas, bem
como a abolição de certos ritos, cerimônias litúrgicas e o abandono de velas,
talares, vestes litúrgicas e coisas semelhantes, como complementos
indispensáveis às reformas de Lutero”. (Spitz, 1982, 47)
Um episódio
emblemático do relacionamento entre luteranos e reformados aconteceu no
Colóquio de Marburgo de 1529 quando Lutero se recusou a estender a mão
fraternal a Zwínglio. Este é acusado de ter sido leviano ao assinar o documento
final do encontro, redigido por Lutero, pois ensinou de forma diversa depois
disso. Mas, para muitos, o culpado de perpetuar a divisão de boa parte da
cristandade foi Lutero. Ele é que teria sido obstinado e inflexível. Depois
disso, os luteranos são acusados de, seguidamente, repetirem a atitude de
Lutero. Os reformados (baseados no princípio Ecclesia semper reformanda) “avançaram” e aguardam que os luteranos
“retardatários”, os alcancem e se juntem a eles. Mas, segundo os reformados, os
luteranos têm dificuldades para se desvencilhar do sacramentalismo medieval.
Hermann Sasse lembra que, baseados nessa idéia, de que os luteranos ainda
ficaram com um pé no catolicismo e que eles precisam de uma mãozinha dos
reformados para completarem a reforma, príncipes alemães atraídos pelo
calvinismo sentiram-se autorizados a forçar a população luterana de seus
territórios a aderirem à fé reformada. (Sasse, 1987, 20)[3].
Em outra obra, Sasse diz que, “para os reformados, os luteranos são parte da
igreja evangélica na medida em que eles estão a caminho em direção à
integralização da Reforma. É tarefa dos reformados ajudar os luteranos nesse
aspecto; por exemplo, ajudar os luteranos os luteranos a se livrar da doutrina
da Presença Real na Ceia, da ênfase unilateral na fé em detrimento da
obediência, entre outras coisas” (Sasse, 1997, 48).
Confissões de
fé Reformadas
O conceito
“confessionalidade” tem um significado diferente para luteranos e reformados.
Pergunte a um luterano instruído quais são as Confissões de sua igreja e ele
vai se referir aos documentos contidos no Livro de Concórdia. Os reformados,
por sua vez, têm muitas confissões de fé, com maior ou menor autoridade e que
surgiram em diferentes países e culturas. Em consequência disso, as diferentes
igrejas reformadas podem ser consideradas primas de primeiro grau, mas não
irmãs gêmeas. (Pelikan, 2003, 468-9).
As principais
confissões reformadas são as seguintes, por ordem cronológica:
A [Primeira] Confissão Boêmia de
1535;
A Primeira Confissão Helvética de
1536;
A [Primeira] Confissão dos
Escoceses de 1560;
A Confissão Belga de 1561;
O Catecismo de Heidelberg de 1563;
A Segunda Confissão Helvética de
1566;
Os Trinta e Nove Artigos de Fé da
Igreja da Inglaterra de 1571;
A [Segunda] Confissão Boêmia de
1575;
A [Segunda] Confissão dos
Escoceses de 1581.
Os Artigos Irlandeses de Religião
de 1615.
Jaroslav
Pelikan, que apresenta esta lista, acrescenta que apenas algumas poucas
afirmações, como os Cânones do Sínodo de Dort (1619), adquiriram uma posição
transnacional ou mesmo internacional. (Pelikan, 2003, 468).
Outros
documentos importantes que apresentam a fé reformada são as seguintes:
- 1536 – Institutio Christianae
Religionis (As Institututas de
Calvino). Obra dogmática. 2ª edição em 1539; 1ª edição em francês, 1540.
- 1541 – Catechismus ecclesiae
Genevensis
- 1549 – Consensus Tigurinus
(Consenso de Zurique: entre Genebra e Zurique referente à doutrina dos
Sacramentos)
- 1551 – Consensus Genevensis
(Defesa da predestinação absoluta)
- 1581 – Admonitio Neostadiensis
(“obra fundamental da crítica reformada à cristologia da FC”, Livro de
Concórdia, 1983, p. 636, nota 656)
É preciso
relembrar, não há uniformidade confessional entre os reformados. Por isso, não
estranhe se os reformados que você conhece não são exatamente como os descritos
nesta palestra. É claro que também há diversidade confessional entre os
luteranos. Uns são mais outros menos confessionais. Mas, entre os reformados
houve maior diversidade desde o início e, inicialmente, só havia confissões de
fé locais.
Norman Geisler faz uma distinção
entre o calvinismo extremado e o calvinismo moderado. Para ele “Calvinista
extremado é alguém que é mais calvinista que João Calvino”. (Geisler, 2005,
63). As idéias do calvinismo extremado teriam sua origem em Agostinho e, nos
tempos modernos, em Teodoro Beza, seguidor de Calvino que formulou uma
confissão calvinista no Sínodo de Dort, 1618-1619. (Geisler, 2005, 63). Os
famosos cinco pontos dos Cânones de Dort, referentes à doutrina da salvação,
são conhecidos em inglês pelo acróstico TULIP (em português, TELIP):
Total
depravação
Eleição
incondicional
Limitação
da expiação
Irresistibilidade
da graça
Perseverança
dos santos
Estes cinco
pontos foram elaborados em resposta ao Protesto Arminiano de 1610. O
armininianismo toma seu nome de Jacó Armínio, um teólogo reformado holandês que
expressou sua oposição à idéia da predestinação absoluta no livro Remonstrance
(Protesto) em 1610. Os cinco pontos armininianos podem ser assim resumidos:
(Geisler, 2005,118)
- Deus elege com base em seu “propósito
eterno e imutável” somente “os que, por intermédio da graça do Espírito
Santo, crerão em seu Filho Jesus. Ele também deseja “deixar o incorrigível
e incrédulo em pecado e debaixo de ira”.
- Cristo “morreu por todos os homens e em
favor de cada um, de modo que obteve para todos eles [. . .] a redenção e
o perdão dos pecados; todavia, nenhum deles realmente desfruta desse
perdão de pecados exceto o crente . . .”
- “O ser humano não possui graça salvadora
de si mesmo; nem da energia de seu livre-arbítrio [. . .] pode de si mesmo
e por si mesmo pensar, querer ou fazer qualquer coisa que seja
verdadeiramente boa (tal como a fé salvadora eminentemente é); mas é
necessário que ele seja nascido de novo de Deus em Cristo . . .
- “Essa graça de Deus é o começo, a
continuação e o cumprimento de todo o bem, mesmo a esse grau, e que o
próprio homem regenerado, sem a graça antecedente ou assistente,
despertadora e cooperadora, não pode pensar, desejar ou fazer o bem . . .”
E acrescenta: “Mas no que tange ao modo da operação dessa graça, ela não é
irresistível . . .”
- “Os que são incorporados a Cristo por
uma fé verdadeira [. . .] têm, desse modo, pleno poder para [. . .] ganhar
a vitória; [. . .]mas, se são capazes [. . .] de se tornar destituídos da
graça, essa destituição deve ser mais particularmente determinada com base
na Escritura, antes de podermos ensiná-lo com plena persuasão mental.
(Geisler, 2005,118)
De forma mais abreviada, os cinco pontos arminianos são assim resumidos:
“1. Deus na eternidade predestinou à vida eterna aqueles que previu que
permaneceriam firmes na fé até seu fim. 2. Cristo morreu por toda humanidade e
não só pelos eleitos. 3. O homem coopera em sua conversão pelo livre arbítrio.
4. O homem pode resistir à graça divina. 5. O homem pode cair da graça divina”.
(Apud, Spitz, 1982, 59)
O arminianismo foi condenado no Sínodo de Dort e, a partir daí,
acrescenta-se mais uma família teológica ao Protestantismo que já estava
dividido em luteranismo, anabatismo e calvinismo.
O calvinismo “extremado” tem, no centro de sua doutrina da salvação, a
afirmação da dupla predestinação e a limitação da redenção que mantém que
Cristo morreu só pelos eleitos. Embora
autores como Geisler façam um enorme esforço para desvincular Calvino dessa
posição radical, ele próprio afirma:
“Denominamos predestinação o conselho eterno de Deus pelo qual Ele
determinou o que desejava fazer com cada ser humano. Porque Ele não criou todos
em igual condição, mas ordenou uns para a vida eterna e os demais para a
condenação eterna. Assim, conforme a finalidade para a qual o homem foi criado,
dizemos que foi predestinado para a vida ou para a morte”. (João Calvino, As
Institutas, 2006, III, 8, apud Costa, 2006, 223).
A Confissão de Fé de Westminster (1648) declara: “Assim como Deus
destinou os eleitos para a glória . . . o restante dos homens, para louvor de
sua gloriosa justiça, foi Deus servido não contemplar e ordená-los para a
desonra e ira por causa dos seus pecados” (art. III, apud Geisler, 2005, 246).
O calvinismo moderado procura
estabelecer um meio termo entre o calvinismo extremado e o arminianismo. Para
Geisler, os calvinistas moderados e os arminianos moderados “representam a
grande maioria da cristandade” (Geisler, 2005, 151). Embora existam algumas
diferenças importantes entre os dois, “elas não negam as similaridades”
(Geisler, 2005, 151). O ponto de maior concordância parece ser o sinergismo.
Afirma Geisler:
“A graça de Deus opera
sinergicamente com o livre-arbítrio. Isto é, a graça deve ser recebida para ser
eficaz. Não há quaisquer condições para que a graça seja dada, mas há uma
condição para que ela seja recebida—a fé. Em outras palavras, a graça
justificadora de Deus trabalha cooperativamente, não operativamente. A fé é
pré-condição para se receber o dom da salvação” (Geisler, 2005, 276).
Geisler é muito enfático nesse ponto. Para ele, “receber a Cristo . . .
envolve um ato livre da vontade” (67), e, para receber a salvação, “existe algo
que todos podem e devem fazer” (73).
Geisler compara a posição do calvinismo extremado e moderado com
relação aos cinco pontos calvinistas da seguinte forma:
Os cinco pontos
|
Calvinismo extremado
|
Calvinismo moderado
|
Depravação
total
|
Intensiva
(destrutiva)
|
Extensiva
(corruptora)
|
Eleição
incodicional (sic)
|
Nenhuma
condição para Deus ou para o homem
|
Nenhuma
condição para Deus; uma condição para o homem (fé)
|
Expiação
limitada
|
Limitada na
extensão (somente para os eleitos)
|
Limitada no
resultado (mas para todas as pessoas)
|
Graça
irresistível
|
Em sentido
coercitivo (contra a vontade do homem)
|
Em sentido
persuasivo (de acordo com a vontade do homem
|
Perseverança
dos santos
|
Nenhum dos
eleitos morrerá em pecado
|
Nenhum eleito
será perdido (memso (sic) que morra em pecado)
|
(Geisler, 2005,
134)
Summa summarum, tanto os
calvinistas extremados, quanto os moderados e os arminianos dão uma resposta
racional à questão proposta pela crux
theologorum: Por que alguns se salvam e outros não? Os calvinistas
extremados respondem com a dupla predestinação; os “moderados” e os arminianos
com o sinergismo. Mesmo os calvinistas “moderados” não escapam do “aliquid in
homine” ao afirmarem: “Não há quaisquer condições para que a graça seja dada,
mas há uma condição para que ela seja recebida—a fé” (Geisler, 2005, 276).
LUTERANISMO E
CALVINISMO: COMPARAÇÃO DE ALGUMAS DOUTRINAS
- DEUS
“O que nos vem à mente quando pensamos a respeito de Deus é a coisa
mais importante a respeito de nós mesmos” (A. W. Tozer apud. Geisler, 2005,
11).
Calvinistas fazem questão de
afirmar que sua teologia é teocêntrica. Norman Geisler explica como eles o
entendem: “Quando alguém que está completamente familiarizado com a Bíblia
reflete a respeito de Deus, uma das primeiras coisas que lhe deve vir à mente é
a soberania divina”. (Geisler,2005,
11). Os termos soberania de Deus, glória de Deus, transcendência de Deus, recebem
grande destaque no calvinismo. Como eles definem a soberania de Deus? Ainda
segundo Geisler:
“Um Deus que existe antes de todas
as coisas, está além de todas as coisas, sustenta todas as coisas, conhece
todas as coisas e pode todas as coisas está também no controle de todas as
coisas. Esse controle absoluto de todas as coisas é chamado soberania de Deus”
(Geisler, 2005, 15).
O conceito da transcendência de Deus já ressaltado por Calvino,
continua presente nos teólogos calvinistas mais recentes. Karl Barth fala de
Deus como o “totalmente outro”. O conceito da soberania divina torna-se um eixo
central na teologia calvinista, assim como a doutrina da justificação é o eixo
central da teologia luterana. Para Calvino, há um abismo imenso entre a
grandiosidade do Deus criador e de sua pequena criatura humana. Na teologia
luterana é o pecado que separou o homem de Deus, para a teologia reformada, o
abismo existe desde a criação. David Scaer chama atenção para o fato de que o
princípio filosófico finitum non est
capax infiniti empregado na Cristologia calvinista acaba por trazer uma
enorme dificuldade para a totalidade de sua teologia. Pois, nesse caso, o
abismo entre Deus e o homem é superado apenas de forma incompleta na encarnação
e de forma alguma nos sacramentos. Scaer conclui: “Na teologia reformada, a
operação imediata, interna do Espírito Santo no coração do homem serve de ponte
que conecta o abismo entre Deus e o homem”. (Scaer, 1989, 28).
Para promover a “glória de Deus”, calvinistas muitas vezes foram
bastante agressivos e pouco tolerantes para com os que não concordam com eles.
(Ex: Anti-catolicismo militante, caso Serveto, lei seca nos Estados Unidos,
blue laws, etc).
A noção da soberania de Deus, como entendida por muitos calvinistas,
pode facilmente conduzir à doutrina da dupla predestinação. Norman Geisler
argumenta que os calvinistas extremados, se levarem suas premissas até o fim de
forma lógica e honesta, concluirão que Deus não é todo-amoroso porque ele ama
somente os eleitos. Geisler comenta: “Um Deus que ama parcialmente é menos que
um Deus supremamente bom. E aquilo que é menos que supremamente bom não é digno
de adoração, visto que adorar é atribuir dignidade ao objeto adorado” (Geisler,
2005, 158). Geisler cita o “calvinista extremado” William Ames: “Romanos 9.13
diz que Deus odeia os não eleitos.
Esse ódio é de negação ou de privação, porque nega a eleição, mas tem um
conteúdo positivo, porque Deus deseja que alguns não possuam a vida eterna
(Ames apud Geisler, 2005, 158).
Lutero também afirma que o conceito de Deus é fundamental para a vida
do crente e da igreja. Podemos ver isso em sua explicação do 1º mandamento e do
Credo Cristão nos catecismos e, também, em outros escritos. Em seu comentário
sobre Gênesis, ele afirma:
“Antes de tudo, precisamos ter a verdadeira doutrina de Deus. Então uma
verdadeira reforma e estabelecimento de igrejas pode ser instituída sobre esta
base”. (Apud, Wenthe, 2000, 264). Lutero experimentou em sua própria vida como
uma imagem falsa de Deus pode ser terrível e até conduzir ao desespero. A idéia
de Deus que lhe foi passada pelos seus mestres e superiores no mosteiro era a
de um Deus soberano e justo que exige obediência e justiça total do homem. Do
crente se exigia que cumprisse a vontade desse deus e que o amasse de forma
total e irrestrita. Deixemos o próprio Lutero falar sobre como ele se sentia em
relação a esse deus:
“Eu não amava o Deus justo, que
pune os pecadores; ao contrário, eu o odiava”. Este conceito de Deus impedia
que Lutero entendesse o conceito bíblico “justiça de Deus”. Especialmente, ele
ficara intrigado e perturbado com o texto de Rm 1. 17: “a justiça de Deus se
revela no evangelho”. Ele mesmo explica:
“Como se não bastasse que os míseros pecadores, perdidos para toda a eternidade
por causa do pecado original, estivessem oprimidos por toda sorte de
infelicidade através da lei do decálogo—deveria Deus ainda amontoar
aflição sobre aflição através do evangelho, e ameaçá-los com sua justiça e sua
ira também através do evangelho? ” Seu conceito falso sobre a justiça de
Deus o deixava furioso e confuso, mas ele teimava em continuar refletindo sobre
o texto. “Aí Deus teve pena de mim. Dia e noite eu andava meditativo, até que
por fim observei a relação entre as palavras: ‘A justiça de Deus é nele [no
evangelho] revelada, como está escrito: o justo vive por fé’. Aí passei a
compreender a justiça de Deus como sendo uma justiça pela qual o justo vive
através da dádiva de Deus, ou seja, da fé. Comecei a entender que o sentido
é o seguinte: Através do evangelho é revelada a justiça de Deus, isto é, a
passiva, através da qual o Deus misericordioso nos justifica pela fé,
como está escrito: ‘O justo vive por fé’. Então me senti como que renascido, e
entrei pelos portões abertos do próprio paraíso. Aí toda a Escritura me
mostrou uma face completamente diferente. Fui passando em revista a
Escritura na medida em que a conhecia de memória, e também em outras palavras
encontrei as coisas de forma análoga: ‘Obra de Deus’ significa a obra que Deus
opera em nós; ‘virtude de Deus’—pela qual ele nos faz poderosos; ‘sabedoria de
Deus’—pela qual ele nos torna sábios. A mesma coisa vale para ‘força de Deus’,
‘salvação de Deus’, ‘glória de Deus’” (Lutero, 1984, 30-31)
Portanto, a imagem de Deus, que
Lutero extraiu, pela exegese, da própria Escritura, não apenas o transferiu de
uma situação de desespero para uma situação de alegria imensa, mas também
possibilitou que ele passasse a ler toda a Escritura com um novo enfoque. Este
enfoque não se concentrava mais num Deus exigente, mas no Deus que
graciosamente concede as suas dádivas que são recebidas pela fé.
Percebe-se, pois, que se o conceito calvinista de Deus se concentra na
soberania, glória, transcendência e justiça de Deus, o conceito de Lutero tem
como foco central a misericórdia e graça de Deus em Cristo. Neste sentido,
pode-se dizer que Lutero é mais Cristocêntrico do que Teocêntrico. (Cf. Hino
Castelo Forte (165,2): “Jesus Redentor, o próprio Jeová, pois outro Deus não
há). Jesus Cristo é a revelação de Deus. Ele é a verdade: ele desoculta Deus
(Jo 14, 6,9).
Karl Barth, em sua dogmática, critica a posição luterana de que o
centro da revelação é o Evangelho ou a doutrina da justificação do pecador
mediante a fé. Ele considera isso uma ênfase exagerada e acrescenta que o
conteúdo da revelação “é fundamentalmente e acima de tudo o próprio Deus, sua
personalidade, seu nome, seu senhorio, sua aliança com os homens. Este conteúdo
fundamental, concreto, e, portanto, a plenitude da revelação é prejudicada
pelos luteranos ao isolar a Lei do Evangelho, e a obediência da fé. ” (Apud
Sasse, 1987, 120).
Em conclusão: Crêem os reformados o mesmo que nós luteranos
sobre quem e como é Deus? Não sabemos. Porque a fé que crê (fides qua) está oculta no coração. Mas, ensinam
e confessam os reformados o mesmo que nós luteranos sobre esta doutrina?
O enfoque e as ênfases, com certeza, são diferentes.[4]
2. FÉ
Hermann Sasse mostra como a falta de uma correta distinção entre lei e
evangelho no calvinismo conduz também a uma compreensão errônea sobre a fé.
(Sasse, 1987, 130-133). Calvino e Reformados posteriores tem uma predileção
pela noção de “obediência da fé”. Calvino parte de Rm 1.5 para identificar fé
como obediência.
Para a teologia luterana, a fé é um dom de Deus que recebe a justiça de
Cristo, que se apropria da obediência de Cristo e, a partir disso, rende
obediência a Deus. Calvino, por um lado, se esforçou para afirmar claramente
que os crentes são salvos pela eleição divina e a obra justificadora de Cristo.
Mas, em outras afirmaçoes ele põe tanta ênfase na fé como obediência que alguns
concluem que ele ensina que fé é obediência. (Boehme, 2002, 18). Ele enfatizou
a predestinação, a obediência e a aliança e assim plantou as sementes que
promoveram a identificação de fé com obediência em calvinistas posteriores.
Alguns dizem que essa identificação se originou com Heinrich Bullinger e sua
noção do pacto bilateral. Mas, outros afirmam que a noção já está presente em
Calvino. (Boehme, 2002, 19ª).
Boehme esclarece que, em dogmáticos reformados posteriores, a
identificação de fé e obediência está vinculada à idéia das duas alianças de
Deus com os homens: a aliança das obras dada a Adão e Eva e a aliança da graça
em Cristo. Na aliança das obras, Deus exigia obediência perfeita e recompensava
esta obediência. Mas, após a queda, os homens não mais podiam ser justificados
de acordo com a aliança das obras, cumprindo a lei. Deus, então, estabeleceu
uma aliança de graça com o homem. Mas, esta aliança não substituiu a aliança
das obras, porém, foi acrescentada a ela. Por isso, a obrigação da
obediência permanece enquanto o homem é criatura de Deus. A condição da
aliança é a mesma no Antigo e no Novo Testamento. Ela exige fé para a obtenção
da salvação. Por isso, a aliança da graça, nos dois Testamentos, contém uma
mistura de Lei e Evangelho. (Boehme, 2002, 19).
3. LEI E EVANGELHO
Para Lutero, a igreja prega o
Evangelho. A função da Lei é secundária e auxiliar em relação ao Evangelho.
Para os calvinistas, Lei e Evangelho são ambos parte da obra própria de Cristo.
[Cf., Wenthe, 263-4]
Hermann Sasse afirma que tanto
luteranos quanto reformados querem distinguir Lei e Evangelho e também indicar
a relação que existe entre os dois. Ambos concordam que o principal artigo da
fé cristã é o perdão dos pecados. Os luteranos o consideram o conteúdo completo
do Evangelho, enquanto que os reformados o consideram o conteúdo principal
do Evangelho. A diferença está no fato de que os reformados acreditam que tanto
a lei quanto o evangelho fazem parte da obra própria de Cristo, e, portanto,
são funções essenciais da igreja. Os luteranos, por outro lado, ensinam que a
pregação da lei é a obra “estranha” e a pregação do evangelho a obra “própria”
de Cristo. Por isso, embora a igreja precisa pregar a lei –em função do
evangelho—a única coisa essencial à sua natureza como a igreja de Cristo é que
ela é o lugar, o único lugar do mundo, em que se ouve as boas novas do perdão
dos pecados por causa de Cristo. À primeira vista, continua Sasse, estas
diferenças na visão da relação de lei e evangelho podem parecer
insignificantes. Elas são como dois trilhos de trem que se encontram lado a
lado e parecem ir na mesma direção, até que mais tarde se descobre que elas vão
para direções totalmente diferentes. Ou seja, as diferenças doutrinárias neste
tópico só se tornam claras quando se vê suas consequências sobre outras
doutrinas. (Sasse, 1987, 129)
Transformar a fé em obediência,
por exemplo, é fazer do evangelho uma nova lei. Quando a lei toma o lugar do
evangelho e a justificação deixa de ser a doutrina central do cristianismo, a
igreja é transformada de uma congregação de crentes numa congregação de crentes
e obedientes, e Cristo se torna um novo Moisés. (Sasse, 1987, 137; Boehme,
2002, 21a).
Ulrich Asendorf—um destacado
teólogo luterano da Alemanha—salienta que Lutero ensina o uso predominante da
Lei como espelho. A Lei destrói, conduz à morte e revela o pecado. Em Calvino,
o terceiro uso da Lei predomina. O resultado disso, no calvinismo em geral, é
uma tendência ao legalismo. Isso conduz ao sistema puritano de vida. A partir
daí os calvinistas não conseguem distinguir Lei e Evangelho. Em consequência, o
Evangelho se torna uma nova Lei. Asendorf cita como exemplo o que aconteceu na
Alemanha após a 2ª Guerra Mundial. Lá, surgiu um “novo tipo de fanatismo sob o
título do que Karl Barth e seus discípulos chamavam o ‘governo real de Cristo’
em lugar da distinção dos dois reinos de Lutero. ” (Asendorf, 1979,2)
4. JUSTIFICAÇÃO E SANTIFICAÇÃO
Embora à primeira vista se possa
ter a impressão de que luteranos e reformados ensinam a mesma coisa sobre a
justificação—p. ex. seu caráter forense—vários autores concluíram, cada um à
sua maneira que a justificação não ocupa o mesmo lugar nas duas tradições
teológicas e que a justificação e santificação foram distinguidas de maneira
diferente nessas tradições.
Mesmo que a igreja reformada
queira aderir firmemente à doutrina da justificação do pecador por causa de
Cristo, ela não consegue assegurar para ela um lugar central no seu sistema
teológico completo, diz Sasse. Enquanto
a lei estiver no mesmo patamar do evangelho, o arrependimento com a absolvição,
a santificação com a justificação, a obediência com a fé, não é mais a
justificação que mostra só ela “o correto conhecimento de Cristo, e só ela abre
a porta para a Bíblia inteira. ” (Ap, IV, 2, em Müller, 1912, 87; Cf. Sasse
1987, 145)
Para Lutero e o luteranismo
confessional, o ponto de partida e o centro de toda a teologia é a justificação,
ou seja, o evangelho da graça de Deus em Cristo. Somos salvos por causa da
morte e ressurreição de Cristo, pela fé, sem mérito nosso. “Desse artigo a
gente não se pode afastar ou fazer alguma concessão, ainda que se desmoronem
céu e terra ou qualquer outra coisa. . .
Sobre esse artigo fundamenta-se tudo o que ensinamos e vivemos contra o
papa, o diabo e o mundo. Razão por que devemos estar bem certos disso e não
duvidar. Em caso contrário, tudo está perdido, e o papa, o diabo e tudo ficarão
com a vitória e a razão contra nós” (Artigos de Esmalcalde, 2ª Parte, I, 5).
Robert D.Brinsmead procurou
visualizar a diferença entre luteranos, reformados e arminianos sobre a
justificação elaborando três diagramas. Para ele, as correntes teológicas
reformadas e arminiana sempre tiveram maior dificuldade para manter a
centralidade da justificação do que a corrente luterana.
- Posição Reformada
(Calvinista):
No sistema reformado, a
justificação é considerada um ato estático, que ocorre uma única vez na vida e
que é seguido pela santificação:
Santificação
|
Justificação
Final
|
Nesse modelo, diz Brinsmead, “é quase impossível manter a
justificação no centro da atenção uma vez que um ato passado não permanece
sendo a maior necessidade do crente. A justificação se torna como um posto de
combustível pelo qual se passa apenas uma vez. ” (Brinsmead, 1979, 10)
- Posição Arminiana:
“O esquema arminiano tende a
reduzir a justificação a uma provisão apenas por pecados do passado. Isso é
seguido por santificação, que muitas vezes aparece como sendo um estágio
superior no processo soteriológico. A justificação final no dia do juízo tende
a repousar sobre a santificação. Nisso, a justificação é fortemente subordinada
à santificação” (Brinsmead, 1979, 10-11):
Justificação
para Pecados do Passado
|
Santificação
|
Justificação
Final no Dia do Julgamento
|
- Posição Luterana:
“Em contraste com essas duas posições, Lutero e as Confissões Luteranas
consideram a justificação como uma necessidade presente e contínua do
crente, que é sempre um pecador a seus próprios olhos, porém está sempre
agarrando o veredito justificador de Deus pela fé na justiça de Cristo”
(Brinsmead, 1979, 11):
Justificação
|
Início
da Vida Cristã
|
Final
da Vida Cristã
|
Santificação
|
~~~~~~~~~~~~~~
|
(Brinsmead, 1979,10-11)[5]
Católicos Romanos e reformados
concordam que o artigo da justificação é um artigo muito importante. Mas eles
não concordam que ele seja O artigo
mais importante e central de toda
teologia cristã. (Ver, por exemplo, Karl Barth, Dogmática: luteranos exageram;
Católicos Romanos: Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação).
Para Lutero e as Confissões
Luteranas (CA e Ap 4, AE) a justificação é o artigo stantis et cadentis ecclesiae do qual nada se pode ceder “ainda que
se desmoronem céu e terra ou qualquer outra coisa”.
A Justificação é o eixo central
com o qual todos os demais artigos de fé e toda prática cristã deve estar em
conexão assim como os raios de uma roda estão ligados ao eixo. Para Lutero,
este artigo determina a maneira como ele:
- Lê e entende toda a Bíblia, do Gênesis ao
Apocalipse. A razão para a revelação e para a escrita da Bíblia é mostrar
Jesus Cristo como nosso Salvador. Este é o objetivo e este é o conteúdo de
todo o AT e de todo o NT. Por isso, para se entender uma determinada
passagem é necessário encontrar sua ligação com Cristo, o personagem
principal de toda Bíblia (e, portanto, de todo ensino, pregação, escola
dominical, etc. Cuidar para que isto aconteça é o trabalho principal do
pastor; é sua atividade prática por excelência).
- Entende todas as doutrinas cristãs. Todas
recebem seu significado a partir do centro: a Justificação.
- Entende toda a vida cristã. (Veja, por exemplo, sua exposição sobre
as duas espécies de justiça onde ele descreve o relacionamento vertical
entre Deus e o cristão, e o horizontal entre o cristão e seu próximo).
- Entende todo o culto cristão. (Dádiva de Deus→meios da graça→fé).
Em 1530, na
explicação do Salmo 117, Lutero censura aqueles que supõe que o ensino da
salvação pela graça sem as obras da lei é tarefa fácil e simples. Esta é uma
arte, diz ele, que nunca se aprende completamente, ela sempre é nossa Mestre e
nós seus alunos. (Apud Walther, 1899, 14-15). Walther comenta: “Muitas vezes,
não se entende por que Lutero declara que o artigo da graça justificadora é um
artigo difícil, pois ele parece tão fácil para muitos. Mas, não se compreende
Lutero. Para muitos, pela graça de Deus, talvez não seja muito difícil pregar
um bom sermão sobre a justificação. Mas, Lutero aqui fala de toda a arte e
maneira de tratar a obra de Cristo de tal forma que não apenas todas os demais
ensinos sejam influenciados pela doutrina da justificação, mas que esta apareça
como componente necessário das mesmas. Isto é difícil—tão difícil que nenhum
espírito sectário, ninguém que não tenha o Espírito Santo o consegue jamais
fazer. . . Lutero quer que todas as
demais doutrinas sejam tiradas do fundo da doutrina da justificação; o que não
flui dali é para ele uma vergonhosa negação de Cristo. ” (Walther, 1899, 74).
Philip Watson cita John Wesley
dizendo que Lutero “acertou em cheio” na doutrina da justificação pela fé
somente, mas foi completamente ignorante e confuso na doutrina da santificação.
O próprio Watson rebate essa afirmação. (Watson, 1954, 171)[6].
Lutero, na verdade, ensina uma clara distinção entre nossa relação com Deus e a
vida eterna (Justificação) e a nossa relação com o próximo e nossa vida neste
mundo (Santificação). Textos em que ele explica esta distinção: “Sobre as duas
espécies de Justiça”, “Da liberdade Cristã”, etc. Em Dos Concílios e da Igreja, Lutero escreve sobre os antinomistas:
“Fazem pregações maravilhosas e
(como não o posso imaginar de outra forma) com toda sinceridade a respeito da graça
de Cristo, da remissão dos pecados e o que mais se pode dizer a respeito do
artigo da redenção. Mas a consequência eles evitam como o diabo: que deveriam
falar às pessoas a respeito do terceiro artigo, da santificação, da nova vida
em Cristo. Pois acham que não se deve assustar as pessoas nem as entristecer, e
pregar sempre de forma consoladora a respeito da graça e do perdão dos pecados
em Cristo, evitando de todos os modos expressões como: Escuta! Tu queres ser
cristão e, ao mesmo tempo, continuar sendo adúltero, fornicador, grande porca,
soberbo, avarento, usurário, invejoso, vingativo, malicioso, etc. Mas dizem:
Escuta! Mesmo que sejas adúltero, fornicador, avarento ou outro pecador
qualquer, desde que creias, és bem-aventurado. Não precisas temer a lei, pois
Cristo cumpriu tudo... Querido, não significa isso admitir a premissa e negar a
conclusão? Sim, isso significa a um só tempo tirar a Cristo e anulá-lo quando
se o prega justamente com a maior exaltação. E tudo é sim e não num mesmo
assunto. Pois semelhante Cristo é nada e não existe em parte alguma, que
tivesse morrido por pecadores que não abandonam os pecados depois do perdão dos
mesmos e levam nova vida. . . São
excelentes pregadores de Páscoa mas escandalosos pregadores de Pentecostes,
pois nada pregam a respeito da santificação e vivificação do Espírito Santo,
mas exclusivamente da redenção por meio de Cristo. . . Pois Cristo não nos conquistou apenas a
graça, mas também o dom do Espírito Santo, para que não tenhamos somente perdão
dos pecados, mas também superação dos pecados. ” (Lutero, 1992, 382-383).
Se, por um lado, muitos têm
dificuldades com o ensino da santificação, outros, incluindo luteranos,
continuam tendo grande dificuldade com a doutrina da justificação pela fé. Por
exemplo, na Conferência de Helsinki da Federação Luterana Mundial, em 1963,
houve grande dificuldade para definir o que significa a justificação hoje em
dia[7].
Para muitos estudiosos, a justificação pode ter sido um assunto de extrema
importância no século 16 mas hoje ela não tem mais a mesma importância
(Brinsmead, 1979, 10).
Falando da situação atual nos
Estados Unidos, Boehme afirma que prevalece uma mistura de lei e evangelho e
que, em geral, há uma falta de ênfase no ensino da justificação. Há maior
ênfase na santificação. Confunde-se justificação com regeneração e ignora-se a
necessidade do arrependimento. Ele cita um autor não-luterano que reconhece que
entre os evangelicais “não é justificação do ímpio... mas a santificação do
justo que recebe mais atenção. ” (Donald Bloesch apud Boehme, 2002, 21a). O
resultado disso se mostra em pesquisas que indicam que a maioria dos cristãos
americanos, também dos luteranos (54%), acredita que uma pessoa boa pode
merecer um lugar no céu. Numa outra
pesquisa, apenas 56.7% dos luteranos disseram que “só os que creem em Jesus
como seu Salvador podem ir para o céu.” (Boehme, 2002, 21)
5. CRISTOLOGIA
Luteranos e reformados
reacenderam as controvérsias cristológicas dos primeiros cinco ou seis séculos
da era cristã. Ambos concordam que Jesus Cristo é o Deus-Homem no qual em uma
só pessoa estão unidas as naturezas divina e humana. Há, porém, sérias
divergências entre os dois grupos sobre modo da união das duas naturezas e
sobre a maneira em que atuam para a nossa salvação. A questão da comunhão das duas naturezas é da mais alta importância
na doutrina cristã porque a validade da obra salvadora de Cristo pressupõe a
união pessoal e porque esta doutrina se reflete na definição de outras
doutrinas como, por exemplo, a da Santa Ceia.
No artigo 8 da Fórmula de Concórdia, os luteranos insistem na
verdadeira comunhão entre as duas naturezas. Um texto bíblico chave citado
nessa argumentação é Cl 2.9: “porquanto, nele, habita corporalmente,
toda a plenitude da divindade. ”
Os reformados, por sua vez,
aceitaram a união da natureza humana de Cristo com a pessoa do Logos,
mas negaram a comunhão verdadeira das duas naturezas entre si. A base para essa
negação é o axioma racional: “Finitum non est capax infiniti”. Nessa linha de
raciocínio, a confissão reformada Admonitio Neostadiensis, de 1581,
afirma o extra calvinisticum: Assim como o Filho de Deus, após sua
encarnação está na sua natureza humana, assim também ele está inteiramente fora
e separado dela. (Veja: FC, DS 8, 14 em Livro de Concórdia, p. 636, nota 656).
Uma verdadeira comunhão das
naturezas é negada explicitamente em vários documentos reformados. O Consensus Tigurinus declara em relação
ao corpo de Cristo que “por ser finito e estar encerrado no céu como seu lugar,
é necessário que de nós diste tanto, quanto o céu da terra” (Apud, Livro de
Concórdia, 1983, p. 610, nota 532; cf. Scaer, 1989, p. 26, nota 9). A Fórmula
de Concórdia condena a posição de Calvino expressa no Consensus Tigurinus: “Que o corpo de Cristo está encerrado de tal maneira
no céu, que de modo nenhum pode estar presente ao mesmo tempo em muitos ou em
todos os lugares da terra onde sua santa ceia é celebrada” (FC, Ep VII, 32). A
Segunda Confissão Helvética declara: “Portanto, não pensamos nem ensinamos que
a natureza divina em Cristo sofreu, ou que Cristo, segundo sua natureza humana,
ainda está no mundo, e assim em todo lugar (Apud Scaer, 1989, p. 57). Os
luteranos afirmam que, devido à união pessoal, a pessoa de Cristo sofreu e que,
devido a essa mesma união, a natureza humana de Cristo se encontra em todo o
lugar onde a pessoa de Cristo se encontra. Ao negar tal comunhão, Calvino chega
ao ponto de afirmar: “Admito, com efeito, que, se alguém ao julgamento de Deus
quisesse opor Cristo, singelamente e de Si, não haverá lugar para mérito, porquanto não se achará no
homem dignidade que possa ter mérito para com Deus. . . Logo, quando se trata do mérito de Cristo,
não se estatui nEle [próprio] resida o pincípio [desse mérito]; ao contrário,
remontamos à ordenança de Deus, que é a causa primeira, porquanto, de Seu puro
beneplácito, [O] estatuiu [Deus por] Mediador, para que nos adquirisse a
salvação. ” (Calvino, 1985, XVII, 1, vol. II, 294).
Lutero escreve em Dos Concílios e da Igreja, 1539, sobre a
união das duas naturezas em Cristo:
“Ó Senhor Deus, por este bendito
e consolador artigo sempre se deveria estar alegre na verdadeira fé, sem
desavença e sem dúvidas, cantar, louvar e agradecer a Deus Pai por essa
misericórdia inefável, ao fazer com que seu Filho amado se tornasse igual a
nós, homem e irmão. Agora, porém, o enfadonho Satanás provoca tal aborrecimento
por meio de pessoas arrogantes, vaidosas e incorrigíveis, a ponto de nos
impedir e estragar o amor e bendita alegria, infelizmente. Pois nós cristãos
temos que estar cientes do seguinte: quando Deus não está na balança, fazendo
peso, caímos no abismo com o nosso prato. O que quero dizer é isto: onde não se
afirma que Deus morreu por nós, mas somente um homem, estamos perdidos. Quando,
porém, a morte de Deus e “Deus morreu” pesam no prato da balança, este baixa e
nós subimos, como um prato leve e vazio. No entanto, ele pode também subir
novamente e saltar do prato. Ele, porém, não poderia estar sentado no prato a
não ser que se tornasse homem igual a nós, para que se possa dizer: Deus
morreu, o sofrimento de Deus, o sangue de Deus, a morte de Deus. Pois em sua
natureza, Deus não pode morrer; agora, porém, que Deus e homem estão unidos em
uma pessoa, é com razão que se diz: morte de Deus quando morre o homem que se
tornou uma só coisa ou uma só pessoa com Deus”. (Lutero, 1992, 374-375).
Hermann Sasse explica como a
diferença sobre a encarnação se manifestou no assim chamado Extra-Calvinisticum, o ensino reformado
de que, assim como o Logos se encarnou no homem, assim também ele permaneceu,
ao mesmo tempo, fora da carne. Sasse faz referência ao ensino dessa doutrina no
Catecismo de Heidelberg[8]
que pergunta na questão 47: “Não está, então, Cristo conosco até à consumação
do século, assim como ele prometeu? ” E, o catecismo responde: “Cristo é
verdadeiro homem e verdadeiro Deus: de acordo com sua natureza humana, ele não
está agora na terra; mas, de acordo com sua divindade, majestade, graça e
Espírito, ele não está ausente de nós em tempo algum.” (Apud, Sasse, 1987,
152). A questão 48 afirma que de acordo com sua natureza divina Cristo está
presente em todo lugar. Sua natureza divina existe fora da humanidade assumida
na encarnação, mas, não obstante, existe dentro da natureza humana de acordo
com a união pessoal. Para Ulrich Asendorf, isso é “uma perfeita contradição”.
(Asendorf, 1979, 3).
Para o teólogo reformado Karl
Barth, as questões 47 e 48 do Catecismo de Heidelberg são um “desastre
teológico”. Segundo ele, a resposta à
pergunta 47 deveria ser um simples ‘sim’. Mas, ele se apressa em esclarecer que
sua crítica a essas questões não significa, para ele, “afirmar a posição
luterana contra a qual elas [as questões 47 e 48] são dirigidas”
(Barth,1964, 77). O que Barth quer evitar com isso é, segundo ele mesmo
explica, oferecer suporte à idéia da Presença Real na Santa Ceia. Para
Asendorf, Calvino e o Catecismo de Heidelberg ensinam uma cristologia
espiritualizada. Segundo ele, os calvinistas não conseguem formular o que a
encarnação significa. (Asendorf, 1979, 3).
Em conclusão: Crêem os
reformados o mesmo que nós luteranos sobre a pessoa de Jesus Cristo? Não
sabemos. Porque a fé que crê (fides qua)
está oculta no coração. Mas, ensinam e confessam os reformados o
mesmo que nós luteranos sobre a pessoa de Jesus Cristo? Esta questão já deve
ter ficado claro nas citações acima, mas, se havia restado alguma dúvida, a
afirmação de Barth deve tê-la eliminado.
6. OS SACRAMENTOS
Boehme argumenta que para
Calvino, os Sacramentos são pactos ou contratos: Deus nos concede sua misericórdia;
nós lhe prometemos obediência. Calvino chama os sacramentos de ordenanças,
o que coloca ênfase em nosso fazer, em nossa obediência. (Boehme, 2002,
18b, 24, nota 16).
A Confissão de Westminster é, de
acordo com Boehme, a primeira confissão
de fé reformada a apresentar um artigo separado sobre o pacto. Nela, “a
natureza bilateral do pacto de graça se torna evidente à medida em que seu
caráter condicional é enfatizado”. (Boehme, 2002, 20a). Os calvinistas
normalmente dizem que as condições são fé e arrependimento (ou obediência). Em
outras palavras, isso às vezes é compreendido assim: “Se você cumpre sua parte
no acordo, Deus vai cumprir a sua. Se cumprirmos a vontade de Deus, ele vai nos
abençoar. Se a violamos, ele vai nos punir” (Boehme, 2002, 20b).
Boehme entende que a ênfase no
pacto, na obediência e predestinação encontra suas raízes na teologia
nominalista medieval promovida por Guilherme de Occam, Gabriel Biel e
outros. Estes nominalistas afirmavam uma
aliança bilateral, com responsabilidades e obrigações de ambas as partes do
contrato. Se os seres humanos faziam o melhor que está neles, Deus os
recompesaria com sua graça. Esta teologia nominalista do pacto estava
intimamente ligada com a idéia da predestinação. Nessa, Deus respondia ao
comportamento previsto do homem. A obra da eleição de Deus é uma “resposta
secundária à iniciativa humana”. Por isso, os nominalistas enfatizavam mais a justiça de Deus do que sua misericórdia.
Dos nominalistas, alega Boehme, esta teologia do pacto teria fluido para
Erasmo, Zwínglio, Calvino e para o calvinismo posterior. (Boehme, 2002, 20a).
Se essa interpretação estiver
correta, então, não deixa de ser uma grande ironia que os reformados—que acusam
os luteranos de não terem conseguido se desvencilhar completamente do
catolicismo medieval—derivem um de seus conceitos centrais justamente do
nominalismo medieval.
As confissões luteranas repudiam
esta visão de eleição condicionada à partipação humana. A Fórmula de Concórdia
condena como falsa a doutrina que ensina “que não é apenas a misericórdia de
Deus e o santíssimo mérito de Cristo, mas que também há em nós uma causa da
eleição de Deus, em virtude da qual Deus nos elegeu para a vida eterna” (FC, Ep,
XI, 20).
A teologia luterana é uma teologia do testamento, e não uma teologia do
pacto. Esta teologia testamental, que começa com Lutero, não é uma teologia
bilateral mas unilateral. Deus justifica sem a ajuda do homem. Fé é o
canal pelo qual o homem recebe a graça e justiça de Cristo. No dizer de
Boehme, “Obediência é parte da fé, mas não esgota o sentido pleno da fé. Esta
teologia testamental foi central na descoberta de Lutero do evangelho da graça
justificadora de Deus recebida pela fé sem as obras da lei. ” (Boehme, 2002,
20b).
A teologia reformada se refere
aos meios da graça apenas como sinais que apontam para a salvação, não
como meios que conferem (ou dão) a salvação. Calvino diz o seguinte, entre
outras coisas, sobre o sacramento: “Ele é acrescentado à Palavra como um
apêndice ordenado para simbolizá-la, confirmá-la e certificá-la mais fortemente
em nosso interesse, pois o Senhor vê que temos necessidade disto pela
ignorância com que julgamos as coisas e pela fraqueza da nossa carne” (João
Calvino, As Institutas, 2006, III, 10, apud Costa, 2006, 254). E, também: “O
homem crente, ao ver o sacramento, não se prende à exterioridade, mas sim, com
santa consideração, eleva-se para contemplar os altos mistérios ali ocultos
conforme a harmonia existente entre a figura carnal e a realidade espiritual”
(João Calvino, As Institutas, 2006, III, 10, apud Costa, 2006, 254).
C. F. W. Walther afirma que a
maioria das igrejas protestantes ensina corretamente que o homem é salvo
somente pela graça, por causa de Cristo e não pelas obras da lei. Mas elas
erram no ensino sobre os meios da graça da parte de Deus (Gebenmittel), isto é,
sobre a palavra e os sacramentos. Erram também no ensino sobre o meio
instrumental da parte do homem (Nehmemittel), isto é, sobre a fé. Elas
confessam que Jesus foi morto na cruz para nos salvar, mas negam aquilo pelo
qual nós o recebemos, ou seja, o meio, o caminho, a ponte. Elas falam do
tesouro, mas não nos deixam chegar até ele; nos tiram a chave e a ponte que dá
acesso ao tesouro. Elas dizem que preciso ter o Espírito mas não querem me
deixar ter acesso a ele (pelos meios da graça). Walther ilustra a diferença
entre o ensino reformado e luterano com relação ao ensino sobre a absolvição. A
Escritura ensina, diz Walther, que se desejo receber o perdão dos pecados, não
devo me sentar num canto e dizer: ‘Meu Deus, perdoa meus pecados’, e então
ficar esperando que um anjo venha do céu para me dizer: ‘Teus pecados estão
perdoados’. Pois, Deus promete vir a mim e pronunciar, ele próprio, a
absolvição dos meus pecados. Isto acontece, em primeiro lugar no santo batismo
e também por meio da absolvição pronunciada pelo pastor ou por um outro
cristão. (Walther, 1899, 35-42).
Lutero, no Catecismo Menor,
pergunta pelas dádivas e benefícios do batismo e responde: “Opera a remissão
dos pecados, livra da morte e do diabo, e dá a salvação eterna a quantos crêem,
conforme rezam as palavras e promessas de Deus. ” (Livro de Concórdia, 1983,
375). Ulrich Asendorf comenta que Lutero menciona, em primeiro lugar, a
eficácia do batismo. “O perdão dos pecados realmente acontece quando a água, a
palavra de Deus e a fé são unidas. ” (Asendorf, 1979, 5). Aqui, diz ele, há um
‘realismo sacramental’. “O primeiro passo da vida cristã vem de Deus, não de
nós. Assim como o próprio Cristo chamou seus discípulos para segui-lo, assim
ele o faz conosco por meio do batismo. Por isso, como disseram os pais, a
Santíssima Trindade batiza, o ministro é apenas o instrumento” (Asendorf, 1979,
5)
A teologia reformada, por outro lado, não ensina este caráter objetivo
do meio da graça. No Batismo, por exemplo, ela distingue entre batismo exterior
e batismo interior. Quem regenera é o Espírito Santo. O batismo é o símbolo
visível da graça invisível. Diz Calvino: “É o Espírito de Deus quem nos
regenera e nos transforma em novas criaturas; visto, porém, que sua graça é
invisível e oculta, no batismo nos é dado um símbolo visível dela”. (João
Calvino, As Pastorais (Tt 3.5), apud Costa, 2006, 69).
Com relação ao Catecismo de Heidelberg, diz Asendorf que nele “não se
encontra uma única linha sobre a necessidade do batismo. . . A tradição calvinista . . . não vê nenhuma
eficáciia no batismo. O batismo é o sinal da nova aliança, mas ele não faz
nada. Tudo é feito pelo Espírito Santo. Para o calvinismo não há, no sentido estrito,
instrumento da graça assim como os há no luteranismo” (Asendorf, 1979, 5).
O Catecismo de Heidelberg pergunta na questão 73: “Então, por que o
Espírito Santo chama o batismo de água de renascimento e lavar de pecados? ” E
responde: “Deus não fala dessa maneira sem uma forte razão. Ele não apenas nos
ensina pelo batismo que assim como a sujeira do corpo é tirada pela água, assim
nossos pecados são removidos pelo sangue e Espírito de Cristo; mas, ainda mais
importante, pelo selo e sinal divino, ele quer nos assegurar que somos tão
verdadeiramente lavados de nossos pecados espiritualmente como nossos corpos
são lavados com água” (Apud, Barth, 1964, 101). Comentando esta resposta, Karl
Barth diz, entre outras coisas: “O batismo não pode se tornar um sujeito; ele
não ‘faz’ nada. Mas o Espírito Santo faz algo através do batismo! ” (Barth,
1964, 101).
Assim, crianças recebem o batismo exterior e o sinal, mas só são
regeneradas pela ação do Espírito Santo quando chegam à idade da razão e ouvem
a palavra. (Masius, 1868, 135-136). [cf Catecismo de Heidelberg , questão
69]
A pergunta que se impõe, neste
caso, é: como o Espírito Santo age? Ele age pelos meios ou age fora dos
meios da graça? De acordo com Ulrich Asendorf, para os reformados, há duas
ações paralelas e não-relacionadas expressas nas palavras cum e tum. “Assim como a
pessoa ouve a palavra de Deus, e é batizada com água, e recebe pão e vinho, o
Espírito age numa relação paralela mas não vinculada, diretamente sobre o
coração. ” (Apud Scaer, 1989, 28, nota 16).
A questão 75 do Catecismo de Heidelberg revela, com relação à Santa
Ceia, a mesma postura adotada por esse catecismo em relação ao batismo. Diz
Asendorf: “Aqui é o mesmo cum – tum,
isto é, ação paralela, não relacionada que mencionamos acima. ” (Asendorf,
1979, 5).
Na Santa Ceia, a presença de
Cristo é espiritual e o Espírito Santo age para que pela fé os crentes se unam
espiritualmente ao corpo de Cristo que está no céu. “Nada é dito sobre a
presença real do corpo e sangue do Senhor neste Sacramento. De acordo com o Catecismo
de Heidelberg, não há corpo nem sangue, mas apenas suas marcas” (Asendorf,
1979, 5). Lutero, ao contrário, afirma de forma breve e direta: “É o verdadeiro
corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, sob o pão e o vinho, dado a nós
cristãos para comer e beber, instituído pelo próprio Cristo. “ (Livro de
Concórdia, 1983, 378). “No Catecismo de Heidelberg pode haver o rastro da
graça, mas ninguém sabe o que realmente acontece”, sentencia Asendorf.
(Asendorf, 1979, 5). E ele continua dizendo que o espírito cético de Erasmo tem
continuidade no calvinismo em geral e que esse espírito contrasta com a
teologia assertativa da Lutero. A partir disso, conclui: “Calvino e Lutero
estão tão distantes um do outro como fogo e água, e céu e terra” (Asendorf,
1979, 5).
Também nas questões 78 e 79 do Catecismo de Heidelberg é dito que o pão
e vinho não são o corpo e sangue de Cristo. É apenas um costume quando a frase
‘o corpo de Cristo’ é usado. As questões falam de sinais visíveis, selo e
marca, mas o ‘É’ luterano está ausente. Não há interesse nos elementos em si, o
que importa é sua função de sinais. (Asendorf, 1979, 6).
Masius afirma que os reformados
não aceitam a Presença Real por motivos racionais. A Escritura, porém, diz que,
quando se trata dos mistérios de Deus, devemos levar “cativo todo pensamento à
obediência de Cristo. ” (2 Co 10.5; Masius, 1868, 172).
Em resumo, qual é, então, para
os calvinistas, o lugar do Espírito Santo nos sacramentos? Asendorf responde:
Os calvinistas gostam de dizer que
os luteranos com sua compreensão da presença real do Senhor em ambos os
sacramentos estão se referindo ao que o calvinismo designa com o Espírito
Santo. Se isso é verdade, parece que tudo depende do efeito. O Espírito Santo
está realmente fazendo para os calvinistas o que os luteranos atribuem aos
sacramentos. Mas esta interpretação não está correta. Há uma contradição no
pensamento calvinista. Por que o Catecismo de Heidelberg lida com os
sacramentos se eles de fato não são necessários para a salvação? A resposta
pode ser dada facilmente pelas tradições bíblicas. Mas, se o espiritualismo
predomina no calvinismo, os sacramentos não têm nenhum significado real. ” (Asendorf, 1979, 6).
7. ELEIÇÃO E CONVERSÃO
Na visão calvinista, o crente
acaba buscando uma certeza interior de sua eleição. Portanto, ele busca esta
certeza não na justificação, mas na santificação. Por mais que se diga que a
santificação é ação do Espírito, o crente olha para os resultados dessa ação em
si mesmo. Outro aspecto dessa visão é que o crente reformado deve poder apontar
para uma conversão específica.
Na visão luterana, a certeza da
eleição está nos meios da graça objetivos. O cristão luterano aponta para seu
batismo na infância como prova de sua eleição. Ele também não vai apontar para
uma conversão específica, mas, muito mais, para a conversão continuada. Pois
ele sabe que é simul iustus et peccator
e precisa se arrepender e retornar ao seu batismo diariamente. Por isso, o
batismo ocupa (ou deveria ocupar) um lugar tão proeminente no ensino, pregação
e vida diária do cristão luterano. (Cary, 2007, 266-268).
Uma ilustração: Rubem Alves,
numa entrevista à Rádio Band FM, transmitida no dia 22/03/2009, comparou o
perdão ao esquecimento de Deus. Usou a ilustração duma praia cheia de pegadas,
lixo e detritos no fim da tarde. Durante à noite, a maré sobe, lava a praia e
leva todo lixo embora. De manhã, a praia está novamente limpa, coberta de areia
fina e lisa. . . Nesse ponto, da entrevista, a repórter completou: “pronta para
novas pegadas...”. Esta frase aponta para a visão luterana. Deus não nos perdoa
como uma mãe que, antes de uma festa, coloca roupa limpa e novo no filho e diz:
“Você agora está limpo, cuidado para não se sujar mais. ” O menino vai para a
festa e obedientemente fica sentado num canto para não se sujar enquanto seus
amigos se divertem correndo e brincando.
8. OS DOIS “REINOS” OU GOVERNOS DE DEUS
Para
Lutero, Deus governa o mundo todo e o faz de duas maneiras. Ele governa o reino
da mão esquerda por meio da lei e do governo secular, e o reino da mão direita
por meio do Evangelho e da graça. Estes dois reinos ou governos não estão
separados mas devem ser claramente distinguidos, ou seja, não se deve querer
empregar os meios de governo de um domínio no outro. Os reformados têm
criticado esta “doutrina” considerando-a, inclusive, como a base para o
surgimento do nazismo (Kilcrease, 2005, 68). Os
reformados, ao não fazerem a distinção entre os dois reinos, têm transformado o
evangelho em lei. Robert Benne percebe três vantagens principais na posição luterana:
“Primeiro, uma vez que a função da igreja é
de pregar lei e evangelho, ela produz um cristianismo onde somos ao mesmo tempo
santos e pecadores e, portanto, capazes de sermos auto-críticos numa maneira
não permitida pelo conceito calvinista dos eleitos. Segundo, ela leva a sério o
fato de que a igreja e a autoridade civil são meios pelos quais Deus lida com o
pecado. Tanto a coerção do do estado e a livre oferta da graça são meios
necessários para tratar com uma criação em revolta. Terceiro, ela permite que
os cristãos discordem entre si no domínio temporal sobre problemas concretos
enquanto permanecem unidos na fé” (Apud Kilcrease, 2005, 68).
Traduções
Bíblicas com tendência Reformada
Diz Boehme: “Algumas traduções
modernas da Bíblia tem uma tendência nitidamente Reformada. Muitas delas levam
os cristãos a colocar fé e obediência no mesmo patamar .” E ele acrescenta: “A
maneira como a Bíblia é traduzida pode afetar a maneira como o leitor encara o
cristianismo—como uma religião de obras ou de graça—se a fé é receptora da
graça de Deus ou obediência a Deus. ” (Boehme, 2002, 22b).
Michael R Totten, em artigo no Concordia Theological Quarterly de Forth
Wayne, analisa 13 traduções diferentes nas áreas dos Sacramentos e da
Escatologia. Ele conclui que a teologia reformada e neo-evangelical, de fato,
deixou marcas profundas sobre várias versões, especialmente as assim chamadas
paráfrases.
Eugene
C. Chase, num artigo publicado na revista dos Seminários luteranos de St.
Catarines e Edmonton do Canadá, informa
que o verbo teréo aparece 74 vezes no NT e phulasso, 30 vezes. Os dois verbos
aparecem, numa série de léxicos por ele consultados, bem como em escritos da
antiguidade, com o sentido de “guardar”, “preservar no coração” “proteger”,
etc. mas nunca como “obedecer”. A NIV traduz o termo teréo 24 vezes (de 31
possibilidades: onde o termo está ligado à palavra de Deus, à lei, aos
mandamentos, ou aos ensinos de Jesus) como “obedecer”, e phulasso, em 10
possibilidades é traduzido cinco vezes como “obedecer” e cinco vezes como
“guardar”. O autor percebe a influência de posições teológicas legalistas por
trás da opção privilegiada pelo termo “obedecer” nessas traduções.[9]
DIVISÃO E BUSCA DE
UNIDADE
Perguntamos novamente: Crêem os reformados o mesmo que nós
luteranos sobre as doutrinas que analisamos? Só posso responder: Não sei. Mas, ensinam
e confessam os reformados o mesmo que nós luteranos sobre estas
doutrinas? Espero que a resposta a esta questão tenha ficado clara a essa
altura da exposição.
Vivemos numa era pragmática e
funcionalista. Muitas vezes se diz: “Que diferença faz se há divergências sobre
quem é Jesus e como ele nos salva se no fim das contas todos creem em Jesus com
Salvador? ”
O calvinista Norman Geisler
coloca como título dum capítulo de um de seus livros precisamente esta questão:
“Que diferença isso faz?” Ele está se referindo à pergunta que seus leitores
farão sobre que diferença faz na prática “se alguém é calvinista extremado,
arminiano extremado ou toma uma posição intermediária”. E ele prossegue
respondendo:
“Francamente, a resposta a essa
pergunta é que isso faz uma enorme diferença sobre o que cremos. As convicções afetam a conduta e, por isso,
as idéias tem conseqüências. Boas idéias conduzem a boas conseqüências, assim
como más idéias levam a conseqüências más. A pessoa que crê que a cancela em
frenta à linha férrea está emperrada será morta, quando o trem chegar! Quem
acredita no gelo quando o lago está congelado pode afundar se o gelo é fino! Do
mesmo modo, a doutrina falsa pode levar a ações falsas. É bom repetir o refrão:
“Fulano era um bom menino, mas agora não é mais, porque o que ele creu ser H2O
era H2SO4 (ácido sulfúrico) ” (Geisler, 2005, 153).
Geisler certamente tem razão quando afirma que doutrina falsa pode
levar a ações falsas. Pior do que isso é o fato de que doutrina falsa pode nos
afastar da verdade que Deus revelou e nos privar da vida eterna. O próprio
Jesus responde: “Em vão me adoram ensinando doutrinas que são preceitos de
homens” (Mt 15.9) e “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino
dos céus” (Mt 7.21). E, o apóstolo Paulo adverte: “Rogo-vos, irmãos, que noteis
bem aqueles que provocam divisões e escândalos, em desacordo com a doutrina que
aprendestes; afastai-vos deles, porque esses tais não servem a Cristo, nosso
Senhor . . . ” (Rm 16.17, 18).
Já vimos que os reformados
consideram os luteranos como ‘semi-evangélicos’ que precisam de uma mãozinha
para se tornarem totalmente reformados. Para os luteranos, por sua vez, “os
reformados não pertencem mais à igreja do Evangelho puro. Eles seguiram uma
direção que os afastou da Reforma. Eles abriram mão de verdades bíblicas
imprescindíveis, tais como a Presença Real na Santa Ceia. Eles turvaram e,
parcialmente, perderam o conhecimento fundamental da distinção correta entre
Lei e Evangelho” (Sasse, 1997, 49).
Desde a época da Reforma, houve
muitas tentativas de reconciliação entre luteranos e reformados.
John T. McNeill, afirma que se
poderia reunir uma substancial biblioteca de tratados com propostas de união
eclesiástica, reconhecimento mútuo, e intercomunhão, escritos nos séculos
dezessete e dezoito. (Mcneill, 1954, 137). Em 1723, apareceu uma lista de 150
títulos tratando de discussões sobre a união entre luteranos e reformados.
Quase todos esses escritos haviam sido publicados nos três anos anteriores.
(Mcneill, 1954, 138).
Por que, então, não se chegou à
união pretendida? Mcneill culpa as igrejas luteranas pela “persistente
rejeição” de “projetos de união propostos pelos reformados. ” Ele cita Hermann Sasse
que declara que os luteranos não agiram movidos por outros princípios mas
firmaram sua posição apenas em base doutrinária. Embora não considere esta
explicação “adequada”, McNeill admite que ela não pode ser descartada como
“insincera”. (Mcneill, 1954, 138, 139).
A primeira tentativa de alcançar
unidade entre luteranos e reformados foi o Colóquio de Marburgo. Todos sabemos
como ele terminou e muitos até hoje culpam Lutero por recusar a mão fraterna à
Zwínglio.
No século XIX, após muitas
tentativas frustradas de reconciliação e união, o rei Frederico Guilherme III
decretou a famosa (ou mal-afamada) União Prussiana, em 1817. Essa união foi
efetivada em 1830. [Exemplo da nova liturgia para as comunidades unidas: Na
distribuição da Santa Ceia, o pastor dizia: “Jesus disse isto é o meu corpo. .
. Jesus disse isto é o meu sangue]. O protesto mais efetivo contra essa união
partiu de Claus Harms. Ele publicou as 95 teses de Lutero e acrescentou 95
novas teses. A tese 3 afirma: “Com a idéia de uma reforma continuada, como ela
é agora entendida e supostamente encorajada, o luteranismo é reformado em
paganismo, e o cristianismo é reformada para fora deste mundo. ” Tese 64: “Os
cristãos deveriam ser ensinados que eles têm o direito de não permitir ensino
não-cristão e não-luterano no púlpito e nem nos livros usados na igreja e na
escola. ” E, tese 77: “Dizer que o tempo removeu a parede de separação entre
luteranos e reformados, não é falar corretamente. A questão é: quem se desviou
da fé de sua igreja, os luteranos ou os reformados? Ou ambos? ” (Meyer, 1964,
65-69).
No século XX, na Alemanha, por
interferência nazista, foi criada a Deutsche Evangelische Kirche (DEK). Nessa
época chegavam ao auge as tentativas de trazer os luteranos a uma “união” com
os reformados. Uma das vozes corajosas que se levantaram contra o nazismo e o
unionismo foi Hermann Sasse.
Sasse, que foi criado e ordenado na igreja da
União Prussiana e que só chegou a conhecer a igreja luterana ao participar de
um programa de intercâmbio nos Estados Unidos, escreve, no seu livro União e Confissão, sobre o terrível
pecado da “mentira piedosa”, referindo-se ao unionismo. Esta mentira, diz ele,
mente não só para homens mas também para Deus na oração, na confissão, na Santa
Ceia, no sermão e na teologia. Esta mentira tem uma propensão a se tornar uma
mentira edificante e, após um tempo
suficiente, ela chega à sua “maturidade doutrinária” e se torna uma mentira
dogmática. (Sasse, 1997, 1-2). Mais adiante, ele desabafa:
“Que pensamento terrível é, realmente,
o fato de que coisas que não são verdadeiras são ensinadas na igreja, sob o
disfarce da verdade eterna confiada a ela. Nenhum ateísmo, nenhum bolshevismo
pode causar tanto estrago e destruição como a mentira piedosa, a mentira na
igreja. Nesta mentira se torna evidente o poder de alguém a quem o próprio
Cristo chama de mentiroso e o pai da mentira (Jo 8.44) ” (Sasse, 1997, 3).
Esta mentira se torna uma mentira institucional quando uma igreja
legaliza as outras mentiras e as torna impossíveis de remover. Isso acontece
quando os mesmos direitos são concedidos na igreja àqueles que confessam e
àqueles que negam a Trindade e as duas naturezas de Cristo e onde a pregação da
Reforma tem o mesmo direito que a proclamação de uma religião iluminista sem
dogma. (Sasse, 1997, 3).
Sasse argumenta que “é
impossível e deveria ser indigno dos teólogos alemães que eles justifiquem a
união dizendo que as congregações, e mesmo os teólogos, hoje em dia não
entendem mais a diferença entre “luterano” e “reformado”. A isso só se pode
replicar: Se isso é assim, então eles precisam aprendê-lo novamente. Pois se a
ignorância é o que decide o que a igreja deve ou não deve ensinar, então tudo
precisaria ser eliminado! ” (Sasse, 1997, 47).
Falsa doutrina torna Deus em
mentiroso. Ela diz “assim diz o Senhor” quando Deus não o disse. Falsa doutrina
é idolatria pois inventa e cria um deus diferente daquele que se revelou em
Cristo e na Escritura Sagrada. Ensinar falsa doutrina é blasfemar contra o nome
de Deus. Disso somos lembrados por Lutero em sua explicação da 1ª petição do
Pai Nosso: “Santificado seja o teu nome”. Lutero diz que o nome de Deus se
torna santo entre nós “Quando a palavra de Deus é ensinada genuína e puramente,
e nós, como filhos de Deus, também vivemos uma vida santa, em conformidade com
ela; para isso nos ajuda, querido Pai do céu. Aquele, porém, que ensina e vive
de modo diverso do que ensina a Palavra de Deus, profana o nome de Deus entre
nós; guarda-nos disso, ó Pai celeste! ” (Livro de Concórdia, 1983, 372).
CONCLUSÃO
Às vezes, ao concluir uma
palestra sobre um tema doutrinário (ou até mesmo antes de começá-la) a gente é
capaz de sentir ou ouvir a voz do desânimo dizendo: “De que adianta? Quem liga?
” Possivelmente, para muitos, essa conversa de confessionalismo não passa de
conservadorismo’ e assim por diante. Acredito que muitos de vocês devem ter
experimentado algo parecido na preparação e apresentação de algum sermão. Jesus
mesmo se refere a tal situação dizendo que esta atitude de indiferença já era
própria dos homens daquela geração dos seus dias terrenos. Eles não dançavam
com música alegre e não choravam com canções tristes (Lc 731-34). Ou seja, a
lei não assusta e o Evangelho não alegra. Também lembramos as palavras do
apóstolo Paulo: “Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina . . . e
se recusarão a dar ouvidos à verdade. ” (2 Tm 4.3, 4). O que fazer numa
situação dessas? Muitos pregadores optam por “despejar mais lei”. Lutero, num
sermão do dia da Ascensão, em 1534, discute as opções existentes. Se você
pregar só lei as consciências ficam aterrorizadas e as pessoas se tornam
idólatras buscando segurança e paz em cultos falsos e obras da lei. Por isso,
diz Lutero, com esta pregação ninguém se salva, porque ninguém é salvo pelas
próprias obras, mas somente pela fé na obra vicária de Cristo. Mas, se o
pregador insistir em pregar a fé em Cristo, é bem possível que muitos se
acomodem e não se preocupam com seus pecados ou em levar uma vida cristã. Mas,
diz Lutero, alguns pelo menos prestarão atenção, receberão a oferta do
Evangelho, crerão na promessa de Deus e serão salvos. (Klug, 2000, 113-116).
É muito importante, ao mesmo tempo, não confundir ‘não ser legalista’ com ser antinomista. O legalista mistura lei e evangelho e transforma o
evangelho em lei. O antinomista tende a excluir a pregação e o ensino da lei
totalmente. Ele elimina a necessidade do arrependimento e torna os pecadores
seguros em sua vida pecaminosa. Aqui se inclui a idéia, já bastante difundida
em nosso meio, de que podemos, e até devemos acolher na Santa Ceia a qualquer
um que venha, sem perguntar pela sua situação espiritual, se ele está
arrependido ou não. Esquece-se que a Ceia de Cristo é puro evangelho destinado
a pecadores arrependidos. Esta é apenas uma das maneiras em que o antinomismo
se infiltrou também entre nós.
Às vezes se coloca a falsa antítese: É melhor ter a doutrina do amor do
que ter amor à doutrina. ” Respondemos: É melhor ter amor à doutrina do amor e
fazer o que está ao nosso alcance para proclamá-la e preservá-la para as
gerações futuras. É preciso, igualmente, tomar cuidado com a maneira como se
interpreta a recomendação tantas vezes ouvida: ‘Se for errar, é melhor errar
para o lado do evangelho’. É uma afirmação, sem dúvida nenhuma,
bem-intencionada, mas, mal-entendida e mal-usada, pode se tornar uma rampa pela
qual se escorre para o antinomismo. Evangelho é a boa nova da graça de Deus em
Cristo. Não tem nada a ver com ‘liberar geral’ ou com a fuga da
responsabilidade do ministro como despenseiro dos mistérios de Deus. A melhor
opção sempre é: buscar orientação na Palavra de Deus para procurar evitar o
erro.
Com isso, também estou dizendo que só por termos o nome de ‘luteranos’
não somos automaticamente donos da verdade. Não temos a doutrina pura por
direito adquirido. Poder usufruir desta doutrina é graça de Deus. Precisamos
ser e permanecer humildes alunos da doutrina da verdade. O apóstolo Paulo
pergunta também a nós: “Porventura, a palavra de Deus se originou no meio vós
ou veio ela exclusivamente para vós outros? ” (1 Co 14.36). Se fomos agraciados
com a doutrina verdadeira, precisamos lembrar que ela não é nossa, temos uma
dívida com o mundo e com as demais denominações. Precisamos testemunhar a todos
a centralidade da justificação pela fé. Precisamos compartilhar o precioso
tesouro da sola gratia, sola fide e sola
Scriptura.
Bibliografia
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[Texto
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Apresenado no Conselho
Diretor da IELB em 2008
[1]
Todas as traduções incluídas neste texto são do próprio autor.
[2]
Hermann Otto Erich Sasse (1895-1976) recebeu uma educação teológica liberal em
Berlim. Só mais tarde, o estudo da teologia de Lutero, das Confissões Luteranas
e da ortodoxia luterana o conduziu a uma compreensão correta da Escritura
Sagrada. Foi pastor em Berlim por treze anos.
Em 1933, foi chamado para ser professor de História da Igreja e Dogmática na
Universidade de Erlangen. Se opôs ao nazismo e ao unionismo que não distinguia
entre a teologia luterana e reformada e se tornou um ardoroso defensor do
luteranismo confessional. Após a 2º
Guerra Mundial, percebendo que lhe era impossível permanecer como membro
da igreja alemã que promovia o unionismo, aceitou, em 1949, um chamado da
Igreja Luterana da Austrália para ser professor no Seminário de Adelaide. Lá
permaneceu até sua aposentadoria em 1965. Sasse participou ativamente do
movimento ecumênico tanto no movimento Fé e Ordem como também no trabalho da
Convenção Luterana Mundial que, posteriormente, veio a ser a Federação Luterana
Mundial. Sempre defendeu a lealdade às Confissões luteranas e repudiou um
ecumenismo que procura a unidade às custas da verdade. Sasse foi um escritor
prolífico e de seus muitos escritos, pelo menos, os seguintes foram traduzidos
para o português: “Igrejas confessionais no movimento ecumênico com referência
especial à Federação Luterana Mundial”, Igreja
Luterana, 30, nº 1 e 2 (1969); Isto é
o Meu corpo: A luta de Lutero em defesa da presença real no sacramento do
altar. Porto Alegre: Concórdia, 1970; e Aqui nos firmamos: Natureza e
caráter da fé luterana. Trad.Leandro Daniel Hübner.
Canoas: Editora da ULBRA, 2008. Nesta última obra, ele delineia claramente a
incompatibilidade entre a teologia luterana e a reformada. Ao citarmos Sasse
repetidamente nesta palestra, o fazemos consciente de que o contexto em que nos
encontramos é diferente do contexto em que Sasse viveu e escreveu. Não
obstante, o perigo do unionismo e a tentação de sacrificar a verdade da palavra
de Deus com o objetivo de conquistar uma paz externa entre denominações com
teologias diversas continua tão presente hoje como no passado. Da mesma forma,
permanece a necessidade ecumênica de testemunhar ao mundo a verdade do
evangelho autêntico de Cristo em oposição a um “ecumenismo festivo”.
[3]
Sasse está sendo citado aqui a partir da versão inglesa de sua obra
simplesmente porque era esse o texto que o autor tinha à mão ao elaborar a
palestra.
[4]
É importante salientar que a presente pesquisa não incluiu um estudo sobre a
posição doutrinária específica das Igrejas Evangélicas Reformadas do Brasil
(IERS). Um Documento Protocolo aprovado pelos representantes oficiais das IERS
e da IELB, no dia 17 de abril de 1993, em Carambeí, PR, afirma (II: 3, 4): “3.
As doutrinas fundamentais primárias em que há grande unanimidade são as
doutrinas a respeito da fé salvadora, da justificação pela graça, do pecado e
suas consequências, da SS. Trindade, da satisfação vicária de Cristo, da
Palavra de Deus e da ressurreição. 4. Há doutrinas que precisam de diálogo e
aprofundamento bíblico e confessional, entre as quais, além de outras, estão a
doutrina da predestinação, da Cristologia e da Santa Ceia”.
[5]
No gráfico de Brinsmead, a linha que representa a santificação, no modelo
luterano, é uma linha reta. Inserimos uma linha ondulada para indicar que a
santificação não é estável na vida cristã, mas apresenta altos e baixos à
medida em que se desenrola a luta entre o novo e o velho homem (ou o espírito e
a carne) no cristão.
[6]
A obra de Watson foi traduzida para o português (Deixa Deus ser Deus.
Trad. Paulo Flor. Canoas: Editora da ULBRA, 2005). A referência acima é do
original inglês apenas porque era essa a versão que o autor tinha à mão ao
elaborar o presente texto.
[7]
Para uma análise crítica do documento “Justificação Hoje” que resultou do
debate em Helsinki, confira: Nestor Beck. La
doctrina acerca de la fe: En la Confesión de Augsburgo y documentos ecuménicos.
Canoas: Editora da ULBRA, 2005, cap. 9. Nos capítulos 10 e 11 desta obra, Beck
examina outros documentos ecumênicos das décadas de 1970 e 1980 e conclui que
todos são deficientes em sua definição de fé e justificação.
[8]
O Catecismo de Heidelberg foi escrito por Zacarias Ursinus (1534-1583). Ursinus
era luterano, estudou em Wittenberg e foi o primeiro dos discípulos de
Melanchthon a se converter do luteranismo para o calvinismo. Mas, como ressalta
Asendorf (1979, 1), ele o fez a sua maneira e por isso no Catecismo de
Heidelberg estão ausentes algumas das características do calvinismo: “a) o
pacto não é mencionado; b) seu ensino sobre a lei é semelhante à concepção
luterana . . .; c) a dupla predestinação não é mencionada” (Ibid.). Por isso, esse catecismo deve ser entendido
como um documento do calvinismo alemão, não o de Genebra. Mais adiante,
Asendorf adverte que o “Catecismo de Heidelberg oferece riscos aos luteranos na
medida em que, em alguns aspectos, se desvia das tradições calvinistas comuns
e, por isso, poderia promover sutilmente a tendência para o unionismo entre
luteranos e reformados” (Ibid.). Somos, aqui, lembrados da advertência da
Fórmula de Concórdia ao distinguir entre sacramentários crassos e sutis e
afirmar que estes são “os mais prejudiciais de todos” porque ocultando-se por
detrás de palavras especiosas, “retêm a mesma crassa opinião anterior, a saber,
que na santa ceia nada senão pão e vinho estão presentes e são recebidos
oralmente” (FC, Ep VII, 3-5).
[9]
Uma sugestão para os pastores é que confiram as traduções antes da leitura dos
textos no culto. Não é necessário usar sempre a mesma tradução. Convém
privilegiar aquela que na leitura em questão reproduz mais fielmente o texto
original.
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