quarta-feira, 27 de julho de 2016

A bênção araônica

A Bênção
     Vamos ocupar-nos um pouco com “A Bênção araônica”. O que é uma bênção? Bênção é um bem que recebemos de alguém. Existem bênçãos pequenas e maiores, muito ou menos valiosas. Bênçãos que recebemos de alguém, de pais e amigos. A fonte de todas as bênçãos, mesmo recebidas de alguém, quer sejam materiais ou espirituais, provém, unicamente, de Deus.
     Deus é a fonte de todo o bem, de todas as bênçãos. “Toda boa dádiva e todo dom perfeito é lá do algo, descendo do Pai das luzes, em que não pode existir variação, ou sombra de mudança. Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como que primícias das suas criaturas” (Tiago 1.17, 18). O apóstolo Paulo escreve: Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênçãos espirituais... (Efésios 1.3). Por isso cantamos: “Do poder de Deus depende / tudo o que o homem empreende, / e não de outro bem qualquer... “ (HL 478.1).
     A bênção pode ser material ou espiritual. Na bênção material lembramos que Deus nos criou, mantém, protege, guia e ampara. Ele concede dons e bens. Como o confessamos no 1º Artigo do Credo Apostólico. As bênçãos espirituais são nos transmitidas pelos meios da graça, Palavra e sacramentos; as quais recebemos em fé.
     Devido a nossa pecaminosidade, não merecemos as bênçãos de Deus.  Mesmo assim, Deus no-las concede graciosamente por sua bondade. A nós cabe recebe-las com gratidão e ações de graça. O salmista diz: “Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e não te esqueças de nem um só de seus benefícios. Ele é quem perdoa todas as tuas iniquidades; quem sara todas as tuas enfermidades; quem da cova redime a tua vida” (Salmo 103.2-4).
     Nós temos duas formas específica de bênçãos registradas na Bíblia, uma no Antigo Testamento e outra no Novo Testamento:
- Disse o Senhor a Moisés: Fala a Arão e a seus filhos, dizendo: Assim abençoareis os filhos de Israel; dir-lhes-eis:
     O Senhor te abençoe e te guarde;
     o Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti,
          e tenha misericórdia de  ti;
    o Senhor sobre ti levante o seu rosto, e te dê a paz.
    Assim porão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei (Números 6.22-27).
    A bênçãos específica do Novo Testamente temos do apóstolo Paulo:
- A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vôs (2 Coríntios 13.13). – As outras fórmulas que o apóstolo usa são abreviações desta.
    Vamos nos deter um pouco com a bênção Araônica.

A bênção Araônica
     Esta bênção Deus ordenou aos sacerdotes do Antigo Testamento. Eles deveriam encerar o culto de sacrifício com esta bênção, para despedir o povo. No tempo de Lutero, esta bênção foi novamente introduzida no final do culto evangélico. A Comunidade é dispensada com a bênção.
Histórico
     Quando o povo de Israel foi libertado da escravidão egípcia, Deus, por meio de Moisés, convocou o povo de Israel, ao pé do monte Sinais. Ali Deus lhes entregou a lei. Nesta lei, Deus estabeleceu também a ordem do culto para os judeus. O culto com os sacrifícios, os quais apontavam para Jesus, o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo (Isaías 53; João 1.36). Deus escolheu o irmão de Moisés, Arão e seus filhos para serem sacerdotes. A eles (um deles, ao que dirigia o culto) cabia transmitir ao povo, a bênção de Deus.   Disse o Senhor a Moisés: Fala a Arão e a seus filhos, dizendo: Assim abençoareis os filhos de Israel; dir-lhes-eis: O Senhor te abençoe e te guarde; o Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti, e tenha misericórdia de ti; o Senhor sobre ti levante o seu rosto, e te dê a paz. Assim porão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei (Números 6.22-27).
Significado
     Assim porão o meu nome sobre o povo. Estar sob o nome de alguém, digamos, de uma pessoa poderosa, de um rei, significa desfrutar dos bens, da proteção e também reponsabilidade, para fazer jus ao nome da pessoa. Ninguém pode, por sua vontade, pôr-se sob o nome de alguém, usar o nome de alguém e atuar em nome de outro, sem autorização. Pôr o nome de Deus sobre o seu povo significava que Deus se compromete, graciosamente, com seu povo, para guiá-lo, protege-lo, ouvir as orações e conceder toda a sorte de bens ao seu povo. Por isso Deus conclui: E eu os abençoarei, isto é, cumprirei o que prometi. Que maravilha.
     Algumas observações iniciais. Os sacerdotes devem terminar o culto com a bênção. Pronunciar a bênção, pôr o nome de Deus sobre o povo. Com isso Deus não estava abrindo mão de sua bênção. A bênção, propriamente dita, Deus dará. E ele a dará como e quando lhe aprouver, na medida que ele determinar. Deus sabe o que e que medida da bênção fará bem a uma pessoa, a um mais a outro menos. O importante aqui é notar a forma direta, não subjuntiva de um desejo; nem no plural, mas no singular: te abençoe. O sacerdote não deveria dizer: Que Deus vos abençoe. Não. O Senhor te abençoe, forma direta. Era uma bênção individual a cada um ali presente. Por ser ordem direta, um ato de Deus, podemos dizer (mesmo faltando o elemento material), é um ato sagrado, sacramental, pois não é simples desejo de alguém a nós.
     Lembro-me de minha primeira Comunidade em Passo do Santana (1960). Lá tínhamos dois sinos. Fora as duas chamadas para o culto, batia-se três vezes o sino no culto: Para o início, na hora da oração do Pai Nosso, e na bênção, no término do culto. Isto para que aqueles que não puderam vir ao culto fossem lembrados: Começa o culto. Na segunda batida, pudessem juntar a mãos e orar o Pai Nosso junto. No final, sabiam: Está sendo dado a bênção, que os incluía. No meu início na Comunidade “Cristo” em Porto Alegre (1983), ainda era assim. Depois, com a descristianização, e os programas na televisão, a vizinhança começou a reclamar. Tivemos que restringir o bater dos sinos. Estes detalhes, na bênção, não podem ser esquecidos.
O significado
    Três vezes aparece a palavra “Senhor”, o que indica a Trindade, Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Cada frase, tem dois assuntos, por exemplo:        te abençoe e te guarde; faça resplandecer o seu rosto e tenha misericórdia; levante o seu rosto e de dê a paz.
     Vejamos esses detalhes. A primeira frase.
- O Senhor te abençoe e te guarde. Aqui temos a primeira pessoa da Santíssima Trindade, Deus Pai, o Criador e mantenedor de todas as coisas, que governa céu e terra, e é fonte de todas as bênçãos. Deus abençoou os primeiros pais, Adão e Eva lhes disse: “Sede fecundos, multiplicai-vos, e enchei a terra (Gn 1.28). Vemos no Antigo Testamento pessoas pedindo estas bênçãos: Chuva, boas colheitas, proteção contra inimigos. Vemos como Deus manteve o povo de Israel durante 40 anos no deserto. Proveu-lhes o maná, codornizes e água. Pela nuvem que ao acompanhava, deu-lhes sombra, durante o dia e pela coluna de fogo, que os acompanhava, luz durante a noite, assegurando-lhes sua assim a presença. Suas roupas e sandálias não se desgastaram. Ao pedirmos bens materiais, os pedimos dizendo: Seja feita a tua vontade. Deus sabe o que nos fará bem ou mal. Quando somos abençoados queremos cuidar para não usarmos as bênçãos egoisticamente só para nós ou dela nos orgulhar como se fossemos nós que a providenciamos. Não! Toda a honra e glória cabe a Deus.
     O Senhor te abençoe e te guarde. Toda a proteção provém de Deus. Não cai um cabelo de nossa cabeça sem a sua permissão. “Se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela” (Salmo 127).
- O Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti. Aqui temos Jesus Cristo, nosso Salvador, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. Ele cumpriu, integralmente, a lei de Deus em favor da humanidade. Ele tomou os pecados de toda a humanidade sobre si e, por seu sofrer e morreu na cruz do Gólgota, pagou por eles. Ele triunfou sobre nosso inimigos, pecado, morte e Satanás. Por sua ressurreição, Deus Pai confirmou que aceitou todo este trabalho e sacrifício de seu Filho Jesus em favor de toda a humanidade e está reconciliado com ela. Jesus ordenou que se anunciasse a todas as nações: Arrependei-vos e crede no Filho, para perdão de vossos pecados. Através da Palavra de Deus, do evangelho, Jesus faz resplandecer o seu rosto sobre nós. Ele se mostra  gracioso, misericordiosos e benigno a nós. Apesar de sermos pecadores e mesmo como cristãos termos ainda muitas fraquezas e pecados, não precisamos temer. Jesus nos convida dizendo: Vinde a mim todos os que estais cansados e sobre carregado e eu vos aliviarei (Mateus 11.28). E nós pedimos: Restitui-me a alegria da tua salvação, e sustenta-me com um espírito voluntário (Salmo 51.12). Por isso temos aqui o segundo item: e tenha misericórdia de ti. Bênçãos que Jesus nos anuncia pela absolvição no culto, pela pregação e a lembrança de nosso batismo e pela Santa Ceia. Lutero disse com razão: Jesus encheu todos os cantos de sua igreja e das salas de cultos com o seu perdão. Ele sabe como é difícil crer e se consolar com o perdão.
- O Senhor sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz. Aqui temos a terceira pessoa da Santíssima Trindade, o Espírito Santo, o Consolador e vivificador. O levantar do seu rosto é como o despertar do sol de manhã, que ilumina, clareia e legra tudo, dá vida e ânimo. A função do Espírito Santo é anunciar e dar-nos a paz. Visto que por própria razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, nem vir a ele. O Espírito Santo nos chama pelo evangelho, ilumina com seus dons, santifica e conserva na única e verdadeira fé. Assim nos concede paz de consciência, nos consola com o perdão, enche nossa alma da esperança da vida eterna. Ele nos concede uma paz que o mundo não pode dar, uma paz que excede a todo o entendimento (Filipenses 4.7).  
     Visto estarmos aqui ainda sob a cruz, expostos a sofrimentos, visto estarmos aqui na igreja militante, a saber em guerra contra nossa natureza pecaminosa, contra as tentações do mundo e a ciladas de Satanás, ainda cheios de fraquezas na compreensão da palavra de Deus e quedas diárias em pecados, o Espírito Santo nos consola em todos os momentos.  Vejam com que paz e alegria os mártires, fortalecidos pelo Espírito Santo, enfrentaram a morte crucial. Como o Estevão viu o céu aberto, ora pelos inimigos e parte em paz. 
     Em cada culto somos confortados pela absolvição, firmados na paz pela palavra de Deus e fortalecidos na fé e na esperança da vida eterna, pela participação na Santa Ceia.
    Assim a bênção no final do culto é o verdadeiro AMEM de Deus a seus filhos. Ele garante que tudo o que ouvimos e aprendemos de sua palavra é verdade e amém. Que ele, assim como acompanhou o povo de Israel no deserto de dia e de noite, estará ao nosso lado em todos os dias e passos.
Questões práticas
     Em primeiro lugar uma palavra aos pastores. Como administrar a bênção? Em nos cultos regulares, o pastor dá a bênção no final do culto. Ele volta-se para a Comunidade, levanta suas mãos e profere a bênção, de forma clara e pausada, não como alguém que está apressado por estar no fim do culto. Ele quer que todos, crianças, jovens adultos e idosos ouçam bem a bênção, pois é um momento em que ele só empresta sua voz e suas mãos a Deus. Quem age aqui, fala e levanta as mãos sobre nós, é Deus, que atua nos corações.
     Chamamos atenção, quando há cultos festivos com pastores convidados, por ocasião da instalação de um pastor, aniversário da congregação ou um congresso. Nestes momentos não faz sentido todos os pastores ali presentes irem, na hora da bênção, para frente, levantarem as mãos e proferirem a bênção, o que acontece, infelizmente, na maioria das vezes. Isto dá motivo para piadas que tenho ouvido: - Hoje fomos bem abençoados, por pastores de peso! Quem deles será que tem a bênção mais poderosa? etc. Isto revela, tanto por parte dos pastores, como dos membros, que não compreendem a bênção. Cabe ao pastor principal, normalmente ao liturgista, o pastor do local, sozinho proferir a bênção. Cabe a ele só, colocar o nome de Deus sobre os presentes, por mais bonito que seja o “folclore” de ver, neste momento, todos os pastores ali, dando a bênção. Este momento pode ficar para a fotografia depois da bênção.
     Outro detalhe. A bênção é o ponto final do culto. Em muitas Comunidades há o costume de terminar o culto com um hino, ou a última estrofe de um hino, cantado por todos em pé. Temos até alguns hinos apropriados para isso, como por exemplo o hino “Em paz e com perdão... “ (HL 197). Liturgicamente, no entanto, não deveria seguir mais nada após a bênção.
      Em algumas Comunidades os membros se despedem após o culto, dizendo: Que Deus o abençoe, ou lhe conceda uma semana abençoada. – Ora, Deus nos deu sua bênção. Portanto, tal saudação de despedida não faz muito sentido.  Algo melhor seria talvez: Vai em paz! Ou o Ósculo da paz.
     Importante é instruir e orientar bem a Comunidade a esse respeito sentido.  
     A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vôs. Amém
                                               São Leopoldo, 15 de julho de 2016
                                                        Horst R. Kuchenbecker

      





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